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Processo n.º 15/2001 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A... e sua mulher, M..., interpõem o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão da Relação de Lisboa, de 23 de Novembro de 2000, para apreciação da constitucionalidade da norma constante do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro).
A JUNTA AUTÓNOMA DE ESTRADAS requereu contra os ora recorrentes a expropriação por utilidade pública de uma parcela de terreno com a área de 15.413 m2, a destacar do prédio rústico sito na freguesia e concelho da Moita, a que corresponde o n.º 2.008 (folhas 107v do Livro B-7), inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o artigo 60º de 174 da secção P. Os árbitros fixaram a indemnização em 12.299.574$00, classificando a parcela de terreno a expropriar como 'solo para outros fins'. Os expropriados recorreram do acórdão arbitral, alegando, em síntese, que o terreno deve ser classificado como 'apto para a construção', e não como terreno
'para outros fins', e pedindo a fixação da indemnização em 62.885.040$00. O perito do Tribunal e o dos expropriados atribuíram à parcela expropriada o valor de 18.880.925$00, atribuindo-lhe o da expropriante o valor de
12.176.270$00. O Juiz da comarca da Moita acolheu o laudo mais elevado e, tendo em consideração a actualização do valor final desde a data da declaração de utilidade pública (1 de Outubro de 1996), fixou em 20.209.578$21 a indemnização a pagar pela expropriante aos expropriados. Os expropriados recorreram, então, da sentença para a Relação de Lisboa, dizendo, inter alia, o seguinte: 'a entender-se que, pelo facto da parcela exproprianda se localizar na RAN e na REN, a classificação da mesma terá de ser solo para outros fins (e avaliação consequente), pese a expropriação sub judice ter finalidade diferente da utilidade pública agrícola, então é inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro), por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade'. A Relação negou provimento à apelação.
2. É do acórdão da Relação (de 23 de Novembro de 2000) que vem interposto o presente recurso, para apreciação da constitucionalidade da norma constante do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991.
Neste Tribunal, os recorrentes concluíram assim a sua alegação:
1. A parcela exproprianda, para efeito do cálculo da indemnização por expropriação, classifica-se como solo apto para construção (cf. artigo 24º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, o aplicável no caso sub judice).
2. A equiparação a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção, equiparação essa plasmada na norma do n.º 5 do artigo 24º do Código da Expropriações de 91, conduz à inconstitucionalidade da mesma norma no caso em apreço.
3. Na verdade, a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código da Expropriações é inconstitucional quando interpretada, como o faz implicitamente o douto acórdão recorrido, por forma a excluir da classificação do solo apto para a construção os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional (RAN) justamente com a finalidade deles serem utilizados para fins diferentes de utilidade pública agrícola.
4. A restrição da utilização dos terrenos da RAN impõe-se, por força do princípio da igualdade, ao próprio Estado e não apenas aos proprietários (cf. artigos 13º e 18º, n.º 1. Da Constituição da República Portuguesa).
5. Entendimento diverso do exarado na conclusão anterior, viola o princípio da igualdade perante os encargos públicos (artigo 266º, n.º 2, da Constituição), pois ao sacrifício da afectação do terreno na RAN acresce o da expropriação para fins diferentes da utilidade pública agrícola.
6.Os princípios da justiça e da proporcionalidade – duas das vertentes do princípio da igualdade – postulam que os expropriados recorrentes sejam compensados por terem sido alvo de sacrifícios especiais, uma vez que a onerosidade sofrida pelos expropriados recorrentes é desajustada e injusta quando comparada com os benefícios que a comunidade retira da expropriação e da afectação prévia.
7. Com efeito, os encargos que recaem sobre os expropriados recorrentes e a comunidade jurídica não têm correspondência em termos de proporcionalidade, ao poder repartido sobre o solo entre uns e outra, como sublinha este Tribunal Constitucional (2ª Secção) no acórdão n.º 267/97, de 17 de Março de 1997, proferido no processo n.º 460/95 (in BMJ n.º 465, páginas 326 e seguintes). Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso com todas as consequências legais, nomeadamente julgando-se inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código Expropriações de 91, pois, no caso em apreço, tal norma foi interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para a construção o solo integrado na Reserva Agrícola Nacional expropriado precisamente com finalidade diversa dos fins de utilidade pública agrícola.
A JUNTA AUTÓNOMA DE ESTRADAS concluiu a sua alegação como segue:
1º) O nº 5 do art. 24º do CE/91, na interpretação que lhes foi dada pelo douto Acórdão recorrido, aplica o princípio da justa indemnização.
2º) No caso dos autos, a interpretação dada àquela norma no Acórdão recorrido não viola os princípios constitucionais da igualdade, da justiça e da proporcionalidade.
3. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. O conhecimento do objecto do recurso: O acórdão recorrido – depois de dizer que a circunstância de o prédio dos autos ter acesso rodoviário e rede de energia eléctrica em baixa tensão embora sem 'as características adequadas para servir as edificações existentes ou a construir' não permite que ele seja classificado como 'solo apto para a construção' – precisou que o mesmo 'tem que classificar-se como solo para outros fins: artigo
24º, n.º 4, do Código das Expropriações'.
Poderia, assim, pensar-se que o aresto em recurso não aplicou no julgamento do caso a norma constante do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de
1991 – que é aquela que os recorrentes desejam ver apreciada sub specie constitutionis –, mas sim e tão-só a norma que consta do referido n.º 4 do mesmo artigo 24º. Tanto mais que era este número (é dizer: o n.º 4) que definia os solos para outros fins; o n.º 5, esse definia os solos equiparados a solos para outros fins: de facto, o dito n.º 4 dispunha 'considera-se solo para outros fins o que não é abrangido pelo estatuído nos dois números anteriores', enquanto que o n.º 5 preceituava que 'para efeitos do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção'.
No entanto, só é assim aparentemente. E isto, não propriamente pelo facto de o dito aresto se ter debruçado sobre a questão da constitucionalidade do mencionado n.º 5 do artigo 24º, colocada pelos recorrentes, pois podia tê-lo feito a título de mero obiter dictum – tal como ocorreu, por exemplo, num caso inteiramente diferente deste, que foi examinado no acórdão n.º 250/99 (por publicar) –, mas sobretudo porque, para atingir a conclusão a que chegou (ou seja: a conclusão de que 'tem que classificar-se como solo para outros fins'), ele acrescentou às referências atrás transcritas o seguinte: 'situando-se o prédio em Reserva Agrícola Nacional, não é permitida qualquer construção, o que aliás é confirmado pelo PDM da Câmara Municipal da Moita, publicado no Diário da República n.º 282, II série, de 7 de Dezembro de 1982, alterado pelo diploma publicado no Diário da República n.º 213, I série- B, de 15 de Setembro de
1997'. Ou seja: no fundo, o acórdão recorrido o que disse foi que as infra-estruturas de que o prédio dispõe não são suficientes para que o mesmo deva ser classificado como solo apto para construção (artigo 24º, n.º 2), antes devendo ser considerado solo para outros fins (artigo 24º, n.º 4). E acrescentou que, se assim se não entender (isto é, se não dever ser considerado solo para outros fins), então, uma vez que o imóvel integra a Reserva Agrícola Nacional, deve ele ser equiparado a solo para outros fins (artigo 24º, n.º 5) – o que, para efeitos do cálculo da indemnização, vem a dar ao mesmo, pois o n.º 1 do artigo 24º dispõe que, para esse específico efeito, o solo se classifica em solo apto para construção e em solo para outros fins.
Vale isto por dizer que o acórdão recorrido sempre utilizou o artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1991 como ratio decidendi da decisão de não classificar a parcela expropriada como solo apto para construção, mas antes como solo para outros fins ou, pelo menos, como solo equiparado a solo para outros fins.
Há, por isso, que conhecer da questão de constitucionalidade da norma constante do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991, que já se transcreveu.
5. A questão de constitucionalidade:
5.1. Disse-se atrás que o artigo 24º do Código das Expropriações de 1991 dispunha, no seu n.º 1, que, para efeito de cálculo da indemnização por expropriação, o solo se classifica em solo apto para a construção e em solo para outros fins. O n.º 2 do mesmo artigo 24º esclarecia os casos em que um solo pode ser considerado como solo apto para a construção. O n.º 3 definia o espaço de terreno que, para efeitos de aplicação do Código, é equiparado a solo apto para a construção. O n.º 4 acrescentava que o solo não abrangido pelo estatuído nos dois números anteriores era solo para outros fins. E o n.º 5, aqui sub iudicio, prescrevia que o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção deve ser equiparado a solo para outros fins.
A expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização – dispõe o artigo 62º, n.º 2 da Constituição. Ora, a indemnização só é justa, se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. E, por isso, não deve atender a factores especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, para mais ou para menos. Há, consequentemente, que observar aqui um princípio de igualdade e de proporcionalidade – um princípio de justiça, em suma. O quantum indemnizatório a pagar a cada expropriado há-de realizar a igualdade dos expropriados entre si e a destes com os não expropriados: trata-se de assegurar que haja igualdade de tratamento perante os encargos públicos. O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento do direito fundamental dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de que são privados por razões de utilidade pública – sublinhou-se no acórdão n.º
194/97 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 36º, página
407) – alcança-se, seguramente, quando o legislador opta pelo critério do valor do mercado do bem expropriado, mas são possíveis outros critérios. Questão é que realizem os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade que a indemnização tem que cumprir. Ora, quando os solos tenham aptidão edificativa, os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade só são respeitados, se essa potencialidade for levada em conta no cálculo da indemnização a pagar ao expropriado. Sublinhou-se a propósito no acórdão n.º 131/88 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 11º, página 475), repetindo o que se escrevera no acórdão n.º 341/86, que o ius aedificandi deve ser considerado como 'um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva capacidade edificativa'
No citado acórdão n.º 194/97, o Tribunal concluiu que as normas constantes das várias alíneas do n.º 2 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991 não são inconstitucionais, pois que não violam o direito à justa indemnização, nem o princípio da igualdade.
Para assim concluir, o Tribunal começou por fazer notar que, nesse n.º 2 do dito artigo 24º, o legislador, ao definir solo apto para a construção, adoptou um critério concreto de potencialidade edificativa, que é o único critério idóneo para o efeito tido em vista – ou seja: para o efeito de, no cálculo da indemnização a pagar pelo bem expropriado, se valorizar efectivamente o ius aedificandi. É o único critério idóneo – frisou –, porque, em abstracto, todos os solos, incluindo o dos prédios rústicos, mesmo que fazendo parte, designadamente, da Reserva Agrícola Nacional, são aptos para neles se construir. Acrescentou-se nesse aresto que, «se não se exigisse que a capacidade edificativa do terreno existisse já no momento da declaração de utilidade pública, poderiam criar-se artificialmente factores de valorização que, depois, iriam distorcer a avaliação. E, então, a indemnização podia deixar de traduzir apenas 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' e ser 'desproporcionada à perda do bem expropriado'». E precisou-se aí mais o seguinte: Ora, só quando os terrenos expropriados 'envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa' [...] é que se impõe constitucionalmente que, na determinação do valor do terreno expropriado, se considere o ius aedificandi entre os factores de valorização. Tal, porém, só acontece quando essa potencialidade edificativa seja uma realidade, e não também quando seja uma simples possibilidade abstracta sem qualquer concretização nos planos municipais de ordenamento, num alvará de loteamento ou numa licença de construção.
5.2. Decorre do que vem de dizer-se que o n.º 5 do citado artigo 24º não padece de qualquer inconstitucionalidade.
De facto, ao dispor que, 'para efeitos do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção', o que o preceito diz é que, na cálculo da indemnização a pagar pela expropriação de uma parcela de terreno que, por exemplo, esteja integrada na Reserva Agrícola Nacional (como é o caso dos autos), entre os factores de valorização, não tem que se considerar o ius aedificandi. E bem se compreende que, num tal caso, o direito de edificar não seja considerado no cálculo da indemnização a pagar: é que, por força da lei, em terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, com excepção das obras com finalidade exclusivamente agrícola
[alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho], praticamente não se pode construir. Faz, no entanto, excepção a construção de 'vias de comunicação, seus acessos e outros empreendimentos ou construções de interesse público, desde que não haja alternativa técnica economicamente aceitável para o seu traçado ou localização' [alínea d) do mesmo n.º 2 do citado artigo 9º]. Ora, não se podendo construir nesses terrenos, na expropriação não está, obviamente, envolvida 'uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa', e só esta potencialidade (ou seja, só a aptidão edificativa que for uma realidade), tem, por força da Constituição – e, assim, sob pena de se violarem os referidos princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade que a indemnização, para ser justa, tem que cumprir – que ser levada em conta no cálculo do valor da indemnização a pagar.
É certo que este Tribunal, no seu acórdão n.º 267/97 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 36º, página 759), julgou inconstitucional a norma constante do mencionado artigo 24º, n.º 5, «enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para a construção' os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola».
Do julgamento de inconstitucionalidade feito no citado acórdão n.º 267/97 não decorre, porém, que o dito n.º 5 do artigo 24º também seja inconstitucional quando, como no caso sucede, a parcela expropriada é destacada de um terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional com vista à construção de uma auto-estrada, em vez de, como aconteceu no caso sobre que incidiu aquele aresto, o destino da parcela expropriada ter sido a edificação de um quartel de bombeiros: desde logo, porque, embora em ambos os casos se tenha dado ao terreno expropriado uma utilização não agrícola, na presente situação, a expropriação não pressupôs a libertação do terreno daquela Reserva Agrícola, enquanto que, na hipótese julgada naquele aresto, foi necessário proceder à sua desafectação da referida Reserva. Ora, quando o terreno expropriado é afectado à construção de uma auto-estrada, não pode falar-se em aptidão edificativa: o terreno não a tinha, porque estava integrado na Reserva Agrícola Nacional, e o destino que lhe é dado continua a não a revelar. E, por isso, não pode dizer-se que, num tal caso, haja injustiça ou se viole a igualdade com o facto de, na indemnização a pagar ao expropriado, se não entrar em linha de conta com a potencialidade edificativa do terreno: esta, pura e simplesmente, não existia, nem decorre da expropriação.
Como se sublinhou no acórdão n.º 20/2000 (publicado no Diário da República, II série, de 28 de Abril de 2000) – que concluiu não ser inconstitucional a norma constante do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991,
«interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para a construção' solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação» -, a ratio decidendi daquele acórdão n.º
267/97 baseou-se «não na desvinculação de uma utilização agrícola pela expropriação, ou na ilegitimidade de expropriação de prédios impostos na Reserva Agrícola Nacional, mas na circunstância de, nesse caso, a interpretação normativa em apreço conduzir à não consideração de 'solo apto para a construção' de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles se construir prédios urbanos, em que, portanto, a 'muito próxima ou efectiva' potencialidade edificativa fica demonstrada pelo facto de a expropriação – aliás acompanhada de desafectação da Reserva Agrícola Nacional – ser efectuada para edificação de construções urbanas». E acrescentou-se nesse aresto: Em lugar da eliminação da utilização agrícola, é, pois, relevante, para tal juízo de inconstitucionalidade da não qualificação do terreno como 'solo apto para a construção', a potencialidade edificativa efectiva que se vai actualizar na construção visada pela própria entidade expropriante. O que interessa, para efeitos de 'justa indemnização', não é o facto de o terreno deixar de ter aptidão agrícola – como acontece quer na construção de um prédio urbano, quer com os terrenos nos quais se constrói uma auto-estrada -, pois isso não afecta a necessidade da sua qualificação como 'solo apto para a construção'. Relevante para esse efeito é, sim, o facto de terem ou não uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa, que resulta do facto de o expropriante lhe dar uma utilização para construção.
Um pouco mais adiante, o mesmo aresto n.º 20/2000 insistiu: Repete-se que a alteração da destinação agrícola, só por si, não impõe uma indemnização como 'solo apto para a construção', pois não baseia a existência de uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa. Da construção da auto-estrada não resulta, na verdade, a potencialidade edificativa de construções urbanas, relevante para a qualificação como 'solo apto para a construção', como resultaria se a expropriação, com desafectação da Reserva Agrícola Nacional, fosse para construção de um prédio urbano.
Por sua vez, FERNANDO ALVES CORREIA – que dá nota da dissemelhança entre os casos que estiveram na origem dos citados acórdãos nºs 267/97 e 20/2000 – sublinha que o 'sentido profundo' do julgamento de inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 267/97 «é o de impedir que a Administração, depois de ter integrado um determinado terreno na RAN – integração essa de que resulta uma proibição de construção, mas que não é acompanhada de indemnização, já que tal proibição é uma mera consequência da vinculação situacional
(Situationsgebundenheit) da propriedade que incide sobre os solos integrados na RAN, isto é, um simples produto da situação factual destes, da sua inserção na natureza e na paisagem e das suas características intrínsecas –, venha, posteriormente, a desafectá-lo, com o fim de nele construir um equipamento público, pagando pela expropriação um valor correspondente ao de solo não apto para a construção». «Na verdade – acrescenta –, se o Tribunal Constitucional coonestasse um tal comportamento da Administração e não julgasse inconstitucional a norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de
1991, na referida interpretação, estaria a legitimar a 'manipulação' das regras urbanísticas por parte da Administração, que poderia traduzir-se na integração de um terreno na RAN, desvalorizando-o, para mais tarde o desafectar, para nele construir, adquirindo-o, por expropriação, e pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para a construção» (cf. A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, Coimbra, 2000, página 52).
5.3. Em conclusão, pois: A pertença de um terreno à Reserva Agrícola Nacional implica praticamente a eliminação do direito do proprietário a nele construir edificações urbanas e, bem assim, a de qualquer expectativa razoável de desafectação do mesmo, a fim de, libertado dessa vinculação, ser destinado ao mercado da construção imobiliária. E essa restrição do direito de propriedade (suposto, obviamente, que o ius aedificandi é uma dimensão desse direito), que é determinada por razões de utilidade pública (trata-se de reservar à produção agrícola os terrenos que, para esse efeito, têm maiores potencialidades), acha-se constitucionalmente justificada, pois um dos objectivos da política agrícola é, justamente, 'assegurar o uso e a gestão racionais dos solos', com vista, naturalmente, a 'aumentar a produção e a produtividade da agricultura' [cf. Constituição, artigo 93º, n.º 1, respectivamente, alíneas d) e a)].
A proibição de edificar em terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional, imposta como é pela própria natureza intrínseca da propriedade, mais não é, pois
– sublinhou-se no acórdão n.º 329/99 (publicado no Diário da República, II série, de 20 de Julho de 1999) –, do que 'uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo'. Por isso, quando se expropria uma parcela de terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional, não tem que tomar-se em consideração no cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, a potencialidade edificativa dessa parcela: é que – repete-se – essa potencialidade edificativa não existe, nem a expropriação a faz nascer. Só assim não será, devendo, então, levar-se em conta a aptidão edificativa do terreno expropriado no cálculo do valor da indemnização a pagar, quando a expropriação for acompanhada da desafectação da Reserva, e aquele terreno destinado a nele se levantarem construções urbanas, como aconteceu no caso sobre que incidiu o referido acórdão n.º 267/97. Tal como se concluiu no citado acórdão n.º 20/2000, a norma sub iudicio (ou seja, a norma constante do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de
1991, interpretada no sentido de excluir da classificação de solo apto para a construção o solo integrado na Reserva Agrícola Nacional expropriado com a finalidade de nele se construir uma auto-estrada) não é, assim, inconstitucional, pois que não viola o princípio da justiça, nem o da igualdade, nem o da proporcionalidade, que uma indemnização justa deve cumprir.
Há, por isso, que negar provimento ao recurso e confirmar o julgamento de não inconstitucionalidade feito pelo acórdão recorrido.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). negar provimento ao recurso; e, em consequência, confirmar o julgamento de não inconstitucionalidade feito pelo acórdão recorrido;
(b). condenar os recorrentes nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 23 de Maio de 2001 Messias Bento Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida