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Processo nº 450/92 Plenário Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. - Provedor de Justiça requereu ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 281º da Constituição da República (CR) e no artigo 51º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, 'da parte da norma que se encontra contida no artigo 11º, nº 1, alínea b) [na versão originária, hoje alínea c)] do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares”
(IRS),aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, que determina a incidência do IRS sobre as 'pensões de preço de sangue'.
2. - Considera o requerente que a norma em referência é materialmente inconstitucional, com base nos seguintes fundamentos:
– Violação do princípio da legalidade tributária (art. 106º, hoje, art. 103º, nº 2, CR), nas suas dimensões de princípio da “tipicidade” e, em particular, de
“determinabilidade” (que é um corolário da ideia de Estado de direito: cfr. art.
2º CR) da norma de “incidência” tributária [cfr. art. 168º, hoje, art. 165º, nº
1, alínea i), CR] – na medida em que essa insuficiente densificação do preceito questionado permite (ou permita) subsumir na sua previsão as 'pensões de preço de sangue';
– Violação dos fins constitucionais globais do sistema fiscal e dos específicos do imposto sobre o rendimento, pois que, e respectivamente: – não podendo aceitar-se que seja legítimo ao legislador tributar todos os acréscimos patrimoniais, a tributação das pensões de preço de sangue colide com a finalidade daquele sistema de promover uma “repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (art. 106º, hoje, art. 103º, nº 1, CR), porquanto “não se vê que possa ser justa a repartição de uma compensação pelos danos morais que sofreram e sofrem os beneficiários de uma pensão de preço de sangue”; – visando o imposto sobre o rendimento “a diminuição das desigualdades” (art. 107º, hoje, art. 104º, nº 1, CR), e visando as pensões de preço de sangue, por seu turno, compensar os respectivos beneficiários pelo desigual encargo que o interesse público já sobre eles fez recair, “escapa ao bom entendimento que tais pessoas tenham de contribuir, nessa parcela do seu património, para a satisfação das necessidades públicas e correcção das desigualdades”;
– Violação do princípio geral da igualdade (art. 13º CR): é que, configurando-se a pensão de preço de sangue como uma verdadeira indemnização por danos não patrimoniais, a sua tributação representa uma discriminação arbitrária, face à norma de delimitação negativa da incidência do IRS, constante do nº 1 do artigo 13º (refere-se o artigo 14º, mas por manifesto lapso) do respectivo Código, a qual exclui generalizadamente dessa tributação “as indemnizações recebidas ao abrigo de contrato de seguro ou devidas a outro título”, salvas as situações aí mesmo previstas, entre as quais se não pode incluir a das pensões em causa.
3. - O Primeiro-Ministro, notificado, nos termos e para os efeitos do preceituado nos artigos 54º e 55º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, impugnou desenvolvidamente a procedência de todos os fundamentos de inconstitucionalidade invocados, e juntou cópia de um estudo sobre tributação das pensões nos países da União Europeia. Sustentou, em síntese, e no essencial, o seguinte:
– quanto à violação do princípio da legalidade tributária: depois de questionar que “o conceito de pensão seja um exemplo paradigmático de conceito vago e indeterminado”, reconduz o problema em apreço ao de saber “se a formulação da alínea b) do nº 1 do artigo 11º é ou não suficientemente determinada para incluir nela as pensões de preço de sangue e preencher as exigências constitucionais de fechamento do tipo em matéria de incidência dos impostos”, mas salienta que nessa indagação não pode tratar-se apenas de averiguar o sentido do preceito legal, antes importando considerar todo o conjunto de dados do sistema. Nestes dados põe particularmente em destaque o facto de não se haverem retomado ou ressalvado, seja no Código do IRS (em confronto com o antigo Código do Imposto Complementar), seja no Estatuto dos Benefícios Fiscais, as normas expressas de isenção tributária das pensões de preço de sangue, existentes ao tempo da emissão desses diplomas – não deixando, nesse contexto, de chamar-se a atenção para que “a previsão da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do Código do IRS não inova, na sua redacção”, em relação ao artigo 15º do antigo Código do Imposto Complementar. Conclui assim que 'as disposições de que resulta a norma de tributação das pensões de preço de sangue consentem uma aplicação imediata a essas pensões', tendo assim a incidência do imposto sido “de facto determinada no plano legal” e não por um alargamento administrativo do significado literal das normas aplicáveis;
– quanto à violação dos fins constitucionais do sistema fiscal e do imposto sobre o rendimento pessoal: começa por salientar que nem só os carenciados de protecção social são beneficiários de pensões de preço de sangue, pelo que, “por muito apelativo” que isso seja, não se pode reconduzir o “ser tributário de respeito pelo sacrifício abnegado de um ente próximo' a “dever ser merecedor de um especial tratamento fiscal'; e, neste contexto, chama à colação o exemplo de outras pensões (algumas previstas no mesmo diploma legal) a que não é conferido tratamento fiscal especial, e que nenhuma razão haveria para distinguir, desse ponto de vista, das “pensões de sangue”. Em suma: há uma “inadequação de base”, na invocação dos princípios constitucionais ora referidos como fundamento de um tratamento tributário especial para as pensões em causa: eles visam “alterações quantitativas quando o que aqui se joga é puramente qualitativo”. Entretanto, dito isso, não deixa de lembrar que a transição (dessas pensões) da situação de isenção expressa para a de tributação “foi acompanhada por uma adequada majoração”, para, depois, concluir que “todos os argumentos de justiça invocados provam de mais” e que 'a aferição da validade do sistema à luz de uma qualquer concepção de justiça provocaria a maior insegurança na sua aplicação';
– quanto à violação do princípio da igualdade: por um lado, põe em relevo o que se chama de “reversibilidade do argumento” da igualdade, e as suas implicações
(num quadro de análise de legislação tributária), para concluir que é 'demasiado temerário' formular “um juízo de insusceptibilidade de tributação com base na inexistência de uma norma de tributação para uma situação análoga – ou com base na existência de uma norma de isenção para uma situação análoga”; por outro lado, chama a atenção para uma pretensa “aporia” (mas sem se lhe dar o nome), decorrente da ressalva “quando este Código disponha diferentemente”, que na norma de delimitação negativa de incidência do artigo 13º do Código do IRS se faz: é que “a invocação da inconstitucionalidade (...) da alínea b) do artigo
11º (...) com fundamento numa alegada indevida inclusão das pensões de preço de sangue obsta a que se invoque, ao mesmo tempo, a prevalência de uma norma de isenção que supõe a inexistência dessa inclusão”.
4. - Discutido em plenário o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal, nos termos do artigo 63º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, e fixada a orientação maioritária do Tribunal, cumpre proceder à prolação do correspondente acórdão e decisão .
II Questões prévias
5. - Delimitação do objecto do pedido - Indicou-se acima como objecto do pedido a norma do artigo 11º, nº 1, alínea (então) b), do Código do IRS, na parte em que determina a incidência desse imposto sobre as 'pensões de preço de sangue'. Ora, a verdade é que o Provedor de Justiça não o delimita exacta e expressamente nesses termos, referindo-se antes – de modo que comporta alguma ambiguidade – à
“parte da norma de incidência que está contida na alínea b) do nº 1 do [dito] art. 11º” (assim, nas conclusões, e, de modo quase igual, na “abertura” do seu requerimento). E a isso acresce poder dizer-se que o alcance de um dos fundamentos da inconstitucionalidade invocados pelo requerente – o relativo ao princípio da legalidade tributária – vai virtualmente além desse segmento normativo da mesma alínea b). Por outro lado, o diploma legal – o Decreto-Lei nº 404/82, de 24 de Setembro, no momento do pedido, e o Decreto-Lei nº 466/99, de 6 de Novembro, hoje – que prevê e regula a atribuição das “pensões de preço de sangue” abrange igualmente as
'pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País', estabelecendo um regime em grande parte comum a ambos os tipos de pensões, e atribuindo-lhes (dir-se-á) uma natureza em quase tudo semelhante. E o facto é que o requerimento inicial contém referências a disposições daquele primeiro diploma aplicáveis a ambos os tipos de pensões. Pesem estas considerações (e a argumentação ex adverso que a partir delas se poderia pretender extrair), entende-se que o objecto do pedido – e, portanto, da apreciação do Tribunal – não pode deixar de ser fixado senão nos termos precisamente indicados: ou seja, o pedido do requerente deverá ser interpretado como incidindo sobre a referida disposição do Código do IRS na parte em que determina a incidência deste imposto sobre (apenas) as 'pensões de preço de sangue' [não devendo alargar-se, seja a toda a (então) alínea b) do artigo 11º do Código do IRS, seja, em todo o caso, à presumível abrangência, por esse preceito, das restantes pensões regidas pelo Decreto-Lei n º 404/82 e, agora, pelo Decreto-Lei nº 466/99]: é que a essas considerações sempre sobrelevará o sentido geral do requerimento do Provedor de Justiça, o qual é absolutamente inequívoco quanto a que se pretende pôr em causa tão-só a tributação em IRS das
“pensões de preço de sangue”. O entendimento expresso na resposta do Primeiro-Ministro não parece, aliás, ter sido outro. É, pois, de harmonia com esse sentido geral do requerimento que deve interpretar-se a referência que, tanto na sua “abertura”, como nas suas conclusões, se faz à “parte da norma de incidência” contida na (então) alínea b) em causa.
6. - Conhecimento do objecto do pedido – O pedido reporta-se à alínea b) do nº 1 do art. 11º do CIRS – cujo teor, na sua versão originária, era o seguinte:
1. - Consideram-se pensões: a) As pensões de aposentação ou de reforma, velhice, invalidez ou sobrevivência, bem como outras de idêntica natureza e respectivos complementos, e ainda as pensões de alimentos; b) As pensões e subvenções não compreendidas na alínea anterior; c) As rendas temporárias ou vitalícias.
Mas, hoje, a norma contida nesse preceito, e cuja fiscalização é requerida, encontra antes o seu suporte na alínea c) desse mesmo nº 1, em consequência da nova redacção dada a tal artigo, em primeiro lugar, pela Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro (Orçamento de Estado para 1995), e, mais recentemente, pela Lei nº
30-G/2000, de 29 de Dezembro (Reforma da Tributação do Rendimento).
As modificações então introduzidas consistiram na alteração da alínea a) do nº
1, na introdução de uma nova alínea b) no mesmo número – com a consequente transformação das anteriores alínea b) e c) nas novas alíneas c) e d) – , e na introdução de um novo nº 2, com a consequente passagem do anterior nº 2 (cujo conteúdo preceptivo é irrelevante para a apreciação da questão sub judice) para o novo nº 3.
O artigo 11º, nºs 1 e 2, ficou, assim, com a seguinte nova redacção:
1 – Consideram-se pensões: a) As prestações devidas a título de pensões de aposentação ou de reforma, velhice, invalidez ou sobrevivência, bem como outras de idêntica natureza, incluindo os rendimentos referidos no nº 12 do artigo 2º, e ainda as pensões de alimentos; b) As prestações a cargo de companhias de seguros, fundos de pensões, ou quaisquer outras entidades, devidas no âmbito de regimes de complementares de segurança social em razão de contribuições da entidade patronal, e que não sejam consideradas rendimentos do trabalho dependente; c) As pensões e subvenções não compreendidas nas alíneas anteriores; d) As rendas temporárias ou vitalícias.
2 – A remição ou qualquer outra forma de antecipação de disponibilidade dos rendimentos previstos no número anterior não lhes modifica a natureza de pensões.
Como se vê, a actual alínea c) mantém, absolutamente inalterado, o teor da anterior alínea b) do nº 1; e também não se afigura que o seu conteúdo e alcance tenham mudado, em função e no contexto dos aditamentos introduzidos pelo legislador na disposição em que ela se insere. Mas ainda que, neste último capítulo, algum ajustamento houvesse de fazer-se, sempre seria certo que ele não afectaria a potencial subsunção, na norma em causa, das “pensões de preço de sangue”, nem o título a que a mesma ocorrerá.
Não obstante isso, há que colocar a questão de saber se pode conhecer-se do pedido, tomando como seu objecto a norma da actual alínea c).
A essa questão - que, como se sabe, se prende com a obediência ao princípio do pedido, em fiscalização abstracta de constitucionalidade -, dá-se resposta afirmativa: por um lado, a alteração em causa não corresponde a nenhuma alteração substancial; por outro lado, também não traduz nenhuma verdadeira alteração sistemática, tratando-se assim apenas de um mero rearranjo formal traduzido na reordenação das alíneas de um único preceito, resultante da mera introdução de uma nova alínea.
Aproxima-se assim o caso presente - tratando-se de uma norma de um código cujos preceitos sofreram sucessivas redacções e não de normas idênticas de diplomas sucessivos -, daquele que foi por este Tribunal decidido no Acórdão nº 806/93
(in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26º vol., pp. 95 e segs.), onde se entendeu tomar conhecimento do pedido relativo ao art. 55º, nº 1, e), do Código do IRS, apesar de ele ter sido entretanto alterado (antes mesmo, aliás, da apresentação do pedido), por essa alteração ter apenas consistido no aditamento de um inciso que em nada relevava para o pedido (cfr. p. 107): 'não se poderá no caso falar de uma verdadeira e própria revogação, pois que está em causa a sucessão no tempo de distintas redacções conferidas por legislação avulsa a um preceito integrante de um Código' (p. 106). E afasta-se do caso decidido no Acórdão nº 57/95, (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., pp. 141 e segs., no nº 8, em especial 8.3 e 8.4.5), onde o Tribunal, embora com votos de vencido, deixou de conhecer da questão da constitucionalidade quanto, designadamente, às normas dos artigos 74º e 75º do CIRS, por ter entendido que
'as alterações suportadas pelas normas daqueles dois artigos” eram “de tal modo profundas” que não se podia conhecer da questão da sua conformidade com a Constituição. É que neste último caso o Tribunal reconheceu a existência de uma verdadeira e profunda alteração sistemática: “de facto, o art. 74º do CIRS foi objecto de uma remodelação ou reestruturação quase integral”. E mesmo o não conhecimento do pedido relativamente a algumas alíneas daqueles artigos cuja alteração consistia apenas no facto de terem mudado de posição sistemática ficou a dever-se ao facto de essa mudança se situar no contexto dessa total reorganização daqueles dois artigos do Código do IRS, o que no presente caso não acontece. As “formulações” do citado Acórdão nº 57/95 sobre esta questão hão-de ser situadas no respectivo contexto e não comportam uma generalização tão ampla que levasse ao não conhecimento do pedido num caso como o dos autos, em que a alteração de numeração de uma alínea, dentro do mesmo número de um mesmo preceito, resulta da mera introdução de uma outra alínea, sem quaisquer outras consequências substanciais ou sistemáticas. Isso seria uma extrapolação excessiva daquele mencionado aresto.
Vai assim conhecer-se da norma da actual alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Código do IRS, na medida em que abrange as “pensões de preço de sangue”.
III Fundamentos
A) As pensões de preço de sangue
7. - Regime e natureza das pensões de preço de sangue - Consta esse regime, hoje, do Decreto-Lei nº 466/99, de 6 de Novembro (pertencem a esse diploma os preceitos citados doravante sem qualquer outra indicação).
Os fundamentos da atribuição da pensão são os enunciados nos artigos 2º e 3º; os beneficiários ou titulares dela constam do artigo 5º, devendo ainda, e a esse respeito, ter-se em conta a especificação do artigo 7º, os requisitos especiais do artigo 8º e as causas de cessação do direito à pensão, que são as do artigo
14º; o quantitativo da pensão é definido no artigo 9º, completado pelo artigo
11º.
Destes aspectos substantivos centrais do regime legal das pensões de preço de sangue importará destacar aqui:
– que o fundamento da atribuição da pensão é sempre o falecimento de qualquer das pessoas mencionadas nos artigos 2º e 3º, nas circunstâncias aí referidas
(militar ou civil incorporado nas Forças Armadas; deficiente das Forças Armadas com incapacidade igual ou superior a 60%; magistrado, oficial de justiça, agente policial e funcionário dos serviços prisionais e de reinserção social; pessoal médico, em caso de alteração da ordem ou de combate de epidemias de moléstia infecciosa ou contagiosa; médico, engenheiro ou qualquer técnico, em caso de trabalhos com radiações ou matérias tóxicas; bombeiro e membro do Serviço Nacional de Protecção Civil; membro da Direcção-Geral das Florestas, no caso de combate a incêndios florestais; qualquer funcionário, no caso de acções de emergência ou de protecção civil; qualquer cidadão português no desempenho de missão no estrangeiro ao serviço do Estado Português ou ao serviço de organização internacional em consequência de vinculação do Estado Português); no caso do nº 3 do primeiro desses artigos (referente aos acidentes em exercício de funções de titulares de órgãos de soberania e de órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, de governadores civis e de presidentes de câmaras municipais ou de vereadores em regime de permanência), também a incapacidade absoluta e permanente para o trabalho confere direito a essa atribuição. Note-se ainda que, nos termos do artigo 72º, nº 2, do Regulamento da Lei do Serviço Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 289/2000, de 14 de Novembro, também têm direito à pensão de preço de sangue as pessoas a cargo dos cidadãos cujo falecimento ocorra no cumprimento dos deveres militares previstos nas alíneas a), b) e d) do artigo 57º da Lei nº 174/99, de 21 de Setembro (Lei do Serviço Militar) - comparência ao recrutamento militar, ao Dia da Defesa Nacional ou nos dias, horas e locais determinados pelas autoridades competentes - ou em prestação de serviço militar efectivo;
– que é pressuposto do direito a receber a pensão que as pessoas referidas no artigo 5º (e reunindo os requisitos do artigo 8º) “estivessem a cargo do falecido à data do óbito” (artigo 7º, nº 1) – pressuposto que, todavia é dispensado “quanto aos órfãos menores, à pessoa que criou o falecido e aos ascendentes” (artigo 7º, nº 2); note-se que, nos termos da alínea h) do art. 3º da Lei nº 135/99, de 28 de Agosto, e da alínea g) do art. 3º da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, também têm direito à pensão de preço de sangue os que,
“independentemente do sexo” (nos termos desta última lei), vivam em união de facto há mais de dois anos com o falecido;
– que o quantitativo da pensão não é influenciado pelos rendimentos do ou dos beneficiários (artigo 11º, nº 1: “o quantitativo da pensão a conceder aos beneficiários não sofrerá qualquer redução”).
Quanto a este último aspecto, é de realçar que o primitivo artigo 10º do Decreto-Lei nº 404/82, de 24 de Setembro (anterior regime legal das pensões de preço de sangue), determinava que o quantitativo da pensão sofreria redução se os beneficiários possuíssem rendimentos superiores à remuneração atribuída à
última letra da tabela de vencimentos da função pública. Este preceito foi no entanto revogado pelo Decreto-Lei nº 140/87, de 20 de Março, e, no que diz respeito às pensões de preço de sangue, também não encontra correspondência no actual regime, pelo que, desde 1987, o quantitativo da pensão não sofre qualquer redução em função dos maiores ou menores rendimentos do ou dos beneficiários.
Deste regime legal infere-se que as “pensões de preço de sangue” assumem uma natureza indemnizatória dos danos sofridos pelos respectivos beneficiários, em consequência do falecimento de pessoa encontrando-se com eles numa das relações contempladas no nº 1 do artigo 5º (ou, obviamente, da incapacidade absoluta e permanente do próprio, no caso do nº 3 do artigo 2º). De resto, foi essa mesma natureza que expressamente veio a ser-lhes reconhecida (mais precisamente: que se entendeu que elas “deviam assumir”) no preâmbulo do Decreto-Lei nº 266/88, de
28 de Julho (que alterou o já referido Decreto-Lei nº 404/82). Aí se escreveu:
'A natureza das pensões em causa foi sempre a de uma prestação pecuniária destinada a não deixar em dificuldades económicas os autores de actos relevantes e dignos de público reconhecimento ou as pessoas a eles ligadas. Daí que a carência económica dos beneficiários tivesse sido sempre um dos requisitos da atribuição das pensões. A exigência de um tal requisito não se coaduna, porém, com a natureza essencialmente indemnizatória que estas pensões devem assumir quando dos actos que lhes dão origem tenha resultado o falecimento ou a impossibilidade física do seu autor. Nestes casos, a pensão será atribuída e paga independentemente da situação económica dos beneficiários. Relativamente aos demais, mantém-se o requisito de carência económica'.
No actual regime, como se disse, o legislador não se afastou deste entendimento.
8. - Regime fiscal das pensões de preço de sangue antes do IRS e subsequente evolução - Nos termos da redacção original do artigo 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 404/82, o quantitativo da pensão era “isento de qualquer imposto, excepto o do selo”; entretanto, com a nova redacção dada a esse preceito pelo Decreto-Lei nº 140/87, foi inclusivamente eliminada esta excepção.
Por outro lado, e paralelamente, também no antigo Código do Imposto Complementar se isentavam expressamente da incidência desse imposto as “pensões de preço de sangue”: cfr. o artigo 8º, nº 1, alínea x).
Com a entrada em vigor da nova Reforma Fiscal, a matéria das isenções (e outros benefícios fiscais) passou a ter a sua sede no Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 215/89, de l de Julho – no qual se não inscreve qualquer isenção relativa especificamente às pensões em apreço. Por outro lado, nas suas disposições transitórias, esse Decreto-Lei ressalvou apenas os benefícios adquiridos anteriormente (mais precisamente: até 31 de Dezembro de
1988) “de fonte internacional e contratual” ou “temporários e condicionados”
(cfr. artigo 2º, nºs 1 e 2) – o que não era, manifestamente, o caso do respeitante às “pensões de preço de sangue”. Quer isto dizer que a norma ou normas que, até aí, estabeleciam a isenção fiscal de tais pensões foi ou foram pura e simplesmente revogadas.
Daí que, neste outro quadro, se tenha estabelecido o entendimento generalizado – tanto por parte da Administração fiscal como dos comentadores – de que as
“pensões de preço de sangue” passaram a estar abrangidas pela norma da alínea b)
[actual alínea c)] do nº 1 do artigo 11º do Código do IRS, representando mesmo um “caso típico” de aplicação deste preceito. Cfr., por exemplo, F. Pinto Fernandes e J. Cardoso dos Santos, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (Anotado e Comentado), Lisboa, 1989, p. 121 ['São igualmente abrangidas na categoria H as pensões ou subvenções não compreendidas na alínea a), designadamente as pensões de sangue, as derivadas de responsabilidade civil, de relações familiares, de disposições testamentárias, etc ...']; Código do IRS
– Comentado e Anotado, ed. da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, 2ª ed., 1990, p. 126; Herculano Curvelo, Vasco Guimarães, Ramos Costa e Gaspar Encarnação, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
(comentado e anotado), Lisboa, 1990, p. 168 ['Este artigo dá-nos um conceito amplo de pensão, abrangendo e incluindo todas as remunerações, independentemente da fonte, recebidas sem contra-prestação e em função de um vínculo existente - reforma e aposentação, invalidez, sobrevivência -, ou uma relação social - subsídio, subvenção ou outra - ou, ainda, de um vínculo familiar anterior ou actual - pensão de alimentos']; Manuel Faustino, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares - Teoria e Prática, Lisboa, 1993, p. 227 ['Outras pensões e subvenções: Integrando-se neste outro conceito residual, podem citar-se como exemplo o subsídio de mérito cultural, previsto no Decreto-Lei nº 415/82, de 7 de Outubro, as pensões de preço de sangue e as auferidas por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país, consignadas no Decreto-Lei nº
404/82, de 24 de Setembro']; ou André Salgado de Matos, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares Anotado, Instituto Superior de Gestão, Lisboa, 1999, p. 176 [“pensões deste tipo serão o subsídio de mérito cultural
(Decreto-Lei nº 415/82, de 7 de Outubro, as pensões de preço de sangue e as auferidas por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país (Decreto-Lei nº 404/82, de 24 de Setembro) e o rendimento mínimo garantido (Lei 19-A/96, de
29 de Junho”].
É neste contexto que vem formulado (e se explica) o pedido do Provedor de Justiça, ora sub judice.
Dito isto, importa ainda deixar assinalado o seguinte – agora quanto à tributação das pensões, em geral, no quadro do IRS:
- trata-se de uma tributação “bonificada”, através das “deduções” previstas no artigo 51º CIRS (o respectivo valor de referência, inicialmente de 400.000$, foi sendo objecto de sucessivas actualizações anuais, a última das quais o fixou em 1.523.000$ (redacção do artigo 1º da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro);
- independentemente disso, as pensões “da competência da Caixa Geral de Aposentações e do Montepio dos Servidores do Estado”, quando anteriormente isentas de imposto complementar, foram objecto de uma majoração especificamente destinada a compensar o facto de terem passado a ser tributadas em IRS: artigo
3º do Decreto-Lei nº 487/88, de 30 de Dezembro. Parece inquestionável que dessa majoração beneficiaram também as “pensões de preço de sangue” (cfr. artigo 1º do Decreto-Lei nº 140/87) – como, de resto, se adverte na resposta do Primeiro-Ministro.
Traçado o enquadramento que antecede – do regime e natureza das pensões de preço de sangue e do seu anterior tratamento fiscal – estão reunidas as condições para passar à análise das questões de constitucionalidade suscitadas.
B) Análise das questões de constitucionalidade
9. - A alegada violação do princípio da legalidade tributária - Tem-se este fundamento (resultante duma suposta densificação insuficiente da norma impugnada) por claramente improcedente.
Desde logo, não parece que o conceito de “pensão” seja um exemplo paradigmático de “conceito indeterminado”. Mas, para além disso, nem a doutrina, nem, em particular, a jurisprudência do Tribunal, excluem o recurso a conceitos indeterminados em normas fiscais de incidência.
Debruçando-se sobre esta questão, o Tribunal afirmou que tal só será inadmissível quando tais cláusulas ou conceitos coloquem 'nas mãos da Administração um poder arbitrário de concretização' (cfr. Acórdão 756/95, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32º vol., pp. 775 e segs.) onde se decidiu não ser inconstitucional uma norma que sujeita a imposto 'quaisquer outros rendimentos derivados da simples aplicação de capitais'. Ora, isto manifestamente não acontece no caso presente, ainda quando se admita que o conceito de “pensão” comporta algum halo de indeterminação, a concretizar pelos operadores jurídicos [note-se, a propósito, que a referida introdução de uma nova alínea b) no nº 1 do art. 11º do Código do IRS terá diminuído a suposta indeterminação da agora alínea c) do mesmo número].
De resto, a intenção do legislador (aliás, logo captada pelos comentadores, como se viu acima) parece ter sido claramente a de fazer incidir o imposto sobre todas as pensões, independentemente da sua causa ou origem.
10. - As alegadas violações do princípio da igualdade e dos fins constitucionais do sistema fiscal e do imposto sobre o rendimento pessoal – Se a argumentação do pedido for “lida” nos termos que se acham subjacentes à resposta do Primeiro-Ministro – ou seja, como assentando, essencialmente, na “natureza” das circunstâncias objectivas que podem originar a pensão (v. supra, nº 7) –, há-de convir-se que ela, com efeito, dificilmente se mostra adequada a fundar um juízo de inconstitucionalidade. E isso, ainda quando, porventura, se considere
“chocante” (num plano geral de “justiça”) que o Estado vá reclamar um “tributo” sobre pensões que têm uma tal origem.
Mas tal argumentação poderá ser “lida” em termos (algo) diversos, esses mais cingidos aos específicos critérios de “justiça fiscal” vertidos na Constituição: tratar-se-á, então, de pôr em relevo o carácter “compensatório” de um dano – isto é, “indemnizatório” – das pensões em apreço, o que seria incompatível com a sua tributação em IRS, à luz das finalidades desse imposto e do sistema fiscal no seu conjunto, enunciadas nos actuais artigos 103º e 104º CR (ou seria, pelo menos, incongruente – violando-se dessa forma o princípio da igualdade – com o modo como o legislador tratou da questão da incidência do IRS sobre as indemnizações). Dito com recurso a outra ideia ou noção: suposto que nesses preceitos constitucionais vai implícito o acolhimento de um princípio geral de imposição segundo a “capacidade contributiva” (cfr. J. M. CARDOSO DA COSTA, “O Enquadramento Constitucional do Direito dos Impostos”, in “Perspectivas Constitucionais”, vol. II, Coimbra, 1998, p. 426, nota 20), tal princípio excluiria a imposição de pensões ressarcitórias de um dano, como as de preço de sangue (por outras palavras, tais pensões não poderiam ser tomadas como “índice” daquela capacidade).
Ora, posta a questão nestes mais estreitos termos, decerto não será possível afastá-la com a consideração – da resposta do Primeiro-Ministro – da
“insegurança”, que adviria para o sistema, resultante da aferição da sua validade “à luz de uma qualquer concepção de justiça”: a não ser que se pretenda negar qualquer operatividade aos princípios materiais de tributação que decorrem da Constituição, decerto que há-de ser admitido ao Tribunal Constitucional – a ele, em particular –, aferir da validade das soluções, que o sistema consagra, tomando como padrão os critérios constitucionais de justiça fiscal ('satisfação das necessidades financeiras do Estado', 'repartição justa dos rendimentos e da riqueza' e 'diminuição das desigualdades'). O que não significa que o Tribunal não tenha de ser aí extremamente cauteloso: – desde logo, por a questão se situar numa área em que há que reconhecer ao legislador uma ampla liberdade na escolha das soluções justas, no quadro dos critérios constitucionais; – e, depois, com particular relevo para a situação sub judicio (e de algum modo ao invés), porque o legislador está adstrito, nessa área, a estabelecer a tributação progressiva do rendimento global.
No que toca ao princípio da igualdade, também não podem aceitar-se, sem mais, as observações, de carácter metodológico, constantes da resposta do Primeiro-Ministro (segundo as quais o princípio da igualdade não pode ser usado nem para alargar a aplicação do sistema fiscal nem para derrogar uma expressa norma de tributação, face a uma ausência de tributação), a propósito da validade da argumentação a partir desse princípio: é que elas significariam, na sua essência, a impossibilidade de aplicação do princípio da igualdade. Mas essas observações não deixam de representar, desde logo, uma advertência para o facto de tal argumentação implicar a consideração do plano da “lei ordinária” e a sua interpretação.
11. - A respeito da tributação das indemnizações, e da sua conformidade constitucional, podem enunciar-se, seja no plano doutrinário, seja no do direito jurisprudencial comparado ou no da própria jurisprudência deste Tribunal, indicações que apontam no sentido de que a tributação em IRS das pensões de preço de sangue, assente a sua natureza “indemnizatória”, desrespeita os princípios constitucionais ora em causa. (relembre-se que as pensões não são restringidas, nem tão pouco delimitadas, a situações de carência dos seus beneficiários).
Assim:
– Na doutrina, CASALTA NABAIS defende um entendimento exigente do princípio da capacidade contributiva como limite constitucional à tributação pelo legislador de certas indemnizações: '... testável face ao princípio da capacidade contributiva como base do princípio da igualdade fiscal, será ainda a tributação a título de rendimento das indemnizações por cessação do contrato de trabalho. Com efeito, o respeito do princípio em análise implica que tais indemnizações apenas sejam tributáveis se e na medida em que constituam rendimentos (acréscimos patrimoniais), ou seja, se e na medida em que constituam indemnizações por lucros cessantes e nunca quando se configurem apenas como indemnizações por danos emergentes, já que, nesta última hipótese, deparar-nos-emos com um imposto sobre o património disfarçado de imposto sobre o rendimento cuja legitimidade é mais que discutível até pelo facto de ele abranger apenas o aumento nominal dos patrimónios que tenham sido alvo de uma anterior diminuição através de actuações causadoras de danos' (Contratos fiscais
- Reflexões Acerca Da Sua Admissibilidade, Coimbra, 1994, nota 928, p. 288). E veio a sustentar, mais recentemente, e em termos genéricos, o seguinte: 'o princípio da capacidade contributiva reclama um conceito amplo de rendimento, que abranja a generalidade dos acréscimos patrimoniais, o que implica para o legislador, de um lado e em termos negativos, a interdição de incluir no rendimento falsos acréscimos patrimoniais, como são as indemnizações ressarcitórias ou a indemnização por danos emergentes (dirigidas exclusivamente
à reposição patrimonial), e, de outro e em termos positivos, a exigência de adopção do conceito de rendimento-acréscimo, o qual apenas deve ceder quando razões de praticabilidade ou exigências de outros princípios constitucionais assim o imponham' (O dever fundamental de pagar impostos - contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo, Coimbra, 1998, p.
520);
– Na jurisprudência constitucional comparada, podem citar-se duas sentenças do Tribunal Constitucional italiano, nas quais se adoptou um entendimento semelhante dos limites constitucionais ao poder de tributar: a Sentença nº
151/1981 e a Sentença nº 387/1989 (in Giurisprudenza Costituzionale - I, vol. XXVI, nºs 8-10, 1981, pp. 1436-1445, e vol. XXXIV, nº 7, Julho-Agosto/89, pp.
1747-1751, respectivamente). Na primeira, declarou-se não fundada a questão da inconstitucionalidade de certo preceito legal, na parte em que não estendia a isenção do imposto de rendimento das pessoas singulares, prevista para as
“pensões de guerra”, às pensões militares 'ordinárias”; na segunda, declarou-se inconstitucional o mesmo preceito, face aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, na parte em que não estendia aquela isenção a um determinado tipo de pensões militares de natureza ressarcitória, atribuídas a quem sofreu uma lesão invalidante no decurso do serviço militar obrigatório. A diferença de situações estava, precisamente, no carácter compensatório
(ressarcitório) destas últimas pensões (que resultavam de uma relação de serviço obrigatória, e cuja fixação não estava relacionada com a retribuição previamente auferida pelos seus titulares mas, antes, com a gravidade da diminuição da capacidade de trabalho sofrida por ocasião da prestação do serviço militar obrigatório) e das “pensões de guerra”, o qual já não se verificava nas referidas pensões militares “ordinárias”: com efeito, enquanto as “pensões de guerra” eram independentes de qualquer relação de serviço (delas podendo beneficiar tanto militares como civis), atribuídas em função do dano sofrido e cumuláveis com outras, já as ditas pensões “ordinárias” eram auferidas e atribuídas no âmbito de uma relação de emprego público voluntariamente constituída (em consequência de doença ou lesão resultante do serviço, sofrida pelo respectivo titular) e em função do último 'tratamento económico' de serviço
(com o qual partilhavam a natureza de rendimento, como rendimento diferido do trabalho dependente) e integrativas ou substitutivas da pensão normal. Assim, não era desproporcionado o tratamento fiscal que isentava, pela sua especial natureza e a especial motivação solidarística e social que as caracterizava, as pensões de guerra (verdadeira indemnização a título de ressarcimento de danos) mas sujeitava a imposto as pensões 'ordinárias' (auferidas no âmbito de uma relação de emprego público voluntariamente constituída, e representando a projecção de um precedente 'tratamento económico' de serviço, com o qual partilhavam a natureza de rendimento) como rendimentos (diferidos) de trabalho dependente, embora rodeadas de outras medidas fiscais para tutelar os dependentes públicos expostos a particulares riscos e sacrifícios; mas já violava o princípio da capacidade contributiva a sujeição ao imposto sobre o rendimento das tais pensões militares de natureza ressarcitória;
– Por último, e naturalmente com um especial relevo, cabe referir, na jurisprudência do Tribunal, o precedente do Acórdão nº 453/97 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 37º vol., p.353): nele se discutiu se a norma do artigo
6º, nº 1, alínea g), do CIRS – que inclui os juros de mora, e prestações semelhantes, nos rendimentos de capitais – era inconstitucional, na medida em que abrangesse também os juros de mora no pagamento de uma indemnização por acidente de viação. Ora o Tribunal entendeu que não, mas fundando-se, justamente, na distinção entre a natureza da “indemnização” em si – que, visando a reparação de um dano, “não é um acréscimo patrimonial”, e, logo, não há-de ser tributada – e a dos “juros de mora”, os quais assumem “uma objectividade autónoma”, sendo já um acréscimo pecuniário à compensação originária, de tal modo que “um sentido constitucionalmente adequado do conceito de 'rendimentos de capitais' [... ] não tem que [os]excluir da incidência do IRS”. Dir-se-á, assim, que vai aí implícita a ideia de que a tributação da indemnização por acidente de viação, por não se traduzir num verdadeiro acréscimo patrimonial mas sim na mera reparação de um dano, já não seria consonante com a Constituição, isto é, com os princípios de justiça material por ela assumidos em matéria fiscal.
Seguindo aqui este entendimento, terá de concluir-se que a tributação das pensões em causa – representando verdadeiras indemnizações e não acréscimos patrimoniais – é inconstitucional, por violação dos critérios materiais de justiça fiscal traduzidos, em especial, no princípio da capacidade contributiva
(decorrente dos artigos 13º e 103º, nº 1, da Constituição - 'repartição justa dos rendimentos e da riqueza').
Não se crê que esta conclusão possa ser posta em crise ao considerarem-se os dois aspectos do regime de tributação das pensões, em geral, em IRS, anteriormente aludidos, no nº 8.
Na verdade, no tocante ao primeiro deles, o facto de as pensões, em geral, serem fiscalmente beneficiadas em relação aos restantes rendimentos, mostra-se irrelevante ao concluirmos que os rendimentos em causa devem ser considerados como indemnizações e não como pensões. E se não é tão líquida a resposta quanto ao segundo dos aspectos referidos, ou seja, o que respeita à majoração das pensões, ele, de qualquer modo, não releva para a determinação da
“natureza” das pensões de preço de sangue.
12. - Seja como for, a natureza indemnizatória das pensões de preço de sangue sempre conduz à conclusão da inconstitucionalidade da sua tributação, por violação do princípio da igualdade, quando se tem em conta o regime geral de tributação das indemnizações previsto no Código do IRS.
O artigo 13º (delimitação negativa de incidência), nº 1, do Código do IRS (na redacção da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro - Reforma da Tributação do Rendimento) dispõe que “o IRS não incide sobre as indemnizações recebidas ao abrigo de contrato de seguro ou devidas a outro título, salvo quando: a) as indemnizações devam ser consideradas como proveitos para efeitos de determinação do rendimento das actividades empresariais e profissionais; b) as indemnizações referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º-A” [“que visem a reparação de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão”]; “c) se trate de indemnizações relativas a bens sinistrados, de harmonia com o artigo 42.º do Código do IRC; ou d) neste Código se disponha diferentemente”.
A regra geral é, assim, a não incidência do IRS sobre as indemnizações, com as excepções referidas.
As pensões de preço de sangue, como indemnizações, nada têm que ver, obviamente, com as alíneas a) e c) do nº 1 daquele artigo 13º: as situações que importa considerar serão as das alíneas b) e d).
Ora, relativamente à primeira [a alínea b)], a doutrina – face à redacção anterior do nº 1 do artigo 13º, que só se referia expressamente às indemnizações por lucros cessantes, para as sujeitar a imposto – já realçava que as indemnizações por “danos emergentes” ficavam afastadas da incidência do IRS. Assim: Rui Barreira, A tributação das indemnizações no âmbito do IRS, in
'Fisco', Ano 1, nº 9, Junho/89, pp. 4 ['... são sempre objecto de tributação as indemnizações originadas, provenientes ou relacionadas com actividades comerciais, industriais e agrícolas (...). Quanto às outras indemnizações ... não são tributáveis desde que ou na medida em que não abranjam «lucros cessantes». (...) não faria sentido a tributação da indemnização por danos emergentes, que apenas corresponde à diminuição do património existente do lesado, não havendo qualquer acréscimo, mas apenas e só a reconstituição do património lesado pelo comportamento culposo de outrem. (...) a indemnização por lucros cessantes, porque compreende benefícios auferidos pelo lesado (benefícios que não obteve mas deveria ou poderia ter obtido se não existisse a lesão), é tributada porque reconduzível ao conceito de rendimento']; F. Pinto Fernandes e J. Cardoso dos Santos, ob. cit., p. 127 ['No que diz respeito às indemnizações recebidas de companhias de seguros haverá que distinguir ... entre as que representam a reparação de lucros que deixaram de ser obtidos, que estão sujeitas a imposto, e as restantes. Assim, a indemnização, resultante de prejuízos causados por sinistros, de lucros cessantes, deverá ser incluída na categoria a que pertencem os rendimentos que deixaram de ser obtidos. (...) As indemnizações que se não enquadrem nestes parâmetros, e recebidas por pessoas singulares e não relacionadas com o exercício de actividade comercial ou agrícola, não estarão, em princípio, abrangidas pelas regras de incidência do IRS. (...) As indemnizações recebidas a título de cláusula penal inserta em negócio jurídico são enquadráveis em IRS na categoria a que pertençam os rendimentos que deixaram de ser obtidos em virtude de não cumprimento do contrato. (...) Não se verificando essa hipótese as indemnizações não serão tributáveis. Os mesmos princípios se aplicarão às indemnizações resultantes de danos patrimoniais ou morais decorrentes de responsabilidade civil ou responsabilidade criminal']; e Herculano Curvelo, Vasco Guimarães, Ramos Costa e Gaspar Encarnação, ob. cit., pp. 175-177 ['O princípio que preside à não tributação das indemnizações é o de que estas não têm carácter de rendimento, visando tão somente repor uma situação existente antes da verificação do dano.
(...) Um estudo da teoria do rendimento acréscimo revelará que esta é conforme com a consagração do princípio do art. 13º. De facto, uma indemnização não visa o acréscimo de um património, mas tão só o ressarcimento do dano provocado por acto ilícito culposo. A indemnização visa reparar o dano sofrido e não vai assim acrescentar algo a um património mas tão só colocá-lo na posição que este teria se não se tivesse verificado o evento que provocou o dano. Não existe
«acréscimo» mas tão só «reposição»'].
Pois bem: pode certamente dizer-se que, com a nova redacção do artigo 13º, esta lógica não se inverteu. É certo que agora, na versão dada a esse preceito pela Lei nº 30-G/2000, o IRS já vai incidir sobre indemnizações relativas a “danos emergentes”, só que unicamente sobre os não comprovados. Não se trata, pois, de nenhuma modificação da lógica tributária anterior: trata-se, apenas, de uma preocupação cautelar (uma cautela contra a evasão fiscal ilegítima).
Ora, as pensões neste momento em causa configuram-se como indemnizações pelos danos morais e patrimoniais sofridos pelos beneficiários em virtude do falecimento em serviço público do seu familiar. Não são, assim, indemnizações por lucros cessantes, configurando-se, antes, como indemnizações pelos danos emergentes (obviamente comprovados, pois têm na sua origem a morte em serviço de um familiar, ou a incapacidade física do próprio, situações que determinam a atribuição oficial, por acto administrativo, de uma pensão de montante legalmente prevista). Não serão assim tributáveis, na lógica do artigo 13º, nº
1, do Código do IRS (o que estará em sintonia com a leitura que atrás se fez dos critérios constitucionais materiais de justiça fiscal).
Mas a verdade é que o nº 1 do artigo 13º contém ainda uma outra alínea – a alínea d), cujo conteúdo normativo já constava do texto anterior – segundo a qual as indemnizações serão ainda tributadas em IRS “quando neste Código se disponha diferentemente” (diferentemente da regra da sua não tributação). E a verdade é também que as pensões de preço de sangue vêm sendo tributadas, ao abrigo da norma de incidência do artigo 11º, nº 1, do Código do IRS – que é a norma agora sub judicio.
Dir-se-á assim que se tem interpretado este artigo 11º, nº 1, c), como se ele constituísse justamente um dos casos em que no Código se dispôs
“diferentemente”, relativamente à regra do seu artigo 13º.
O problema terá assim de se pôr nestes termos (que vão condicionados, na sua formulação, pelo princípio do pedido e pelo modo como este último foi formulado): a norma da alínea c) do nº 1 do artigo 11º, interpretada no sentido de abranger as pensões de preço de sangue, e de, nessa mesma dimensão, integrar uma das ressalvas prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 13º, ambos do Código do IRS, viola o princípio da igualdade (artigo 13º CR)?
O Tribunal responde afirmativamente, como já acima se tinha adiantado, pelo facto de a norma impugnada, com a interpretação apontada, traduzir uma discriminação arbitrária relativamente à ausência de tributação generalizada das indemnizações por danos emergentes comprovados (ausência de tributação essa que, por sua vez, é a que está mais conforme com uma leitura exigente do princípio constitucional da capacidade contributiva), e pelo facto de essa interpretação determinar um afastamento, sem que se vislumbre uma razão substancial bastante que o justifique, do regime aplicável a indemnizações em tudo semelhantes a estas.
Por exemplo, tem sido unânime, nos doze anos que o Código do IRS leva de vigência, o entendimento segundo o qual as pensões por acidentes de trabalho, ou as indemnizações por acidentes de viação, se encontram, na medida em que visam a reparação de danos emergentes, abrangidas pela regra de não incidência do art.
13º do Código do IRS [cfr., v. g., Herculano Curvelo, Vasco Guimarães, Ramos Costa e Gaspar Encarnação, ob. cit., p. 175: deixam-se “... de fora, nomeadamente, as indemnizações devidas em função de acidentes de trabalho ...”; e André Salgado de Matos, ob. cit., p. 183].
Esse entendimento foi, inclusivamente, fixado em doutrina administrativa, constante do ofício-circulado nº 2, de 16 de Fevereiro de 1989, do NIR
[reproduzido, por exemplo, em Herculano Curvelo, Vasco Guimarães, Ramos Costa e Gaspar Encarnação, ob. cit., pp. 178 e 180], segundo o qual “ ...as indemnizações devidas por incapacidade temporária ou permanente em resultado de acidente de trabalho, quer sejam pagas de uma só vez, quer em prestações periódicas, encontram-se abrangidas pela previsão do art. 13º do Código do IRS, e, nessa medida, excluídas de tributação em IRS” – doutrina que é objecto de análise favorável por parte dos mencionados autores (loc. cit., pp. 178-179).
E não se trata de uma mera interpretação administrativa da lei, entre outras possíveis: parece antes impor-se como a única interpretação que está de acordo com o espírito do legislador no que respeita à tributação das indemnizações. Como se viu, essa tributação não abrange as indemnizações por danos emergentes
(como é justamente o caso das decorrentes de acidentes de trabalho: cfr. o artigo 1º da Base I da antiga Lei de Acidentes de Trabalho - Lei nº 2127, de
3/8/65 -, segundo o qual “os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, nos termos previstos na presente Lei”, e o artigo 1º, nº 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro - nova Lei de Acidentes de Trabalho -, com redacção idêntica). Mas, como também se viu, hoje, desde a Lei nº 30-G/2000, apenas não são tributadas as indemnizações por danos emergentes comprovados. Ora, mesmo que esta nova restrição da lei – segundo a qual as indemnizações por danos emergentes não comprovados passam a ser tributadas, a par das indemnizações por lucros cessantes – viesse a ser interpretada como exigindo uma comprovação prévia, judicial ou administrativa (ponto que só por absurdo se poderia admitir),o facto é que as indemnizações por acidentes de trabalho são justamente fixadas por decisão judicial (aliás, em processo próprio) e as pensões de preço de sangue são necessariamente fixadas por acto administrativo, da Caixa Geral de Aposentações. Ambas caberão assim, claramente, no conceito de indemnização por danos emergentes comprovados.
O paralelismo entre a pensão de preço de sangue e a indemnização por acidente de trabalho fica ainda mais claro quando se considera que, de certa forma, a pensão de preço de sangue correspondia, em parte, à “pensão de acidente de trabalho” dos funcionários públicos. Na verdade, o diploma que regia as pensões de acidente em serviço (na função pública) – o Decreto-Lei nº 38.523, de 23 de Novembro de 1951 –, estabelecia, no seu artigo 15º (na redacção do Decreto-Lei nº 140/87, de 20 de Março), que “no caso de morte como consequência de acidente em serviço, tem a família do falecido direito a uma pensão cujo montante, concessão e fruição se regulam pelo regime estabelecido para as pensões de preço de sangue”. Esse diploma foi recentemente revogado, pelo Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro – que constitui o novo regime jurídico dos acidentes em serviço na função pública, e que se aplica aos acidentes em serviço que ocorram após a respectiva entrada em vigor (a qual teve lugar em 1 de Maio de 2000 - cfr. artigo 58º) –, nele se prevendo agora que “se do acidente em serviço ou da doença profissional resultar incapacidade permanente ou morte, haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral” [artigo. 4º, nº 1: note-se que, nos termos do artigo 3º, nº 1, a), esse “regime geral” é justamente
“o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e legislação complementar”]. Ora bem: até 1 de Maio de 2000, a indemnização por morte decorrente de acidente em serviço na função pública correspondia à pensão de preço de sangue e era assim – inconstitucionalmente, como vimos – tributada (ao contrário da indemnização decorrente de acidente de trabalho no regime geral). A partir dessa data, ficou equiparada a esta última, pelo que, aparentemente, deixaria de ser tributada
(com o consequente absurdo de a pensão de preço de sangue continuar a sê-lo). Como se vê, a incongruência do regime de tributação aplicável a estas várias situações, em tudo semelhantes, é manifesta.
Tenha-se ainda em conta que, no confronto das pensões de preço de sangue com, por um lado, as pensões previstas na alínea a) do nº 1 do artigo 11º do Código do IRS, e, por outro, as indemnizações de acidente de trabalho ou de acidente de viação, a proximidade relativamente a estas últimas sai claramente a ganhar: nas pensões de preço de sangue, como nestas indemnizações, avulta decisivamente o elemento da compensação de um dano, ao passo que o que está verdadeiramente em causa nas pensões de reforma, ou velhice, ou invalidez, por exemplo, é antes uma situação de carência.
Note-se que não obsta à qualificação fiscal dessas prestações como indemnizações o facto de, formalmente, as pensões de preço de sangue (bem como as pensões de acidentes de trabalho) serem qualificadas como pensões: se dúvidas houvesse quanto a este ponto, elas seriam desfeitas pelo próprio artigo 11º, nº 2, do Código do IRS, no qual, para uma situação de certo modo inversa, se consagra a prevalência da natureza substancial das prestações sobre a forma externa que estas assumem ou a periodicidade com que são pagas.
Realce-se também que, nos termos do nº 6 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 466/99,
“se o beneficiário do direito à pensão receber de terceiro indemnização destinada a reparar danos patrimoniais resultantes da incapacidade ou do falecimento, o abono da pensão será suspenso até que nela se esgote aquela indemnização, sem prejuízo de a entidade que abonar a pensão poder exigir judicialmente do terceiro responsável o capital necessário, determinado por cálculo actuarial, para suportar os encargos com aquela pensão”. Esta norma ilustra a natureza indemnizatória da pensão de preço de sangue, e, simultaneamente, o absurdo e a incongruência do regime tributário a que esta tem estado sujeita (se comparado com os regimes tributários aplicáveis a indemnizações semelhantes): na verdade, enquanto o beneficiário da pensão recebe indemnização de terceiro responsável pelo falecimento do seu familiar (por exemplo, do culpado de acidente de viação), e, por via disso, vê ser suspensa a sua pensão de preço de sangue, recebe uma indemnização isenta de IRS, nos termos do artigo 13º do Código do IRS; mas a partir do momento em que essa indemnização se esgota, e passa a receber a pensão de preço de sangue, já recebe uma
“indemnização” (a pensão de preço de sangue) – com a mesma natureza e função – sujeita a IRS, nos termos do artigo 11º, nº 1, c), do Código do IRS.
Diga-se ainda que também os abonos suplementares de invalidez e as prestações suplementares de invalidez atribuídos a deficientes das Forças Armadas, ao abrigo do disposto nos artigos 10º e 11º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, têm sido, ao que se sabe, considerados fora do âmbito do artigo 11º, e antes dentro do artigo 13º, em razão da sua natureza indemnizatória de “danos emergentes”.
Conclui-se assim pela violação do princípio da igualdade, resultante da interpretação dada à norma em causa, segundo a qual as pensões de preço de sangue são por ela abrangidas e não o são pela norma de exclusão de incidência do artigo 13º, nº 1, do Código do IRS.
IV Limitação de efeitos
13. - Ao abrigo do artigo 282º, nº 4, CR, entende o Tribunal, por razões de interesse público, dever salvaguardar os efeitos da inconstitucionalidade até à publicação do Acórdão no Diário da República. Na verdade, tal como em casos semelhantes em que também estavam em causa normas fiscais (cfr., por exemplo, o Acórdão nº 76/88, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., pp. 331 e segs.), entende-se que se originaria uma enorme perturbação burocrática e financeira nos serviços da administração fiscal, se estes tivessem que refazer os cálculos relativos ao IRS de todos os contribuintes beneficiários de pensões de preço de sangue, e proceder à devolução dos montantes em excesso apurados. Devem, no entanto, ressalvar-se, como é evidente, as situações ainda susceptíveis de impugnação judicial ou que dela se encontrem pendentes à data da publicação do acórdão.
V Decisão
14. – Nestes termos e com estes fundamentos, o Tribunal decide:
a) declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Código do IRS, na interpretação segundo a qual nela estão abrangidas as pensões de preço de sangue, previstas no Decreto-Lei nº 466/99, de 6 de Novembro, por violação do artigo 13º, combinado com o princípio emergente dos artigos 103º, nº 1, e 104º, nº 1 da Constituição da República;
b) limitar os efeitos da inconstitucionalidade, ora declarada, os quais só se produzirão a partir da publicação desta decisão no Diário da República, com ressalva das situações litigiosas pendentes.
Lisboa, 3 de Julho de 2001 Alberto Tavares da Costa Messias Bento Artur Maurício José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Vitor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma (com declaração de voto) Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração de voto junta) Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos da declaração de voto junta) Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da declaração de voto que junto) Maria Helena Brito (vencida, nos termos da declaração de voto junta) Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração de voto junta) José Manuel Cardoso da Costa
Declaração de voto
Votei o presente Acórdão, entendendo que a declaração de inconstitu-cionalidade assenta, fundamentalmente, na violação do princípio da capacidade tributária conjugado com o da igualdade pela tributação das pensões de preço de sangue, dada a sua estrutura indemnizatória e a sua finalidade social. O facto de se terem realizado majorações para compensar a tributação em IRS de tais pensões não põe em causa aquelas razões, apenas reforça a justificação da limitação de efeitos para o passado, mas não transfigura em tributável o que essencialmente não deve ser tributável. O problema suscitado pelas majorações induz, antes, um problema de justificação das mesmas que a Administração não está impedida de considerar, e não reconfigura em si a essência indemnizatória das pensões e o facto de a sua inclusão entre as matérias isentas de imposto se impor, em absoluto.
Maria Fernanda Palma
Declaração de Voto
a) - Com a declaração de que, quanto ao ponto 6 do presente acórdão, acompanho o que nele é afirmado e decidido, sendo que esta posição não é, a meu ver, contraditória com as que defendi no caso tratado como segunda questão prévia no Acórdão deste Tribunal nº 806/93 e aqueloutro versado no Acórdão nº 57/95, pois que, como no aresto de que esta declaração faz parte integrante se diz, as situações ali equacionadas apresentam um perfil em nada semelhante à da aqui em causa.
b) - Quanto ao fundo, votei vencido por entender que as pensões de preço de sangue em causa foram, elas mesmas - e enquanto pensões - objecto de majoração com o fito de se compensar a sua ulterior tributação em IRS, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 1º do Decreto-Lei nº
140/87, de 20 de Março, e 3º do Decreto-Lei nº 487/88, de 30 de Dezembro, tributação essa determinada pela norma sub specie. Assim, não descortino, em face de uma tal «compensação», qualquer ofensa da Lei Fundamental, designadamente por violação dos seus artigos 103º, nº 1, e 104º, nº 1. Bravo Serra
DECLARAÇÂO DE VOTO
Votei vencido, por entender que não ocorre, no caso, qualquer inconstitucionalidade, na medida em que as pensões de preço de sangue incluem já, no cálculo do respectivo montante, uma compensação correspondente ao valor da sua tributação em IRS, nos termos das disposições conjugadas do artigo 3º do Decreto-Lei nº 487/88, de 30 de Dezembro, e do artigo 1º do Decreto-Lei nº
140/87, de 20 de Março.
Da declaração de inconstitucionalidade resultará, assim, que as pensões de preço de sangue deixarão de ser tributadas em IRS, apesar de terem beneficiado de uma majoração extraordinária especificamente para o efeito, o que se me afigura desprovido de qualquer lógica.
Luís Nunes de Almeida
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei no sentido da não inconstitucionalidade por me ficarem sérias dúvidas sobre a qualificação das “pensões de preço de sangue” como indemnizações, e não como verdadeiras pensões, tributáveis em IRS tal como a generalidade das pensões. Designadamente, o montante da pensão é igual a uma percentagem da remuneração mensal do autor dos actos que a originam, sem consideração dos prejuízos concretamente sofridos (nem se admitindo a prova de que o não foram), o mesmo acontecendo com a delimitação do círculo dos beneficiários da pensão. Aliás, o artigo 9º, n.º 6, do Decreto-Lei 466/99, de 6 de Novembro apenas prevê uma suspensão do abono da pensão até que nela se esgote aquela indemnização, continuando posteriormente a ser paga. A estas dúvidas acresce que o facto de as “pensões de preço de sangue” terem sido objecto de uma majoração como compensação pela sua sujeição a tributação em IRS (Decreto-Lei n.º 487/88, de 30 de Dezembro, artigo 3º e Decreto-Lei n.º
140/87, de 20 de Março, artigo 1º), tal como as restantes pensões da competência da Caixa Geral das Aposentações e do Montepio dos Servidores do Estado. O que, a meu ver, não só depõe contra uma qualificação indemnizatória, como, independentemente disso, tornaria legítima a tributação que se visou compensar
Paulo Mota Pinto
Declaração de Voto
Votámos vencidas, no essencial, por discordarmos de que o regime legalmente definido para os critérios de delimitação dos beneficiários, para o cálculo do montante a pagar (fixado com abstracção dos danos sofridos) e para as causas de cessação do direito, conduza a entender estar em causa uma indemnização e não uma verdadeira pensão, sujeita, como a generalidade das pensões, a tributação em IRS.
Só este entendimento, aliás, explica a majoração de que foram objecto para o efeito de compensação por esta tributação, nos termos previstos para as “pensões (...) da competência da Caixa Geral de Aposentações e do Montepio dos Servidores do Estado...”, pelo Decreto-Lei nº 487/88, de 30 de Dezembro.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito