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Processo n.º 548/2013
2.ª Secção
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 401/2013:
«I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A., foi interposto recurso, em 21 de maio de 2013 (fls. 237 a 248), de decisão proferida, em conferência, pela 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em 02 de maio de 2013 (fls. 258 a 263), que indeferiu requerimento de arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, de acórdão proferido, em 28 de fevereiro de 2013 (fls. 137 a 152), que, por sua vez, negou provimento a recurso ordinário de decisão condenatória de primeira instância.
Através do presente recurso, o recorrente pretende que sejam apreciadas as seguintes questões:
i) «O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa violou o princípio constitucional da proibição da prova previsto na norma do artigo 32.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa bem como a do artigo 126.º do Código de Processo Penal» (fls. 234);
ii) «O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa violou o princípio constitucional da não retroactividade da lei penal, o qual visa a aplicação das leis penais mais favoráveis ao agente, e tem consagração expressa no artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e violou também o artigo 2.º, n.º 2 do CP» (fls. 235).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 19 de maio de 2013 (fls. 268), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator verifique que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. O sistema português de fiscalização da constitucionalidade cinge-se ao controlo da parametricidade constitucional de “normas jurídicas” (cfr. artigo 277º, n.º 1, da CRP), e não de “decisões jurisdicionais”. O recorrente apenas peticionou a aferição da constitucionalidade do acórdão recorrido e não de qualquer norma ou interpretação normativa. Assim sendo, torna-se constitucional e legalmente impossível conhecer do objeto do presente recurso.
III – Decisão
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 1-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s.»
2. Inconformado com a decisão proferida, o recorrente veio deduzir a seguinte reclamação:
«1- O ora Reclamante interpôs recurso para este Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 da CRP, do artigo 69.º, do 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, alegando a aplicação de normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.
2- Em cumprimento do Artigo 75.º-A, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional, indicou ainda a(s) norma(s) e ou princípios que considerou terem sido violados:
a) O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa violou o princípio constitucional da proibição da prova previsto na norma do artigo 32.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa bem como a do artigo 126.º do Código Processo Penal.
“São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”
“São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.”
b) O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa violou o princípio da não retroatividade da lei penal, o qual visa a aplicação das leis penais mais favoráveis ao agente, e tem consagração expressa no artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e violou também o artigo 2.º, n.º 2 do CP.
“Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior.”
“o facto punível segundo a lei vigente no momento da sua pratica deixa de o ser, se uma lei nova o eliminar do número de infrações”,
3- Juntou ainda a peça processual onde suscitou a questão da inconstitucionalidade da referida norma e que foi a primeira em que o Arguido, aqui recorrente teve intervenção no processo, uma vez que não houve lugar a contestação.
4- Ora, salvo o devido respeito não pode este Tribunal deixar de se pronunciar acerca da decisão proferida pelo Tribunal da Relação nomeadamente quanto à violação das supra mencionados princípios.
5- Nenhuma decisão está acima da Lei.
6- E sendo verdade que o Tribunal Constitucional aprecia da parametricidade de normas jurídicas e não de decisões judiciais, diga-se,
7- Porém, ao contrário do que é invocado pelo senhor Juiz Conselheiro Relator, o ora recorrente pretende com o presente recurso demonstrar a inconstitucionalidade da interpretação feita pelo Tribunal da Relação, das normas aplicadas, tendo em virtude dessa mesma errónea interpretação violado os dois princípios constitucionais já apontados.» (fls. 285 a 287)
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos, que ora se resumem:
«(…)
5º
Ora, concorda-se, inteiramente, com esta conclusão da Ilustre Conselheira Relatora.
Por um lado, o arguido reporta-se especificamente à decisão de condenação e não, propriamente, a uma dimensão normativa das questões de constitucionalidade que pretende suscitar perante este Tribunal Constitucional, que, não chega, sequer, a formular, adequadamente, no seu requerimento de recurso.
Por outro lado, em relação a uma dessas questões, estão em causa questões relativas à apreciação da prova por parte do tribunal de julgamento.
Em relação à outra questão, está em causa a eventual descriminalização de uma conduta, por parte da Lei 48/07, de 29 de Agosto, matéria relativa à aplicação de direito infraconstitucional.
Em qualquer dos casos, está excluída a sua apreciação por parte deste Tribunal Constitucional.
6º
Na sua reclamação para a conferência, o ora reclamante acaba por não infirmar a conclusão, atrás referida, da Ilustre Conselheira Relatora, uma vez que apenas aduz, em defesa da sua posição (cfr. fls. 279, 284 e 287 do seu requerimento):
“7 – Porém, ao contrário do que é invocado pelo Senhor Juiz Conselheiro Relator, o ora recorrente pretende com o presente recurso demonstrar a inconstitucionalidade da interpretação feita pelo Tribunal da Relação, das normas aplicadas, tendo em virtude dessa mesma errónea interpretação violado os dois princípios constitucionais já apontados”.
7º
Ora, tal justificação é exígua e insuficiente, voltando a referir-se uma alegada «interpretação feita pelo Tribunal da Relação, das normas aplicadas», que continuam a não ser enunciadas.
8º
Nessa medida, e por todo o exposto, crê-se que a presente reclamação para a conferência não deverá merecer acolhimento por parte deste Tribunal Constitucional, não havendo razões para alterar o sentido da Decisão Sumária 401/13, de 16 de Julho, que determinou a respectiva apresentação.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Mantém-se integralmente o teor da decisão reclamada. O requerimento de interposição de recurso constitui o meio processual próprio e adequado para definir o objeto dos recursos de constitucionalidade. Ora, nessa sede, o ora reclamante limitou-se a fixar como objeto do presente recurso a própria decisão jurisdicional recorrida e não uma específica interpretação normativa.
Ora, é a própria Lei Fundamental (vide artigo 277º, n.º 1, da CRP) e a lei processual constitucional (artigo 79º-C da LTC) que restringem o Tribunal Constitucional ao conhecimento da inconstitucionalidade de “normas jurídicas” e não de “decisões jurisdicionais”. Assim sendo, reitera-se a impossibilidade de conhecimento do objeto do presente recurso.
III - DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 10 de outubro de 2013. – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.