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Processo nº 119/2001 Conselheiro Messias Bento
(Conselheiro Tavares da Costa)
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O CONSELHO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA recorreram, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, da sentença do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal agregado de Ponta Delgada, de 5 de Janeiro de 2001, que, no recurso interposto por A... de uma deliberação daquele Conselho, que lhe aplicou a pena disciplinar de aposentação compulsiva, e com fundamento na sua inconstitucionalidade, recusou aplicação às normas dos artigos 98º e 111º, alínea a), do Estatuto dos Oficiais de Justiça (aprovado pelo Decreto-Lei nº 343/99, de 26 de Agosto), na medida em que conferem ao dito Conselho competência para exercer a acção disciplinar sobre os oficiais de justiça.
Neste Tribunal, alegou o PROCURADOR GERAL ADJUNTO aqui em funções, que concluiu como segue:
1º - As normas constantes dos artigos 98º e 111º, alínea a) do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei nº 343/99, de 26 de Agosto, enquanto cometem ao COJ competência para avaliar o mérito profissional e sancionar disciplinarmente os oficiais de justiça não violam o disposto no artigo 218º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, nem contendem o princípio constitucional da independência dos tribunais.
2º - Termos em que deverá proceder o presente recurso. O CONSELHO DOS OFICIAS DE JUSTIÇA também apresentou alegações que concluiu assim:
1. Foram declarados materialmente inconstitucionais os artºs 98º e 110º al. a) do DL 343/99, de 26/8, por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal Agregado de Ponta Delgada que atribuem competência ao Conselho dos Oficiais de Justiça para apreciar o mérito e exercer o poder disciplinar sobre os funcionários de justiça.
2. Certo é que o COJ entende que tais normas não são inconstitucionais, por violação quer do artº 218º nº 3 da CRP quer de qualquer outro comando constitucional.
3. O art. 218º nº 3 da CRP não atribui qualquer competência exclusiva ao CSM em matéria de jurisdição sobre os funcionários judiciais;
4. Permite, apenas, como claramente resulta do seu teor, que o legislador ordinário alargue a composição do CSM, definida no nº 1 deste preceito constitucional, de forma a que dele façam parte funcionários de justiça eleitos pelos seus pares e com intervenção restrita à discussão das matérias relativas à apreciação do mérito e exercício da função disciplinar, se a lei ordinária lhe atribuir competência;
5. Ou seja, esta norma constitucional ao referir que a 'a lei poderá prever' deixa que a lei ordinária institua a forma e por quem deva ser apreciado o mérito e o exercício do poder disciplinar sobre os funcionários da justiça;
6. Se não fosse essa a intenção do legislador constitucional, sabendo ele que historicamente o exercício dessas matérias tinha estado cometido ao CSJ e ao CSM e também ao CSMP, querendo ele cometer tais competências ao CSM, não era esta a redacção do artº 218º nº 3, pois não havia razão para mencionar 'poderá prever'. A redacção que o legislador aplicaria, sabendo-se que ele consagra as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – artº 9º nº 3 do Código Civil – seria a de que 'a lei determinará', 'a lei determina', ' a lei estabelece', 'a lei regula', expressões que, aliás, usou amiudadamente ao longo de todo o texto constitucional, nomeadamente nos artºs 219º nº 3, 215º nº
2 e 217º nº 3.
7. Com a revisão constitucional de 1982 foi acrescentado o nº 3 ao artº 223º
(com igual teor ao do actual artº 218º) porque a lei ordinária à data já atribuía a competência ao CSM, e por via dessa atribuição de competência pela lei ordinária, o legislador constitucional limitou-se a ajustar o artº 223º - relativo à composição do CSM – à realidade existente.
É que a lei ordinária desde o D.L. nº 926/76, de 31/12 – artº 3º sob a epígrafe
'Composição' já previa que do CSM fizessem parte quatro funcionários de justiça. E se a CRP de 1976 remetia para a lei ordinária a composição do CSM, a revisão de 1982 prevendo expressamente esta composição no artº 223º, também teria que prever que dele pudessem fazer parte (o legislador ordinário o decidiria) funcionários de justiça. Se se manteve até hoje a redacção foi porque o legislador constitucional quis, tão-só, prevenir a hipótese de a lei ordinária voltar a atribuir jurisdição ao CSM sobre os funcionários de justiça. E, nessa hipótese, tal norma – que regula a composição do CSM e não a sua competência – 'constitucionaliza' antecipadamente a nova composição daquele Conselho.
8. Ora, não há qualquer lei ordinária que atribua tal competência ao CSM desde
1994. Pelo contrário, tal competência já esteve atribuída àquele Conselho, mas foi-lhe retirada pelo legislador ordinário da Lei nº 10/94, de 05/05, que alterou a Lei nº 21/85 (Estatuto dos Magistrados Judiciais).
9. Com estas alterações é axiomático que actualmente o CSM não tem competência para exercer a jurisdição sobre os funcionários judicias. Retira-se da douta sentença que o Tribunal Administrativo entende que a Lei
10/94 é inconstitucional, embora se não pronuncie sobre o assunto
'especificamente para evitar o incurso em inconstitucionalidades consequências'
(sic); O COJ entende que pelas mesmas razões e também porque o legislador ordinário quer desta Lei quer do EFJ certamente que não cometeria a imprudência de produzir sucessivos diplomas feridos de inconstitucionalidade, sendo certo que o Estatuto dos Magistrados Judiciais sofreu desde 1994 alterações introduzidas pelas Leis 81/98, de 3/12 e 143/99, de 31/08 e nunca foram revogados, quer expressa quer tacitamente as normas do EFJ que atribuem competência ao COJ para apreciar o mérito e exercer a acção disciplinar sobre os oficiais de justiça.
10. O artº 218º nº 3 da CRP – repete-se – não atribui competência exclusiva ao CSM para apreciar o mérito e exercer o poder disciplinar sobre os funcionários de justiça.
11. As normas do EFJ que atribuem jurisdição ao COJ sobre os oficiais de justiça não são inconstitucionais pois não violam quer o artº 218º nº 3 da CRP, quer qualquer outro comando constitucional. Nestes termos, e nos demais de direito, deve ser julgado procedente o presente recurso, e consequentemente, ser proferido Acórdão em que se julguem constitucionais as referidas normas.
O RECORRIDO concluiu como segue a sua alegação:
1. Determinando as atribuições e competência do Conselho dos Oficiais de Justiça, incluindo o exercício do poder disciplinar relativamente aos oficiais de justiça, as normas dos artºs 98º e 111º, a), do actual Estatuto dos Funcionários de Justiça violam o nº 3 do artº 218º da Constituição, na medida em que, neste preceito, a lei fundamental reserva para o Conselho Superior da Magistratura o exercício daquela competência disciplinar.
2. A garantia do princípio da independência dos tribunais postula que os funcionários judiciais fiquem disciplinarmente submetidos à competência do Conselho Superior da Magistratura.
3. A decisão recorrida louva-se no Acórdão de 21 de Março de 2000 do Tribunal Constitucional.
4. O presente recurso não deve merecer provimento.
2. Após mudança de relator, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. As normas que constituem objecto do presente recurso são – recorda-se – as que constam dos artigos 98º e 111º, alínea a), do Estatuto dos Oficiais de Justiça (aprovado pelo Decreto-Lei nº 343/99, de 26 de Agosto), na medida em que conferem competência ao Conselho dos Oficias de Justiça para exercer acção disciplinar sobre os oficiais de justiça.
O dito artigo 98º preceitua como segue: O Conselho dos Oficiais de Justiça é o órgão que aprecia o mérito profissional e exerce o poder disciplinar sobre os oficiais de justiça de nomeação definitiva, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 68º.
Por sua vez, o artigo 111º, alínea a), prescreve: Compete ao Conselho dos Oficiais de Justiça: a) Apreciar o mérito profissional e exercer acção disciplinar sobre os oficiais de justiça de nomeação definitiva, sem prejuízo da competência disciplinar atribuída a magistrados e do disposto no nº 2 do artigo 68º.
No Estatuto dos Oficiais de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei nº 376/87, de 11 de Dezembro, eram os artigos 95º e 107º, alínea a), que regulavam a matéria que agora nos ocupa em termos em tudo coincidentes com os dos referidos artigos 98º e 111º, alínea a), acabados de transcrever.
Os ditos artigos 95º e 107º, alínea a), foram submetidos à apreciação deste Tribunal, primeiro, no acórdão nº 145/2000 (publicado no Diário da República, II série, de 6 de Outubro de 2000, rectificado no Diário da República, II série, de
18 de Outubro de 2000) e, depois, no acórdão nº 159/2001 (por publicar), tendo-se concluído que eles, enquanto atribuem a competência ao Conselho dos Oficiais de Justiça para apreciar o mérito e exercer o poder disciplinar relativamente aos oficiais de justiça, eram inconstitucionais, por violarem o artigo 218º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa.
Não havendo razões para dissentir de tal jurisprudência, é ela que aqui se reitera.
Escreveu-se no citado acórdão nº 145/2000: Com a Constituição de 1976, o artigo 223º, n.º1, e o n.º 2 do artigo 226º remeteram para a lei as regras de composição do Conselho Superior da Magistratura (adiante, CSM) e da Procuradoria Geral da República. Em 31 de Dezembro de 1976, o Governo invocando uma lei de autorização legislativa para legislar sobre as matérias referidas nos artigos 223º, n.º1, e 226º, n.º2, da Constituição, editou o Decreto-Lei n.º 926/76, que constituiu a Lei Orgânica daquele Conselho. Este diploma, emitido ao abrigo da Lei n.º 5-B/76, de 30 de Dezembro, e no qual se definiu a estrutura, organização, competência e funcionamento do CSM, veio a incluir a possibilidade de fazerem parte do Conselho quatro funcionários de justiça, justificando-se esta opção, no preâmbulo do diploma nos termos seguintes: 'Tal como é configurado, o Conselho Superior da Magistratura é constituído basicamente por magistrados, com a só excepção de dele passarem a fazer parte quatro funcionários de justiça, de intervenção restrita às matérias que lhes digam directamente respeito. Trata-se de uma opção que o texto constitucional, rigorosamente, nem anima nem desanima. A este respeito, limita-se a consignar que o Conselho deverá incluir membros de entre si eleitos pelos juízes.' No que respeita aos funcionários de justiça, o diploma orgânico do CSM estabeleceu como competência própria do Conselho a de 'apreciar o mérito profissional e exercer a acção disciplinar sobre os funcionários de justiça, sem prejuízo do disposto no artigo 461º do Estatuto Judiciário' (cfr. nº 2 do artigo
1º e alínea b) do nº 1 do artigo 9º). Esta matéria foi justificada no preâmbulo do diploma da forma seguinte: 'Por outro lado, em obediência ao facto de o Governo ser o órgão superior da Administração Pública (artigo 185º da Constituição) e de, nessa qualidade, lhe competir a prática de todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado, [alínea e) do artigo 202º], manteve-se na
órbita do Executivo a gestão dos funcionários de justiça. Abriu-se tão-só uma excepção para a respectiva acção disciplinar por óbvias razões de eficiência e por se ter entendido que não contraria frontalmente a letra do n.º2 do artigo
223º da Constituição. Não deixa a excepção, no entanto, de justificar algumas dúvidas'. Esta orientação de manter no âmbito de competência do Conselho Superior da Magistratura as matérias relativas à apreciação do mérito profissional e do exercício da função disciplinar dos funcionários de justiça continuou através do Estatuto dos Magistrados Judiciais de 1977 [Lei n.º 72/77, de 30 de Dezembro, artigo 149º, alínea b)] e de 1985 (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, artigo 137º, n.º2). Importa, então, descobrir e explicitar os fundamentos desta opção do legislador ordinário e, bem assim, os motivos que levaram depois o legislador constitucional a proceder a uma modificação substancial no respectivo ordenamento a partir de 1982. Efectivamente, com a revisão constitucional de 1982 (Lei Constitucional n.º1/82, de 30 de Setembro) procurou superar-se qualquer dúvida que porventura existisse. De facto, o artigo 223º teve nova redacção, tendo-lhe sido acrescentado um n.º3, com o seguinte teor: '3.A lei poderá prever que do Conselho Superior da Magistratura façam parte funcionários de justiça, eleitos pelos seus pares, com intervenção restrita à discussão e votação das matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça'. Esta redacção do n.º 3 não voltou a ser modificada, mas a numeração do preceito sofreu alterações com as revisões constitucionais posteriores, sendo actualmente o artigo 218º e tendo o respectivo n.º 3 o mesmo conteúdo. Assim, a orientação tradicionalmente adoptada pelo legislador ordinário quanto à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar foi considerada como regulando de modo adequado e eficaz tal matéria, que obteve o reconhecimento da comunidade, e o legislador constitucional resolveu elevá-lo à categoria de princípio jurídico-constitucional, incluindo-o na Constituição em
1982 e não mais o retirando. A finalidade do legislador constituinte, ao acolher o que antes apenas constava da lei ordinária, foi necessariamente a de dar execução ao mandato que conferiu ao CSM a respeito dos funcionários de justiça: o legislador constitucional decidiu atribuir ao CSM a competência para discutir e votar as matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça. A Constituição de 1976, ao definir os tribunais como 'órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo', logo cuidou de referir que 'os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei' e, bem assim, de estabelecer que os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto, sendo inamovíveis e não podendo ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções legais. Também a Constituição estabeleceu logo as respectivas incompatibilidades e, para garantir o conjunto e unidade desta estrutura, criou o Conselho Superior da Magistratura, a quem cometeu a tarefa de proceder à nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes e, ainda, o exercício da acção disciplinar, nesta se incluindo a apreciação do mérito profissional A Constituição, na sua versão originária, remeteu para a lei a composição do Conselho, mas desde logo estabeleceu que o mesmo deveria incluir membros de entre si eleitos pelos juízes. A independência dos tribunais e dos respectivos juízes é uma das garantias essenciais dos cidadãos do Estado de direito democrático, visando defender os tribunais de ingerências indevidas dos demais poderes do Estado e garantindo que a defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos se fará por órgãos do Estado independentes e imparciais. A independência dos juízes constitui uma garantia essencial da independência dos tribunais. Foi também para realizar estes valores constitucionalmente relevantes que a Constituição criou um órgão próprio de governo da magistratura judicial - o Conselho Superior da Magistratura - que passou a ter como função essencial a gestão e a disciplina dos juízes dos tribunais judiciais, colocando-os a coberto de ingerências do Governo e da Administração, uma vez que fica proibida toda a intervenção externa directa na nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes, bem como na respectiva disciplina.
É ainda esta necessidade e finalidade de garantir a independência dos tribunais da forma mais completa possível que vem justificar que ao Conselho Superior da Magistratura seja também atribuída a competência para decidir as matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça. Com efeito, desenvolvendo estes funcionários a sua actividade nos diferentes tribunais, coadjuvando os magistrados judiciais e o ministério público na realização das tarefas cuja finalidade última é a realização da justiça, através da prática dos mais diversos actos processuais, bem se compreende que a matéria da avaliação profissional e da disciplina de tais funcionários venha a caber, necessariamente, ao órgão constitucional autónomo, cuja finalidade é a de ser garante da independência dos tribunais. Na verdade, não pode deixar de se considerar que os funcionários de justiça também fazem parte da estrutura dos tribunais; e, por isso, são elementos fundamentais para a realização prática da garantia constitucional da respectiva independência. Assim, a norma do nº 3 do artigo 223º (actual artigo 218º) da Constituição, ao estabelecer que 'a lei poderá prever que do Conselho Superior da Magistratura façam parte funcionários de justiça, eleitos pelos seus pares, com intervenção restrita à discussão e votação das matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar dos funcionários de justiça', está a criar, para estes funcionários, relativamente àquelas matérias, um estatuto particular que se justifica à luz da garantia da independência dos juízes e da autonomia do Ministério Público. Ou seja: é a independência dos tribunais que explica que só o CSM possa exercer tal competência em relação aos funcionários de justiça. Por isso, a lei ordinária não pode afectar essa competência a qualquer outra entidade, uma vez que a sua atribuição ao CMS constitui uma verdadeira imposição constitucional. A Constituição da República Portuguesa, quando prescreve que do CSM podem fazer parte funcionários de justiça que intervirão apenas na apreciação do mérito profissional e no exercício da função disciplinar relativa a tais funcionários, autoriza a lei a prever que do CSM façam parte funcionários. Não impõe, porém, tal intervenção. A Constituição não consente, porém, que o legislador atribua tal competência a órgão diferente do CSM. Essa competência só o CSM a pode exercer. Assim, aquela norma do nº 3 do artigo 223º (hoje artigo 218º) é, efectivamente, o parâmetro de aferição da constitucionalidade das normas infra-constitucionais que criam o Conselho dos Oficiais de Justiça, fixam as respectivas atribuições, competências, forma de designação ou eleição, bem como o respectivo funcionamento. Ora, assim entendido o n.º 3 do artigo 223º (actual artigo 218º) da Constituição, não pode a lei ordinária atribuir a competência para se pronunciar sobre aquelas matérias (apreciação do mérito profissional e exercício da função disciplinar) relativas aos funcionários de justiça ao Conselho dos Oficiais de Justiça ou a qualquer outra entidade que não seja o CSM, sem modificação da norma constitucional. O que vale por dizer que são materialmente inconstitucionais as normas infra-constitucionais que disponham em sentido contrário ao da referida disposição da Lei Fundamental. Nem esta conclusão é prejudicada pela decisão tomada pelo Tribunal no Acórdão nº 589/99, de 20 de Outubro de 1999, ainda inédito. Nele, a norma constante do artigo 122º do Decreto-Lei nº 376/87, de 11 de Dezembro, não foi julgada inconstitucional. No entanto, nesse Acórdão, a questão apreciada foi unicamente a de saber se o mencionado artigo 122º - ao dispor que os recursos interpostos das deliberações do COJ em matéria disciplinar são interpostos para os tribunais administrativos, em vez de o serem para o STJ, como sucedia quando a competência para o exercício da acção disciplinar era do CSM – é organicamente inconstitucional. O Tribunal concluiu negativamente, por ter entendido que não ocorre qualquer modificação na distribuição da competência material entre tribunais e que portanto não havia qualquer inconstitucionalidade orgânica. Tal conclusão não impede, porém, que, agora, em sede de inconstitucionalidade material, se conclua em sentido positivo. Assim, as normas do Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro, que estabelecem a competência do Conselho do Oficiais de Justiça para apreciar o mérito e para exercer o poder disciplinar relativamente aos oficiais de justiça ofendem o artigo 218º, nº 3 da Constituição e são, por isso, materialmente inconstitucionais. Tais normas são concretamente as dos artigos 95º e 107º, alínea a), do referido Decreto-Lei, enquanto determinam as atribuições e competência do Conselho dos Oficiais de Justiça [...].
A esta argumentação resta apenas acrescentar o que, no acórdão nº 159/2001, se ponderou por último: Apenas se acrescenta que em nada contraria esta conclusão a alteração – considerada decisiva pelo Conselho dos Oficiais de Justiça nas suas alegações de recurso – que a Lei nº 10/94, de 5 de Maio, introduziu na Lei nº 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais). Com efeito, aquela lei suprimiu a alínea b) do artigo 149º da Lei nº 21/85, relativo à competência do Conselho Superior da Magistratura, cujo conteúdo era o seguinte:
'b) Apreciar o mérito profissional e exercer a acção disciplinar sobre funcionários de justiça, sem prejuízo da competência disciplinar atribuída a juízes'. Estando em causa a conformidade constitucional de normas que atribuem esta competência ao Conselho dos Oficiais de Justiça, não tem qualquer relevo, para esse efeito, o facto de o legislador ordinário a ter retirado do Conselho Superior da Magistratura.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida quanto ao julgamento da questão de inconstitucionalidade.
Lisboa, 23 de Maio de 2001 Messias Bento José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa (vencido nos termos da declaração de voto aposta no acórdão nº 159/2001) Luís Nunes de Almeida