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Processo n.º 40/13
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., nascido em 27 de dezembro de 1996, e ora recorrente, foi, na sequência de intervenções anteriores ao abrigo da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, sujeito a processo judicial de promoção e proteção, nos termos do artigo 100.º e seguintes da citada Lei. Nesse processo foi determinado, a título de medida de promoção e proteção, o seu acolhimento institucional.
Considerando as fugas sistemáticas do ora recorrente da instituição onde se encontrava acolhido, e, bem assim, a notícia da prática pelo mesmo de ilícitos criminais, o Ministério Público requereu, por apenso ao citado processo, e com base na Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, a abertura da fase jurisdicional para aplicação de medida tutelar educativa àquele menor e a aplicação da medida cautelar de guarda do menor em centro educativo de regime fechado. Tal medida cautelar veio a ser aplicada e executada (cfr. os artigos 57.º, alínea c), e 58.º, ambos Lei Tutelar Educativa).
Posteriormente, o Tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Gaia decidiu, por acórdão de 24 de outubro de 2012, aplicar ao mesmo menor a medida tutelar educativa de internamento em centro educativo, em regime semiaberto, pelo prazo de um ano (cfr. os artigos 4.º, n.os 1, alínea i), e 3, alínea b), e 17.º, n.os 1, 2 e 3, ambos da Lei Tutelar Educativa). Inconformado, o menor recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 12 de dezembro de 2012, confirmou a decisão da primeira instância.
É deste acórdão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, o qual, no seguimento da delimitação operada por decisão do relator neste Tribunal, tem por objeto apenas a apreciação da constitucionalidade da seguinte norma: não há lugar, em processo tutelar educativo, ao desconto do tempo de permanência do menor em centro educativo, quando, sujeito a tal medida cautelar, vem, posteriormente, a ser-lhe aplicada a medida tutelar de internamento (formulação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de outubro de 2008, Processo n.º 07P2030, disponível em http://www.dgsi.pt/ ). Com efeito, e conforme consignado no despacho do relator anteriormente referido, foi esta a norma que o tribunal recorrido aplicou, não obstante ter sido arguida a respetiva inconstitucionalidade. Fê-lo nos seguintes termos:
« Julgamos ainda que a não aplicação analógica do art. 80.º do CP não é inconstitucional, uma vez que o regime de execução das medidas tutelares é bastante diferente do regime de execução das penas (como de resto se sublinhou no ponto XI do acórdão de fixação de jurisprudência). A flexibilização do regime de execução das medidas tutelares leva, como concluiu o referido acórdão, a considerar ser “…o próprio interesse do menor que arreda a aplicação do instituto”. Na verdade, sublinha-se no acórdão:
“ (…) Pondere-se que, inscrevendo-se o regime de guarda já no processo da medida tutelar, enquanto seu preliminar, preparatório, o desconto do tempo de duração da guarda, comprimindo a duração da medida de internamento, não deixaria de funcionar «in malem partem», ou seja, contra o menor, prejudicando o escopo reeducativo, o que não esteve, por certo, na mente do legislador que, por razão lógica e de unidade do sistema não o inscreveu intencionalmente”.
Não há assim, no entendimento seguido pelo STJ, uma violação arbitrária do princípio da igualdade, sendo que a não aplicação do regime do art. 80.º do CP é a interpretação que mais se adequa ao escopo reeducativo da execução flexível das medidas tutelares que, por isso mesmo, podem (contrariamente às penas de prisão) ser revistas nos termos e circunstâncias previstas no art. 136.º da LTE.
Assim, tendo a decisão recorrida seguido a orientação da jurisprudência fixada no Acórdão de 08-10-2008, proferido no processo n.º 07P2030 (acima citado), o recurso também não merece provimento, nesta parte».
Entretanto, a medida tutelar educativa determinada pelo acórdão da primeira instância começou a ser executada.
2. Notificado para o efeito, o recorrente apresentou alegações junto deste Tribunal, tendo concluído nos seguintes termos:
« I. Pese embora o direito penal nos adultos pautar-se, sobretudo, pela finalidade da prevenção geral positiva com importantes concessões aos fins de retribuição e mesmo de intimidação como forma de prevenir a prática futura de crimes e o direito de menores, por seu lado, ter o fim quase exclusivo na prevenção especial positiva, não deixa por isso este último de ter natureza penal, sendo-lhe assim de aplicar o art. 80.º CP por força do art. 8.º do mesmo diploma;
II. Se assim não o fosse, as normas que preveem a aplicação de medidas tutelares restritivas de liberdade, designadamente art. 4.º, n.º 1, al. i) LTE sempre seriam inconstitucionais por violarem diretamente o art. 27.º, n.º 2 CRP;
III. A declaração de inconstitucionalidade das normas dos arts. 4.º, n.º 1, al. i), 17.º, 18.º e 143.º e seguintes tem, como efeito inevitável, a libertação imediata do recorrente;
IV. Tratando-se a LTE de lei de natureza penal, a recusa em aplicar o instituto do desconto ao menor recorrente constitui gravíssima afronta ao Princípio da Igualdade, na medida em que se está a tratar de modo manifestamente desfavorável um Menor em relação a um Adulto que tenha praticado os mesmos factos ilícitos típicos, violando desse modo o art. 13.º CRP, analogamente, arts. 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e da Declaração Universal dos Direitos do Homem (ex vi art. 8.º da Lei Fundamental).»
3. O Ministério Público contra-alegou, concluindo no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4. O problema de constitucionalidade a decidir no presente processo está conexionado com a questão infraconstitucional decidida pelo já citado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de outubro de 2008, mas não se confunde com ela. Aliás, não só não compete a este Tribunal sindicar tal entendimento, como o mesmo entendimento constitui o pressuposto da questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente.
Naquele Acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça, comparando a natureza e função das penas privativas da liberdade de natureza criminal com a natureza e função das medidas cautelares e das medidas tutelares de internamento previstas na Lei Tutelar Educativa, decidiu que no âmbito desta última a omissão de previsão de um mecanismo de desconto do tipo daquele que se encontra previsto no artigo 80.º do Código Penal é intencional, pelo que inexiste lacuna justificativa do recurso à analogia.
Na parte que releva para o presente processo, o artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal, epigrafado «Medidas processuais», determina o seguinte:
«A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas».
A aplicabilidade de uma regra análoga no âmbito da Lei Tutelar Educativa teria como consequência que, nos casos em que tivesse sido aplicada uma medida cautelar de guarda do menor em centro educativo (de regime semiaberto ou fechado), a duração de tal medida deveria ser descontada no prazo fixado para a duração da medida tutelar educativa de internamento em centro educativo a aplicar ao mesmo menor. Contudo, não foi esse o entendimento sufragado no citado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência.
E, sendo esta a situação normativa a considerar com referência à Lei Tutelar Educativa – já que, recorde-se, a correção daquela interpretação do direito infraconstitucional não está em causa no presente recurso de constitucionalidade -, entende o recorrente existir uma “gravíssima afronta ao Princípio da Igualdade, na medida em que se está a tratar de modo manifestamente desfavorável um Menor em relação a um Adulto que tenha praticado os mesmos factos ilícitos” naqueles casos em que no âmbito da citada Lei, e tal como lhe aconteceu a ele, à aplicação de uma medida cautelar restritiva da liberdade individual sucede a aplicação de uma medida de tutela igualmente restritiva daquela liberdade. Com efeito, a aplicação da medida tutelar educativa de internamento em regime semiaberto pressupõe que o menor tenha “cometido facto qualificado como crime contra as pessoas a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a três anos ou tiver cometido dois ou maios factos qualificados como crimes a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, superior a três anos” (cfr. o artigo 17.º, n.º 3 da Lei Tutelar Educativa). Assim, para o recorrente, a diferença de regimes aplicáveis no âmbito do Código Penal e da Lei Tutelar Educativa relativamente à consideração no momento de determinar as consequências pela prática de factos qualificados como crimes de anteriores restrições à liberdade individual decretadas no mesmo processo a título cautelar é injustificada e, como tal, arbitrária.
5. O Tribunal Constitucional pode apreciar a razoabilidade e a coerência interna de soluções normativas infraconstitucionais. Todavia, não é qualquer incoerência ou desarmonia que justifica uma censura do ponto de vista da constitucionalidade. Como este Tribunal afirmou no seu Acórdão n.º 546/2011 (disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ):
« [É] ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque integrantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 232/2003, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o carácter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sistema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso – e desrazoavelmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garantir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis».
No caso presente, porém, existem motivos razoáveis que justificam materialmente a opção do legislador de não aplicar no âmbito da Lei Tutelar Educativa a regra do desconto prevista no artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal.
6. Desde logo, para a Constituição, a privação total ou parcial da liberdade decorrente de detenção, prisão preventiva ou da aplicação de pena de prisão não é confundível com a sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado (cfr. o respetivo artigo 27.º, n.º 3, alínea e). Acresce que, conforme defende Rui Medeiros, o reconhecimento da especial necessidade de proteção da criança, subjacente à regulamentação do artigo 69.º do mesmo normativo, justifica “um efeito expansivo, de forma a assegurar que as medidas de reação aos casos de delinquência infantil [ou juvenil] não percam de vista o objetivo do desenvolvimento integral da criança” (v. Autor cit. In Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. III ao art. 69.º, p. 1382). E o mesmo Autor acrescenta:
«A própria justiça de menores não pode, por isso, obliterar que a delinquência juvenil é praticada por seres em formação. Concretamente, os instrumentos de reação, se por um lado não podem ignorar que as crianças e os jovens reclamam e efetivamente obtêm um grau crescente de autonomia e liberdade, e por isso devem ser responsabilizantes daqueles que adotam comportamentos que violam os valores básicos de ordenação da vida em sociedade, devem, por outro, atender à situação específica em que se encontram os menores» (v. ibidem).
E, conforme sublinha o Ministério Público junto deste Tribunal nas suas alegações, são de acolher as considerações fundamentadoras de uma diferenciação normativa entre medidas penais e medidas tutelares educativas expendidas no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de outubro de 2008:
« X. Numa linha de plena congruência com os princípios aplicáveis ao direito tutelar de menores cumpre ter presente que a teleologia das penas criminais se situa num plano quantitativa e qualitativa diferenciado do processo tutelar educativo, aquela orientada, em primeira linha, numa feição pragmática ou utilitarista , para a proteção de bens jurídicos de relevância comunitária, em vista da defesa da sociedade, ou, na impressiva formulação de Jakobs , empenhada na estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na vigência da norma jurídica, postas em crise pela prática de um crime, acentuando o seu carácter público , como preocupação primeira, sem erigir o interesse de ressocialização do condenado como meta primordial, mas como meta desejável, frustrada se o condenado se mostrar incorrigível, ou seja incapaz de emenda cívica.
Diversamente no processo tutelar educativo, já o vimos, o art.° 2.° da LTE erige em consideração de primeiro plano o interesse privado, particular, do menor - art.° 6.° n.° 2, da LTE - de educação para o direito, de ressocialização, ou seja de retorno ou permanência no tecido social sem ostracizar o direito, com o que acaba, há que convir, também, por realizar o interesse do Estado na medida em que a este cabe assegurar a defesa da sociedade dos seus elementos mais prevaricadores ainda que seja de cidadãos menores […], mas este interesse só surge em posição colateral aos olhos do aplicador de qualquer das 9 (nove) medidas taxativamente compendiadas no art.° 4.°. da LTE .
E esta é, desde logo, uma razão fundamental para marcar diferença entre o direito tutelar educativo e o criminal.
Por outro lado a filosofia que preside à aplicação das medidas tutelares inspira-se em princípios que, pela sua especificidade, marcam a diferença dos que presidem à aplicação de penas, estruturando a adoção daquelas sob o império da necessidade de educação para o direito, manifestada na prática do facto e subsistente no momento para a decisão do direito, sob o signo da proporcionalidade - art.° 7.°.
Quer isto dizer que a finalidade da intervenção não é retribuir o mal causado, o direito de menores nunca poderia ser um direito punitivo, direcionado ao puro sancionamento pela prática de um facto havido por ilícito na lei penal, mas de correção da sua personalidade, salientou-o, no seu relatório final, a já aludida Comissão Para a Reforma do Sistema de Execução de Penas e Medidas […].
E não obstante a prática de um ato qualificado pela lei penal como crime a intervenção estatal não é imperativa, se se concluir que, ainda assim, o facto é de pequena gravidade, não afirmando evidente e evitável rutura com valores de relevância comunitária, ainda socialmente toleráveis, atribuídos a uma juventude só acidentalmente maculada.
Podem, assim, ver-se nessa não intervenção por desnecessidade e desproporção, na medida em que poderiam trazer mais inconvenientes à sua reinserção social do que vantagens, aferidas no preciso momento da avaliação do facto, aspetos claramente incompatíveis com o direito penal.
Realce-se que, não obstante a interatividade entre penas criminais e medidas tutelares, pois que sempre que o menor seja simultaneamente arguido em processo penal, ele cumpre, cumulativamente, as medidas tutelares e penas desde que se mostrem compatíveis entre si - art.° 23.°, da LTE; dessa interatividade se registando, ainda, que a duração máxima da medida de internamento em centro educativo não pode exceder, em caso algum, o limite máximo da prisão prevista para o facto tipificado como crime (art.° 7.° n.° 2 , da LTE ) e cessa mesmo em caso de condenação do jovem maior de 16 anos a pena de prisão efetiva, nos termos do art.° 24.° n.° 1, salvo o disposto no n.° 2, da LTE, todavia daí não deriva uma excessiva colagem ao direito criminal, mas, apenas, o propósito do legislador, nesse caminho de não absorção, de não abandonar o fim primário da medida em vista da correção da personalidade do jovem e de lhe causar o mínimo de danosidade.
XI. Saliente-se, ainda, que a LTE dedica um regime exaustivo à revisão das medidas tutelares prevendo três tipos: a oficiosa, a requerimento e por proposta do IRS.
Assim nos termos do art.° 136.° da LTE:
1.A medida tutelar é revista quando:
a) A execução se tiver tornado impossível por facto não imputável ao menor ;
b) A execução se tiver tornado excessivamente onerosa para o menor ;
c) No decurso da execução a medida se tiver tornado desajustada ao menor por forma que frustre manifestamente os seus fins;
d) A continuação da execução se revelar desnecessária devida aos progressos educativos do menor;
e) O menor se tiver colocado intencionalmente em situação que inviabilize o cumprimento da medida;
f) O menor tiver violado, de modo grosseiro ou persistente, os deveres impostos ao cumprimento da medida;
g) O menor com mais de 16 anos cometer infração criminal.
A medida tutelar de internamento é obrigatoriamente revista quando, nos termos do n.°2:
a) A pena ou medida devam ser executados nos termos do artigo 25.°;
b) For aplicada prisão preventiva a jovem maior de 16 anos , que esteja a cumprir medida tutelar de internamento;
c) Nos casos previstos no n.° do art.° 27.°, o jovem for absolvido.
O art.° 137.° da LTE alude à revisão a requerimento do M.° P.° , do menor , dos pais , do representante legal , de quem tenha a guarda do facto ou do defensor ou medida proposta dos serviços de reinserção social; os art.°s 138.° e 139.° dedicam-se aos efeitos da revisão das medidas tutelares não institucionais e o art.° 139.°, da LTE á revisão da medida mais grave , a que se aplica em última 'ratio' , ou seja a de internamento.
Incompatível é, a toda a evidência, o regime de revisão das medidas, dominado pela ideia de que o tempo de um jovem não é igual ao de um de adulto, com o regime de execução das penas; a todo o tempo a sua personalidade pode dar sinais de transformação tanto num sentido positivo como negativo, pelo que importa responder adequadamente às necessidades educativas em mutação para o bem ou para o mal, de acordo com o princípio da contingência, dominado pela necessidade de adequar a medida a uma personalidade em evolução, realizando uma sua contínua avaliação.
O regime da revisão, de alteração nas hipóteses previstas na lei, dominado, pois, pelo princípio 'rebus sic stantibus', realiza a dinâmica do sistema, o que é incompaginável com o regime executivo das penas , onde prepondera maior estabilidade, fixidez e rigidez, aspeto também marcando toda a diferença .
O modo de cumprimento da medida de internamento, no aspeto aberto ou semiaberto, também se contradistingue do cumprimento da pena, como não equivale a prisão preventiva o tempo de guarda em centro educativo […], pese embora lhe estar ínsita limitação de liberdade, aqui também o seu regime legal se caracterizando por laivos de justificada flexibilização.
Pondere-se que inscrevendo-se o regime de guarda já no processo da medida tutelar, enquanto seu preliminar, preparatório, o desconto do tempo de duração da guarda, comprimindo a duração da medida de internamento, não deixaria de funcionar 'in malem partem', ou seja contra o menor, prejudicando o escopo reeducativo, o que não esteve, por certo, na mente do legislador, que, por razão lógica, pragmática e de unidade do sistema, não o inscreveu intencionalmente.
É o próprio interesse do menor que arreda a aplicação do instituto.
Não impressiona o recurso a princípios próprios do processo penal, não se resistindo, pelo valor interpretativo que representa, de reconstituição da vontade histórica do legislador, a transcrever o segmento do relatório daquela Comissão -fls . 442, do Comentário á LTE -onde se respiga que:
'A primeira nota que ressalta do modelo de processo que a seguir se esboçará é a sua semelhança com o processo penal. Todavia, há que estabelecer rigorosamente os termos dessa semelhança, sendo certo que os fins dessa intervenção tutelar -educação do cidadão menor para o respeito pelas regras jurídicas mínimas da coexistência social e, nessa medida e com esses limites proteção dos bens jurídicos essenciais da comunidade -não se identificam com os fins da intervenção penal - proteção dos bens jurídicos essenciais da comunidade através da cominação e execução de reações punitivas.'
Se fosse de haver como prisão o tempo de guarda em centro educativo, então assistiríamos ao paradoxo de termos de aceitar o cumprimento da pena já de prisão por menor de 16 anos, em ofensa ao estipulado na lei geral - no art.° 9.°, do CP - e em grave ofensa ao princípio constitucional vertido no art.° 27.° n.°s 1 e 2, da CRP, do incontornável respeito pelo valor da liberdade individual.
Os processos tutelar e criminal tocam-se, mas não se confundem, sendo-se, por isso mesmo, levado a concluir que o legislador conhecedor dessas assimetrias, dos princípios inspiradores e da finalidade específica de cada, se relegou a um bem justificado e eloquente silêncio, dando à estampa um diploma regulador de forma global e autónoma a matéria, não se inserindo na sua vontade a transposição pura e simples do desconto penal, por lacuna de regulamentação , sendo certo que o único (desconto) previsto no tempo de cumprimento da medida de internamento é o atinente à fuga e não regresso após saída autorizada - art.° 155.° n.°s 1 e 2, da LTE.
[…]
A finalizar, em época de acrescida exaltação garantística, sempre seria de estranhar que, em tal clima, de que são exemplos as recentes reformas legislativas introduzidas pelas Leis n.°s 48/07, de 29/8 e 59/07, de 4/7, o legislador deixasse cair no esquecimento o interesse pelos seus cidadãos que, mais prematuramente, lesam os interesses fundamentais de convivência comunitária, não intervindo, afirmando o desconto.»
Em coerência com este entendimento, dir-se-á, em termos conclusivos, que as finalidades específicas das medidas tutelares educativas previstas no artigo 2.º, n.º 1, da Lei Tutelar Educativa, nomeadamente a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade, implicam uma apreciação da personalidade do menor e uma estimativa quanto ao seu desenvolvimento futuro em que necessariamente são ponderados os efeitos da aplicação de medidas anteriores. Ora, a exigência de uma tal ponderação não se afigura conciliável com a rigidez e o automatismo inerentes ao instituto do desconto jurídico-penal. Mostra-se, por conseguinte, também por mais esta razão, materialmente justificada a diferença existente entre o regime da Lei Tutelar Educativa e o do Código Penal, no que se refere ao aludido desconto, quando esteja em causa a aplicação de medidas previstas em cada um desses dois regimes a pessoas que tenham praticado factos qualificados como ilícitos criminais.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma de acordo com a qual não há lugar, em processo tutelar educativo, ao desconto do tempo de permanência do menor em centro educativo, quando, sujeito a tal medida cautelar, vem, posteriormente, a ser-lhe aplicada a medida tutelar de internamento;
E, em consequência,
b) Negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 20 de março de 2013. – Pedro Machete – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.