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Proc. nº 43/99
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figura como recorrente J..., e como recorrido o Conselho Superior de Magistratura foi decidido, através do Acórdão de fls. 65 a 85 dos autos, negar provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente do acórdão do Tribunal Central Administrativo que declarou a incompetência daquele Tribunal, em razão da matéria, para conhecer do recurso contencioso que ali interpôs da deliberação do Plenário do Conselho Superior de Magistratura, de 9 de Dezembro de 1997, que anuncia 'que as eleições para o Conselho Superior de Magistratura dos vogais a que se reporta o art. 137º, nº 1, al. c), da referida Lei, terão lugar no dia 16 de Fevereiro de 1998'.
2. É desta decisão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2 de Dezembro de 1998, que vem interposto, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o presente recurso de constitucionalidade. Nos termos do respectivo requerimento de interposição, o recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade das seguintes normas:
'i) do artigo 168º, nºs. 1 e 2, e do artigo 145º, ambos da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, (as normas que conferem competência contenciosa à secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça), por violação do disposto nos artigos 13º, 20º, nº
1, 211º, nº 1, 212º, nº 3, e 110º, nº 2, e 112º, nº 6 da Constituição; b) do artigo 168º, nºs. 1 e 2, da Lei nº 21/85 (norma que pressupõe a caracterização da secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça como órgão jurisdicional), por violação do princípio ínsito no artigo 203º da CR, conjugado com o disposto nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nºs. 4 e 5, da mesma Lei Fundamental; c) do artigo 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº 21/85, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio (norma que concede a isenção de custas ao recorrente), por violação ao disposto nos artigos 18º, nº 3, 20º, nº 1, e 112º, nº 6, da CRP.
3. Já neste tribunal foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:
'I. O objecto do presente recurso de constitucionalidade é dado pela inconstitucionalidade das seguintes normas legais: o o artº 168º, nºs. 1 e 2, e o artº 145º, ambos da Lei nº 21/85, de 30 de Julho (as normas que conferem competência contenciosa à secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça), que violam o disposto nos artºs. 13º, 20º, nº 1, 211º, nº
1, 212º, nº 3, e 110º, nº 2, da Constituição; o O artº 168º, nºs. 1 e 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho (norma que pressupõe a caracterização da secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça como
órgão jurisdicional), que viola o disposto no princípio ínsito no artº 203º da Constituição, e conjugado com o disposto no artº 20º, nº 1, e 268º, nºs. 4 e 5, da mesma Lei Fundamental; o O artº 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio (norma que concede a isenção de custas ao recorrente), na interpretação restritiva seguida, que viola o disposto nos artºs. 18º, nº 3, e 20º, nº 1, da CRP. II. Subjacente às normas inconstitucionais está a seguinte questão: estamos perante um tribunal, no sentido determinado pela Constituição, quando os seus juízes deste (secção ad hoc do STJ por exemplo) são nomeados e designados pelo réu (CSM, por exemplo), destinando-se o tribunal a julgar só os litígios suscitados contra esse réu por um grupo específico de cidadãos (juízes contra o CSM, por exemplo)? II O litígio III A preterição dos processos de contencioso eleitoral instaurados pelo recorrente em 1995, e ainda pendentes à data do acto impugnado, aguardando decisão jurisdicional (sendo certo que o Acórdão do Tribunal Constitucional nº
279/98, de 10.3.98, Recurso nº 199/95, veio dar razão ao recorrente), levaram-no
à interposição da presente suspensão de eficácia, visando a não consumação de situações de facto irreversíveis. IV As instâncias, no caso sub judice, consideraram-se incompetentes para o conhecimento do pedido, fazendo aplicação de normas legais invocadas de inconstitucionalidade. III Precedentes do Tribunal Constitucional? V O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a norma que confere competência contenciosa à secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça (artº
168º, nºs l e 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho), no Acórdão nº 347/97, in Diário da República, II, nº 170, de 25.7.97. no sentido de que tais as normas não são inconstitucionais, bem como sobre a norma do artº 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, em sentido idêntico ao da instância recorrida. VI No caso sub judice, não parece que as anteriores pronúncias do Tribunal Constitucional possam valer, já que não foram tomadas sobre casos idênticos - nos casos já julgados que se conhecem trata-se de situações administrativo-disciplinares, ao passo que no caso dos autos estamos perante, por um lado, a impugnação de eleições para alguris titulares de órgão do Estado gestor da magistratura judicial, eleições que decorrem da democraticidade inerente ao Estado de direito e que o caracterizam, por outro lado, estamos perante a manifestação do princípio da participação de cidadão em processo eleitoral. IV Os artº 168º, nºs l e 2, e artº 145º, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho VII Não sofre contestação que o Conselho Superior da Magistratura se configura como órgão de características nitidamente administrativas. VIII O recurso contencioso de actos eleitorais (artº 145º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho) do Conselho Superior da Magistratura é interposto e decidido por uma secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça - uma sessão que apenas existe em função da entidade recorrida, sendo certo que o contencioso da magistratura não está todo entregue à dita secção ad hoc - a esta apenas estão atribuídos os litígios relativos às deliberações do Conselho Superior da Magistratura e às eleições. Reserva material absoluta dos Tribunais Administrativos IX Após a revisão constitucional de 1989, para além da matéria cível e criminal, a competência dos Tribunais judiciais é residual e supletiva, apenas abrangendo as matérias não atribuídas a outras ordens de jurisdição. X A Constituição atribui a resolução de litígios emergentes das relações jurídicas adininistrativas aos Tribunais administrativos, pelo que tais litígios são insusceptíveis de constituir matéria não atribuída a outras ordens de jurisdição para efeitos de fazer funcionar a jurisdição residual e supletiva dos Tribunais judiciais, aqui considerando o Supremo Tribunal de Justiça. XI A Constituição não só, não qualifica os tribunais administrativos como os tribunais comuns em matéria administrativa. como também não prevê na jurisdição administrativa a existência de tribunais especializados em determinadas matérias administrativas. Falta de preparação especializada da secção ad hoc do S.T.J. XII Os juízes dos tribunais judiciais, aqui incluídos os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, carece a 'preparação especializado do juiz apto a dirimir os litígios jurídico-administrativos'. XIII O legislador constituinte em 1989, ao consagrar a autonomização organizacional do exercício da jurisdição administrativa, teve a preocupação de garantir aos administrados e à administração (em sentido lato) o acesso a um juiz com preparação especializada, apto a dirimir os litígios jurídico-administrativos. XIVA manutenção da competência contenciosa da secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça para dirimir os litígios jurídico-administrativos em que seja requerido o Conselho Superior da Magistratura, sem que os respectivos juízes possuam preparação especializada para tal, viola o direito de acesso a Tribunal especializado no julgamento dos litígios que se suscitam nas relações jurídicas administrativas, consagrado pelos artºs 20º, nº 1, 212º, nº 3, e 268º, nº 4, da Constituição (versão de 1997). Violação do princípio da igualdade XV O legislador constitucional entendeu criar uma jurisdição de juízes portadores de preparação especializada que os torne aptos para dirimir litígios jurídico-administrativos, garantindo um pleno acesso dos cidadãos administrados a uma justiça administrativa específica - artºs 20º, nº 1, 212º, nº 3, e 268º, nº 4, da Constituição (versão de 1997). XVI A Constituição não restringe o acesso a esta jurisdição especializada em matéria administrativa a grupos específicos de cidadãos. XVII Não se compreende a razão porque, estando em causa litígios suscitados por um grupo de cidadãos, os juízes, contra actos do Conselho Superior da Magistratura, o legislador já prescinde da jurisdição de juízes portadores de preparação especializada aptos para dirimir o mesmo tipo de litígios. XVIII Por outro lado, se se tratar de litígios relativo a outros aspectos do Estatuto dos Juízes que envolva outra entidade que não o Conselho Superior da Magistratura, então o cidadão-juiz já não sofre qualquer diferença de tratamento
- por exemplo, recursos relativos ao vencimento, aposentação. XIX É evidente a discriminação entre o cidadão/juiz e o cidadão/não juiz, mostrando-se violado o princípio da igualdade garantido pelo artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucionalº 13º da Constituição - porque razão o cidadão/não juiz tem direito de acesso a um juiz especializado, e o cidadão/juiz não tem esse direito? Tradição XX A 'tradição', se se pretende referir a situação existente antes da Revisão Constitucional de 1989, não se compagina com a obrigatoriedade actual da existência de Tribunais administrativos - a discricionaridade do legislador ordinário, perante a mera possibilidade de existência de tribunais administrativos, podia muito bem atribuir competências contenciosas fora dos tribunais administrativos. Indisponibilidade e tipicidade das competências XXI Na medida em que os tribunais administrativos são órgãos de soberania (artº
110º, nº 1, da Constituição), a sua competência é a definida pela Constituição
(nº 2). XXII Para além da competência definida directamente na Constituição, os tribunais só podem ter a competência que a Constituição autorize que a lei lhes atribua. XXIII A medida da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais é exclusivamente a de julgar 'as acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais', e a dos tribunais judiciais é a de julgar as matérias cíveis e criminais e as que não sejam atribuídas, pela Constituição, a outras ordens jurisdicionais. XXIV O estabelecimento da reserva material absoluta não decorre do artº 214º, nº
3, da Constituição (versão de 1989), mas da circunstância do texto constitucional não autorizar que o legislador ordinário atribua a outros tribunais o julgamento dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. XXV Após a II Revisão Constitucional, o carácter residual e supletivo da competência dos tribunais judiciais é dado pela competência dos tribunais administrativos e fiscais no sentido de se excluir do âmbito de conhecimento dos tribunais judiciais 'as acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais', sendo certo que a Constituição não autoriza que a lei confira a outros tribunais (que não os tribunais administrativos e fiscais o conhecimento da relação jurídica administrativa ou fiscal. XXVI Pelo menos a partir da Revisão Constitucional de 1989, as normas que conferem competência contenciosa à secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça, os arts. 145º e 168º, nºs 1 e 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, são supervenientemente inconstitucionais, o que gera a sua caducidade. mostrando-se violado o disposto nos artºs 13º, 20º, nº 1, 211º, nº 1, 212º, nº 3, e 110º, nº
2, da Constituição. A secção ad hoc do S.T.J. como órgão administrativo XXVII Por força da sujeição às competências de gestão de pessoal (nomeação e disciplinar) do Conselho Superior da Magistratura dos membros do órgão 'secção prevista no artº 168º, nº 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho', não tem este
órgão características que o permitam configurar como 'órgão jurisdicional'. Carência de independência estutural dos membros da secção ad hoc em relação ao Conselho Superior da Magistratura XXVIII Os membros da secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça não estão numa posição estrutural de independência em relação ao Conselho Superior da Magistratura que os nomeia juízes do Supremo Tribunal de Justiça e sobre eles detém o poder disciplinar. XXIX O artº 168º, nºs 1 e 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, é inconstitucional por violação do princípio ínsito no artº 203º da Constituição, e do disposto no artº 20º, nº 1, da mesma Lei Fundamental. Jurisprudência do Tribunal Constitucional XXX Os casos (coimas, patentes, conservadores, CGD) invocados para justificar a inconstitucionalidade suscitada não têm o efeito confirmativo pretendido, já que em nenhum desses casos a entidade recorrida nomeia e designa os juízes que os julgam. XXXI Sendo certo que o Conselho Superior da Magistratura. a quem estão sujeitos os juízes, é o órgão recorrido que esses juízes devem julgar - é esta a situação inédita, o órgão requerido jurisdicionalmente é quem nomeia e designa os juízes que o vão julgar. V Isenção de custas XXXII A defesa do Estatuto dos juízes cabe à iniciativa destes, pois de outra forma os juízes hipotecam a sua independência a quem se arrogue a defesa dos juízes. XXXIII É nesta sede que surge o direito especial do artº 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na sua referência a 'qualquer acção em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções'. XXXIVA isenção de custas concedida na lei insere-se no direito de tutela jurisdicional efectiva. XXXV O sujeito do direito à isenção que vai implicado na norma é a pessoa do titular do órgão de soberania Tribunais. XXXVI A 'acção' pressuposta é todo o expediente judicial destinado a exigir dos Tribunais uma determinada composição de um litígio. XXXVII A lei concede a isenção a juízes, nas acções em que sejam recorrentes ou requeridos, e não apenas requeridos. XXXVIII A isenção é concedida (aos juízes) nos expedientes judiciais em que é pedida por ou contra um juiz, uma determinada composição de um litígio suscitado por causa do exercício das suas funções. XXXIX Para efeito da isenção de custas em causa, um juiz está no exercício de funções quando se encontra em posição de poder actuar os poderes funcionais implicados na competência do tribunal a que está adstrito. XL Por isso, o exercício de funções deve constituir a causa de pedir da acção, de tal forma que aqui são contidos os litígios de natureza estatutário em que o juiz é parte. XLI A isenção de custas pretendida pelo recorrente é de tipo subjectivo (Acórdão nº 466/97), surge em acção em que aquele é parte principal, por via do exercício de funções, já que visa a garantia jurisdicional do 'acto de eleger
[...] indissoluvelmente ligado ao próprio exercício da função judicial' (Acórdão nº 279/98). XLII Na medida em que a interpretação recorrida parte da definição jurisprudencial do direito invocado, definição restritiva face aos dizeres da lei, temos que se interpreta restritivamente uma lei atributiva de direito fundamental, simultaneamente direito instrumental de acesso à Justiça, diminuindo a sua extensão e o seu conteúdo essencial, interpretação que contraria o disposto no conjunto normativo dado pelos artº 18º, nº 3, e artº
20º, nº 1, da Constituição.
4. Notificado para responder, querendo, às alegações do recorrente o Conselho Superior de Magistratura ofereceu o merecimento dos autos.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II. Fundamentação
5. Os artigos 145º e 168º, nºs 1 e 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho. O Tribunal Constitucional foi já, por diversas vezes, confrontado com as questões de constitucionalidade reportadas às normas dos artigos 145º e 168º, nºs. 1 e 2, da Lei nº 21/85, que agora, mais uma vez, vem colocadas pelo recorrente, tendo sempre concluído pela sua não inconstitucionalidade. Mais recentemente, no acórdão nº 421/2000, tirado nesta Secção, ponderou o Tribunal:
'A autonomização organizacional do exercício da jurisdição administrativa liga-se hoje, fundamentalmente –e como se ponderou, nomeadamente no acórdão nº
247/97 deste Tribunal, publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Julho de 1997 -, à necessidade de uma preparação especializada do juiz, apto a dirimir os litígios dessa natureza, o que não significa, necessariamente, que devam ser resolvidos pelos tribunais administrativos todas as questões emergentes das relações jurídico-administrativas. Com efeito, pretende-se 'o estabelecimento de uma competência comum, genérica, dos tribunais administrativos para apreciar os litígios jurídico-administrativos, não uma reserva absoluta de competência'. E, como, então, se escreveu, mais adiante, '[...] a finalidade principal que presidiu à inserção da norma constante do nº 3 do artigo 214º [hoje, artigo 212º] no texto constitucional foi a abolição do carácter facultativo da jurisdição administrativa, e não a consagração de uma reserva de competência absoluta dos tribunais administrativos'.
É assim que, nesta linha discursiva, o acórdão recorrido observa não reservar o texto constitucional aos tribunais administrativos, de uma forma absoluta, o julgamento dos diferendos que tenham por objecto relações jurídicas daquele tipo, permitindo que o legislador ordinário atribua competência pontual nessa matéria aos tribunais comuns, tal como, por outro lado, não reserva a estes funções exclusivamente jurisdicionais. De resto, como já se sublinhou no acórdão nº 687/98, inédito, sem prejuízo de os tribunais administrativos se perfilarem como tribunais comuns em matéria administrativa, vários são os casos em que ocorrem razões justificativas de desvio a essa regra, sem que, submetidos à apreciação jurídico-constitucional, se tenha concluído por um juízo negativo de constitucionalidade. Assim, e por exemplo, à luz do nº 3 do artigo 214º da CR (na versão anterior à
última revisão constitucional), decidiu-se não violar esse preceito a norma do artigo 61º, nº 1, do Decreto-Lei nº 48 953, de 5 de Abril de 1969 (redacção do Decreto-Lei nº 693/70, de 31 de Dezembro), ao atribuir aos Tribunais Tributários competência para cobrar dívidas de que fosse credora a Caixa Geral de Depósitos
(cfr. acórdãos nºs. 371/94, 372/94, 508/94, 574/94, 610/94 e 629/94, os três primeiros publicados no Diário da República, II Série, de 3 e 7 de Setembro e 13 de Dezembro de 1994, respectivamente); o mesmo se tendo decidido em relação à norma do artigo 36º, nº 1, da Portaria nº 640/76, de 26 de Outubro, ao prever recurso contencioso para os tribunais administrativos dos actos de registo de imprensa (cfr. acórdão nº 607/95, publicado no Diário citado, II Série, de 15 de Março de 1996; e, bem assim, quanto aos preceitos do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, que atribuem aos tribunais judiciais a competência para julgar a questão da indemnização por expropriação por utilidade pública, como é o caso dos artigos 37º, 50º, 51º, nº
1, 52º, nº 2, e 53º, nº 2, desse diploma (cfr. acórdão nº 746/96, publicado no mesmo jornal oficial, II Série, de 4 de Setembro de 1996). Do mesmo modo se enunciaram, no acórdão nº 290/99, inédito, os exemplos dos recurso de aplicação de coimas (artigos 59º e seguintes do Decreto-Lei nº
433/82, de 27 de Outubro), dos recursos das decisões administrativas em matéria de patentes (artigo 2º do Código de Propriedade Industrial), e, em certos casos, no contencioso dos actos dos conservadores, no domínio do direito registral e do notariado (artigos 145º e seguintes do Código do Registo Predial, 104º e seguintes do Código do Registo Comercial e 193º e seguintes do Código do Notariado).
Não está, pois, vedada a atribuição pontual a outros tribunais, que não os da ordem judicial administrativa e fiscal, de competência para conhecerem de questões de matriz jurídica-administrativa, nomeadamente quando existam razões justificativas dessas 'remissões' orgânico-processuais. Outra interpretação, mais rigorosa, implicaria – observa J. C. Vieira de Andrade – 'a inconstitucionalização – ou, pelo menos, suscitaria dúvidas e questões sobre a constitucionalidade – de leis importantes e de práticas de longa tradição, designadamente em matéria de polícia judiciária, contra-ordenações e expropriações por utilidade pública, uma revolução que só deveria operar-se se tivesse sido claramente assumida pela revisão constitucional [cfr. A Justiça Administrativa (Lições), Coimbra, 1998,, pág. 17]. Ora, a esta luz, o Tribunal Constitucional tem considerado que não viola o nº 3 do artigo 212º da CR a atribuição feita pelo ora impugnado artigo 168º da Lei nº
21/85 ao Supremo Tribunal de Justiça da competência para julgar os recursos interpostos das deliberações do plenário do Conselho Superior da Magistratura. Existem, a este respeito, razões que continuam a justificar a solução legislativa. Como se escreveu no já citado acórdão nº 687/98:
«Existe, desde logo, uma razão de tradição jurídica. De facto, quando a lei, pela primeira vez, atribuiu essa competência ao Supremo Tribunal de Justiça – o que aconteceu no Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pelo Lei nº 85/77, de 13 de Dezembro (cfr. artigo 175º, entretanto alterado pelo Decreto-Lei nº
348/80, de 3 de Setembro), daí passando para o actual Estatuto -, a existência dos tribunais era [...] meramente facultativa. Ora, [...], nada aponta para que, com a consagração constitucional da obrigatoriedade da existência de tribunais administrativos para a administração da justiça administrativa, se tenham pretendido inconstitucionalizar aquela e muitas outras soluções legislativas, em que se comete aos tribunais judiciais a competência para o julgamento de questões jurídico-administrativas. Como se sublinhou no acórdão nº 371/94 (atrás citado), 'o acolhimento pelo legislador constitucional de conceitos pré-constitucionais não revela intenção de romper com o status quo ante'.» Se o artigo 212º, nº 3, da CR, não é violado pelo nº 1 do mencionado artigo
168º, também o não é pelo nº 2 do mesmo preceito, ao definir a composição da secção do contencioso administrativo do Supremo Tribunal de Justiça. Não se vê, na verdade, como a constituição dessa secção pode colocar em causa a independência e a imparcialidade dos juízes que a compõem, sendo certo que, integrada a secção pelo vice-presidente daquele Tribunal e por quatro juízes, um por cada secção, são estes anual e sucessivamente designados, tendo em conta a respectiva antiguidade. No mesmo sentido se pronunciou o acórdão nº 290/99, citado, ao debruçar-se sobre problemática similar. Aí se evidenciou não só a intenção constituinte de estabelecer uma competência comum, genérica, dos tribunais administrativos para apreciar os litígios administrativos e não uma reserva absoluta de competência – abonando-se, nomeadamente, nos Trabalhos Preparatórios da Revisão Constitucional, vol. IV,
1989, págs. 4134 – como se entendeu que a competência do Supremo Tribunal de Justiça, no caso, se insere na linha tradicional e razoável da atribuição de competências aos tribunais judiciais para apreciar questões de natureza administrativa como a subjacente. Também, e entre outros, neste sentido se pronunciou o acórdão nº 373/99, inédito, que faz notar, adjuvantemente, serem as garantias dos recorrentes no recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça idênticas às do recurso contencioso que corre perante o Supremo Tribunal Administrativo: os fundamentos são os do recurso a interpor dos actos do Governo (nº 3 do artigo 168º), o efeito do recurso é, em regra, meramente devolutivo (nº 1 do artigo 170º da Lei nº 21/85, na redacção da Lei nº 10/94) e o formalismo é idêntico ao do recurso perante o Supremo Tribunal Administrativo, sendo, de resto, aplicáveis subsidiariamente as normas que regem os trâmites processuais (cfr. artigos 171º a 178º do Estatuto).
2.2. - Não violando o nº 3 do artigo 212º da CR, também o artigo
168º da Lei nº 21/85, nos seus nºs. 1 e 2, não viola nem o nº 1 do artigo 211º, nem o nº 2 do artigo 110º da Lei Fundamental. Com efeito, e como se observa no acórdão nº 687/98, citado, a violação destes normativos constitucionais apenas decorreria da existência de incompatibilidade com a norma constitucional primeiramente indicada.
2.3. - Segundo o recorrente, ocorre igualmente violação do disposto no artigo 20º, nº 1, da CR, em si próprio considerado ou em conjugação com os artigos 212º, nº 3, e 268º,nº 4, do mesmo texto, o que resultaria, em síntese, quer da ausência de uma preparação especializada dos juízes para decidir recursos em matéria de contencioso administrativo, quer da menor fiabilidade nas garantias de imparcialidade oferecidas pelos magistrados que integram a secção prevista no artigo 168º citado, atenta uma alegada dependência dos mesmos perante o Conselho Superior da Magistratura e do seu Presidente. Também neste ponto não lhe assiste razão. O facto de se reconhecer, em regra, a necessidade de existir uma preparação especializada quanto aos juízes que decidem nesta área jurídica, o que, inclusivamente, está na origem da autonomia dada à jurisdição administrativa, não permite concluir, como se viu, pela inconstitucionalidade da normação que atribua pontualmente competência nessa matéria aos tribunais judiciais, nomeadamente ao Supremo Tribunal de Justiça. De harmonia com o acórdão nº 290/99, insista-se, 'da Constituição não resulta uma suspeição sobre a preparação técnica em matéria administrativa dos juízes dos tribunais judiciais. Por outro lado, o próprio reconhecimento de casos pontuais e fundamentados em que é atribuída competência a tribunais não administrativos para dirimir litígios administrativos fundamenta-se, racionalmente, numa peculiar natureza desses conflitos que torna compreensível a intervenção de uma determinada categoria de tribunais'. Tal como então, conclui-se agora ser compatível, in casu, a natureza do litígio com a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, atendendo à formação dos respectivos juízes. Acresce carecer de qualquer fundamento o juízo de falta de independência suscitado pelo recorrente, seja numa perspectiva estrutural relativa à secção do Supremo, relativamente ao Conselho Superior da Magistratura, seja no tocante aos magistrados que a compõem. A referida secção, como verdadeiro órgão jurisdicional que é, beneficia da independência que o artigo 203º da Constituição confere a todos os tribunais, sem excepção. Independência que, como se observou no acórdão nº 575/99, inédito, implica que nenhum tribunal esteja subordinado a instruções hierárquicas de outro, sem prejuízo do instituto dos recursos e da existência de uma ordem judicial e que, obviamente, não é afectada 'pela inevitável sujeição dos juízes a um poder disciplinar e pela consagração de um mecanismo de nomeação de juízes'. Se assim fosse, nenhum tribunal seria, afinal, independente (cfr., a este propósito, o ponto 11 do acórdão nº 336/95, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Julho de 1995). De resto, a composição do Conselho Superior da Magistratura, constitucionalmente fixada (artigo 218º da CR), reflecte a legitimidade democrática desse órgão, geradora de uma responsabilidade democrática na qual a garantia de independência dos magistrados judiciais constitui pilar fundamental. Não se reconhece, assim, o alegado vício de inconstitucionalidade.
2.4. - Sustenta-se, ainda, existir violação do princípio da igualdade, na medida em que, diferentemente do que sucede nos casos em que intervêm cidadãos não magistrados judiciais, os interessados no processo eleitoral a que os autos aludem estão privados do recurso a tribunais especializados, o que os coloca em pé de desigualdade no tocante ao acesso aos tribunais, sendo certo os juízes do Supremo Tribunal de Justiça que integram por direito próprio o respectivo colégio eleitoral são, ipso facto, interessados no próprio procedimento eleitoral.
A questão, nos termos em que vem formulada, reconduz-se, em parte, à problemática precedente, que se afastou: assim sucede na medida em que, não obstante se reconhecer a cultura de cidadania em que se vive e a consolidação dos valores democráticos do Estado de direito, se alega surpreender-se uma nota de precariedade e fragilidade no que respeita aos conflitos que no seio dos magistrados vão exponencialmente surgindo. Ora, como observa Gomes Canotilho, a operatividade do princípio da igualdade passa pela comparação das situações fácticas e concretas dos diferentes grupos de destinatários da actividade legislativa, a fim de se saber se entre eles se verificam diferenças fácticas com peso suficiente para justificar um tratamento jurídico diferenciado (cfr. Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, pág. 327). A esta luz, as considerações já alinhadas permitem concluir também aqui não existir vício de constitucionalidade, uma vez que a diferenciação de disciplina jurídica não é arbitrária nem carece de fundamento material bastante.
É, pois, esta jurisprudência que, por manter inteira validade, mais uma vez há que reiterar.
6. O art. 17º, nº 1, al. g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho. Pretende ainda o recorrente ver apreciada a constitucionalidade da
'interpretação restritiva' do art. 17º, nº 1, al. g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio, no sentido de o não considerar isento de custas nos presentes autos. Ora, também quanto a esta questão o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de, por diversas vezes, se pronunciar (cfr., designadamente, os acórdãos nºs
697/96, 718/98, 424/99, 421/00 - ainda inéditos - e 290/99 e 121/00, publicados no Diário da República, II série, de 15 de Novembro e 23 de Outubro de 2000, respectivamente). Nos acórdãos nº 290/99, 121/2000 e 421/2000 (acima citados) estava igualmente em causa, como aqui, um recurso interposto pelo ora recorrente J... de uma decisão do Conselho Superior de Magistratura, tendo o mesmo suscitado então, na base de fundamentação substancialmente idêntica à que agora utiliza, a inconstitucionalidade do art. 17º, nº 1, al. g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho. Na apreciação dessa questão ponderou, então, o Tribunal Constitucional: O recorrente sustenta que a interpretação restritiva do artigo 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio, no sentido de o não considerar isento de custas nos presentes autos, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 18º, nº 3, e 20º, nº 1, da Constituição. A norma impugnada estabelece a isenção de preparos e custas nas acções em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções. A interpretação restritiva que o recorrente refere pressupõe que os efeitos do exercício da função de juiz, dada a sua natureza, pode acarretar uma litigiosidade acrescida. Segundo esse entendimento, contestado pelo recorrente, o legislador apenas pretendeu não sujeitar os juízes às regras gerais sobre custas nas acções em que intervenham, fundamentalmente em virtude da sua actividade profissional. É apenas essa a ratio essendi da norma na interpretação impugnada.
Segundo tal interpretação, não se trata, pois, de um privilégio pessoal. Assim, a isenção em causa não seria concedida em qualquer acção em que o juiz interviesse, apenas o seria nas acções em que o juiz interviesse 'por via do exercício das suas funções'.
Para além do mais, nos presentes autos, o recorrente decidiu tão-só impugnar as eleições para o Conselho Superior da Magistratura. Assim, se é verdade que tal pretensão é legítima por o recorrente ser magistrado, não se trata, contudo, de uma acção em que o juiz tenha intervindo por via do exercício das suas funções, segundo a interpretação referida. Com efeito, para tal interpretação não existe conexão directa entre a acção interposta e o exercício da profissão de magistrado, uma vez que aquela não surge como decorrência de uma actuação profissional do juiz. Trata-se, da mera efectivação judicial de um direito de participação na vida do Conselho Superior da Magistratura Judicial em função de uma decisão de consciência, enquanto profissional interessado no funcionamento daquela instituição.
Ora, não decorre da Constituição a exigência de qualquer privilégio nas condições de acesso à justiça em função do mero estatuto de Magistrado Judicial e da respectiva participação em actos eleitorais para o Conselho Superior da Magistratura. Consequentemente, não se verifica qualquer violação do disposto nos artigos 18º, nº 3, e 20º, nº 1, da Constituição. Na verdade, a interpretação acolhida pela decisão recorrida não limita o acesso aos tribunais nem qualquer direito, liberdade ou garantia (confronte., convergentemente, Acórdão do Tribunal Constitucional 697/96, de 22 de Maio)'.
É esta jurisprudência que agora, mais uma vez, se reitera. III - Decisão Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a) não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 168º, nºs. 1 e 2, e 145º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho; b) não julgar inconstitucional a norma do artigo 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº
21/85, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio; c) negar provimento ao recurso, e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 29 de Maio de 2001 José de Sousa e Brito Messias Bento Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida