Imprimir acórdão
Processo nº 666/99
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - L..., S.A. – depois, M..., S.A. – intentou no Tribunal Cível da comarca do Porto (2º Juízo), contra H..., S.A, acção declarativa com processo ordinário, pedindo a resolução judicial do contrato de locação financeira celebrado com a ré, condenando-se esta a entregar-lhe o veículo objecto do contrato e a pagar-lhe as rendas vencidas, com juros de mora à taxa legal desde as respectivas datas de vencimento e a indemnizá-la em 20% da soma das rendas vincendas, e do valor residual, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a resolução do contrato.
A demandada contestou e deduziu pedido reconvencional.
Reconheceu ter cessado o pagamento das rendas, o que atribui à necessidade de utilizar todos os fundos de tesouraria na aquisição de matérias primas, já no decurso do processo instaurado de recuperação da empresa, nesta tendo sido negociado o contrato de locação financeira – o que a levou a pedir, em reconvenção, que a autora fosse condenada a subscrever um novo contrato, de acordo com a deliberação aprovada na conferência de credores realizada nesses autos.
O pedido reconvencional foi julgado improcedente na decisão da 1ª instância, dele se tendo absolvido a autora-reconvida, e procedente o pedido inicial, condenando-se nele a ré.
Interpôs esta recurso para o Tribunal da Relação do Porto que revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a acção, absolvendo a ré do pedido, e procedente o pedido reconvencional.
Inconformada, a autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, de revista, suscitando matéria de constitucionalidade nas respectivas alegações.
Assim, ao concluir que o aresto recorrido violou o disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, nos artigos 99º e 101º, nº 1, alínea h), do Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril, e nos artigos
405º e 406º do Código Civil, argumenta que, a não se entender assim, as normas em que o mesmo se fundamenta, nomeadamente os artigos 94º, 102º e 101º, nº 1, alínea h), do Decreto-Lei nº 132/93, são, com o sentido em que foram aplicadas , materialmente inconstitucionais, porque contrárias ao disposto nos artigos 27º,
61º e 62º da Constituição da República (CR).
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 7 de Outubro de 1999, julgou improcedentes todas as conclusões resultantes das alegações da recorrente, negando a revista.
2.1. - Face ao decidido, M...., S.A., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade (das normas) 'dos artigos 94º, 102º e 101º, nº 1, alínea h), do Decreto-Lei nº
132/93, de 23 de Abril', por violarem o disposto nos artigos 27º, 61º e 62º da CR (na verdade, a identificação normativa em que insiste é incorrecta: as normas impugnadas respeitam ao Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência – doravante CPEREF – aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº
132/93, de 23 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 395/98, de 20 de Outubro, cujo artigo 8º ordenou a sua republicação).
Em resposta a convite feito pelo relator, de acordo com o disposto no artigo 75º-A, nºs. 1, 5 e 7, daquela Lei nº 28/82, veio a mesma sustentar que o Tribunal recorrido fez uma interpretação extensiva, servindo-se do argumento a fortiori ao considerar que a alínea h) do nº 1 do impugnado artigo 101º 'compreende tanto a resolução como a alteração ou renegociação dos contratos bilaterais da empresa devedora, nomeadamente contratos de locação financeira ou de compra e venda com reserva de propriedade'.
E acrescenta:
'4. Em suma, a norma do CPEREF só viola os artigos 27º, 61º e 62º da Constituição, se for interpretada de molde a abranger os casos de renegociação forçada de contratos bilaterais (que contendem com a ‘disposição’ de direitos absolutos que gozam de protecção constitucional como o direito de propriedade) – interpretação esta acolhida no Acórdão recorrido.
5. Na verdade, se for feita uma interpretação declarativa da referida norma – a qual alude estritamente à resolução, de resto em perfeita consonância com o teor literal do inciso final do artº 99º do mesmo CPEREF – esta afigura-se conforme à Constituição.
6. A recorrente arguiu também a inconstitucionalidade dos artigos 102º e 94º do CPEREF, embora na estrita medida em que estendem a eficácia preclusiva da homologação judicial à norma do artº 101º, nº 1, alínea h), no caso de valer o sentido interpretativo acolhido no Acórdão recorrido.'
2.2. - Ambas as partes alegaram, uma vez notificadas para o efeito.
A recorrente concluiu as suas alegações em termos que se passam a enunciar deste modo:
'A interpretação da norma da alínea h) do nº 1 do artigo 101º do CPEREF feita pelo Supremo, considerando que a assembleia de credores pode, em execução do plano, deliberar a adopção da iniciativa de modificação unilateral dos contratos bilaterais de que seja parte a entidade devedora – a par da faculdade de resolução, a única aí expressamente prevista –, além de ser metodologicamente incorrecta, restringe, inconstitucionalmente, os direitos à liberdade contratual, de iniciativa privada e de propriedade privada, não cumprindo 'as exigências mínimas de regulação postuladas pelo princípio da reserva material da lei'.
Na verdade, diz-se, a lei não avança qualquer critério ou parâmetro de efectivação da restrição desses direitos, concedendo a interpretação adoptada autorização em branco às assembleias de credores, sem observância das exigências mínimas postuladas pelo princípio da reserva material da lei, com desrespeito dos princípios da proporcionalidade e da necessidade que nesta matéria há que observar.
Se, na perspectiva da protecção dos valores de ordem económica e social a que se pré-ordena o processo especial de recuperação de empresas, poderia revelar-se medida adequada a previsão de um poder de modificação unilateral dos contratos bilaterais, o certo é que nenhum dos instrumentos previstos neste tipo de procedimento prevê a 'ablação da liberdade contratual', sendo inaceitável uma argumentação a maiori ad minus, como a utilizada pelo Supremo, para demonstrar a proporcionalidade da restrição operada, ao considerar que a resolução contratual seria uma medida mais gravosa do que a faculdade da alteração unilateral.
Assim, não se discute a conformidade constitucional da norma quando interpretada no sentido de prever – unicamente – a faculdade de resolução contratual. Entende-se como excessivamente onerosa e, portanto, irrazoável, uma outra interpretação como aquela que foi a adoptada pelo Tribunal a quo, tanto mais onerosa quanto abranja directamente os contratos de locação financeira, que constituem o objecto central de empresas com a actividade comercial da recorrente.
A recorrida, por sua vez, defendeu que o Supremo concedeu à norma questionada uma interpretação constitucionalmente conforme, pelo que a sua decisão deve ser confirmada, em sede de constitucionalidade.
A terminar, a recorrida equaciona ainda a questão decorrente do trânsito em julgado da sentença homologatória da deliberação da assembleia de credores, como tal repercutindo-se 'no destino da solução a dar ao presente caso'.
Ouvida a recorrente sobre a eventual prejudicialidade do problema, pronunciou-se esta no sentido da sua improcedência, não só porque não constitui caso julgado a projecção de um efeito preclusivo de disposição específica de uma deliberação da assembleia de credores em processo especial de recuperação de empresa sobre a composição material de uma acção declaratória de condenação, destinada a actuar uma resolução contratual por via judicial, como, ainda, porque se trata de questão não situada na área da competência do Tribunal Constitucional.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
1. - Não assiste razão à recorrida quanto aos efeitos prejudiciais consequentes do trânsito em julgado da decisão proferida ao abrigo do disposto nos artigos 97º e segs., 54º, nº 1, e 56º, nº 1, do CPEREF.
É certo que na assembleia de credores então realizada a interessada não esteve presente (cfr. a acta da reunião, certificada a fls. 70 e segs. dos autos), como tal não tendo participado na votação, de modo a aprovar ou a opor-se às medidas propostas pelo gestor judicial.
No entanto, e como decorre do nº 2 do citado artigo 56º, a intervenção do juiz, neste momento procedimental, destina-se apenas a controlar a observância das disposições legais aplicáveis – o que significa, como comentam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, que a decisão não comporta qualquer juízo de valor sobre a bondade ou a oportunidade da solução aprovada pelos credores (cfr. – Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado, 2ª ed., Lisboa, 1995, pág. 178).
Assim, não se coloca, neste momento, a questão da oponibilidade erga omnes da decisão transitada, como tão pouco caberia ao Tribunal Constitucional sindicar o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça neste domínio, alheio à esfera de constitucionalidade.
2. - Importa, no entanto, proceder a delimitação concisa do objecto do presente recurso.
Ora, este circunscreve-se unicamente, como ficou claro após a resposta da recorrente ao convite formulado nos termos do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, à norma da alínea h) do nº 1 do artigo 101º do CPEREF, tal como concretamente foi interpretada no acórdão recorrido.
O artigo 101º - inserido no Título II do Código (Regime subsequente de processo de recuperação), Capítulo II (Providências de recuperação), Secção V (Gestão controlada) – dispõe, na parte que interessa, sob a epígrafe 'Iniciativas para a execução do plano [de actuação global]':
'1- Podem ser prescritas na deliberação da assembleia, como meios de execução do plano, iniciativas referentes à gestão futura da empresa, designadamente:
--- h) A resolução dos contratos bilaterais da empresa devedora, nomeadamente contratos de locação financeira ou de compra e venda com reserva de propriedade.
---.'
Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça, não aplicou
'literalmente' – não adoptou uma interpretação meramente declarativa – a transcrita norma ao caso dos autos, tendo-o feito com um determinado 'sentido', nos termos do qual a norma – que, de resto, encerra uma enumeração de medidas de gestão controlada meramente exemplificativa – comporta uma renegociação do contrato – que não apenas a sua resolução – o que, desde logo, se representa como medida menos gravosa para as partes.
É esta interpretação normativa que está em causa, constituindo o objecto do recurso.
Resta, assim, averiguar se a mesma viola o disposto nos artigos 27º, 61º e 62º da CR, como se pretende.
3. - O Supremo Tribunal de Justiça entendeu que não.
Com efeito, escreveu-se de forma inequívoca no aresto recorrido, ao abordar-se a problemática de constitucionalidade oportunamente suscitada:
'O primeiro daqueles normativos da nossa Lei Fundamental, o art. 27, consagra o princípio do direito à liberdade e à segurança das pessoas, determinando o seu nº 2 que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança. Trata-se, portanto, de uma norma que tem o seu campo de aplicação inserido no direito processual penal, onde alcançará a sua plena justificação, não tendo sequer qualquer reflexo no domínio da liberdade contratual e nas normas que disciplinam esse princípio, nomeadamente no tocante aos artºs. 405 e 406 do Cód. Civil. Quanto ao art. 61 CRP [terá querido escrever 62º], tem ele a ver com a consagração do direito de propriedade privada, determinando que a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte. Ora, no nosso caso, o direito à propriedade privada não foi nem sequer posto em causa, mostrando-se devidamente acautelado através da renegociação do contrato de locação financeira, consoante resultado que atrás ficou dito. Finalmente, o art. 61 CRP assegura o direito à iniciativa económica privada, aí se determinando que esse direito é exercido livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral. A este propósito a própria Constituição estabelece no seu art. 86, nº 1 que o
‘Estado incentiva a actividade empresarial, em particular das pequenas e médias empresas’ para, logo a seguir, no seu nº 2, acrescentar a possibilidade de o Estado poder intervir, ainda que a título meramente transitório, na gestão das empresas privadas. Mais à frente, no art. 100, refere-se ainda ser objectivo da política industrial o apoio às pequenas e médias empresas e, em geral, a todas as iniciativas e empresas geradores de emprego. Ora, é sabido que as medidas de recuperação das empresas, nomeadamente as de gestão controlada, visam sobretudo, senão mesmo exclusivamente, alcançar a respectiva viabilidade económica e consequentemente, assegurar os postos de trabalho de quem aí exerce a sua actividade profissional e garantir os investimentos feitos nas empresas e a sua produtividade. Mas se esse é o objectivo das medidas aprovadas em assembleia de credores, não podem elas, seguramente, contrariar princípios da nossa Lei Fundamental. A tese defendida pela recorrente é que, bem pelo contrário, iria concorrer para a desagregação das empresas e destruição da economia do país. Improcedem, assim, todas as conclusões constantes das alegações da recorrente. Termos em que se nega a revista,. Com custas pela recorrente.'
4. - Subscreve-se inteiramente o juízo de não inconstitucionalidade formulado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
4.1. - A recorrente censura o acórdão recorrido por ter adoptado uma posição 'nitidamente formalista', ao considerar que o artigo 27º da CR – que, no seu nº 1, consagra constitucionalmente o direito de todos à liberdade e
à segurança – se insere no mero âmbito dos direitos penal e processual penal, sendo, nessa medida, alheio ao plano de liberdade contratual.
Não lhe assiste razão.
O que está em causa, na primeira parte do nº 1 do artigo
27º, é o direito à liberdade como expressão do direito à liberdade física, à liberdade de movimentos, uma vez que, como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 184), não está acolhido constitucionalmente o direito à liberdade em geral, mas sim os direitos que se englobam neste, como o direito de não ser detido ou preso pelas autoridades públicas, salvo nos casos e termos previstos no próprio artigo 27º, o direito de não ser aprisionado ou fisicamente impedido ou constrangido por parte de outrem, o direito à protecção do Estado contra os atentados de outrem à sua própria liberdade.
É a liberdade física de 'ir e vir' da pessoa que está em causa e que, como tal, deve ser compreendida, de harmonia, aliás, com o estatuído no artigo 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, entendimento que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem por firme
(cfr. Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa,
2ª ed., 1999, pág. 88).
E, de resto, é este o entendimento unânime e reiterado que o Tribunal Constitucional vem sustentando, por diversas ocasiões, como o ilustram os acórdãos, tirados em plenário, nºs. 479/94 e 663/98, publicados no Diário da República, I Série-A, de 29 de Agosto de 1994, e II Série, de 15 de Janeiro de 1999, respectivamente.
Não está, assim, de qualquer modo, em causa a liberdade contratual, na esfera da protecção normativa do nº 1 do artigo 27º, nem, contrariamente ao defendido pela recorrente, parece ser essa a posição de autores como António de Sousa Franco e Guilherme d’Oliveira Martins – in A Constituição Económica Portuguesa. Ensaio Interpretativo, Coimbra, 1993 – quando, após considerarem que o âmbito e fundamento da liberdade económica integram um núcleo do que chamam 'liberdade individual', dotada de diversas expressões nucleares, acrescentam não ser, certamente, indiferente à ideia de liberdade económica a liberdade pessoal, citando o nº 1 do artigo 27º da CR (ob. cit., pág. 193).
Tão pouco tem cabimento citar Paulo Mota Pinto em abono de uma tese abrangente deste comando constitucional.
Na verdade, se este autor, ao falar da liberdade como pressuposto do desenvolvimento da personalidade, o articula com o nº 1 do artigo
27º da CR, para, passando pela invocação deste preceito, defender o reconhecimento, na nossa lei fundamental, de uma liberdade geral de acção, também acrescenta tornar-se desnecessário o recurso ao direito ao livre desenvolvimento da personalidade, enquanto cláusula geral da protecção da liberdade, quando as normas constitucionais «prevejam liberdades 'especiais', referidas a cada aspecto da vida», como é o caso, que expressamente refere, das
'manifestações de liberdade pessoal, prevista no artigo 27º, nº1, da Constituição' (Paulo Mota Pinto – O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade, in Portugal- Brasil Ano 2000, Coimbra, 1999, págs. 198 e segs., e
207).
4.2. - De igual modo, não se encontra motivo para, na perspectiva jurídico- constitucional, censurar a interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo-a como lesiva da liberdade de iniciativa privada, acolhida no nº 1 do artigo 61º do texto fundamental.
Na verdade, não se está perante um direito absoluto, pois no próprio preceito se acrescenta que o mesmo deve ser exercido 'nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral'. Como se escreveu no acórdão deste Tribunal, nº 392/89 – publicado no Diário da República, II Série, de 14 de Setembro de 1989 –, o exercício da actividade económica privada é modelado pelo legislador ordinário, desde que observados os condicionamentos ou restrições que impeçam o exercício daquele direito de modo particularmente oneroso.
Com o mesmo sentido se pronunciou o Tribunal no acórdão nº 328/94 – publicado no citado jornal oficial, II Série, de 9 de Novembro de
1994 –, reiterando uma leitura deste direito relativizante – que 'nem sequer tem limites expressamente garantidos pela Constituição', sem prejuízo de se lhe reconhecer um conteúdo mínimo, sob pena do seu esvaziamento – de modo a que a sua configuração se faça 'nos quadros da Constituição e da lei', tendo em conta aquele convocado interesse geral.
Ora, esta relativização quadra-se adequadamente com a lógica de um diploma como o constitucional, que 'inscreve à testa dos princípios fundamentais da organização económico-social «a subordinação do poder económico ao poder político democrático» [artigo 80º, alínea a)], como observava Jorge Manuel Coutinho de Abreu, à luz de anterior revisão constitucional mas que, neste particular, mantém actualidade (cfr. 'Limites á iniciativa económica privada' in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, III, Coimbra, 1991, pág. 416).
E, por outro lado, uma norma como a impugnada deve ser interpretada a essa luz, ou seja, em conformidade com a lógica constitucional que dita a necessidade de se acautelar o 'interesse geral' que, nos processos falimentar e de recuperação de empresas, justificam mecanismos com idoneidade para a consecução dos objectivos que as mesmas se propõem atingir. A economia portuguesa, como se sublinha no preâmbulo do Decreto-Lei nº 315/98, necessita que do seu tecido empresarial façam parte empresas viáveis.
A norma da alínea h) do nº 1 do questionado artigo 101º
é passível de uma interpretação constitucionalmente conforme nos termos em que foi interpretada, pelo que a dimensão normativa que, in casu, lhe foi dada não merece censura do ponto de vista constitucional.
4.3. - Finalmente, também não se considera violado o direito de propriedade privada, tal como o nº 1 do artigo 62º da CR o contempla.
Também aqui a Constituição garante esse direito em termos não absolutos, ou seja, o direito à propriedade privada e à sua transmissão é reconhecido dentro dos limites e nos termos definidos noutros lugares da lei fundamental, competindo ao legislador definir-lhe o conteúdo e os limites.
O facto de o texto constitucional não estabelecer restrições explícitas à propriedade privada não significa que elas não possam existir, o que só poderia ocorrer numa 'visão fechada e absolutizante da propriedade, à margem do sistema constitucional [...] qualquer Constituição positiva, ainda que imbuída de respeito pela propriedade, tem de admitir que a lei declare outras restrições [para além dos casos nela directa e expressamente contemplados] – até por não poder prevê-las ou inseri-las todas no texto constitucional' (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 3ª edição, Coimbra, 2000, pág. 528).
No caso sub judice, a questão configura-se em conexão com a anterior, relativa ao direito de iniciativa económica privada e acompanha-lhe a sorte, naturalmente.
É, de resto, a resposta a conceder se se tiver em consideração o sentido da numerosa jurisprudência constitucional que, sobre a matéria, já foi produzida. Citem-se, no seus vários enfoques, entre outros, os acórdãos nºs. 1/84, 257/92, 267/95, 4/96, 289/99, 329/99, 517/99, 602/99 e
263/00, publicados, respectivamente, no Diário da República , II Série, de 26 de Abril de 1984, 18 de Junho de 1993, 20 de Julho de 1995, 30 de Abril de 1996, 14 de Julho de 1999, 20 de Julho de 1999 e 11 de Novembro de 1999, estando ainda inéditos os dois últimos.
III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa, 24 de Outubro de 2001- Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida