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Proc. nº 726/2001 Plenário Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I
1. A, candidato pela lista do Partido Socialista à Assembleia de Freguesia de Cepões, e outros nove eleitores recenseados na Freguesia de Cepões recorreram para o Governador Civil de Viseu, em 12 de Novembro de 2001, ao abrigo do artigo 70º, n.ºs 3 e 4, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, da decisão que determinou a localização das secções de voto na sede da Junta de Freguesia de Cepões, publicitada pelo edital de 12 de Novembro. Alegaram, nesse recurso, exiguidade do local para a dignidade que se deve exigir do acto.
O Governador Civil de Viseu emitiu, em 16 de Novembro, despacho em que afirmou:
(...) entendo que há condições para poder funcionar uma secção de voto em cada sala, pelo que decido que deverá ser encontrado um espaço alternativo onde essas condições possam concretizar-se.
Este despacho foi comunicado ao Presidente da Câmara Municipal de Viseu, por correio, através de ofício de 19 de Novembro de 2001. O Presidente da Câmara Municipal de Viseu recebeu o referido ofício, em 20 de Novembro de 2001, conforme cópia do sobrescrito junta aos autos.
2. O Presidente da Câmara Municipal de Viseu interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, invocando o artigo 70º, n.º 5, da Lei Eleitoral dos
Órgão das Autarquias Locais, através de requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal, via fax, em de 21 de Novembro de 2001.
Recebido o requerimento, o Vice-Presidente do Tribunal Constitucional proferiu despacho, datado de 21 de Novembro de 2001, em que determinou 'em consideração pelo disposto no nº 7 – com referência aos n.ºs 1 a
3 – do artigo 102º-B da Lei do Tribunal Constitucional, aplicável aqui subsidiariamente', que se remetessem os autos, de imediato, ao Governador Civil de Viseu. O Governador Civil de Viseu comunicou esse despacho ao Presidente da Câmara Municipal de Viseu. Na sequência dessa comunicação, o Presidente da Câmara Municipal de Viseu requereu a passagem de certidões do recurso apresentado por A; de uma informação (n.º 15) de 16 de Novembro; da decisão do Governador Civil de Viseu, de 16 de Novembro; e do ofício de 19 de Novembro de 2001, do Governo Civil de Viseu. As certidões requeridas foram juntas aos autos.
3. Cumpre decidir.
II
4. O presente recurso foi interposto de uma decisão do Governador Civil de Viseu que determinou, em face do recurso de dez cidadãos eleitores da Freguesia de Cepões, que deveria ser encontrado um espaço alternativo ao que tinha sido designado pelo Presidente da Câmara para as eleições na referida freguesia, a fim de que as secções de voto funcionassem em salas separadas.
5. A natureza jurídica das decisões do Presidente da Câmara relativas à determinação dos locais de funcionamento das eleições (artigo 70º, nº 1, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais) é a de um acto de administração eleitoral. Como se afirmou no Acórdão nº 266/85, de 4 de Dezembro de 1985 'trata-se (...) de uma competência cujo escopo é o de propiciar a realização do acto eleitoral autárquico por forma a facilitar a participação dos eleitores, desdobrando secções de voto e estabelecendo-as em locais que proporcionem melhor acesso'. O recurso para o Governador Civil da decisão do Presidente da Câmara e a respectiva decisão integram-se numa tramitação administrativa apesar de não existirem relações de subordinação entre o Presidente da Câmara - no exercício das suas competências específicas como órgão de administração autárquica - e o Governador Civil. Resulta da lei [artigos 70º, nº 3, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, e 4º-F, alínea b), do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, na redacção dada pelos Decretos-Leis nº 316/95, de 28 de Novembro, e nº 213/2001, de 2 de Agosto] que para efeitos específicos e restritos de administração eleitoral, sem qualquer interferência nos autênticos poderes autárquicos, se prevê um 'recurso administrativo atípico' (utilizava esta designação o Acórdão nº 266/85) em que o Presidente da Câmara e o Governador Civil se constituem como
órgãos de uma temporária e localizada administração eleitoral, com vista à obtenção das necessárias condições de espaço e localização das eleições, exigíveis pela dignidade, isenção e democraticidade do acto eleitoral.
6. A última fase da apreciação administrativa de tais condições, no caso de recurso, pertence ao Governador Civil nos termos da lei eleitoral, estando, porém, assegurado um controlo jurisdicional pelo Tribunal Constitucional (artigo
70º, nº 5, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais), ao qual, em sede de recurso dos órgãos da administração eleitoral, é atribuída competência específica [artigo 8º, alínea f), da Lei do Tribunal Constitucional].
São, assim, tais recursos para o Tribunal Constitucional matéria de contencioso relativo às eleições para os órgãos do poder local, recursos de actos de órgãos da administração eleitoral, para os quais o Tribunal Constitucional é competente por força dos artigos 223º, nº 3, da Constituição, e
8º, alínea f), da Lei do Tribunal Constitucional.
7. Da natureza do recurso aqui em causa resulta, porém, tal como sucedeu no Acórdão nº 266/85, mas considerando agora o artigo 70º, nº 5, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, que se suscita a questão da legitimidade do Presidente da Câmara para recorrer da decisão do Governador Civil para este Tribunal. Com efeito, a legitimidade neste recurso configura-se, simultaneamente, a partir da natureza administrativa dos actos recorridos e das relações jurídicas controvertidas em matéria eleitoral.
Assim, o Presidente da Câmara, no exercício destas específicas funções de administração eleitoral, como autor do acto administrativo que motivou o recurso para o Governador Civil e sobre o qual incidiu a sua decisão, não poderia ser, directa e pessoalmente, interessado no mesmo acto, em qualquer acepção de interesse. Esse interesse apenas é da titularidade dos eleitores ou dos que os representem nessa qualidade, podendo sempre dez eleitores ou o Presidente da Junta de Freguesia recorrer para o Tribunal Constitucional.
Os princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos bem como a imparcialidade que caracterizam o exercício da actividade administrativa, necessariamente conformadora da aplicação ao caso dos critérios de legitimidade do contencioso administrativo bem como dos critérios comuns do Direito sobre legitimidade (cf. artigos 821º, nº 2, do Código Administrativo, e 26º do Código de Processo Civil), implicam a falta de legitimidade do Presidente da Câmara neste recurso.
III
8. Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso, por falta de legitimidade do recorrente.
Lisboa, 26 de Novembro de 2001 Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Artur Maurício Paulo Mota Pinto José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida