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Proc.º n.º 279/2001.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 21 de Maio de 2001 proferiu o relator decisão sumária com o seguinte teor:-
'1. Dos acórdãos proferidos no Tribunal da Relação de Lisboa em 19 de Julho de 1999 e 15 de Novembro de 2000 intentou o arguido C... recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.
Por despacho prolatado em 25 de Janeiro de 2001 pelo Desembargador Relator daquele Tribunal foi admitido o recurso interposto do acórdão de 15 de Novembro de 2000, mas não foi admitido o recurso referente ao tirado em 19 de Julho de 1999, por isso que foi entendido que, por aresto proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 20 de Outubro de 1999, já transitado em julgado, tinha havido decisão sobre a matéria que também fora objecto de decisão naquele aresto de 19 de Julho de 1999.
De tal despacho reclamou o arguido para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentando na peça processual consubstanciadora da reclamação as seguintes «conclusões»:-
‘1. O recurso do acórdão de 19.07.99 do TRL terá e deverá que ser admitido conjuntamente com o recurso do acórdão do TRL de 15.11.2000, considerando-se ambos uma única, una e indivisível decisão (artigo 428º-1 do CPP).
2. O que implica que se considera não acertado que o TRL tivesse adoptado duas decisões separadas no tempo - uma supostamente em matéria de facto em 19.07.99 e outra em matéria de direito em 02.02.2000 - quando por força do artigo 428º-1 teria que ser adoptada uma só. O que implica que não possa considerar-se a decisão incorrectamente adoptada como tendo transitado em julgado.
3 . Permitindo-se ao STJ sindicar o conceito aplicado delimitador do que se entendeu ser matéria de facto/matéria de direito utilizado pelo TRL, uma vez que se trata de nítida competência do STJ, salvaguardando-se ainda todas as garantias de defesa do arguido - artigo 32º-1 e 20º-1 da CRP.
4. Caso o arguido não recorresse e/ou reclamasse da forma como o faz - defendendo como o defendeu a tese da incorrecção do acórdão do TRL de 19.07.99 - estaria a agir com má-fé processual e abuso de direito na modalidade acima apontada.
5. Com efeito, nada garante ao arguido que não recorrendo como recorreu, não reclamando como reclama, o STJ não venha a dizer: só não vai sindicado o acórdão do TRL de 19.07.1999 - quanto ao conceito delimitador de matéria de facto/matéria de direito - porque o arguido a isso não deu impulso processual e, por isso, conformou-se com a decisão, quer em termos formais, quer substanciais.
6. Deve pois, admitir-se o recurso do acórdão do TRL de 19.07.99 nos termos e finalidades apontadas e não, como é lógico, em termos de que se pretenda ao STJ um absoluto juízo ou julgamento da matéria de facto que às instâncias compete fixar.
7. Os raciocínio expendido para o acórdão do TRL de 19.07.1999, aplica-se
‘mutatis mutandis’ aos demais recursos pendentes, sendo que eles versam praticamente e só sobre questões de direito que o STJ pode no seu douto e supremo Juízo julgar. A sua não apreciação implica uma afectação substancial dos direitos de defesa do arguido violadora dos artigos 20º-1 e 32º-1 do CRP, inconstitucionalidade que se invoca.
8. O douto despacho reclamado padece pois de dupla inconstitucionalidade por violar os artigos 20º-1 e 32º-1 da CRP, que se invocam’.
Por despacho de 15 de Março de 2001 do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça foi indeferida a reclamação, podendo no mesmo ler-se, a dado passo:-
‘................................................................................................................................................................................................................................. I- Apreciando:------------------------------------------------------------------- Como decorre dos autos, este Supremo Tribunal já se pronunciou, por acórdão de
20/10/99, rejeitando o recuso interposto pelo recorrente ao acórdão da Relação de Lisboa de 19/07/99, por o mesmo não ser admissível.------------------------------------------------------------------------A matéria em causa já foi por isso julgada por este STJ, e o recorrente já usou do seu direito de recurso, que, por isso se esgotou.-------------------------------------------------------------------------------------- De resto, a referida decisão, já transitada, constituiu caso julgado, sendo por isso totalmente infundada esta reclamação.-------------------- Não se diga que face ao disposto no art. 428º, n.º 1 devem os dois acórdãos da Relação ser considerados uma única decisão, sendo assim admissível o recurso.---------------------------------------------------
É que a referida disposição legal, referente aos poderes de cognição da Relação, refere-se apenas à determinação da competência recursória daquela, pelo que em nada contende com o que supra se deixou referido.-----------------------------------------------------------------
De igual modo, pelos mesmos motivos, carece o requerente de razão, quando pretende ver decididos os recursos interlocutórios, visto que tais recursos foram rejeitados por acórdão irrecorrível da Relação, irrecorribilidade que foi confirmada por este STJ.------------- III- Em face do exposto, e sem necessidade de outros considerandos, desatende-se a presente reclamação, com custas pelo reclamante.-----
................................................................................................................................................................................................................................’
É do transcrito despacho que, pelo arguido, vem interposto recurso para o Tribunal Constitucional ‘ao abrigo das alíneas a) e b), do nº 1, do artigo 70º ... para apreciação da inconstitucionalidade do art. 428º, nº 1 do C.P. Penal na interpretação dada pelas decisões recorridas’ (sic).
O recurso veio ser admitido por despacho de 19 de Abril de 2001.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78-A da mesma Lei, a vertente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Assinale-se, desde logo, que o requerimento de interposição de recurso não obedece aos requisitos previstos nos números 1 e 2 do artº 75º-A da assinalada Lei.
Por outro lado, não se justifica, in casu, lançar mão do que se dispõe no nº 6 de tal artigo, e isso justamente pela razão segundo a qual o uso daquela faculdade tornar-se-ia um acto inútil, dado que na situação em apreço se não congregam os condicionalismos permissores do recurso pretendido interpor.
2.1. Na verdade, tocantemente ao recurso estribado na alínea a) do nº
1 do artº 70º da Lei nº 28/82, é por demais óbvio que o mesmo nunca poderia ser intentado na situação em análise, e isso pelo simples motivo de harmonia com o qual o despacho sub iudicio não recusou, fundado em questões de inconstitucionalidade, a aplicação de qualquer norma.
2.2. De outra banda, pelo que concerne ao recurso alicerçado na alínea b) daqueles número e artigo, é límpido que, como resulta, aliás, da transcrição das «conclusões» acima levada a efeito, o ora recorrente, antes da prolação do despacho em causa, não questionou a compatibilidade com a Lei Fundamental por parte de qualquer normativo ínsito no ordenamento jurídico infra-constitucional.
O que foi dito pelo ora impugnante na reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça foi que o despacho proferido pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa - e por intermédio do qual se não admitiu o recurso para aquele Supremo Tribunal do acórdão da Relação de Lisboa de 19 de Julho de 1999 - padecia de dupla inconstitucionalidade.
Significa isso que o vício de desconformidade com o Diploma Básico foi dirigido ao despacho judicial e não endereçado a qualquer norma.
Ora, como é sabido e decorre, quer do nº 1 do artigo 280º da Constituição, quer do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade são normas e não outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões jurisdicionais tomadas qua tale.
Extrai-se daqui que, no caso sub specie, o impugnante não cumpriu, antes de ser lavrado o despacho de que pretendeu recorrer, o ónus de suscitação da inconstitucionalidade da norma que agora, no requerimento de interposição de recurso para este órgão de administração de justiça, intenta ver apreciada.
Por isso, também não é cabido o recurso previsto na alínea b), já citada.
3. Em face do que se deixa dito, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta'.
É da transcrita decisão sumária que, pelo arguido C..., vem interposta a vertente reclamação, solicitando, na peça consubstanciadora dela, a final, que 'se declare ser violadora do direito de recurso do arguido o artigo
428º-1 do CPP na interpretação - implícita ou explícita - adoptada no douto despacho do Sr. Juiz Desembargador Relator do TRL que não admitiu o recurso interposto para o STJ da matéria a que se alude no acórdão de 19.07.1999 do TRL, com fundamento em que este já havia transitado. Interpretação esta - do nº 1 do artigo 428º do CPP - que atenta, como se disse, contra o direito ao recurso do arguido expresso no artigo 32º-1 da CRP' e que, 'na sequência desse juízo de inconstitucionalidade deva o douto despacho de 25.01.2001 do TRL ser substituído por outro que admita o recurso interposto nos exactos termos constantes do requerimento de interposição'.
O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, ouvido sobre a reclamação, propugnou pelo respectivo indeferimento, pois que, na sua óptica, devem subsistir as razões indicadas na decisão sumária, as quais não são abaladas pela reclamação.
Cumpre decidir.
2. É por demais óbvia a improcedência da reclamação.
Na verdade, como se assinalou na decisão ora reclamada, o então recorrente, antes da prolação do despacho proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, jamais equacionou a contraditoriedade com a Lei Fundamental por banda de qualquer norma constante do ordenamento jurídico infra-constitucional, limitando a arguir como contrário à Constituição o próprio despacho de não admissão do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
Aliás, aproveita-se a oportunidade para sublinhar que, sendo recorrido o despacho proferido pelo Presidente daquele Alto Tribunal, não é minimamente entendível que na vertente reclamação se venha peticionar a efectivação de um juízo de inconstitucionalidade (porventura por lapso o reclamante fala em «declaração», o que só é possível em processos de fiscalização abstracta sucessiva) sobre uma norma utilizada 'no douto despacho do Sr. Juiz Desembargador Relator do TRL'.
Reafirma-se, pois, que o ora reclamante não cumpriu um dos ónus que lhe permitiriam lançar mão do recurso a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, justamente o que consiste na suscitação, antecedentemente à decisão judicial intentada impugnar, da inconstitucionalidade de uma norma, considerada em si mesma, ínsita no já citado ordenamento jurídico infra-constitucional, o que, por mais que tente, não é infirmado por aquilo que agora pretende demonstrar na reclamação sub iudicio.
Termos em que se julga improcedente a reclamação, confirmando-se a decisão impugnada, em consequência se não tomando conhecimento do recurso desejado interpor para este Tribunal.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 26 de Junho de 2001 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa