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Proc. nº 238/01 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – Por decisão sumária proferida a fls. 271 e segs. não se tomou conhecimento do objecto do recurso interposto por Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ..., CRL, ao abrigo do artigo 70º nº. 1 alínea c) da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 258 e segs.
Escreveu-se nessa decisão:
'1 - Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ..., CRL recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei nº 28/82 (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 258 e segs., dizendo no respectivo requerimento de interposição de recurso:
'(...) inconformada com a decisão proferida por douto acórdão desse Tribunal de 2001-03-01, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional dado que o mesmo consubstancia em si uma violação do disposto no artº 62º da CRP, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 70º al. C) e 75º nº 1 da Lei 85/89 de 7 de Setembro – nova redacção dada a idênticos preceitos da Lei
28/82 de 151/82 – artº 72º nº 1 al. B) da Lei nº 28/82 artº 75º - A nº 1 da Lei
85/89 ambos já referidos.
Para tanto e conforme estabelecido no artº 75º-A nº 1 da Lei 85/89 indica-se o dispositivo que a recorrente entende ter sido violado porque deveria ter sido aplicado ou prevalecido no douto acórdão e não o foi.
O Acórdão proferido a fls. viola manifestamente o artº 62º da Constituição da República Portuguesa dado que o referido preceito consagra o princípio constitucional do direito à propriedade privada.
Este princípio constitucional engloba a possibilidade da realização coactiva do direito do credor à satisfação do seu crédito, à custa do património do devedor (artº 601º do Código Civil), através de decisão judicial que substitui a vont6ade do devedor em cumprir a obrigação a que se acha adstricto'
O recurso veio a ser admitido no STJ nos seguintes termos:
'Embora com dúvidas, pois não se vê que haja sido suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma, admito o recurso para o Tribunal Constitucional, interposto pelo requerimento que antecede, a processar de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo'.
Remetidos os autos a este Tribunal, cumpre decidir, o que se faz ao abrigo do disposto no artigo 78º-A nº 1 da LTC.
2 - Não obstante a admissão do recurso nos termos do despacho supra transcrito, que não vincula este Tribunal (artigo 76º nº 3 da LTC), é patente que se não verificam todos os requisitos de admissibilidade do mesmo recurso, como se passa a demonstrar.
Por força do artigo 72º nº 2 da LTC, a questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, em fiscalização concreta, deve ser suscitada perante o tribunal que proferiu a decisão impugnada de modo processualmente adequada.
Por outro lado, não vigorando no nosso ordenamento jurídico um recurso de amparo, o recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70º nº 1 da LTC tem, necessariamente, como objecto uma norma e não a própria decisão judicial impugnada.
Examinando o requerimento de interposição de recurso, é, desde logo, patente que a recorrente não indica qualquer norma de direito infraconstitucional que entenda ter sido interpretada pelo acórdão recorrido em desconformidade com a Constituição.
A situação não era, porém, irremediável já que, de acordo com o disposto no artigo 75º-A nº 5 da LTC, deve o relator convidar a recorrente a suprir tal omissão.
Simplesmente, no caso, não se trata de uma mera omissão. E isto porque não só nenhuma questão de constitucionalidade normativa foi suscitada pela recorrente perante o tribunal que proferiu a decisão impugnada, como a suposta inconstitucionalidade é expressamente imputada a essa própria decisão. O convite seria, pois, um acto inutil.
Já, aliás, o despacho de admissão do recurso se dera conta do facto de não ter sido suscitada questão de constitucionalidade normativa (daí as
'dúvidas' com que o recurso é admitido), sendo certo que, por esse mesmo motivo, se não vê no acórdão impugnado a emissão de um qualquer juízo de constitucionalidade.
Por outro lado – e como se disse – a inconstitucionalidade é atribuída à decisão recorrida quando a recorrente diz, claramente, que 'o mesmo
[acórdão do STJ] consubstancia em si uma violação do disposto no artº 62º da CRP' e, mais adiante, que 'o acórdão proferido a fls. viola manifestamente o artº 62º da Constituição da República Portuguesa'.
Não se mostram, assim, preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso interposto.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs.'
Desta decisão, vem a recorrente reclamar para a conferência, dizendo, em síntese, o seguinte:
- o recurso foi interposto ao abrigo da alínea c) (e não da alínea b) do nº. 1 do artigo 70º da LTC), razão por que não teria que observar o disposto no artigo 72º nº. 2 da mesma Lei;
- não tendo indicado a norma cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, ela resultaria implicitamente da invocação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº. 3/99, de 18/5, publicado in DR, 1ª Série-A, de 10/7, devendo, de qualquer forma, ter sido convidado para suprir a omissão;
- a norma em causa é a do artigo 5º do Código de Registo Predial na redacção anterior ao DL nº. 533/99, de 11/12;
- nunca pretendeu pôr em causa a constitucionalidade da decisão recorrida mas sim a daquela norma.
Cumpre apreciar e decidir.
2 – Na decisão sumária agora reclamada, admitiu-se, embora não de forma expressa, que o recurso tivesse sido interposto ao abrigo da alínea b), e não da alínea c), do nº. 1 do artigo 70º da LTC, devendo-se a mero lapso da recorrente a identificação da alínea ao abrigo da qual recorria para este Tribunal.
Isto até porque se não via, de todo em todo, qualquer recusa de aplicação da norma com fundamento em ilegalidade por violação de lei com valor reforçado.
Nessa conformidade, decidiu-se não tomar conhecimento do objecto do recurso, não só por a recorrente não ter suscitado a questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado, perante o tribunal recorrido, por força do artigo 72º nº. 2 da LTC, mas também por a questão de constitucionalidade ter sido imputada à própria decisão recorrida.
Vem agora a recorrente dizer que recorreu para este Tribunal de acordo com o disposto na alínea c) do nº. 1 do artigo 70º da LTC, pelo que não existiria a obrigatoriedade da suscitação da questão perante o tribunal recorrido, de modo processualmente adequado.
Quer isto dizer – e tem que se aceitar – que a decisão sumária pressupôs um lapso que, de facto, não ocorreu.
E, assim, não pode deixar de se entender como impertinente o fundamento da não suscitação da questão de constitucionalidade, perante o tribunal recorrido, de modo processualmente adequado, que não é aplicável ao recurso interposto nos termos do artigo 70º nº. 1 alínea c) da LTC.
Ora, interpondo a recorrente o recurso nos termos da alínea c) do nº. 1 daquele preceito, impõe esta mesma norma que tenha ocorrido uma recusa de aplicação da norma em causa, por violação de lei com valor reforçado.
Mas a verdade é que, no acórdão recorrido não se vislumbra qualquer recusa de aplicação da norma contida no artigo 5º do Código de Registo Predial, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº. 533/99, de 11 de Dezembro – aceitando agora que é esta a norma invocada – pois o que ali se fez foi a delimitação do conceito de 'terceiros' para efeitos registrais, utilizado naquele preceito, o que precisamente traduz a aplicação da norma e não a sua recusa, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado.
Tal é bastante para o recurso não poder ser admitido ao abrigo da alínea c) do nº. 1 do artigo 70º da LTC.
Por último, e 'ex abundante', nada de consistente diz a reclamante que possa contrariar o que se afirmou na decisão reclamada relativamente ao facto de ela imputar a inconstitucionalidade à própria decisão do tribunal recorrido.
Não estão, pois, preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso previstos na alínea c) do nº. 1 do artigo 70º da LTC.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 27 de Junho de 2001- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa