Imprimir acórdão
Processo nº 451/2000
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 815 foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1999, foi julgado improcedente o recurso de revista interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, por sua vez, revogara a decisão da primeira instância de julgar procedente a acção de preferência proposta por A ... contra M...
(entretanto falecida e substituída na acção por M...) e contra a SOCIEDADE I..., SA., devidamente descrita nos autos. Para o que agora releva, o Supremo Tribunal de Justiça não conheceu do pedido de reforma do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, formulado pelo ora recorrente ao abrigo do disposto na al. b) do nº 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil, por decorrer do artigo 25º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, que aquele nº 2 se não aplica à acção em causa, proposta em 17 de Março de 1995. Para além disso, o Supremo Tribunal de Justiça desatendeu a arguição de nulidade do acórdão então recorrido, assente nas als. b) e d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, e julgou o recurso improcedente. Entendeu, em síntese, que a sublocação invocada pelo autor para justificar o exercício do direito de preferência não era eficaz relativamente à locadora, por não ocorrer nenhuma das exigências formuladas no artigo 1061º do Código Civil, já que não ficou provado, nem o reconhecimento por esta última, nem a realização da comunicação da cedência, prevista na al. g) do artigo 1038º também do Código Civil); que, de qualquer forma, teria ocorrido a caducidade do direito de preferência que o autor pretendia exercer; e, finalmente, que nem existia o abuso de direito invocado pelo autor, nem se verificava a violação, pelo 'acórdão recorrido [,]
[d]os art.s 2º, 205º e 208º da CRP', ou do 'princípio da confiança nas instituições quanto à aplicação correcta do direito pelos tribunais'. Inconformado, A. ... veio arguir a nulidade deste acórdão, que foi desatendida pelo acórdão de 9 de Março de 2000, de fls. 782, acórdão do qual veio a ser requerida a aclaração, por sua vez desatendida pelo acórdão de 25 de Maio de
2000, de fls. 802.
2. Recorre, então A ... para o Tribunal Constitucional (requerimento de fls.
805). O recurso foi admitido, em decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do artigo
76º da Lei nº 28/82). Convidado a completar o requerimento, pelo despacho de fls. 809, veio responder o seguinte (a fls. 810):
'1. O recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a) por inconstitucionalidade da enumeração taxativa do artigo 668º do CPC, atenta a própria e nova redacção do nº 2 do art. 669º e seguinte; b) ou por inconstitucionalidade da parte final do art. 25º do DL. 329-A/95, de
12 de Dezembro, enquanto exclui a aplicação a certos processos pendentes, como este, dos nºs 2 e 3 do art. 669º do CPC; c) por interpretação inconstitucional dos arts. 1061º e 1102 nº 2 (este último, ao tempo, aplicável); d) por os doutos acórdãos recorridos terem violado os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, nos artigos 2º, 202º e 205º.
2. As referidas violações foram suscitadas nas alegações e arguições, no recurso de revista, enquanto,
– foram recusadas as reformas dos doutos acórdãos (desatendimento de um documento fundamental: a escritura de cessão da posição de arrendatário de
14.04.89);
– ocorreram interpretações inconstitucionais, por excesso, das normas sobre subarrendamento (suposta exigência de reconhecimento expresso e factual);
3. As suscitadas inconstitucionalidades foram salientadas na arguição das nulidades dos doutos acórdãos, da Relação e do Supremo, e subsequentes pedidos de esclarecimentos,
4. As últimas violações, em sede de revista, são suscitadas em tempo, por serem decisões-surpresa, anteriormente ininvocáveis, jurisprudência desse TC, por infringirem os preceitos constitucionais de garantia de JUSTIÇA, por aplicação do direito a facto inexistente – um acção de despejo, fundamento considerado simples ‘equívoco’, sem anulação do respectivo acórdão; e por alheamento do Tribunal, nos recursos, perante factos provados e decisivos: litígios sobre a placa, pedidos de avaliação extraordinária e confissões processuais da senhoria (em abuso de direito).
(...)'.
3. O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, tem por objecto, como resulta da lei e o Tribunal Constitucional tem inúmeras vezes relembrado, a apreciação da constitucionalidade de normas – ou de uma sua dimensão interpretativa – que tenham sido aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido invocada a sua inconstitucionalidade durante o processo (cfr., em especial, a al. b) do nº 1 do artigo 70º e o nº 1 do artigo 71º da Lei nº 28/82). Incumbe ao recorrente, como é sabido, determinar o objecto do recurso, explicitando devidamente qual a norma – ou qual a dimensão interpretativa – que acusa de ser inconstitucional, não podendo o Tribunal Constitucional substituir-se-lhe nessa determinação. Assim resulta claramente do disposto no citado artigo 71º da Lei nº 28/82. O Tribunal Constitucional, aliás, tem-no afirmado repetidas vezes (cfr., por exemplo, o acórdão nº 178/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., pág. 1118 e segs.: 'Tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de
1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental'. Por outro lado, não são admissíveis em processo de fiscalização concreta da constitucionalidade pedidos alternativos, não sendo aplicável, como resulta da sua simples leitura, o regime definido pelo artigo 468º do Código de Processo Civil. Finalmente, cabe recordar que o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade se destina a apreciar a eventual inconstitucionalidade de normas que tenham sido aplicadas na decisão de que se recorre para o Tribunal Constitucional, como atrás se disse, e não a inconstitucionalidade da própria decisão (cfr., nomeadamente, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, de
31 de Janeiro de 1995 e de 16 de Maio de 1996).
4. Não estão, assim, reunidas as condições para que o Tribunal Constitucional possa conhecer do presente recurso. Independentemente de averiguar se estariam ou não presentes todos os outros pressupostos de admissibilidade, o seu objecto não pode ser julgado porque: Quanto às als. a) e b) do nº 1 do requerimento de interposição de recurso, atrás transcritas, porque o recorrente, por um lado, não define a norma que pretende impugnar na al. a) e, por outro, porque formula pedidos alternativos; Quanto à al. c) do mesmo nº 1, porque não define qual a interpretação que acusa de ser inconstitucional; Finalmente, no que toca à al. d) do mesmo nº 1, porque o recorrente atribui ao próprio acórdão recorrido as infracções à Constituição que aponta.
Nestes termos, e de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
(...)'
2. Inconformado, A ... reclamou para a conferência, concluindo da seguinte forma:
' a) Com o devido respeito, o recorrente definiu, sob als. a) e b), a norma que reputa inconstitucional e que é a restrição do art. 25º do DL. 329-A/95, de 12 de Dezembro, e, por consequência, a inconstitucionalidade do nº 1 do art. 668º do Código de Processo Civil. b) Quanto à alínea c), o recorrente, na indicação sumária que lhe competia, referiu o sentido dessa inconstitucionalidade que é a exorbitância, 'contra legem', de uma ínsita exigência de uma declaração directa e pessoal de reconhecimento do subarrendatário. Por outro lado, c) O recorrente não reputa inconstitucional, 'in se', o acórdão recorrido. Antes se impugnam as violações dos princípios legais e constitucionais de fundamentação e aplicação do direito aos factos e documento decisivos (litígios, avaliações, confissões e escritura de cessão), e por se ter utilizado um fundamento de decisão inexistente (acção de despejo)'. A reclamação foi indeferida, pelo acórdão nº 529/2000, de fls. 834, pelas seguintes razões:
'Quanto à alínea a), em primeiro lugar, que é exacto que, ao interpor o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas, e ao responder ao convite que lhe foi dirigido nesse sentido, o reclamante não definiu qualquer norma quando pretendeu que o Tribunal Constitucional julgasse inconstitucional a
'enumeração taxativa do artigo 668º do CPC, atenta a própria e nova redacção do nº 2 do art. 669º e seguintes', como se julgou na decisão agora reclamada; em segundo lugar, que o reclamante colocou mesmo em alternativa as inconstitucionalidades que refere à 'enumeração taxativa do artigo 668º do CPC, atenta a própria e nova redacção do nº 2 do art. 669º e seguintes' e à 'parte final do art. 25º do DL. 329-A/95, de 12 de Dezembro, enquanto exclui a aplicação a certos processos pendentes, como este, dos nºs 2 e 3 do art. 669º do Código de Processo Civil'. Diga-se, aliás, que nem se compreende o confronto que o reclamante pretende estabelecer entre a aplicação destes dois regimes, um definido para os vícios da sentença e outro para os pedidos de reforma por erro manifesto, já que eles, como é sabido, se excluem. Não poderia, sequer, existir entre ambos qualquer relação 'consequencial'. No que toca à al. b), resulta claro da reclamação que o reclamante continua sem cumprir a primeira exigência de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas que é a da definição de uma norma cuja constitucionalidade questiona. Finalmente, quanto à al. c), decorre da leitura do texto da reclamação que é mesmo ao acórdão recorrido que o reclamante imputa as 'violações dos princípios legais e constitucionais' que indica (ver, em especial o seu ponto 4.). Assim, decide-se indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso.
(...)'.
3. Notificado deste acórdão, A ..., pelo requerimento de fls. 843, veio então sustentar que 'Deve, por esta superveniência, ser tomado conhecimento do objecto do recurso, por redução do mesmo à ocorrida questão da interpretação inconstitucional do artº 25º do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro. ASSIM, por tal fixação de jurisprudência,
recurso, por redução, e que, a final, seja proferido acórdão que considere inconstitucional a interpretação que foi produzida no acórdão do STJ, e, por via disso, que seja o mesmo declarado nulo, com as devidas consequências, como é de JUSTIÇA!' Conforme explicou,
' I- Tomou conhecimento do acórdão do PLENO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 6 Junho do corrente ano, que se reporta, exactamente, à interpretação do art. 25º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, uma das questões submetidas ao veredicto do Tribunal Constitucional. II- Esta recente fixação de jurisprudência vem opor-se ao que o mesmo Supremo Tribunal decidiu, pouco tempo antes, na presente acção'. Pretendia o recorrente 'elimina[r] a dicotomia ou alternativa acusada nos apresentados fundamentos do recurso para esse Tribunal Constitucional quanto à questão da reforma do acórdão' que o Supremo Tribunal de Justiça lhe negou. Pelo acórdão nº 48/2001, de fls. 855, o Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento deste requerimento, entendendo que o recorrente não podia vir reduzir o pedido e que o poder jurisdicional do Tribunal se havia esgotado, apenas lhe sendo possível, sendo caso disso, alterar o acórdão por via dos termos previstos no artigo 716º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
4. Notificado deste acórdão, A ... veio requerer a sua 'alteração, por reforma', pelos fundamentos que indica, concluindo da seguinte forma:
'ASSIM, a) Verifica-se, por tal superveniência – uniformização da jurisprudência -, que o Supremo Tribunal de Justiça violou os direitos constitucionais do recorrente ao negar-lhe o uso da faculdade pedida de REFORMA do acórdão da Relação de Lisboa (questão da comunicação); b) É que, face à arguição posterior, o STJ negou a reforma do se próprio acórdão
(questão da tempestividade do exercício do direito de preferência); c) Confirma-se, pelo referido acórdão do PLENO, que o acórdão do STJ produziu interpretação inconstitucional do citado art. 25º, desaplicando o nº 2 do art.
669º do CPC denegando, com isso, o Acesso ao Direito e à Justiça, em questões decisivas para o julgamento da revista; d) Violados foram os princípios constitucionais da confiança nas Instituições quanto à aplicação correcta do Direito pelos Tribunais – arts. 2º, 205º e 208º da CRP -, e o direito à tutela jurisdicional efectiva _ art. 20º da CRP. DE TUDO, Porque tem sido jurisprudência do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade de normas não exclui a suscitação e apreciação da interpretação inconstitucional de qualquer norma, junta aos autos a certidão do acórdão do Pleno do STJ, requer-se a Vossas Excelências, Senhores Doutores Juízes Conselheiros, que, nos termos do art. 716º do CPC, ex vi do art. 69º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, seja alterado, por reforma, o douto acórdão do Tribunal Constitucional e, por via disso e com os devidos efeitos, sejam declaradas as inconstitucionalidades das decisões do Supremo Tribunal de Justiça de recusa das reformas nas questões que foram cruciais para a decisão do pleito, tudo com violação do art. 669º do CPC, por força do art. 25º do DL 329-A/95, de
12 de Dezembro, e sempre por violação dos princípios constitucionais consagrados nos arts. 2º,
205º, 208º e 20º, todos da Constituição da República Portuguesa.
(...)' Porque o recorrente não indicou como fundamento do pedido de reforma nenhum dos motivos que, segundo o disposto no nº 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil, o poderiam justificar, o acórdão nº 139/2001, de fls. 869, indeferiu-o.
5. Finalmente, pelo requerimento de fls. 876, A ... vem requerer a reforma deste acórdão nº 139/2001, por não ter tomado em consideração a
'certidão do Acórdão do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, que definiu a interpretação correcta do nº 2 do art. 669º do CPC, a que se reporta a norma transitória do art. 25º do DL.329/A/95, dispositivo que, transversalmente, está em causa no recurso de revista e neste pendente recurso.
(...)
5. A junção desse documento, se mais não existisse, implicava, está-se em querer, se tivesse sido tomado em consideração, que este Tribunal Constitucional viria a reformar o seu acórdão a partir, pelo menos, de então.
6. Já antes, e sempre, o Tribunal Constitucional tinha o poder de definir a interpretação da referida norma transitória – artº 25º do DL. 325-A/95.
(...)' E conclui o seu requerimento solicitando 'que, integrando este requerimento nos já anteriormente apresentados, e, considerando que foram apresentados alegações e documento com intrínseco poder reformatório, procedam à reforma dos acórdãos em dissonância, mais directamente o último, concedendo provimento ao recurso, por considerarem inconstitucional a interpretação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em causa, e, por isso, nulo, tudo com as devidas consequências, como tudo é de JUSTIÇA!'. A recorrida não respondeu.
6. Pretende, pois, o requerente, de novo e com os argumentos já repetidamente afastados, a reforma do acórdão (nº 139/2001) que recusara o pedido de reforma do acórdão anterior (48/2001), ele próprio já proferido para não tomar conhecimento de um requerimento destinado a alterar os termos em que interpusera o recurso de constitucionalidade, já rejeitado, primeiro, pela decisão sumária de fls. 815 e, depois, pelo acórdão nº 529/2000, que a confirmara. Com esta actuação, é manifesto que o requerente está a pretender 'obstar ao cumprimento da decisão proferida no recurso' (nº 4 do artigo 84º da Lei nº
28/82).
Assim, e nos termos deste nº 4 do artigo 84º, conjugado com o artigo 720º do Código de Processo Civil, determina-se:
(a) mandar extrair traslado das decisões proferidas neste recurso, incluindo esta, e do requerimento de fls. 876, a fim de tudo ser processado em separado, para, uma vez que se mostrem pagas as custas em que o requerente foi condenado neste Tribunal, que, entretanto, devem ser contadas, ser decidido o pedido de reforma;
(b) mandar que, extraído o traslado, os autos de recurso sejam imediatamente remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça.
Lisboa, 23 de Maio de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida