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Processo n.º 437/13
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se o seguinte:
“(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
(…) Começando a nossa análise pela natureza do objeto, diremos que o recurso de constitucionalidade apenas pode incidir sobre a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional.
A este propósito, pode ler-se, no Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 633/08 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ), o seguinte:
“ (…) cumpre acentuar que, sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida (…)
Assim, impende sobre a parte, que pretenda interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o ónus de autonomizar e enunciar um verdadeiro critério normativo, que tenha sido utilizado como ratio decidendi pela decisão recorrida, reportando-o a uma determinada disposição ou conjugação de disposições legais. Tal enunciação terá necessariamente de corresponder a um dos sentidos extraíveis da literalidade do(s) preceito(s) escolhido(s) como suporte da norma ou interpretação normativa colocada em crise.
Acresce que tal enunciação deverá ser apresentada, em termos tais que o Tribunal Constitucional, no caso de concluir pela sua inconstitucionalidade, possa reproduzir tal enunciação, de modo a que os respetivos destinatários e operadores do direito em geral fiquem cientes do concreto sentido normativo julgado desconforme com a Lei Fundamental.
No presente caso, resulta claramente, através da análise do requerimento de interposição de recurso, que o recorrente, apesar de mencionar determinados preceitos infraconstitucionais, não pretende a sindicância de verdadeiros critérios normativos – que, em nenhum momento, enuncia – mas da decisão jurisdicional concreta, na sua vertente casuística.
A veracidade de tal asserção resulta demonstrada se atentarmos nos excertos em que o recorrente se reporta à violação de parâmetros constitucionais:
“Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 75º-A do diploma supra citado [LTC], consigna-se que se consideram violados, em sede de julgamento e posteriores recursos, os artigos 147º, nº 7 e 340º do Código de Processo Penal, violando subsequentemente o princípio da livre apreciação da prova por ter sido julgado improcedente, o recurso interposto pelo Recorrente em consequência de uma errada interpretação e aplicação das normas constantes daquelas disposições legais.
Aquela interpretação e aplicação da lei ordinária, no sentido em que o foi, viola os comandos constitucionais ínsitos nos artigos 20º e 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (…)
I - Primeira inconstitucionalidade – arts. 147º, nº 7 e 340º do C.P.P.
(…) O arguido goza do mais amplo direito de defesa estando este consagrado na CRP, no seu artigo 32º. Este direito concretiza-se, fundamentalmente e sobretudo, através do princípio do contraditório, ao nível de produção de prova devendo ao arguido ser facultada a possibilidade de fazer ouvir ou produzir contra prova sobre as provas apresentadas e exercidas relativamente a factos contra si deduzidos (…)
Ao ser-lhe indeferido requerimento em que pedia a inquirição de testemunha por si oferecida sobre factos constantes das novas declarações das testemunhas, foi-lhe negado o exercício do direito de defesa e do princípio do contraditório. Concretamente, foi assim violada a norma do art. 327.º, n.º 2, do C.P.P.
E se a interpretação de tal norma for no sentido de permitir a produção de prova sem que ao Arguido seja facultado o exercício da produção de contraprova ou de meios de prova para apenas pôr aquela em dúvida, então é essa norma materialmente inconstitucional por violação do direito de defesa plasmado no art. 32.º, da Constituição.
(…)
II – Segunda inconstitucionalidade, relativamente à medida da pena e ao seu princípio e fim último, a ressocialização do arguido (execução de pena privativa de liberdade) – violação dos princípios fundamentais da pessoa humana
(…)
No caso em apreço, entendemos, salvo opinião em contrário, que a pena de prisão a aplicar-se agora ao arguido viola o princípio penal da ressocialização bem como o princípio da proporcionalidade previstos na CRP e no C.P.
(…)
Entende-se pois a aplicação de uma pena privativa da liberdade, prisão efetiva, além de desproporcionada atualmente manifestamente desadequada, violando os mais básicos princípios dos direitos fundamentais.
(…) conclui-se que dada a vida do arguido é de todo desproporcional e uma violação dos seus princípios fundamentais, consagrados na Constituição da República que o Estado Português sendo um estado de direito, porquanto justo, determine ao cumprimento de uma pena efetiva de prisão um sujeito, cidadão português, exemplar no seu modo de vida anterior e após o cometimento de meia dúzia de crimes e que se encontra perfeitamente ressocializado.”
Os aspetos expostos pelo recorrente, que envolvem a concreta apreciação do caso, estão subtraídos à sindicância do Tribunal Constitucional.
Nestes termos, demonstrada que se encontra a inidoneidade do objeto do presente recurso de constitucionalidade, conclui-se desde já pela sua inadmissibilidade, tornando-se ociosa a discussão sobre os restantes pressupostos referidos supra, no ponto 3., atenta a sua necessária verificação cumulativa.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
3. Manifesta o reclamante a sua discordância, relativamente ao não conhecimento do recurso interposto, defendendo, em síntese, que “identificou e delimitou, de forma adequada e precisa, diversas questões de inconstitucionalidade normativa”, no requerimento de interposição de recurso.
Mais refere que, não obstante se ter referido à questão judicial e ao julgamento, fê-lo sempre “numa perspetiva de enquadramento da interpretação atribuída às normas”, cuja inconstitucionalidade suscita, pelo que nunca pretendeu um recurso de amparo.
Reitera que pretende que seja julgada inconstitucional a interpretação das normas versadas no requerimento de interposição de recurso, nomeadamente a “violação das normas 327º, nº 2 e 340ª do CPP”, argumentando igualmente que se mostra “ultrapassada a medida da necessidade admitida pelo artigo 18º, nº 2 da C.R.P., com a tutela penal aplicada em sentença pelos arts 210º, 1 e 2 al. b) e 204º, nº 2 al. f)”, devendo, consequentemente, “ser recusada a sua aplicação por inconstitucionalidade material das referidas normas”.
Conclui, nestes termos que deve o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do objeto do recurso, porquanto a manutenção da decisão sumária reclamada “configuraria uma restrição do direito de acesso à justiça, violadora dos preceitos constitucionais consagrados nos artigos 20º, nº 1, 202º, nº 2 e 268º, nº 4 da C.R.P.”.
4. O Ministério Público, notificado da reclamação, pugna pelo seu indeferimento, referindo que o reclamante continua a “criticar a decisão condenatória e a forma como decorreu a audiência de discussão e julgamento, bem como a considerar desajustada a pena de prisão efetiva, que lhe foi aplicada”, seguindo a linha da argumentação já expendida no requerimento de interposição de recurso.
Tal argumentação, sendo “insuficiente para comprovar a formulação de uma qualquer questão de constitucionalidade normativa”, não infirma o sentido da decisão sumária proferida, que deverá, por isso, ser mantida.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
5. Analisada a reclamação apresentada, conclui-se que os argumentos aduzidos pelo reclamante não infirmam a correção do juízo efetuado, na decisão sumária proferida, consubstanciando-se sobretudo numa manifestação de discordância face ao sentido de tal decisão.
De facto, o reclamante limita-se a reiterar a argumentação já expendida no requerimento de interposição de recurso, afirmando que as questões de constitucionalidade que indicou detêm natureza normativa, não demonstrando, porém, qualquer preocupação em justificar, com argumentos novos, a correção da sua afirmação, nem em rebater especificadamente o conteúdo da decisão reclamada.
A definição da natureza do objeto do recurso de constitucionalidade encontra-se explicitada, com clareza, na decisão reclamada, nomeadamente com transcrição de excerto do Acórdão n.º 633/08, particularmente impressivo quanto a esta matéria.
Nestes termos, é manifesto que, no requerimento de interposição de recurso, o recorrente não enunciou qualquer questão de natureza normativa, que fosse suscetível de constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade.
Pelo exposto, sendo certo que a decisão reclamada merece a nossa concordância, damos por reproduzida a sua fundamentação e, em consequência, concluímos pelo indeferimento da reclamação apresentada.
III – Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 2 de setembro de 2013, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 21 de novembro de 2013. – Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral