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Processo n.º 198/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. e B., melhor identificada nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 4, do artigo 76.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
2. A reclamação para a conferência tem o seguinte teor:
«(...)
1.º- O despacho de fls. 1237 a 1239, proferido em 4 de janeiro de 2013, não admitiu o recurso interposto pela Recorrente para o Tribunal Constitucional do Acórdão proferido em 27 de novembro de 2012 pelo Coletivo a que se refere o n.º 3 do Art.º 721.º-A do CPC, o qual indeferiu a reclamação apresentada pela Recorrente contra o Acórdão de 17 de outubro de 2012, que não admitiu o recurso de revista excecional.
2.º-Refere o despacho sob reclamação que não foi suscitada a inconstitucionalidade de norma que tenha sido aplicada e, com esse fundamento, não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.
3.º- Como demonstraremos, sem razão.
4.º - Importará, para completa elucidação da questão, relatar, ainda que sucintamente, o que sucedeu nestes autos.
5.º - A Recorrente interpôs recurso de revista excecional do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, confirmando a sentença do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, julgou, face à matéria dada como provada, não demonstradas as circunstâncias impeditivas do regresso das crianças C. e D. a Itália, nos termos do disposto nas alíneas a) e b), do Art.º 13.º, da Convenção de Haia, nem a inexistência das condições previstas na aludida Convenção para o regresso das crianças, nos termos dos Art.ºs 2.º, n.ºs 9, 10 e 11, al. a) e b), do Regulamento (CE) n.º 2201/2003.
6.º - Em Acórdão de 17 de outubro de 2012, os Juízes Conselheiros que compõem a formação prevista no Art.º 721.º-A, n.º 3, do CPC, acordaram que iriam ser analisados, em primeiro lugar, os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso;
7.º- Ou seja, se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa era recorrível ou, se não se tratava de decisão que, em razão de disposição especial da lei, não admitisse recurso.
8.º- Seguidamente, caso se concluísse que o recurso era admissível e que a única razão que obstava ao conhecimento do mesmo era a “dupla conforme” definida no Art.º 721.º, n.º 3, do CPC, os Juízes Conselheiros analisariam se estávamos perante uma das situações elencadas no Art.º 721.º-A, n.º 1, isto é, se estavam preenchidos os pressupostos específicos de admissibilidade do recurso de revista excecional.
9.º- Ora, o Coletivo entendeu que a decisão exarada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi tomada (também) com recurso a critérios de oportunidade e de conveniência.
10.º - E que o objeto do recurso, tal como delimitado pela Recorrente, consistia em saber se o regresso das crianças a Itália e a sua entrega ao pai, se prendia com critérios de mera legalidade.
11.º - Pelo que conclui estarmos perante recurso cuja decisão a tomar não se prendia com critérios de mera legalidade;
12.º - Tendo, consequentemente, entendido que o Acórdão da Relação de Lisboa era irrecorrível, nos termos do artigo 1411.º, n.º 2 do CPC, não admitindo, em consequência e com esse fundamento, o recurso de revista interposto pela Recorrente.
13.º- Notificada do Acórdão de 17 de outubro de 2012 de não admissão do recurso de revista, a Recorrente apresentou, ao abrigo da disposição do Art.º 700º, n.º 3, do CPC, a reclamação que dirigiu à conferência da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça.
Pois bem,
14.º- Na reclamação apresentada, a Recorrente pugnou pela impugnabilidade do Acórdão de 17 de outubro de 2012.
15.º- Isto porque o Art.º 721.º-A, n.º 4 do CPC apenas comina com a definitividade as decisões referidas no n.º 3, isto é, as decisões tomadas pelo Coletivo quanto à verificação dos pressupostos específicos da admissibilidade da revista, não sendo abrangidas pela definitividade cominada em tal preceito as decisões tomadas pelo Coletivo quanto à verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso.
16.º-E mais referiu a Recorrente, na sua reclamação, que “qualquer outra interpretação do artigo 721.º-A n.º 4 do CPC (no sentido de que outras decisões do Coletivo são irrecorríveis) seria inconstitucional, por violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva estabelecida no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, se o legislador apenas quis limitar a recorribilidade das decisões do Coletivo aos casos em que lhe atribui competência exclusiva, qualquer interpretação no sentido de uma conformação mais estrita da impugnabilidade das decisões desta formação violaria o direito de acesso à justiça consagrado no supra citado preceito constitucional” (sic reclamação);
17.º- E conclui a Recorrente que, como no Acórdão de 17 de outubro de 2012, não foram analisados os pressupostos específicos de admissibilidade da revista previstos no Art.º 721º-A, n.º 1, do CPC, tendo o recurso sido indeferido por, no entender do Coletivo, faltar um dos pressupostos gerais da admissibilidade do recurso, tal Acórdão não é definitivo, não se enquadrando, pois, na previsão do n.º 4, do Art.º 721.º-A, do CPC, interpretada em conformidade com a Constituição.
18.º- Pelo Acórdão de 27 de novembro de 2012, foi indeferida a reclamação apresentada pela Recorrente;
19.º- Como fundamento para o indeferimento da reclamação é referido expressamente no identificado Acórdão de 27 de novembro de 2012 que “in casu”, trata-se de um Acórdão do Coletivo a que se refere o n.º 3 do Art.º 721.º-A do Código de Processo Civil, insuscetível de ser sindicado por qualquer intervenção de outro Colégio. Ademais, o n.º 4 deste preceito dispõe que aquela decisão é “definitiva”.
20.º- O fundamento para o indeferimento da reclamação foi precisamente, o de que o Acórdão de 17 de outubro de 2012 é o acórdão a que se refere o n.º 3 do Art.º 721º-A do CPC e que é insindicável nos termos do n.º 4 do Art.º 721.º-A do CPC.
21.º-É este o entendimento que está plasmado no Acórdão de 17 de novembro de 2012;
22.º- Entendimento que decorre da interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça fez do preceito do n.º 4, do Art.º 721º-A, do CPC, o qual estabelece a definitividade das decisões do coletivo previstas no n.º 3, fazendo aquele Supremo Tribunal incluir nesta e naquela disposição o Acórdão de 17 de outubro de 2012.
23.º- Ao considerar o seu Acórdão de 17 de outubro de 2012 “insuscetível de ser sindicado”, o Supremo Tribunal de Justiça interpretou o n.º 4, do Art.º 721.º-A do CPC como estabelecendo a irrecorribilidade de toda e qualquer decisão do Coletivo, seja a que incide sobre os pressupostos específicos da admissibilidade da revista excecional previstos no n.º 1, seja a que incide sobre os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso.
24.º- A Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional precisamente para que este fiscalize a interpretação normativa, efetuada pelo Supremo Tribunal de Justiça, do n.º 4 do Art.º 721º-A do CPC.
25.º- Tendo a Recorrente na reclamação que apresentou, como resulta do supra exposto em 16.º e 117º, suscitado a questão de inconstitucionalidade da norma tal como interpretada e aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
(...)»
3. Ora, a recorrente interpôs recurso de revista excecional do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmara a sentença proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Lisboa. Nos termos do n.º 3, do artigo 721.º-A, do Código de Processo Civil (CPC), o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão com data de 17 de outubro de 2012, considerou não haver lugar a revista excecional. Seguiu-se a reclamação para a conferência apresentada pela recorrente ao abrigo do disposto n.º 3, do artigo 700.º, do CPC, onde foram produzidas as seguintes conclusões:
«(...)
I. A decisão do Coletivo circunscreveu-se à verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, tendo entendido que existia uma causa que obstava ao seu conhecimento, a saber, que a decisão sob recurso terá sido tomada de acordo com critérios de oportunidade ou conveniência pelo que, nos termos do artigo 1411.º n.º 2 do CPC não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
II. A decisão em causa não ponderou a verificação dos requisitos específicos da revista excecional, não tendo o Coletivo analisado a existência de uma das situações elencadas nas alíneas do n.º 1 do artigo 721.º-A do CPC.
III. O artigo 721.º-A n.º4 do CPC apenas comina com definitividade as decisões referidas no n.º 3, isto é, as decisões tomadas pelo Coletivo quanto à verificação dos pressupostos elencados no n.º 1.
IV. Tanto o elemento literal como o elemento teleológico da interpretação apontam nesse sentido, já que a decisão de competência exclusiva do Coletivo, e que determina a formação ad hoc, é a da verificação dos requisitos específicos da revista excecional.
V. Qualquer outra interpretação do artigo 721.º-A n.º 4 do CPC (no sentido de que outras decisões do Coletivo são irrecorríveis) seria inconstitucional, por violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva estabelecido no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
VI. Pelo que a decisão de l7 de outubro de 2012 não é definitiva.
VII. A decisão do Coletivo de 17 de outubro de 2012 é uma decisão análoga ao despacho do Relator proferido nos termos do artigo 700º n.º 1 do CPC.
VIII. Tal como o Despacho do Relator, a decisão do Coletivo de 17 de outubro de 2012 debruçou-se sobre a verificação de circunstância obstativa ao conhecimento do recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 700º n.º 1 al b) do CPC, isto é, sobre a verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, tendo decidido pela sua não verificação.
IX. Pelo que, em termos análogos ao que sucede com o despacho do Relator proferido nos termos do artigo 700º n.º 1 do CPC, deverá entender-se que da decisão do Coletivo de 17 de outubro de 2012 cabe reclamação para a conferência desta 1ª Secção, onde o recurso foi distribuído.
X. Nos processos de jurisdição voluntária, o Tribunal pode decidir de acordo com critérios de legalidade ou de equidade (artigo 1410.º do CPC), sendo suscetíveis de sindicância pelo STJ todas as decisões proferidas neste tipo de processos de acordo com juízos de legalidade, podendo ser (re)apreciados os critérios normativos subjacentes à decisão, a interpretação e a aplicação da lei, e o respeito pelos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida mais conveniente aos interesses a tutelar, bem como o respeito do fim com que tais poderes foram atribuídos aos tribunais.
XI. A decisão sobre a verificação dos pressupostos enunciados no artigo 13.º da Convenção de Haia é objetiva e vinculada já que o Tribunal apenas pode concluir pela existência ou não de uma das causas enunciadas no preceito e, em caso afirmativo, determinar o não regresso da criança.
XII. Também uma decisão sobre o regresso imediato da criança nos termos do artigo 12.º da Convenção depende, exclusivamente, da verificação dos pressupostos deste preceito (lapso de tempo decorrido entre a data de deslocação/retenção indevidas e a data do início do processo).
XIII. E a decisão a que alude o artigo 11.º n.º 4 do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 depende apenas da estrita aplicação da lei aos factos, determinando-se se dos factos provados resulta ou não se foram tomadas medidas adequadas para garantir a proteção das crianças após o regresso.
XIV. Em todos os citados casos não estamos perante decisões nas quais seja atribuída margem de discricionariedade ao julgador, não podendo o Tribunal considerar qualquer outro critério ou causa que não os taxativamente fixados na lei.
XV. O Tribunal não pode escolher a medida que se mostra mais adequada ao caso, atentas as características do mesmo ou o interesse dos menores, mas apenas aplicar a medida cujos pressupostos se mostrem preenchidos, atenta a factualidade provada.
XVI. A verificação do preenchimento dos requisitos dos artigos 11.º e 13.º da Convenção e do artigo 11.º do Regulamento decorre de mero juízo de legalidade (e não de equidade, conveniência ou oportunidade), pelo que tal questão pode ser reapreciada no âmbito do recurso de revista (Acórdãos do STJ de 09-10-2003, processo 0332507 e de 24-06-2010, processo 622/07.9TMBRG.G1.S1).
XVII. O Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que não tinha sido efetuada prova dos requisitos exarados nas alíneas a) e b) do artigo 13.º da Convenção, e que, atento o tempo decorrido entre a retenção ilícita dos menores e o início do processo, deveria ter sido ordenado o regresso ¡mediato das crianças, nos termos do artigo 12.º.
XVIII. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa baseou-se, pois, em critérios de legalidade estrita.
XIX. No recurso interposto, invocou a Recorrente apenas questões de direito, cuja resolução depende da aplicação das normais legais aos factos, a saber:
- nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia (conclusões XLII a XLVI);
- violação dos Artigos 19º e 20º da Convenção de Haia, do artigo 3º da Convenção de Nova York e do artigo 69º da Constituição da República Portuguesa, por se ter entendido que o superior interesse dos menores C.. e D. é voltar a terem o pai quando dos factos assentes resulta o interesse superior na manutenção do seu ambiente social e familiar (conclusões XLVII a LV);
- violação do artigo 9.º do CC por o Tribunal ter efetuado uma interpretação literal e não extensiva do artigo 12.º da Convenção (conclusões LVI a LXIII);
- verificação da previsão da alínea b) do artigo 13.º da Convenção por resultar dos factos provados que ordenar o regresso dos menores C. e D. a Itália para viverem com o pai, é sujeitá-los a perigos de ordem psíquica e a ficarem numa situação intolerável (conclusões LXIV a LXX);
- não verificação da previsão do artigo 11.º n.º 4 do Regulamento (CE) 2201/2003 por não resultar dos factos provados que foram tomadas medidas adequadas para garantir a proteção dos menores após o regresso (conclusões LXXI a LXXV).
XX. Em suma, no recurso interposto a Recorrente invocou nulidades, erros de julgamento, erros de interpretação da lei, erros na decisão sobre a verificação ou não dos pressupostos de certos preceitos legais, não aplicação de preceitos relevantes, que (no seu entendimento) enfermam o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
XXI. São questões cuja resposta depende de aplicação de critérios de mera legalidade, pelo que a respetiva análise pode ser efetuada pelo STJ.
XXII. Pelo que deve ser julgada procedente a presente reclamação, concluindo-se pela verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso de revista e determinando-se a apreciação da verificação dos pressupostos específicos da revista referidos no n.º 1 do artigo 721.º-A do CPC.
(...)»
Em acórdão com data de 27 de novembro de 2012, o Coletivo de Juízes a que se reporta o artigo 721.º-A, n.º 3, do CPC, indeferiu o requerido pela recorrente, argumentando no seguinte sentido:
«(...)
A questão suscitada é de óbvia simplicidade.
Pede-se que sobre um Acórdão recaia um Acórdão (!!!) ao abrigo do n.º 3 do artigo 700.º.
Seguríssimo é que esta faculdade se destina a lograr a intervenção da Conferência perante um despacho do Relator.
Ora, “in casu”, trata-se de um Acórdão do Coletivo a que se refere o n.º 3 do artigo 721-A do Código de Processo Civil insuscetível de ser sindicado por qualquer intervenção de outro Colégio.
Ademais, o n.º 4 deste preceito dispõe que aquela decisão é “definitiva”.
(...)»
Inconformada, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, em requerimento com data de 14 de dezembro de 2012 (fls. 2911), pretendendo ver apreciada a “inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça à norma do n.º 4 do Art.º 721º-A n.º 4 do CPC, que prevê a definitividade da decisão proferida nos termos do n.º 3, no sentido de que tal definitividade se aplica a toda a qualquer decisão proferida pelo Coletivo aí previsto, abrangendo, portanto, não apenas as decisões que incidam sobre os pressupostos específicos da admissibilidade do recurso.”
Seguiu-se, finalmente, o despacho de fls. 2938, pelo qual o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não admitir o recurso de constitucionalidade interposto, louvando-se no seguinte arrazoado:
«(...)
A. e B. vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
Trata-se, como não pode deixar de se entender, atendendo à fase do processo, e que deixou claro, de recurso interposto do Acórdão do Coletivo/Formação a que se refere o n.º 3 do art. 721.º-A do CPCivil, de 27 de novembro de 2012.
Independentemente do disposto no nº4 daquele preceito, o recurso só seria admissível se impugnada norma, ou segmento, ou interpretação, aplicada no aresto recorrido – art. 70º, nº1, b) da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de novembro).
Ora, este Coletivo limita-se a apreciar/decidir a admissibilidade da revista excecional, por aplicação do nº 3 do art. 721º (pressuposto) e art. 721º-A, nº 1 e 2 (requisitos e respetiva motivação) do CPCivil.
Não foi suscitada no processo a inconstitucionalidade desses preceitos, “maxime” das alíneas a) a c) do nº 1 do último citado, pedindo-se agora, sem mais, que o TC aprecia a inconstitucionalidade do nº 4 daquele artigo 721-A que só foi referido no aresto posto em crise para, “ex abundantia”, enfatizar a impossibilidade de reclamação para a Conferência de um Acórdão tirado na mesma Conferência!!!!
Aliás, a recorrente não suscitou a inconstitucionalidade da interpretação da norma em apreço sendo que nem sequer foi confrontada com qualquer decisão surpresa.
(...)»
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público respondeu à reclamação apresentada, pugnando pelo seu indeferimento.
II. Fundamentação
4.Sendo o recurso de constitucionalidade não admitido interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, necessário se verifica que se achem preenchidos uma série de pressupostos processuais – a saber, o esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão, aliado à arguição tempestiva e adequada de uma questão de constitucionalidade incidente sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi da decisão recorrida. Ora, do despacho de não admissão do recurso (fls. 2938) decorre que a norma cuja constitucionalidade a reclamante contesta não foi aplicada pela decisão recorrida.
Tem razão o tribunal recorrido. Com efeito, tendo a reclamante interposto recurso de revista excecional, nos termos do artigo 721.º-A, do Código de Processo Civil, a conclusão do Coletivo de Juízes a que se refere o n.º 3 do mencionado preceito foi no sentido de que:
«(...)
a) É pressuposto primeiro da revista excecional que a Relação tenha confirmado – ainda que por diferentes razões de direito – sem voto de vencido (embora com declaração de voto a traduzir-se, afinal, em concordância conclusiva) a decisão da 1.ª instância.
b) A competência do Coletivo a que se refere o n.º 3 do artigo 721-A do Código de Processo Civil tem como pressuposto uma situação de dupla conformidade tal como o n.º 3 do artigo 721.º o define.
c) Porém, mau grado, inexistir a dupla conformidade, se for notória a irrecorribilidade do Acórdão por qualquer outra razão, o mesmo Coletivo pode, por razões de economia processual, e de acatamento do princípio do artigo 137.º do Código de Processo Civil, rejeitar desde logo, o recurso.
d) Nos processos de jurisdição voluntária só é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quanto aos aspetos vinculados – de aplicação da lei estrita ou dos pressupostos legais que condicionaram a decisão – que não quanto à oportunidade ou conveniência dos critérios que a informaram.
(...)»
Ora, talqualmente consta das conclusões VIII e IX da reclamação para a conferência, a reclamante retirou do arrazoado exposto que a decisão do Coletivo de Juízes se havia debruçado sobre os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 700.º, n,º 1, alínea b), do CPC, pelo que, em termos análogos ao que sucede com o despacho do Relator proferidos ao abrigo daquele preceito, deveria admitir-se a reclamação para a Conferência. Conclui, nessa medida, que “qualquer outra interpretação do artigo 721.º-A n.º 4 do CPC (no sentido de que outras decisões do Coletivo são irrecorríveis) seria inconstitucional, por violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva estabelecido no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.”
Debruçando-se sobre a reclamação, o Supremo Tribunal de Justiça limitou-se recusar a convolação da natureza do recurso proposta pela reclamante, confirmando que no caso vertente está em causa “um Acórdão do Coletivo a que se refere o n.º 3 do artigo 721-A do Código de Processo Civil insuscetível de ser sindicado por qualquer intervenção de outro Colégio”. É certo que o Coletivo convoca, a dada altura, o n.º 4 do artigo 721.º, do CPC. No entanto, como consta do despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade interposto, tal referência não foi fundamento determinante da decisão recorrida. De facto, o indeferimento da reclamação para a Conferência não assentou primordialmente no caráter definitivo da decisão do Coletivo a que se reporta o n.º 4 do artigo 721.º-A, do CPC, mas antes na circunstância de - ao contrário do que pretende a reclamante - a apreciação dos pressupostos de admissibilidade da revista-regra por ocasião de um recurso interposto nos termos do artigo 721.º-A não subtrair a decisão do Coletivo à cobertura outorgada pelo n.º 3 daquele preceito, nem convolar a natureza do recurso interposto.
Assim sendo, somos levados a concluir pelo acerto do despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade interposto pela reclamante, dado não estarem verificados os pressupostos processuais de que depende a respetiva admissibilidade.
III. Decisão
5. Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada, e, por conseguinte, confirmar o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs, sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 20 de março de 2013. - José Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.