Imprimir acórdão
Proc.º n.º 539/2001.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Tendo M... intentado pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa e contra P..., S.A., acção, seguindo a forma de processo ordinário, solicitando a condenação da ré a pagar-lhe as quantias de Esc. 2.179.866$00, Esc. 996.180$00, Esc. 82.110$00 e Esc. 35.420$00, além de juros, foi aquela acção, por sentença de 18 de Junho de 2000, considerada improcedente, o que motivou que o autor tivesse apelado para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 15 de Novembro do mesmo ano, negou a apelação.
Inconformado, recorreu o autor para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, na alegação que produziu, concluído, inter alia, que:-
'.......................................................................................................................................................................................................................................................................................
1. A transferência de local de trabalho prevista no art.º 24.º da LCT e nas cl.ª
34º e 35ª do Acordo Autónomo pressupõem, como é óbvio, que a transferência se faça para local do trabalho pertencente à entidade empregadora.
..........................................................................................................................................................................................................................................................................................
3. Porém, as instalações de Aveiras para onde o trabalhador foi transferido não são pertença da recorrida, a qual nenhum direito sobre as mesmas, propriedade ou outro possui, as quais pertencem, crê-se que em propriedade a uma terceira empresa, a C..., S.A.
..........................................................................................................................................................................................................................................................................................
5. A prestação de trabalho pelo recorrente em instalações de uma terceira empresa se sem subordinação jurídica a estava por virtude de um contrato de prestação de serviços que com aquela celebrou a entidade empregadora, subsume-se ipsis verbis à previsão da al. b) do n.º 2 do art.º 26 da LCT na redacção primitiva do Dec. Lei 358/89.
..........................................................................................................................................................................................................................................................................................
10. É, pois, como cedência ocasional que devemos qualificar a deslocação do trabalhador recorrente para Aveiras para prestar serviço nas instalações de uma terceira empresa, a C..., cedência ilícita face ao que se dispõe nos art.ºs 27 e
28 da LTT, por faltar em absoluto a concordância escrita do trabalhador.
..........................................................................................................................................................................................................................................................................................
12. O acórdão recorrido violou as disposições do art.º 24 n.º 1 da LCT, cl. 44.ª do ACT Empresas Petrolíferas e art.ºs 26º n.º 2 al. b), 27 e 28 do Dec. Lei
258/89, de 17.10 e 483º do CCivil.
13. Tal interpretação viola ainda os princípios constitucionais dos art.ºs 2 e
59 n.º 1 al. a) da CR.'.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 26 de Abril de 2001, negou a revista, podendo nele ler-se, a dados passos, por remissão para um outro aresto:-
'.......................................................................................................................................................................................................................................................................................
Ora, a situação criada pela destruição das instalações da ré onde o autor prestava a sua actividade, destruição determinada pela realização da Expo
98, veio impossibilitar o autor de trabalhar para a ré naquele que foi o seu local de trabalho até 31 de Agosto de 1994, ocupando-se o autor, nos últimos meses, no desmantelamento das instalações (factos dos n.ºs 5, 6 e 7). Correspondentemente, a ré deixou de poder ocupar o autor no local onde ele desenvolveu a sua actividade.
Se a característica essencial da deslocação reside na realização temporária do trabalho fora do local habitual, se este deixou de existir, ficando o trabalhador sem actividade, é seguro e óbvio, a nosso ver, que a ocupação que a entidade patronal possa continuar a assegurar-lhe jamais poderá ser temporária por referência a um local que se perdeu.
Esta a crua realidade das coisas, havendo que retirar delas as necessárias consequências.
E nem se argumente com o jus variandi geográfico de que fala o Prof. MENEZES CORDEIRO a pág. 687 do Manual de Direito do Trabalho, pois ali é suposta a subsistência do local de trabalho habitual, surgindo a deslocação como forma de aproveitamento da actividade do trabalhador durante o tempo em que aquele local se mostrar inutilizável;...............................................................................................
..........................................................................................................................................................................................................................................................................................
Se por esta via não é de acolher a posição do recorrente, também não lhe aproveita a invocação do contrato de prestação de serviços que a ré celebrou com a C..., L.da.
Com efeito, não trouxe o autor ao processo a alegação, e tal não resultou provado, que entre a ré e a C... houve acordo no sentido da utilização por esta de trabalhadores da primeira, de forma a caracterizar-se a cedência de que o autor, em sede de recurso, se quer aproveitar.
O que resulta demonstrado é que o autor, em Aveiras, apenas prestou a sua actividade à ré, em imediato proveito desta, traduzido no recebimento das quantias que a C... pagava pelos serviços que lhe prestava, enchimento de bilhas de gás butano e propano - ver contrato de prestação de serviços ajustado entre a C... e a ré, documentado a fls. 74 a 88.
Inexistindo uma situação de cedência, ocasional, de trabalhador, é bem de ver que não aproveitam ao autor as disposições dos artigos 26.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, para fundamentar o direito ao pagamento das horas gastas no trajecto para Aveiras e regresso, que de resto não foi pedida com base na ilicitude da cedência.
..........................................................................................................................................................................................................................................................................................
Sublinhe-se apenas que, apurado que no caso não se comprovou qualquer situação de cedência (lícita ou ilícita) de trabalhadores, fica prejudicada a apreciação da questão da interpretação inconstitucional, por pretensa violação do princípio do Estado de Direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, que o recorrente imputa ao acórdão recorrido, por este não reconhecer direito de indemnização pelos danos derivados dessa (inexistente) cedência.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................'
Após o autor ter arguido a nulidade do acórdão de que partes acima se encontram extractadas, e de esta arguição ter sido considerada improcedente por acórdão de 6 de Junho de 2001, apresentou aquele requerimento por intermédio do qual manifestou a sua vontade de recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com vista à apreciação da inconstitucionalidade 'da norma do nº 1 do artº 24 da LCT aprovada pelo Dec. Lei 49408 na interpretação do acórdão recorrido', interpretação essa 'que veio permitir e considerar lícito que uma entidade empregadora possa transferir ao abrigo daquele preceito trabalhadores seus para instalações de terceiros sobre os quais não detém direito nem poder de qualquer espécie'.
O recurso não foi, porém, admitido por despacho prolatado em 22 de Junho de 2001 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, pois que se entendeu que o aresto pretendido impugnar não tinha 'feito aplicação da norma
(ou da interpretação normativa) arguida de inconstitucional'.
É deste despacho que, para este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, vem deduzida a presente reclamação, esgrimindo o ora reclamante com a circunstância de o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão intentado recorrer, ter aplicado ao caso o nº 1 do artº 24º da LCT.
O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo tido «vista» dos autos, pronunciou-se no sentido da improcedência da vertente reclamação.
Cumpre decidir.
2. É por demais óbvia a improcedência da solicitação que ora se deduz.
Efectivamente, como deflui das abundantes transcrições acima efectuadas, o Supremo Tribunal de Justiça, no aresto em causa, deu por assente que não houve qualquer deslocação do autor do seu local de trabalho habitual, por isso que o que se teria passado foi que aquele local trabalho deixou de existir, passando o mesmo autor a laborar, por conta e sob direcção da entidade empregadora - a ré -, num outro local, onde lhe foi assegurada a continuação do labor para e por conta daquela entidade.
E, partindo desta matéria, necessariamente conclui que não estava em causa uma transferência do local de trabalho ou de cedência temporária, do trabalhador a outrem, igualmente concluindo que não era, in casu, aplicável a normação vertida no nº 1 do artº 24º da LCT.
3. Vale isto por dizer que, de todo em todo, a norma ínsita naquele preceito, ou uma sua qualquer dimensão normativa, não constituiu suporte jurídico da decisão tomada no acórdão ora desejado impugnar.
E, sendo assim, como é, falta um dos pressupostos do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição e na alínea b) do nº 1 do artº 70º da já citada Lei nº 28/82, pressuposto esse que, justamente, consiste na aplicação, na decisão pretendida submeter à análise do Tribunal Constitucional, da norma cuja incompatibilidade com a Lei Fundamental foi questionada (e isto sem que agora se pretenda entrar na questão de saber se o ora reclamante, no tocante ao nº 1 do mencionado artº 24º, suscitou de modo processualmente adequado a questão da respectiva inconstitucionalidade - o que se duvida).
4. Em face do exposto, indefere-se a presente reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 24 de Outubro de 2001 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa