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Proc. n.º 737/01 Acórdão no
517/01
Plenário Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1. Em autos de apresentação de candidaturas para a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais a realizar em 16 de Dezembro de 2001, foram apresentadas pelo Partido Social Democrata (PPD/PSD), em 22 de Outubro de 2001, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Baião, as listas de candidatos para a Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro.
Aquando dessa apresentação, foram entregues, nos termos do artigo
23º da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, entre outros, os seguintes elementos:
– uma designada “lista de candidatos”, com três folhas (fls. 108 a
110 deste processo), contendo a indicação da eleição em causa, a identificação do partido proponente, a enumeração e identificação de candidatos à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro (numerados de 1 a 7, nas duas primeiras folhas) e a enumeração e identificação de candidatos à Assembleia de Freguesia de Mesquinhata (numerados de 1 a 3, na terceira folha);
– “boletins individuais de candidatura” de dezoito candidatos à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro, com o título “lista de candidatos do Partido Social Democrata - PPD/PSD”, contendo os elementos de identificação de cada um dos candidatos, e acompanhados das respectivas certidões de eleitor (fls. 111 a 146).
Os nomes incluídos na relação apresentada eram os seguintes:
1. A. ...
2. P ...
3. F...
4. R
5. S...
6. C...
7. N...
1. M...
2. L...
3. H...
Os candidatos subscritores dos “boletins individuais de candidatura” eram os seguintes:
1. A ...
2. P...
3. F...
4. R...
5. S...
6. L...
7. N...
8. J...
9. I...
10. D...
11. B...
12. G...
13. U...
14. X...
15. T...
16. Z...
17. E...
18. V....
2. No mesmo dia 22 de Outubro de 2001 (fls. 147), a Juíza da Comarca de Baião proferiu o seguinte despacho:
“Proceda à afixação da relação das candidaturas apresentadas, nos termos do disposto pelo artigo 25º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto. Proceder-se-á ao sorteio previsto pelo artigo 30º do mesmo diploma legal, no dia
23.10.01 pelas 17h30m.”
No próprio dia 22 de Outubro, foram afixadas, “à porta do Tribunal Judicial desta Comarca de Baião, as listas da Assembleia da Câmara Municipal de Baião e das Juntas de Freguesia” (cfr. certidão, a fls. 148).
Em cumprimento do despacho acima transcrito, procedeu-se, em 23 de Outubro, ao sorteio das listas concorrentes à Câmara Municipal de Baião, à Assembleia Municipal de Baião e às diversas Assembleias de Freguesia incluídas no Município de Baião. Ao sorteio assistiram os mandatários das diversas listas concorrentes, entre os quais o mandatário concelhio do Partido Social Democrata
(cfr. auto de sorteio das listas, a fls. 149 e seguintes).
3. Em 29 de Outubro seguinte, a Juíza da Comarca de Baião proferiu o seguinte despacho (fls. 157):
“Admito as listas de candidaturas apresentadas. Cumpra o disposto pelo artigo 35º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto.”
No dia imediato (30 de Outubro), foi entregue a uma funcionária administrativa da Câmara Municipal de Baião, no edifício do Tribunal, “fotocópia das listas das candidaturas às eleições autárquicas, definitivamente admitidas, nos termos do artigo 35º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto”
(fls. 158).
4. Em 8 de Novembro de 2001, A ..., mandatário concelhio do Partido Social Democrata, apresentou no Tribunal Judicial da Comarca de Baião o seguinte requerimento (fls. 163):
“Na qualidade de Mandatário Concelhio do Partido Social Democrata, venho solicitar a V. Ex.ª se digne mandar rectificar a lista da Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro, por a mesma conter irregularidades que só foram detectadas quando a fixação da lista na Câmara Municipal. As fichas individuais de cada candidato à Assembleia de Freguesia (18) e as respectivas certidões de eleitores foram entregues devidamente no Tribunal, conforme (ver processo eleitoral n.º 486 – P/2001) folhas 111 a folhas 145. A relação que acompanhou as fichas individuais por lapso verificamos que continha nomes que pertencem à Assembleia de freguesia de Mesquinhata e que nada têm a ver com a lista para Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro. Em anexo a este requerimento, junto para V. Ex.ª analisar a relação correcta e que confere com as fichas individuais e certidões de eleitores apresentadas pelo PSD no tribunal nos prazos fixados na lei. Solicito face ao exposto, que V. Ex.ª se digne proceder em conformidade.”
Com o referido requerimento juntou:
– uma designada “lista de candidatos”, com seis folhas (fls. 164 a
168 destes autos), contendo a indicação da eleição em causa, a identificação do partido proponente, a enumeração e identificação de dezoito candidatos à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro (numerados de 1 a 18);
– fotocópia de “boletins individuais de candidatura” de dezoito candidatos à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro, com o título “lista de candidatos do Partido Social Democrata - PPD/PSD” (fls. 169 a 186).
Em 9 de Novembro de 2001, o referido mandatário concelhio do Partido Social Democrata, A ..., apresentou no Tribunal Judicial da Comarca de Baião novo requerimento (fls. 187), em que pedia:
“[...] se digne proceder à rectificação do nome da lista à Assembleia de Freguesia de Stª Cruz do Douro, com o número 10 da respectiva lista que por lapso foi indicado como D... quando o seu nome correcto é ..., conforme folhas
166 do Proc. n.º 486-P/2001.”
Juntou dois exemplares da terceira folha da “lista de candidatos” à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro (numerados de 8 a 11), da qual consta, sob o n.º 10, o candidato D... (fls. 188-189).
5. Por despacho de 12 de Novembro de 2001 (fls. 190), a Juíza da Comarca de Baião manteve a anterior decisão de admissão da lista apresentada pelo PSD à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro, nos seguintes termos:
“Considerando que todas as fichas individuais e certidões de eleitores relativas aos candidatos apresentados pelo Partido Social Democrata foram apresentadas no prazo legal, desses elementos constando toda a identificação dos candidatos listados a fls. 164 a 168, com a correcção relativa à identificação do candidato D..., conforme requerido a fls. 187, bem como, não ter sido apresentada qualquer impugnação relativa à elegibilidade de qualquer dos candidatos, os quais são compatíveis com a lista formalizada, mantenho a minha decisão de admissão da lista de candidatos deste partido. Cumpra o disposto pelos artigos 29º n.º 5 e 35º, ambos da Lei Orgânica n.º
1/2001, de 14 de Agosto, relativamente a esta lista de candidatos.”
No mesmo dia 12 de Novembro, foi afixada “à porta do Tribunal uma lista definitiva a assembleia de freguesia de Santa Cruz do Douro pelo PPD/PSD, nos termos do art. 29º n.º 5 da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto” (cfr. cota de fls. 191) e foi notificado “o mandatário da lista do PPD/PSD do despacho de fls. 190” (fls. 191 vº).
6. Em 14 de Novembro de 2001, o mandatário do Partido Socialista para as operações eleitorais no concelho de Baião, JH..., apresentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Baião, dois requerimentos.
Através do primeiro (fls. 192 e seguinte), deduziu reclamação do despacho de fls. 190, invocando que:
“1º. O requerimento/reclamação de fls. 163 não deveria ter sido admitido, pois é extemporâneo, tendo sido apresentado para além de todos os prazos previstos na Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, referentes ao suprimento de irregularidades ou à substituição de candidatos, dado ter dado entrada nove dias após a afixação das listas definitivamente admitidas.
2º. É, além disso, uma reclamação atípica, não prevista especialmente naquela Lei.
3º. Pelo que o despacho de fls. 190, [a]o admitir a rectificação requerida e consequente alteração da lista de candidatos, violou aquela Lei Orgânica.
4º. Para além de contrariar despacho de fls. 157, que havia admitido definitivamente as listas de candidaturas apresentadas, o que parece constituir ofensa a caso julgado.
5º. Aliás, tal lista de fls. 108 a 110 nem sequer deveria ter sido admitida, pois não continha o número mínimo de candidatos (18) imposta pelos artigos 12º-1 e 23º-9 daquela Lei Orgânica, nem tal irregularidade foi posteriormente suprida.
6º. Em consequência, aquele despacho de fls. 190 deve ser revogado.”
Através do segundo requerimento (fls. 194 a 200), interpôs, “à cautela”, recurso do mesmo despacho para o Tribunal Constitucional. Juntou a esse requerimento:
– certidão passada pelo Tribunal Judicial da Comarca de Baião, contendo fotocópia de diversos documentos incluídos no processo eleitoral de candidaturas à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro (fls. 201 a 219);
– duas cópias do edital afixado à porta do edifício da Câmara Municipal de Baião, com data de 31 de Outubro de 2001 (fls. 220 e 221).
7. No dia seguinte (15 de Novembro), a Juíza da Comarca de Baião proferiu o seguinte despacho (fls. 222):
“Atento o disposto pelo art. 29º n.º 2 da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, analogicamente aplicado à presente situação, determino se preceda em conformidade com a referida disposição legal. No que respeita ao requerimento de interposição de recurso apresentado, será o mesmo devidamente apreciado, após ter sido proferida decisão quanto à reclamação apresentada, atento o disposto pelo artigo 29º n.º 4 da lei supra citada.”
Notificado deste despacho em 16 de Novembro (fls. 222), o mandatário do Partido Social Democrata respondeu à reclamação, no dia 19, tendo concluído assim (fls. 223 a 226):
“[...]
30º. Trata-se de um caso atípico, unanimemente reconhecido como tal.
31º. O requerimento de fls. 163 vem suscitar a correcção de uma irregularidade que, a nosso ver, não impediu que a lista fosse correctamente entregue.
32º. Deverá, portanto, ser mantido o douto despacho de fls. 190, aliás, consonante com o anterior, de fls. 157.
33º. Doutra forma, como seria resolvido esse lapso se o nosso requerimento não tivesse sido entregue, logo, a irregularidade não teria sido sanada ?”
A Juíza da Comarca de Baião decidiu indeferir a reclamação deduzida pelo mandatário do Partido Socialista, com os seguintes fundamentos (despacho de
20 de Novembro de 2001, fls. 228 a 230):
“[...] A decisão proferida no sentido de admitir a correcção do lapso verificado considerou que, todos os elementos descritos no artigo 23º n.º 2 da Lei n.º
1/2001, de 14 de Agosto, haviam sido apresentados em tempo e os referidos elementos coincidem com a pretendida correcção da lista, pelo que, facilmente se depreendeu ter existido lapso na formalização desses elementos, através da elaboração da lista exigida pelo artigo 23º n.º 1 al. a) do mesmo diploma legal.
Por outro lado, o lapso verificado intempestivamente pelo ilustre mandatário concelhio do Partido Social Democrata e não detectado pelo Tribunal, atento o disposto pelo artigo 26º daquele diploma legal, não contende com os referidos elementos, os quais em nenhum momento foram objecto de qualquer tipo de impugnação. Tratando-se de irregularidade relativa a mero trâmite processual e com carácter puramente formal entendeu o Tribunal que o seu suprimento, ainda que intempestivo, considerando a fase do processado, era ainda possível e se impunha, até porque todos os elementos da referida lista constavam já do processo. A decisão proferida, foi-o no entendimento de que a correcção da lista admitida ao permitir a compaginação da formalização dos elementos já constantes dos autos com aqueles elementos, não constituiu alteração no objecto da primeira decisão.
[...] Em face do supra exposto, decido indeferir a reclamação apresentada. Notifique. Atento o disposto pelos artigos 31º, 32º e 33º da Lei Orgânica, admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, o qual sobe nos próprios autos. Notifique o mandatário concelhio do Partido Social Democrata nos termos e para os efeitos previstos pelo artigo 33º n.º 2 do mesmo diploma legal.”
8. Deste despacho foram notificados, em 20 de Novembro de 2001, os mandatários do Partido Socialista e do Partido Social Democrata (cfr. fls. 231).
O mandatário do Partido Social Democrata respondeu, em 22 de Novembro de 2001, ao recurso anteriormente interposto pelo mandatário do Partido Socialista para o Tribunal Constitucional, tendo apresentado as seguintes conclusões (fls. 232 a 240):
“1ª. O «processo» de candidatura relativo à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro foi devida e correctamente entregue, em tempo, no Tribunal Judicial da Comarca de Baião.
2ª. Apenas a lista simples e sequencial continha uma mera irregularidade, que apenas foi detectada aquando da afixação na Câmara Municipal, tendo sido suprida em tempo útil e que em nada afectou a tramitação normal do processo, até porque todos os elementos da referida lista constavam já do mesmo.
3ª. O requerimento que a supriu, sendo atípico, não poderá ser extemporâneo, pelo menos com recurso à Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto.
4ª. Em qualquer altura poderia ter sido verificada e, havendo razões, impugnada a elegibilidade de qualquer dos candidatos, uma vez que todos os elementos constavam do processo desde o início.
5ª. Poder-se-á verificar, aliás, a elegibilidade de todos os candidatos que o Partido Socialista pretende subtrair a essa candidatura.
6ª. Sempre a Mmª Juiz admitiu a lista em crise, nunca tendo efectuado despachos contraditórios, tendo, isso sim, reiterado desde sempre, o despacho inicial.
7ª. Sempre foi assegurado o contraditório entre as candidaturas.
8ª. Nunca poderá haver violação de caso julgado.
9ª. Pelo que não deve o douto despacho recorrido ser revogado, mantendo-se o
«processo» de candidatura da Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro ser aceite, nos termos em que a Mmª Juiz o faz no mesmo.”
Na mesma data, o mandatário do Partido Socialista apresentou novo requerimento a interpor recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 241).
Nas alegações que apresentou (fls. 242 a 248) – que aliás reproduzem, no essencial, as que se encontravam juntas ao requerimento de interposição de recurso de 14 de Novembro – formulou as seguintes conclusões:
“1ª. A lista de candidatos do PPD/PSD à Assembleia da freguesia de Santa Cruz do Douro foi definitivamente admitida por despacho de 29/10/01 e afixada no dia seguinte, não tendo sobre ela recaído reclamação ou sido pedido o suprimento de irregularidade ou a substituição de candidato;
2ª. Nem foi completada, apesar de não conter o mínimo exigido de candidatos;
3ª. Pelo que aquele despacho constitui caso julgado;
4ª. O requerimento de fls. 163, entrado em juízo em 8/11/01, é extemporâneo e estranho à tramitação processual da Lei Orgânica n.º 1/2001, pelo que não deveria ter sido admitido;
5ª. A decisão contida no despacho de 12/11/01 está em contradição com os seus fundamentos e é obscura e constitui ofensa a caso julgado;
6ª. O despacho de 20/11/01, ao manter o despacho de 12/11/01 e ao indeferir a reclamação apresentada pelo ora recorrente violou, nomeadamente, as normas dos artigos 23º-1-a) e 9, 25º, 26º, 28º, 29º e 35º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, bem como os artigos 668º-1-c) e d) e 672º do C.P.C., aplicável por força do artigo 23º-1 daquela Lei Orgânica.
7ª. Pelo que deve o despacho recorrido ser revogado e a lista de candidatos não deve ser aceite.”
9. Em 23 de Novembro de 2001, a Juíza da Comarca de Baião proferiu o seguinte despacho (fls. 249):
“Considerando que em antecipação, havia já sido apresentado em 15.11.01 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [trata-se do requerimento apresentado em 14.11.01, a fls. 194], subscrito pelo ilustre mandatário concelhio do Partido Socialista e que o recurso foi já admitido por decisão proferida em 20.11.01, a fls. 179 [trata-se certamente da decisão proferida na data mencionada, a fls. 228-230], não me pronunciarei quanto ao novo requerimento com o mesmo objecto, apresentado em 22.11.01, a fls. 189
[trata-se do segundo requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, apresentado em 22.11.01, a fls. 241]. De facto, a apresentação do primeiro requerimento de interposição de recurso, ainda que antes do prazo previsto pelo art. 31º n.º 2 da Lei Orgânica n.º
1/2001, tem que ser, necessariamente, interpretada como renúncia ao decurso desse prazo. Uma vez que a parte recorrida apresentou já a sua resposta às alegações de recurso, determino a imediata remessa dos presentes autos ao Tribunal Constitucional. Notifique as partes (recorrente/recorrido).
[...].”
Cumpre agora apreciar e decidir.
II
10. O presente recurso vem interposto, pelo mandatário do Partido Socialista, da decisão da Juíza da Comarca de Baião, de 12 de Novembro de 2001
(fls. 190), que, depois de autorizar as rectificações requeridas pelo mandatário do PPD/PSD, admitiu a lista de candidatos, rectificada, apresentada por aquele partido à eleição para a Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro.
Trata-se, como é reconhecido pelo partido recorrente, de recurso interposto na sequência de “reclamação atípica”, “porque não prevista naquela Lei [na Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais]”.
Na verdade, por um lado, tal reclamação teve por objecto decisão sobre a admissão de uma lista de candidatos (a decisão de 12 de Novembro de
2001), proferida após uma decisão de “admissão das listas de candidaturas apresentadas” (a decisão de 29 de Outubro de 2001). Por outro lado, tendo o mandatário do Partido Socialista interposto, em dois momentos, recurso para o Tribunal Constitucional – o primeiro, interposto “à cautela”, simultaneamente com a mencionada reclamação (requerimento de fls. 194 e seguintes, supra, 6.), e o segundo, interposto após a decisão final proferida sobre a reclamação
(requerimento de fls. 241 e seguintes, supra, 8.), a Juíza da Comarca de Baião admitiu o primeiro recurso interposto (despacho de fls. 228-230, supra, 7.).
Todavia, o Tribunal Constitucional deve tomar conhecimento do recurso, já que tal recurso foi interposto de modo inequívoco pelo interessado, tem como objecto decisão final sobre admissão de candidaturas – a decisão de 12 de Novembro de 2001, que admitiu a lista de candidatos, rectificada, apresentada pelo PPD/PSD – e, no decurso do processo seguido relativamente à questão em discussão, foi permitido, no Tribunal Judicial da Comarca de Baião, o exercício do contraditório, tendo sido assim observados os requisitos inerentes à exigência de reclamação prévia, estabelecida pela Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais (designadamente no seu artigo 29º).
Há, pois, que passar ao conhecimento do objecto do recurso, a fim de decidir se é ou não de admitir a lista de candidatos apresentada pelo Partido Social Democrata à eleição para a Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro.
11. O partido recorrente assenta o seu recurso, essencialmente, em três fundamentos:
– a lista de candidatos apresentada pelo Partido Social Democrata para a Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro deve ser rejeitada, porque não contém o número mínimo de candidatos exigido por lei;
– não devia ter sido autorizada a rectificação da lista de candidatos apresentada pelo Partido Social Democrata para a Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro, pois que o pedido de rectificação foi extemporâneo e estranho à tramitação prevista na Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais;
– a decisão recorrida é ilegal e ofende o caso julgado formado pela anterior decisão que tinha admitido a lista apresentada por aquele partido, na sua versão originária.
12. O artigo 23º, n.º 1, da Lei que regula a eleição dos titulares dos
órgãos das autarquias locais (aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto), determina que
“A apresentação das candidaturas consiste na entrega de:
a) Lista contendo a indicação da eleição em causa, a identificação do partido, coligação ou grupo de cidadãos proponente e a identificação dos candidatos e do mandatário da lista e, no caso de coligação, a indicação do partido que propõe cada um dos candidatos;
b) Declaração de candidatura.”
Nos termos do n.º 1 do artigo 12º da mesma Lei, “as listas propostas
à eleição devem conter a indicação dos candidatos em número igual ao dos mandatos a preencher no respectivo órgão e de suplentes nos termos do n.º 9 do artigo 23º”.
Ora, por força do disposto no n.º 2 do mesmo artigo 12º, o número de mandatos de cada órgão autárquico é definido de acordo com os resultados do recenseamento eleitoral (constantes do Mapa n.º 36-A/2001, publicado no Diário da República, II Série, n.º 204, suplemento, de 3 de Setembro de 2001) e tendo em conta as regras de composição dos órgãos das autarquias locais fixadas na Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.
No caso da Freguesia de Santa Cruz do Douro, e considerando o número de eleitores inscritos no recenseamento eleitoral naquela Freguesia – 1.457 eleitores, tal como decorre do Mapa n.º 36-A/2001 (p. 14.992 (90)) –, a Assembleia de Freguesia deve ser composta por nove membros, nos termos do disposto no artigo 5º, n.º 1, da referida Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.
Nos termos do disposto no mencionado n.º 9 do artigo 23º da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, as listas de candidatos devem indicar, para além dos candidatos efectivos, os candidatos suplentes, em número não inferior a um terço do número de efectivos, arredondado por excesso.
Conclui-se assim que a lista de candidatos à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro deveria conter, no mínimo, doze candidatos.
13. Resulta dos autos que, na data fixada para a apresentação das candidaturas, o mandatário do PPD/PSD entregou, no Tribunal Judicial da Comarca de Baião, relativamente à candidatura para a Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro, para além de outros elementos exigidos pelo artigo 23º da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, os seguintes
(cfr. supra, 1.):
– uma designada “lista de candidatos”, com três folhas (fls. 108 a
110 deste processo), contendo a indicação da eleição em causa, a identificação do partido proponente, a enumeração e identificação de candidatos à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro (numerados de 1 a 7, nas duas primeiras folhas) e a enumeração e identificação de candidatos à Assembleia de Freguesia de Mesquinhata (numerados de 1 a 3, na terceira folha);
– “boletins individuais de candidatura” de dezoito candidatos à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro, com o título “lista de candidatos do Partido Social Democrata - PPD/PSD), contendo os elementos de identificação de cada um dos candidatos, e acompanhados das respectivas certidões de eleitor (fls. 111 a 146).
Desta descrição e da leitura dos documentos mencionados resulta que existe uma divergência entre os dados constantes da designada “lista de candidatos” à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro e os dados constantes dos “boletins individuais de candidatura”, tal como foram apresentados em 22 de Outubro de 2001. A divergência resulta claramente da circunstância de a designada “lista de candidatos” incluir, a partir da folha dois, uma terceira folha que diz respeito a candidatos de uma outra Freguesia do mesmo concelho de Baião – a Freguesia de Mesquinhata – em vez das restantes folhas respeitantes à Freguesia de Santa Cruz do Douro.
Trata-se de um erro material manifesto, que todavia não foi detectado pelo mandatário do PPD/PSD, no momento da entrega da lista, nem pelo Tribunal Judicial da Comarca de Baião.
Aliás, essa mesma “lista de candidatos”, composta de três folhas
(fls. 108 a 110 deste processo), contendo as duas primeiras folhas sete candidatos à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro (numerados de 1 a 7) e a terceira folha três candidatos à Assembleia de Freguesia de Mesquinhata
(numerados de 1 a 3), foi afixada à porta do Tribunal daquela Comarca, não tendo sido detectado o erro por qualquer dos mandatários das diversas listas concorrentes, e não tendo sido suscitado quanto a ela qualquer problema relacionado com a insuficiência do número de candidatos ou com a inelegibilidade dos candidatos, nem sequer a propósito dos três últimos candidatos, incluídos na relação de fls. 110, sendo certo que estes têm residência e se encontram recenseados na Freguesia da Mesquinhata, como decorre dos elementos constantes da própria “lista” afixada.
Foi este erro material manifesto – traduzido na divergência entre os dados constantes da designada “lista de candidatos” à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro e os dados constantes dos “boletins individuais de candidatura” – que o mandatário do PPD/PSD pretendeu corrigir ao fazer a entrega, com o requerimento de fls. 163, de uma “lista de candidatos”, composta de seis folhas (fls. 164 a 168 destes autos), contendo a indicação da eleição em causa, a identificação do partido proponente, a enumeração e identificação de dezoito candidatos à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro (numerados de 1 a 18), correspondentes aos dezoito candidatos que tinham subscrito os
“boletins individuais de candidatura” entregues em 22 de Outubro de 2001 (fls.
111 a 146). Sublinhe-se que, com o requerimento de fls. 187, o mandatário do PPD/PSD requereu ainda ao Tribunal de Baião a rectificação do nome do candidato
..., identificado no boletim n.º 10 (fls. 129, entregue em 22 de Outubro de
2001), mas erradamente mencionado na lista junta ao requerimento de fls. 163, com o nome D....
Ora, o Tribunal Constitucional entende que não está em causa uma irregularidade decorrente “de a lista não conter o número exigido de candidatos efectivos e suplentes” – irregularidade a que se refere o n.º 3 do artigo 26º da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais e que deve ser suprida nos termos aí previstos.
Não se trata também de “suprimento de irregularidades processuais” nem de “substituição de candidatos julgados inelegíveis” – hipóteses previstas e reguladas no n.º 2 do mesmo artigo 26º.
Os lapsos verificados não se configuram como “irregularidades da candidatura” – no sentido de violação das regras de apresentação das candidaturas, tal como fixadas nos diversos números do artigo 23º da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais –, mas tão só como erros de escrita, cometidos na elaboração da designada “lista de candidatos”. Por assentar nesses erros, a designada “lista de candidatos” entregue em 22 de Outubro de 2001 não reproduz fielmente os elementos oportunamente juntos ao processo.
Na verdade, como o Tribunal Constitucional disse no acórdão n.º
499/01, ainda inédito):
“[...] uma lista é uma relação de nomes de pessoas ou de coisas geralmente postos por escrito uns após outros e por certa ordem, uma relação de candidatos que se apresentam conjuntamente a uma eleição com o mesmo programa, uma enumeração ou uma série ou o equivalente a um rol (cfr. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, edição da Academia das Ciências de Lisboa, 2º volume,
2282). Sendo isto assim, e porque se tem de entender que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. n.º 3, parte final, do art.º 9º do Código Civil), torna-se evidente que o Parlamento, ao consagrar o termo «lista» na alínea a) do n.º 1 do art.º 23º da Lei Orgânica n.º 1/2001, não desejou, seguramente, que o elenco dos elementos nela consagrados e integrados pelo seu n.º 2 tivesse de constar de um escrito contínuo aposto num só e individualizado documento, pois que, embora isso ainda se integre no conceito léxico de lista, não é essa a única asserção para um tal termo.
Aliás, tal como acontecia no processo em que foi proferido o acórdão acabado de citar, também no presente processo cada um dos documentos em que se continha a indicação da identificação completa dos candidatos – cada um dos
“boletins individuais de candidatura” – tinha como subtítulo “lista de candidatos do Partido Social Democrata - PPD/PSD”.
Partindo da noção de lista adoptada por este Tribunal no acórdão referido, conclui-se que a lista de candidatos à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro apresentada pelo PPD/PSD inclui, desde o início, os dezoito candidatos subscritores dos “boletins individuais de candidatura” constantes de fls. 111 a 146.
Daí que os pedidos de rectificação formulados pelo mandatário do PPD/PSD – não se configurando como “irregularidades da candidatura” – não tivessem de respeitar os prazos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 26º da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais.
14. Ao admitir a rectificação de tais erros, a Juíza da Comarca de Baião determinou o cumprimento do disposto no artigo 29º, n.º 3, da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, isto é, mandou proceder
à afixação, à porta do edifício do tribunal, da lista de candidatos apresentada pelo PPD/PSD à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro, depois de rectificada (cfr. despacho de fls. 190, supra, 5.).
Deste modo se permitiu às entidades proponentes, aos candidatos e aos mandatários de todas as listas concorrentes impugnar a elegibilidade de todos os candidatos incluídos na lista rectificada.
Resulta dos autos que a elegibilidade de tais candidatos não foi impugnada por qualquer das entidades com legitimidade para tal, nem foi posta em causa pelo agora recorrente, quer na reclamação de fls. 192, quer no recurso para o Tribunal Constitucional.
15. A decisão da Juíza da Comarca de Baião, de 12 de Novembro de 2001, que admitiu a rectificação dos erros cometidos na elaboração da designada “lista de candidatos” à Assembleia de Freguesia de Santa Cruz do Douro entregue pelo mandatário do PPD/PSD em 22 de Outubro de 2001 não implica, pelas razões expostas, violação do caso julgado formado pela anterior decisão que tinha admitido as listas de candidaturas apresentadas.
De todo o modo, o argumento utilizado pelo recorrente pressupõe que uma eventual decisão de não admissibilidade, pela Juíza da Comarca de Baião, da rectificação requerida pelo mandatário do PPD/PSD pudesse ter como efeito tornar definitiva a “lista de candidatos” inicialmente afixada à porta do edifício do Tribunal de Baião (constante de fls. 108 a 110) e à porta do edifício da Câmara Municipal de Baião (cfr. fls. 220).
Ora, ao tomar conhecimento do objecto deste recurso, o Tribunal Constitucional não poderia permitir a consolidação da lista constante de fls.
108 a 110, pois ela não consubstancia, afinal, a lista de candidatos proposta pelo PPD/PSD.
III
16. Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido.
Lisboa, 28 de Novembro de 2001 Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa