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Proc. nº 541/00
1ª Secção Relator: Cons.º Luís Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – RELATÓRIO
1. J... impugnou contenciosamente, no Tribunal Central Administrativo, o despacho do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada que indeferiu, mandando arquivar, o requerimento em que pedia a revisão da sua pensão de reforma em conformidade com a promoção a que entendia ter direito, nos termos do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio.
Atribuiu ao despacho recorrido, entre outros, o vício de violação do artigo 1º do mencionado Decreto-Lei nº 134/97. E invocou expressamente o seguinte:
37º
Da aplicação do Decreto-Lei nº 134/97 resultou pois um tratamento desigual para os militares deficientes das Forças Armadas, pois uns foram promovidos e outros não.
38º
Por outro lado se não se seguir o raciocínio anteriormente exposto estaremos perante uma violação do princípio constitucional da igualdade.
[...]
41º
O Recorrente obedece aos requisitos impostos pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, pois é militar do quadro permanente da classe de fuzileiros da Marinha, é deficiente das Forças Armadas, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 43/76, está na situação de reforma extraordinária com um grau de incapacidade geral de ganho superior a 30% e não optou pelo serviço activo.
42º
Os militares que na lista de antiguidades da sua arma se encontravam
à sua esquerda quando promovidos a cabos são hoje sargentos mores.
43º
O Recorrente tem pois direito a ser promovido ao posto de sargento mor.
44º
Mas não o foi porque a Entidade Recorrida entende, mas mal, que o Recorrente é deficiente das Forças Armadas por ter sofrido em serviço de campanha acidente anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, e consequentemente só podem ser promovidos os que sofreram acidentes em serviço de campanha mais tarde que o Recorrente.
45º
O tratamento das pessoas é desigual.
A entidade recorrida, na argumentação produzida nas suas contra-alegações, entendeu, além do mais, que o recorrente se não enquadrava em nenhuma das situações previstas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 43/76, nos termos determinados pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº
134/97, uma vez que fora «qualificado DFA na vigência do Dec.-Lei 43/76 e por seu efeito»; e, no tocante à eventual violação do princípio da igualdade, entendeu a entidade recorrida que esta não se verificou, uma vez que «o pedido foi igualmente indeferido a todos quantos se encontravam na situação idêntica à sua e com idênticos fundamentos, ou seja, todos os que não reuniam os requisitos necessários para que fosse aplicado o Dec.-Lei nº 134/97».
2. Por acórdão de 28 de Outubro de 1999, o Tribunal Central Administrativo julgou procedente o invocado vício de violação do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, e consequentemente, julgando procedente o recurso, anulou o acto recorrido.
Considerou o TCA, no que à suscitada violação do princípio da igualdade concerne, que «negar ao recorrente os direitos previstos no DL nº
134/97 pelas razões invocadas pela autoridade recorrida, seria atribuir-lhe tratamento desigual, relativamente àqueles que em situação idêntica vêm a gozar de tais direitos, apenas pela circunstância de a decisão de qualificação de D.F.A. ter sido proferida após a entrada em vigor do DL nº 43/76, de 20 de Janeiro, o que equivaleria a uma interpretação contrária ao princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição e à doutrina do Acórdão do Tribunal Constitucional que fundamentou o DL nº 134/97» (ou seja, o Acórdão nº
563/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., págs. 47 e segs.).
O TCA explanou assim o seu raciocínio:
Também por razões fundadas no princípio da igualdade não poderá colher o argumento da entidade recorrida de que o recorrente a partir do momento em que foi considerado incapaz para o serviço deixou de poder usufruir do direito de opção, não sendo abrangido pela proibição do n° 7 da Port. n° 162/97, de 31 de Maio, pelo que nem o Acórdão n° 563/96 do Tribunal Constitucional, nem o DL n° 134/97, de 31 de Maio, vieram a afectar a situação do recorrente. Com efeito, o art° 1 ° do DL n° 134/97, ao definir o âmbito do diploma com referência àqueles 'que não optaram pelo serviço activo' apenas exclui aqueles que optaram pelo serviço activo. Daí que, no seu âmbito, se devam considerar abrangidos (i) os que não optaram pelo serviço activo, porque essa foi a sua vontade (ii) e os que não optaram porque não estavam em condições de o fazer, nomeadamente por terem sido considerados incapazes para o serviço activo .
Na verdade, o entendimento a este propósito defendido pela autoridade recorrida, a ser seguido, acabaria por permitir que aqueles que em resultado da sua deficiência foram os mais prejudicados - os considerados incapazes para o serviço activo - tivessem um tratamento mais desfavorável, sem que, para tanto, existisse um fundamento material justificativo, o que se consubstanciaria num interpretação desconforme com o art° 13° da Constituição.
O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, proíbe ao legislador a adopção de medidas materialmente infundadas, ou seja, de medidas sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional - cfr., entre muitos outros, o Ac. do T.C. n° 188/90, publicado no D.R., 28 Série, de 12 de Setembro de 1990.
Ora, o fundamento apresentado pela entidade recorrida para excluir da previsão do artº 1° do DL n° 134/97, de 31/5, os militares incapazes para o serviço activo - a impossibilidade de estes terem podido optar pelo serviço activo - não constitui um fundamento racional e plausível para tratar de forma desigual estes militares relativamente àqueles que não optaram pelo serviço activo, por ter sido essa a sua vontade. Na interpretação da entidade recorrida, os militares dos quadros permanentes deficientes das Forças Armadas, nos termos das alíneas b) e c) do n° 1 do artigo 18° do DL n° 43/76, de 20 de Janeiro, na situação de reforma extraordinária com um grau de incapacidade geral de ganho igual ou superior a 30%, e que não optaram pelo serviço activo, porque não estavam em condições de o fazer, nomeadamente por terem sido considerados incapazes para o serviço activo,- não seriam promovidos, não tendo, por consequência, direito à pensão de reforma correspondente; situação inversa se passaria, caso não tivessem optado pelo serviço activo, por ter sido essa a sua vontade, passando, pelo facto de serem promovidos, a ter direito à pensão de reforma correspondente ao respectivo posto. Trata-se, na verdade, de uma interpretação que, a adoptar-se, redundaria num tratamento mais desfavorável aos militares que em resultado da sua deficiência foram os mais prejudicados - os considerados
'incapazes para o serviço activo' -, o que certamente não foi o objectivo do legislador, até porque não existe qualquer justificação materialmente fundada para que estes militares, contrariamente aos que não optaram pelo serviço activo, não sejam promovidos e tenham direito à pensão de reforma correspondente ao posto respectivo ( artº 1° e 2° do DL 134/94, de 31.5).
3. Inconformada, o CHEFE DO ESTADO-MAIOR DA ARMADA interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, entendendo que o recorrente não fora alvo de tratamento desigual pois que «recebeu o mesmo tratamento que todos os outros DFA’s em idêntica situação», e concluindo ainda que «se desigualdade se verifica em relação aos DFA’s que puderam optar pelo serviço activo, ela resulta directamente da lei, imperativo que a Administração não pode deixar de acatar».
Por sua vez, o ora recorrente, J..., nas respectivas contra-alegações perante o STA, defendeu a manutenção da sentença recorrida, pois a sua não promoção constituiria uma ofensa ao artigo 13º da Constituição.
4. Por acórdão de 18 de Maio de 2000, o Supremo Tribunal Administrativo concedeu provimento ao recurso e revogou o acórdão recorrido.
Considerou esse Supremo Tribunal, nomeadamente:
[...] tendo o recorrido sido qualificado D.F.A. ao abrigo do DL. n.º
43/76, de 20 de Janeiro, como o Acórdão recorrido expressamente reconhece, não era abrangido pela previsão da alínea a), do n.º 7, da Portaria n.º 162/76, e daí não beneficiar da declaração de inconstitucionalidade decorrente do Acórdão n.º 563/96, nem ser contemplado pela disciplina do DL. n.º 134/97, de 31 de Maio. A questão da opção pelo serviço activo, apenas releva para a interpretação do art. 1.º do DL. n.º 134/97, de 31 de Maio, na medida em que, tem como destinatários os DFA. a quem a inconstitucionalizada norma da portaria n.º 162/76 negava o direito a essa opção - os considerados DFA nos termos da legislação em vigor anteriormente ao DL. n.º 43/76. Uma vez expurgada a aludida norma da ordem jurídica, aquela questão deixou de existir para qualquer DFA, pois a todos foi dada a possibilidade de opção pelo ingresso no serviço activo, nos termos do DL. n.º 43/76 - v.d. Ac. do T.C. n.º 563/96. [...]
É certo que a diversidade das situações - dos DFA como tal considerados antes da vigência do DL. n.º 43/76 e dos que só posteriormente obtiveram tal qualificação - justifica que tal preceito legal só aqueles contemple, sem que isso implique violação do princípio constitucional da igualdade (v.d. parecer de fls. 165 dos autos). [...]
Quando muito, esse entendimento poderia levar a que se considerasse ter o acto contenciosamente sindicado feito aplicação de uma norma contrária à nossa Lei Fundamental, mas já não legitima a conclusão, em que se baseou o Acórdão recorrido de que aquele acto haja violado essa mesma norma - v.d. G. Canotilho, in Direito Constitucional, Almedina, 1993, pág. 587 e segs.
5. Inconformado, o recorrente veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, para apreciação da questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo
1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição.
Admitido o recurso, e já neste Tribunal, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
1. Interpretar o nº 1 do artigo 1° do Decreto - Lei nº 134/97, de 31 de Maio de forma a não abranger os deficientes do quadro permanente das Forças Armadas com incapacidade igual ou superior a 30%, e que foram julgados incapazes para o serviço activo, sendo os mais prejudicados em consequência da deficiência, mas que foram classificados deficientes após a entrada em vigor do Decreto - Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, viola o princípio constitucional de igualdade estatuído no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa, porquanto, os deficientes do quadro permanente das Forças Armadas nas mesmas condições, mas que foram classificados como deficientes antes da entrada em vigor do citado diploma legislativo, são abrangidos pelo disposto no nº 1 do artigo 1º do Decreto - Lei nº 134/97, pois, em ambos os casos, o momento do acidente que originou a deficiência seja anterior à entrada em vigor do Decreto
- Lei nº 43/76 e a classificação como Deficientes das Forças Armadas seja automática por satisfazer os requisitos do Decreto - Lei nº 210/73, de 9 de Maio, antes de 1 de Setembro de 1975, e nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 18° do Decreto - Lei nº 43/76, por satisfazer os mesmos requisitos do Decreto - Lei n° 210/73, após 31 de Agosto de 1975.
2. Se assim se não entender, há desigualdade resultante da aplicação do n.º 1 do artigo 1° do Decreto - Lei nº 134/97, de 31 de Maio, em relação aos Deficientes das Forças Armadas do quadro permanente, que puderam optar pelo serviço activo, antes e depois da entrada em vigor do Decreto - Lei nº 43/76, de
20 de Janeiro, porquanto a referida norma faz uma divisão entre os militares do quadro permanente que foram classificados deficientes antes e depois da entrada em vigor do citado diploma legislativo, permitindo a promoção e revisão da pensão de reforma dos primeiros e impedindo a promoção e revisão da pensão de reforma dos segundos, o que viola o princípio de igualdade disciplinado no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa.
O acto contenciosamente sindicado fez aplicação de uma norma contrária à Lei Fundamental.
Tal situação viola flagrantemente o princípio de igualdade, traduzindo um verdadeiro retrocesso relativamente à visão igualitária que caracteriza o Acórdão nº 563/96 do Tribunal Constitucional.
Por sua vez, a entidade recorrida, nas respectivas contra-alegações, manifestou-se no sentido de que se não deveria conhecer do recurso, por
«ausência de todos os pressupostos definidos na alínea b) do nº 1 do art.º 70º» da LTC; no mais, entendendo que se não verifica qualquer violação do artigo 13º da Constituição, por banda da norma questionada.
Formulou as seguintes conclusões:
1. O art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15/11, na redacção dada pelas Leis 85/89, de 7/9 e 13A/98, de 26/2, define os pressupostos de admissibilidade dos recursos para o Tribunal Constitucional, das decisões dos tribunais;
2. O Recorrente invoca como base do presente recurso o disposto na alínea b) do n.º 1 da referida norma, segundo a qual cabe recurso das referidas decisões que recusem a aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
3. Alegando que o Acórdão do STA ora impugnado, faz uma interpretação do art.º 1.º do DL 134/97, que viola o princípio da igualdade definido no art.
13.º da CRP, como fundamento do recurso, carece o Recorrente inteiramente de razão;
4. Na verdade, dos três requisitos de admissibilidade do recurso definidos na citada alínea b), apenas o primeiro se pode considerar cumprido e cum grano sa1is;
5. Na verdade o Recorrente não impugna a aplicação duma norma cuja inconstitucionalidade defende no processo, mas a interpretação que o STA deu a essa norma, da qual discorda, o que não tem o mesmo sentido;
6. Por outro lado, o mesmo Recorrente não havia suscitado a inconstitucionalidade da referida norma durante o processo, até porque pretende a respectiva aplicação ao seu caso, com a interpretação que entende correcta;
7. Finalmente, o que o Sarg. Cravo pretende é impugnar a decisão do Almirante CEMA, que indeferiu o seu pedido de aplicação do art.º 1.º do DL
134/97, por considerar que a mesma viola o princípio da igualdade;
8. Torna-se assim evidente a ausência da tota1idade dos pressupostos de admissibilidade do recurso, definidos na alínea b) do art.º 70.º da Lei
28/82, o que determina a sua rejeição liminar;
9. Por outro lado a não aplicação ao seu caso do art.º 1.º do DL
134/97 não traduz qualquer violação do princípio da igualdade, nem o Recorrente o demonstrou;
10. Ensina esse Venerando Tribunal que tal princípio não proíbe as diferenças para o tratamento de casos diferentes, apenas proíbe o arbítrio ou a discriminação infundada;
11. Mesmo o próprio Tribunal Central Administrativo admite agora que o DL 134/97 não pretendeu igualar todos os militares combatentes do Ultramar, estabelecendo como elemento diferenciador a data em que foi adquirida a condição de DFA sem que tal traduza qualquer arbítrio ou violação do princípio da igualdade.
6. Notificado para o efeito, veio o recorrente responder à questão prévia suscitada pela entidade recorrida, relativa à não admissibilidade do recurso, o que fez pela forma seguinte:
1. O Recorrente nas contra-alegações que ofereceu ao Supremo Tribunal Administrativo suscitou a questão da inconstitucionalidade de certa interpretação da norma constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 30 de Maio, entendendo que esta lhe negava o direito de ver revista a sua pensão de reforma extraordinária, com o fundamento de não se enquadrar na previsão das alíneas b) e c), do nº 1, do artigo 18º, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.
2. Esta interpretação restrita da norma que integra o objecto do recurso interposto, na óptica do Recorrente, viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, e foi aplicada pelo Supremo Tribunal Administrativo à dirimição do caso em apreço.
3. Encontram-se, portanto, preenchidos os pressupostos do recurso de fiscalização concreta.
4. A não aplicação à situação do recorrente da previsão normativa do artigo 1º, do Decreto-Lei nº 134/97, de 30 de Maio, não decorre de quaisquer razões estruturalmente situadas no plano da interpretação e aplicação do direito infraconstitucional, mas envolvem a implícita dirimição, em sentido desfavorável ao recorrente da questão de inconstitucionalidade por ele suscitada.
Cumpre, então, decidir.
II – FUNDAMENTOS
7. Haverá, antes de mais, que apreciar a questão prévia suscitada pela entidade recorrida, relativa ao não conhecimento do recurso.
Quanto ao argumento apresentado pela entidade recorrida segundo o qual o recorrente não teria suscitado a questão de inconstitucionalidade durante o processo, é manifesto que não tem qualquer razão.
Na verdade, o recorrente suscitou, logo desde o seu requerimento inicial, a questão da violação do princípio da igualdade por parte da norma em causa, em determinada interpretação, reatando tal questão nas contra-alegações de recurso perante o STA.
Encontra-se preenchido, por essa banda, o requisito em causa.
Por outro lado, a entidade recorrida pretende ainda que o recorrente não impugnou a aplicação de uma norma, mas sim «a interpretação que o STA deu a essa norma, da qual discorda, o que não tem o mesmo sentido».
Ora, na verdade, o recorrente impugna a aplicação da norma quando entendida com determinado sentido, ou seja, quando interpretada de determinada forma, concretamente a forma como o STA a entendeu e aplicou.
O Tribunal Constitucional vem entendendo, numa jurisprudência longamente firmada, que invocar a inconstitucionalidade de uma dada interpretação de certa norma jurídica é invocar a inconstitucionalidade da própria norma, nessa interpretação - hipótese que não se confunde com aquelas em que pura e simplesmente se invocou a inconstitucionalidade da própria decisão, e só desta (a este propósito, vejam-se, por exemplo, o Acordão nº 238/94, o Acórdão nº 612/94, o Acórdão nº 234/95 e o Acórdão nº 527/99 , bem como J. M. Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 2ª edição, Coimbra,
1992, pág. 50, nota 49-b, e a jurisprudência aí citada).
Deve, todavia, nesses casos, suceder que a norma tenha sido aplicada na decisão de que se intenta recorrer precisamente com o sentido que, na perspectiva do recorrente, se mostra alegadamente inconstitucional (assim, nomeadamente, os Acórdão nº 487/94, Diário da República, II Série, de 15 de Dezembro de 1994, Acórdão nº 1/95, Diário da República, II Série, de 26 de Abril de 1995, e Acórdão nº 527/99, inédito).
Pois bem, o acórdão recorrido entendeu que o recorrente devia ser considerado DFA apenas ao abrigo do Decreto-Lei nº 43/76, não sendo abrangido pela previsão da alínea a) do nº 7 da Portaria nº 162/76, pelo que não podia ser contemplado pelo Decreto-Lei nº 134/97.
Ao invés, o recorrente, nas contra-alegações produzidas no recurso interposto pelo Chefe do Estado-Maior da Armada para o STA, sustentando que devia ser considerado DFA ao abrigo do artigo 1º do Decreto-Lei nº 210/73 – norma esta não eliminada, antes tendo, no seu entender, permanecido em vigor, por força do Decreto-Lei nº 43/76 -, considerou que devia ser abrangido pela norma do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97 (esta, na verdade, por via do artigo
18º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 43/76) e que interpretação diversa – no sentido de ele não estar abrangido por aquela norma do Decreto-Lei nº 134/97, tão somente por via de a decisão de qualificação como DFA ter sido proferida apenas após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76 – violaria o princípio da igualdade.
Ora, quando o acórdão recorrido decidiu que o recorrente devia ser considerado como DFA apenas ao abrigo do Decreto-Lei nº 43/76, por ser este o diploma em vigor à data da prolação do despacho qualificativo e que, por isso, o caso não se podia integrar na situação prevista no artigo 1º do Decreto-Lei nº
134/97, aplicou, afinal, a norma em causa no sentido, ou seja, com a interpretação, que o recorrente considerava violador do princípio constitucional da igualdade.
Quer isto dizer, e em conclusão, que o acórdão recorrido aplicou a norma no sentido de ela não abranger os militares com incapacidade superior a
30% por doença adquirida ou acidente ocorrido em campanha anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, mas apenas qualificados como DFA na vigência deste diploma legal.
Dúvidas não restam, pois, de que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada foi efectivamente aplicada pela decisão recorrida, mostrando-se preenchidos os restantes requisitos de admissibilidade do recurso, pelo que se passará, então, a conhecer do mérito do mesmo.
8. A norma cuja inconstitucionalidade vem suscitada é, pois, a constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio, que dispõe:
Os militares dos quadros permanentes deficientes das Forças Armadas, nos termos das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 43/76, de
20 de Janeiro, na situação de reforma extraordinária com um grau de incapacidade geral de ganho igual ou superior a 30%, e que não optaram pelo serviço activo, são promovidos ao posto a que teriam ascendido, tendo por referência a carreira dos militares à sua esquerda à data em que mudaram de situação, e que foram normalmente promovidos aos postos imediatos.
Como expressamente consta do respectivo preâmbulo, este diploma foi editado na sequência da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral constante do já mencionado Acórdão nº 563/96 do Tribunal Constitucional. Com efeito, este Acórdão analisou de forma exaustiva a situação dos DFA's e o respectivo enquadramento jurídico, nele se podendo ler:
Até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 44 995, de 24 de Abril de
1963, eram afastados do serviço activo os militares dos quadros permanentes das forças armadas que, em consequência de ferimentos ou acidentes ocorridos em serviço, mesmo em casos de serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública, ficavam diminuídos na sua capacidade física.
Reconheceu-se, porém, que a plena validez física era dispensável no desempenho de alguns cargos da competência dos militares no activo, sendo certo que o afastamento da carreira das armas imposto aos militares que sofreram diminuição da capacidade física com manutenção de validez suficiente para continuarem a desempenhar utilmente funções para as quais foram preparados e dedicaram a sua vida, constítuia procedimento não coadunável com o
'reconhecimento que a Nação' lhes deve.
O legislador de 1963 entendeu, a essa luz, que o aproveitamento da capacidade e da actividade dos militares em condições para o desempenho desse serviço, beneficiaria não só o Estado como, material e moralmente, os próprios e, por conseguinte, dispôs, no corpo do artigo 1º daquele diploma, que os militares dos quadros permanentes das forças armadas mutilados em consequência de ferimentos ou acidentes produzidos em serviço de campanha ou de manutenção de ordem pública ou em serviço directamente relacionado, podem, se assim o desejarem, continuar no serviço activo ainda que a sua capacidade física apenas lhes permita o desempenho em cargos ou funções que dispensam plena validez (o respectivo § 1º, por sua vez, diz-nos o que são mutilados, para os efeitos do diploma, e o § 2º exclui do âmbito do corpo do artigo certas situações relacionadas, de um modo geral, com ferimentos e acidentes intencionalmente provocados).
De acordo com o artigo 2º, os militares em questão são presentes a uma junta médica que julgará da aptidão para todo o serviço activo ou apenas para os cargos que dispensem plena validez.
A regulamentação das medidas constantes no diploma veio a ser feita na Portaria 21 776, do Ministério do Exército, de 7 de Janeiro de 1966
(publicada no Diário do Governo, nº 5, da mesma data) aí se definindo, nomeadamente, os militares considerados abrangidos pela providência legal em causa e o regime da sua sujeição às JHI (juntas hospitalares de inspecção).
Pouco depois, o Decreto-Lei nº 45 684, de 27 de Abril de 1964, revelando idêntica preocupação - considera-se preambularmente a necessidade de assegurar aos que se inferiorizam ao serviço da Pátria as condições indispensáveis à sua subsistência - reconhece terem direito à reforma extraordinária os militares que nesta qualidade são subscritores da Caixa Geral de Aposentações e que se tornem inábeis para o serviço por algumas das causas enumeradas no seu artigo 1º (concretizadas mais claramente pela Portaria nº
127/72, de 6 de Março) estabelecendo o artigo 3º os critérios de fixação da pensão de reforma extraordinária e a fórmula do respectivo cálculo, tendo em conta o posto no activo (o último posto no activo, nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei nº 45 684, e, posteriormente, do nº 1 do artigo 121º do Estatuto da Aposentação - Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro) - pensão que é de invalidez para os militares não subscritores daquela Caixa (cfr. o nº 1 do artigo 127º deste Estatuto).
2.2.- O Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, invocando o reconhecimento que
'a Nação deve àqueles que, no cumprimento dos seus deveres militares, se sacrificaram por ela', o qual exige se torne extensivo à generalidade dos militares o regime criado pelo texto legal de 1963, vem alargar o universo dos destinatários desse regime, de modo a abranger todos os militares do quadro permanente e do quadro de complemento do Exército e pessoal militar não permanente da Armada e da Força Aérea que se tornem deficientes em consequência de acidentes ou doenças resultantes de serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública ou da prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública
(cfr. o respectivo preâmbulo e o nº 1 do artigo 1º), aos quais se concede poderem continuar na situação de activo ou optar pela passagem à situação de reforma extraordinária.
Mantém-se a possibilidade de opção pela reforma extraordinária (ou pensão de invalidez), enunciam-se de novo as circunstâncias fácticas que originam acidentes ou doenças resultantes do serviço de campanha, para os efeitos do diploma, e revogam-se, entre outros, o Decreto-Lei nº 44 995 e a Portaria nº 127/72 (artigo 18º).
De acordo com o nº 1 do seu artigo 15º, os militares que, pelos motivos indicados no artigo 1º, já se encontrem na situação de reforma extraordinária ou fruindo pensão de invalidez, podem voltar à situação de activo desde que o requeiram no prazo de um ano, a contar do início da vigência deste diploma (preceitua, por sua vez, o nº 2 que os vencimentos e demais abonos a que vierem a ter direito são devidos somente a partir da data que coloca esses militares na situação de activo, acrescentando o nº 3 que os militares que regressem a essa situação serão colocados no posto e no lugar que lhes competiria se não tivesse havido interrupção de serviço).
Pouco depois, o Decreto-Lei nº 295/73, de 9 de Junho, passou a contemplar o problema das graduações dos militares dos quadros permanentes na situação de reforma extraordinária por alguma das causas indicadas no nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 210/73, determinando-lhes a graduação no posto a que teriam ascendido se não tivessem mudado de situação (artigo 1º), logo a seguir se prescrevendo, no entanto, não conferir a atribuição da graduação ao militar direito a qualquer alteração na pensão de reforma, calculada e estabelecida na data da mudança de situação. É a norma do artigo 4º, ora sob sindicância, e que permanece em vigor, como veremos a seguir.
2.3.- Os textos legais referenciados aproveitam aos militares vítimas dos eventos que os deficientaram desde que ocorridos posteriormente a 1 de Janeiro de 1961 (Decreto-Lei nº 44 995, artigo 8º; Decreto-Lei nº 45 684, artigo 9º; Decreto-Lei nº 210/73, artigo 17º).
A eclosão da guerra colonial e o subsequente aumento de acidentes ou doenças em serviço de campanha ou de manutenção de ordem pública constituíram a
(não confessada) occasio legis da descrita actividade legislativa, desperto o legislador para a necessidade de exprimir reconhecimento aos que se sacrificaram em cumprimento dos seus deveres militares e, mormente, para uma desejável perspectiva de reintegração desses militares no meio social, permitindo que continuassem em serviço os que sofreram diminuição de capacidade física em consequência de acidentes ou doenças resultantes do serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública ou da prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública, desde que possível o desempenho desse serviço.
O Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Fevereiro, surgido no período subsequente à rotura institucional do 25 de Abril, cessada já a chamada guerra colonial, visou propósitos mais vastos ao instituir um regime de reabilitação e assistência 'aos cidadãos portugueses que, sacrificando-se pela Pátria, se deficientaram ou se deficientem no cumprimento do serviço militar' (do nº 1 do artigo 1º), não apenas no serviço de campanha ou situações equiparadas mas também no exercício de quaisquer funções e deveres militares em condições de que resulte 'risco agravado equiparável' ao definido naquelas situações (o diploma foi objecto de várias rectificações: cfr. declarações publicadas no Diário do Governo de 13 de Fevereiro e de 16 de Março e Diário da República, de 26 de Junho, todos na I Série de 1976).
Pretendeu-se, em vésperas de vigência de um novo texto constitucional onde o Estado se obrigaria a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos deficientes - cfr. o nº 2 do artigo
71º da Constituição de 1976 - afastar o regime instituído pelos anteriores diplomas que, designadamente, criara injustiças aos que se deficientaram nas campanhas pós-1961 - como se lê do preâmbulo respectivo - com desrespeito do
'princípio de actualização de pensões e outros abonos, o que provocou, no seu conjunto, situações económicas e sociais lamentáveis'.
E, na verdade, o novo texto alarga o conceito de deficiente das forças armadas - artigo 1º - e reequaciona o direito de opção pela continuação no serviço activo, previsto no Decreto-Lei nº 210/73, direito esse que se manteve - cfr. artigo 7º (o preâmbulo refere-se expressamente à manutenção desse direito 'ainda e enquanto houver DFA cujas datas de início de acidente sejam relacionadas com as campanhas do ultramar pós-1961, a fim de contemplar todos esses casos do mesmo modo, como é justo').
Ainda de acordo com o nº 1 do seu artigo 18º consideram-se, automaticamente, DFA: a) 'os inválidos da 1ª Guerra Mundial, de 1914-1918, e das campanhas ultramarinas anteriores'; b) 'os militares no activo que foram contemplados pelo Decreto-Lei nº 44 995, de 24 de Abril de 1963, e que pelo nº
18 da Portaria nº 619/73, de 12 de Setembro, foram considerados abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio'; c) 'os considerados deficientes ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio'.
Pelo nº 2 do mesmo artigo 18º aplica-se o diploma aos 'cidadãos que, nos termos e pelas causas constantes do nº 2 do artigo 1º, venham a ser reconhecidos DFA após revisão do processo', o mesmo sucedendo, por via do nº 3, aos 'militares que venham a contrair deficiência em data ulterior à publicação deste decreto-lei e forem considerados DFA'.
O artigo 20º - cfr. a rectificação publicada em 13 de Fevereiro - prescrevia, originariamente, que 'todos os direitos, regalias e deveres dos DFA ficam definidos no presente decreto-lei, com expressa revogação do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, excepto nos seus artigos 1º e 7º', mas logo a rectificação publicada em 16 de Março veio aditar ao eixo sinalagmático
'presente decreto-lei' esse outro 'e no Decreto-Lei nº 295/73, de 9 de Junho', redacção que se mantém.
A produção de efeitos foi, por sua vez, reportada a 1 de Setembro de
1975, 'data a partir da qual terão eficácia os direitos que reconhece aos DFA'
(artigo 21º do texto rectificado'.
A Portaria nº 94/76, de 24 de Fevereiro, disciplina o regime do serviço activo que dispense plena validez, constando do seu nº 9:
'Os militares que optarem pela continuação na situação do activo em regime que dispense plena validez podem, mediante declaração, no prazo de um ano, passar à situação de reforma extraordinária se dos quadros permanentes, ou pensão de invalidez, se dos quadros de complemento ou não permanentes, sendo-lhes atribuída a pensão correspondente ao posto em que nessa data se encontrem promovidos ou graduados'.
Por seu lado, a Portaria nº 162/76, de 24 de Março, teve por objectivo regulamentar situações transitórias resultantes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, nela se inserindo a segunda das normas postas em crise pelo Provedor de Justiça.
A portaria em causa debruça-se, nuclearmente, sobre a 'revisão do processo' prevista no nº 2 do artigo 18º do decreto-lei, querendo significar, com tal expressão, a 'elaboração, reabertura, revisão ou simples consulta dos processos, conduzida de forma a pôr em evidência a percentagem de incapacidade do requerente ou a sua inexistência e as circunstâncias em que foi contraída a deficiência, tendo em vista a aplicação da definição de deficiente das forças armadas (DFA) constante nos artigos 1º e 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro', como nos diz o seu nº 1.
A revisão do processo, adianta-nos o nº 3, efectua-se a pedido do interessado mediante requerimento que entrará na repartição competente no prazo que, na redacção inicial, se fixou em cento e oitenta dias contados a partir da data da publicação da portaria, mas que foi sendo sucessivamente prorrogado
(Portarias nº 603/76, de 14 de Outubro, e 197/77, de 12 de Abril) até que a Portaria nº 114/79, de 12 de Março, veio eliminar definitivamente a exigência de prazo.
Esta Portaria nº 162/76 pressupõe, na verdade, a existência de dois grupos diferenciados de destinatários: os que já eram considerados deficientes das forças armadas, anteriormente ao Decreto-Lei nº 43/76, e os que, não o sendo, requereram a revisão dos seus processos individuais para apreciação das suas situações pela nova definição de DFA, constante do artigo 1º e complementado pelo artigo 2º do citado Decreto-Lei nº 43/76.
Aos primeiros, 'encontrando-se nas situações de reforma extraordinária ou de beneficiários de pensão de invalidez, que já puderam usufruir do direito de opção nos termos da legislação então em vigor, não é reconhecido o direito de poderem optar pelo ingresso no serviço activo', diz-nos a alínea a) do nº 7 da Portaria nº 162/76.
Aos segundos - todos os que não se encontram naquela situação, ou a ela equiparados - a alínea a) do nº 8 permite-lhes, verificado um certo condicionalismo, optarem pelo serviço activo após a revisão do processo, podendo pedir o trânsito para a situação de reforma extraordinária ou de beneficiários de pensão de invalidez, consoante pertençam aos quadros permanentes ou aos quadros complementares ou similares [alínea c) do nº 8], indo, nos termos da alínea e) do mesmo número, 'recuperar o posto e a antiguidade a que teriam ascendido se não tivessem estado desligados do serviço activo'.
[...]
2.1.1.- O Decreto-Lei nº 43/76 - relembre-se - surge teleologicamente orientado para pôr termo a um regime legal que cuidava dos cidadãos portugueses deficientados no cumprimento do serviço militar mas que, no entanto, proporcionava situações de injustiça tidas por contrariarem, nomeadamente, o princípio de actualização de pensões e outros abonos.
Na sequência do objectivo que o informou, o diploma pretendeu atingir um universo de destinatários com a amplitude que o seu artigo 18º lhe concedeu: vasta e indiferenciadamente - também já se consignou - o novo texto legal propôs-se aplicar o princípio de actualização de todas as pensões e abonos devidos aos DFA 'sempre que houver alteração de vencimentos e outros abonos do activo', alargou o regime jurídico do deficiente das forças armadas, atribuíu novos direitos e regalias sociais e económicas, tornou possível para todos os DFA o direito à opção entre o serviço activo que dispense plena validez e as pensões de reforma extraordinária ou de invalidez.
Ou seja, o diploma de 1976 tem uma vocação universalista, extensível, na sua vertente benefícios/regalias, a todos os que, no cumprimento dos deveres militares se deficientaram, tendo havido o cuidado de manter o estabelecido no Decreto-Lei nº 210/73 sobre o direito de opção pelo serviço activo, ainda e enquanto houver DFA cujas datas de início de acidente sejam relacionadas com as campanhas do ultramar pós-1961, 'a fim de contemplar todos esses casos do mesmo modo, como é justo' (do preâmbulo).
No entanto, a contenção na diferenciação que o texto revela e que se pretendeu consagrar, tomando a situação de DFA como denominador comum, não foi tão longe que não se possa dizer que nem todos quantos se deficientaram e fariam parte, em princípio, desse universo, beneficiam do respectivo regime, mercê das normas sindicadas, ou, pelo menos, de alguma delas.
É o que se depreende, claramente, do artigo 20º, após as rectificações a que foi sujeito: 'Todos os direitos, regalias e deveres dos DFA ficam definidos no presente decreto-lei e no Decreto-Lei nº 295/73, de 9 de Junho, com expressa revogação do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, excepto os seus artigos 1º e 7º'. O que, no fundo, significa manterem-se as 'opções de
1973' a par das 'opções de 1976' (se assim podemos dizer): as primeiras, geradas em contexto de guerra, a exercerem-se em dado prazo e a darem lugar a uma pensão calculada com base no posto que o militar detinha no momento em que se deficientou, não sendo a graduação posterior mais do que honorífica; as segundas, com efeitos reportados a 1 de Setembro de 1975, criadas em diferente contexto histórico como expressão de um reconhecimento nacional, de exercício temporal incondicionado, proporcionando reconstituição integral da carreira, com pensão correspondente (cuidando o legislador de preservar a lógica do novo regime, como ilustra, por exemplo, a alteração ao artigo 13º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/76, introduzida pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 203/87, de 16 de Maio).
9. Pois bem; o Tribunal Constitucional respondeu à questão de inconstitucionalidade colocada naquele aresto, afirmando que o que não seria admissível, por comportar efectiva violação do princípio da igualdade, seria tratar de forma diferenciada, discriminando-os, os DFA’s como tal reconhecidos anteriormente a 1976, ou seja, a consagração de um regime menos favorável para esses deficientados, pelo menos na medida em que lhes não fosse dada a possibilidade de optarem pelo regime consagrado para aqueles que apenas vissem ser-lhes reconhecida essa qualidade após a data em causa. Reconheceu o acórdão que a norma em questão, ao estabelecer um diferente condicionalismo para o exercício daquele direito a determinado grupo de deficientes – os assim declarados antes de 1976 – estava, de facto, a criar-lhes uma situação de impossibilidade prática para o exercício de um direito que, em teoria, se fazia consagrar para todos.
Daí que, em cumprimento e execução da declaração de inconstitucionalidade constante desse acórdão, o Governo tenha emitido o Decreto-Lei nº 134/97. Ou seja, este diploma legal foi publicado para corrigir as situações de desigualdade detectadas pelo Acórdão nº 563/96, tendo assim a preocupação tónica de vir permitir, em concreto e na prática, a todos os DFA’s a opção pelo serviço activo, a fim de acederem às regalias previstas no Decreto-Lei nº 43/76, tais como promoções, alterações do montante da pensão, etc..
Mais concretamente, visou-se corrigir a desigualdade resultante do nº 7, alínea a), da Portaria nº 162/76, de 24 de Março (declarado inconstitucional pelo citado Acórdão), o qual, no âmbito da regulamentação das situações transitórias resultantes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, retirara na prática o direito de opção pelo serviço activo a todos os DFAs que tivessem podido usufruir do direito de opção ao abrigo da legislação anterior – ou seja, num circunstancialismo injustificadamente mais restrito e desfavorável como condição para o exercício desse mesmo direito -, o que se traduzia, como já se referiu, numa diferenciação ou discriminação dos deficientados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei de 1976 face aos restantes.
Como se pode ler ainda no citado Acórdão nº 563/96:
Na verdade, se todos podem (ou puderam) optar, seja porque o Decreto-Lei nº 210/73 o permitiu a alguns, seja porque o regime de 1976 o proporcionaria aos restantes, as condições de exercício do direito de opção são desiguais: àqueles, qualificados DFA em contexto legal mais exigente, foi reconhecido um dado prazo para a opção, num específico circunstancialismo sócio-político; aos últimos, de estatuto como DFA recente, ou porque o obtiveram mediante a revisão dos seus processos nos termos que passaram a ser permitidos pelo diploma de 1976, ou porque o novo regime lhes veio permitir a sua qualificação como DFA, mesmo com dispensa de qualquer relacionação com campanha ou equivalente, a esses, reconheceu-se-lhes poderem exercer a sua opção sem qualquer limitação temporal (após sucessivas prorrogações dos prazos).
A norma da alínea a) do nº 7 da Portaria não se compagina com uma visão holística e igualitária do Decreto-Lei nº 43/76. Como se diz no preâmbulo deste diploma, o direito à opção entre o serviço activo que dispensa plena validez e as pensões de reforma extraordinária ou de invalidez 'será agora possível para todos os DFA [...]' e se o preceituado sobre o direito de opção pelo serviço activo no Decreto-Lei nº 210/73 é mantido em vigor, 'ainda e enquanto houver DFA cujas datas de início de acidente sejam relacionadas com as campanhas do ultramar pós-1961', o objecto confessado é o de 'contemplar todos esses casos do mesmo modo, como é justo'.
Não parece que a norma da portaria se compagine com a filosofia subjacente ao decreto-lei. A norma introduz um tratamento diverso para situações essencialmente iguais, não razoavelmente justificado: não só parte dos militares deficientes é afastada da plenitude de fruição do novo regime que, no entanto, visou alcançar 'um modo de compensar ou reparar uma injustiça' a todos tocante, sem que se apercebam ou denunciem as razões de marginalização assim provocada - o que figura arbítrio - como a diferença de tratamento se modela inadequada e injustificadamente.
10. Quanto à situação do recorrente, note-se desde logo que este apenas foi qualificado como deficiente em 1992.
Com efeito, o recorrente foi julgado incapaz para o serviço activo por sessão da Junta de Saúde Naval de 20 de Outubro de 1972, tendo passado à reserva da Armada em 30 de Outubro de 1972. O grau de incapacidade de 30% foi-lhe atribuído em 1981, tendo o recorrente, em Dezembro do mesmo ano, requerido a revisão do processo para que a sua doença fosse considerada como em campanha.
Passou à reforma extraordinária em 1 de Julho de 1990, e foi qualificado DFA, por despacho de 20 de Outubro de 1992, nos termos do disposto no artigo 18º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.
Posteriormente, e na sequência de pedido por si apresentado, foi graduado no posto de 2º sargento, continuando a vencer pensão de reforma pelo posto de cabo.
Publicado, entretanto, o Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio, o recorrente solicitou a revisão da sua reforma, nos termos do disposto neste diploma, em função do posto de sargento-mor, a que entendia dever ascender; esta pretensão foi indeferida pelo despacho do Almirante–Chefe do Estado Maior da Armada, que a mandou arquivar, de 30 de Dezembro de 1997, por considerar que o recorrente não reunia os requisitos indicados no artigo 1º do Decreto-Lei nº
134/97, não podendo assim ser promovido. Este foi o despacho que o recorrente impugnou contenciosamente.
O recorrente suscitou, desde logo, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, quando interpretada como o fez o acórdão recorrido, ou seja, no sentido de ela não abranger os militares com incapacidade superior a 30% por doença adquirida em campanha anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, mas só qualificados como DFA's na vigência deste diploma legal.
Com efeito, o STA interpretou a norma no sentido de o recorrente ser qualificado DFA ao abrigo do Decreto-Lei nº 43/76, porquanto o respectivo despacho qualificativo foi proferido em data posterior à data da entrada em vigor deste diploma – concretamente, em 1992 -, não se podendo assim integrar o recorrente no condicionalismo daquele artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, na medida em que a qualificação do recorrente também não se dera ao abrigo das alíneas b) ou c) do nº 1, do artigo 18º daquele Decreto-Lei nº 43/76.
11. Como já se assinalou, o que se pretendeu com a declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão nº 563/96 - e, consequentemente com o Decreto-Lei nº 134/97 - foi assegurar que a todos os DFA's fosse dada a possibilidade de optarem pelo serviço activo, nos termos definidos no Decreto-Lei nº 43/76.
Ora, tal como o próprio impugnante reconhece na petição do recurso contencioso de anulação (artigo 32º, a fls. 6): O Recorrente nunca optou pelo serviço activo.
E como a entidade recorrida afirma nas suas contra-alegações para o Tribunal Central Administrativo (nº 16, a fls. 104), o recorrente nunca procurou colocar-se em situação de poder exercer a possibilidade de opção, nos termos do Decreto-Lei nº 43/76 e da Portaria nº 162/76:
Tanto mais que o parecer da J.S.N. que o considerou «incapaz para o serviço activo», não foi objecto de qualquer impugnação da sua parte, além de nunca ter requerido a necessária qualificação de «apto para o serviço activo em regime que dispense plena validez», para poder usufruir do direito de opção; não pode agora pretender beneficiar da eliminação de uma proibição que não lhe foi aplicada e nunca afectou a sua situação.
Aliás, o próprio recorrente sublinha nas suas alegações, já neste Tribunal, onde entende residir a desigualdade que contesta:
[...] Porém, no referente aos militares do quadro permanente que já tinham podido requerer o seu ingresso no activo após serem qualificados DFA, pois já estava em vigor o Decreto-Lei nº 43/76, não é reconhecido, no entender do STA, o seu direito à promoção ao posto a que tinham direito.
Nesta conformidade, bem se compreende que o caso do recorrente não tenha sido um dos visados pela norma constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº
134/97, pois que ele também não estivera abrangido pelo inconstitucionalizado nº
7 da Portaria 162/76: o recorrente não esteve na situação dos que foram prejudicados por não terem tido possibilidade de optarem pelo serviço activo nas condições previstas no Decreto-Lei nº 43/76 e assim acederem às promoções decorrentes dessa mesma opção. Na verdade, ele nunca procurou colocar-se em situação de poder exercer esse direito de optar pelo serviço activo, requerendo que fosse reconhecido como apto para o serviço activo que dispense plena validez. Compreende-se, pois, que não possa agora vir reclamar um benefício que visa corrigir uma injustiça da qual ele nunca foi alvo.
A norma questionada, na interpretação e com o sentido indicado, visou primacialmente corrigir uma situação de desigualdade, essa sim, julgada inadmissível pelo Tribunal Constitucional. A invocada desigualdade de tratamento, resultante do Decreto-Lei nº 134/97, entre militares reconhecidos como DFA's antes e depois da publicação do Decreto-Lei nº 43/76 não é, portanto, arbitrária ou destituída de fundamento racional - antes assenta num critério distintivo que decorre da linha de raciocínio que fundamentou a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do Acórdão nº
563/96. É que nesse aresto se entendeu que a possibilidade de opção pelo serviço activo antes da publicação do Decreto-Lei nº 43/76 não era «igual» à possibilidade de opção pelo serviço activo depois dessa mesma publicação.
Assim, a situação do recorrente, que foi reconhecido como DFA já na vigência deste último diploma, não é igual à dos militares que foram reconhecidos como DFA's anteriormente. O artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97 limita-se, portanto, a tratar diferentemente situações em si mesmas diferentes, como fora já reconhecido pelo Tribunal Constitucional.
Não se vislumbra, pois, qualquer inconstitucionalidade da norma em causa.
III – DECISÃO
12. Nestes termos, decide-se:
a) não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio;
b) consequentemente, negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC’s.
Lisboa, 3 de Outubro de 2001 Luis Nunes de Almeida Artur Maurício Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa