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Processo n.º 68/13
Plenário
Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro (LTC), a apreciação e a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 20.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, na interpretação segundo a qual o “não pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, na sequência da notificação da distribuição do procedimento de injunção em tribunal judicial para continuar a ser tramitado como ação declarativa especial, constitui causa de desentranhamento liminar da oposição à injunção sem se conceder ao réu as opções previstas no artigo 486.º-A do Código de Processo Civil”.
O requerente invoca que a referida dimensão normativa foi já julgada materialmente inconstitucional, no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, através dos Acórdãos n.º 587/2011 e n.º 527/2012, bem como da Decisão Sumária n.º 605/2012, proferida no Processo n.º 834/2012, todos transitados em julgado.
O Acórdão n.º 434/2011, por seu turno, julgou inconstitucional a norma constante do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, na interpretação segundo a qual a “falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, nos 10 dias subsequentes à distribuição do procedimento injuntivo como ação, acarreta o imediato desentranhamento da peça processual de defesa que valeria como contestação no âmbito de tal ação”.
2. Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, o Primeiro-Ministro veio oferecer o merecimento dos autos.
3. Debatido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 63.º da LTC, e fixada a orientação deste Tribunal sobre as questões a resolver, cumpre formular a decisão em conformidade com o que se estabeleceu.
II – Fundamentação
4. Para dar por verificados os requisitos previstos nos artigos 281.º, n.º 3, da Constituição, e 82.º da LTC, o requerente indica quatro decisões proferidas por este Tribunal – os Acórdãos n.os 434/2011, 587/2011 e 527/2012, bem como a Decisão Sumária n.º 605/2012 – tendo por objeto a norma do artigo 20.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, sobre os procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância.
O Acórdão n.º 434/2011 julgou inconstitucional a referida norma, quando interpretada no sentido de que a “falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, nos 10 dias subsequentes à distribuição do procedimento injuntivo como ação, acarreta o imediato desentranhamento da peça processual de defesa que valeria como contestação no âmbito de tal ação”, enquanto as demais pronúncias invocadas julgaram inconstitucional aquela mesma norma na interpretação segundo a qual o “não pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, na sequência da notificação da distribuição do procedimento de injunção em tribunal judicial para continuar a ser tramitado como ação declarativa especial, constitui causa de desentranhamento liminar da oposição à injunção sem se conceder ao réu as opções previstas no artigo 486.º-A do Código de Processo Civil”.
É a inconstitucionalidade desta última dimensão normativa que o Ministério Público pretende ver declarada com força obrigatória geral.
5. No contexto da «procura de vias de simplificação processual e desjudicialização como resposta ao aumento exponencial de ações de reconhecimento e cobrança de dívidas, intentadas sobretudo por grandes empresas comerciais, com padrões de contratualização abrangendo múltiplos consumidores» (cf. Acórdão n.º 434/2011), o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, aprovou o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, tendo por objetivo a criação em tal domínio de um tipo de ação correspondente a uma versão simplificada do modelo da ação sumaríssima, em consonância com a frequente simplicidade das pretensões subjacentes, comummente caracterizadas pela não oposição dos demandados (cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro).
No que particularmente diz respeito ao procedimento de injunção – instituído, conforme se sabe, pelo Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de dezembro –, o regime introduzido pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, teve por finalidade incentivar a respetiva utilização enquanto meio destinado a facultar aos credores de obrigações pecuniárias a obtenção de títulos executivos de forma mais simples e célere, para o que se procurou remover os obstáculos de natureza processual que a doutrina vinha opondo à configuração originária do procedimento, em particular no âmbito da articulação da estrutura pretendida para a providência com a necessidade de intervenção judicial para a decisão de questões incidentais (cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro).
Prosseguindo o sentido das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, no domínio do processo de injunção, o Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, veio alargar o respetivo âmbito de aplicação à obrigação de pagamento decorrente de transações comerciais entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, tornando-o aí independente do valor da prestação pecuniária em causa (artigos 2.º, 3.º, alínea a), e 7.º, todos do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro).
Fora do âmbito desta tipologia contratual, o recurso ao procedimento de injunção, apesar de originariamente limitado aos contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, passou a ser admitido para contratos de “valor não superior à alçada da Relação” (cf. artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de julho) e, depois disso, para contratos de “valor não superior a € 15.000” (cf. artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na versão resultante do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto).
Considerado o sentido das sucessivas alterações de que foram sendo objeto, quer as disposições preambulares do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, quer o Regime a ele anexo, verifica-se que o âmbito de aplicação do procedimento de injunção foi progressivamente alargado, passando a abranger pretensões de pagamento de valores até 15.000 euros ou superiores, desde que estejam em causa transações comerciais, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de fevereiro.
Subjacente a tal alargamento, encontra-se a ideia de que o regime simplificado de tramitação pressuposto neste procedimento constitui a adequada expressão processual da estrutura juridicamente simplificada das pretensões substantivas que nele podem ter acolhimento, a qual, por não corresponder necessariamente a uma menor relevância dos interesses pecuniários envolvidos, foi tornada compatível com a posterior transmutação do procedimento injuntivo numa ação declarativa de condenação, com processo especial ou comum, nomeadamente sob a forma ordinária, em função do valor da causa, nos casos em que o requerido deduza oposição (cf. Acórdão n.º 434/2011).
6. Assim, se, na sequência da notificação prevista no n.º 1 do artigo 12.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, o requerido deduzir oposição à pretensão subjacente ao requerimento de injunção, o procedimento de injunção passa a seguir como ação declarativa, com um valor processual coincidente com o do pedido (cf. artigos 16.º, n.º 1, e 18.º, ambos do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro).
Nesse caso, é devido o pagamento de taxa de justiça pelo autor e pelo réu, no prazo de dez dias, contados desde a distribuição, nos termos gerais fixados no Regulamento das Custas Processuais, descontando-se, no caso do autor, o valor correspondente à taxa de justiça devida pela apresentação do requerimento de injunção (cf. artigo 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, e publicado sob o respetivo Anexo III).
Nos termos do artigo 20.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, “na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, é desentranhada a respetiva peça processual”.
7. Extraída do artigo 20.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, a dimensão normativa cuja inconstitucionalidade se pretende seja declarada com força obrigatória geral pressupõe que o âmbito objetivo de aplicação da obrigação de pagamento aí estabelecida abrange, não apenas o procedimento de injunção – como parece defender Salvador da Costa (cf. Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 4.ª Edição, Coimbra, 2012, pg. 18) –, mas igualmente a ação declarativa de condenação em que aquele procedimento se tenha transmutado em consequência da oposição deduzida pelo requerido.
Na formulação seguida no Acórdão n.º 434/2011, resultará do preceito em análise, quando interpretado no sentido cuja constitucionalidade se contesta, que “a omissão de comprovação do pagamento da taxa de justiça pelo réu redunda no imediato desentranhamento da contestação, sem qualquer solução intermédia, nomeadamente de concessão de prazo suplementar para supressão da omissão, nos termos previstos no artigo 486.º-A, n.ºs 3 a 6, do Código de Processo Civil”.
Tal interpretação é normativamente equivalente à dimensão objeto das pronúncias contidas nos Acórdãos n.os 587/2011 e 527/2012, bem como na Decisão Sumária n.º 605/2012, que julgaram inconstitucional a norma do artigo 20.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, “quando interpretada no sentido de que o não pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, na sequência da notificação da distribuição do procedimento de injunção em tribunal judicial para continuar a ser tramitado como ação declarativa especial, constitui causa de desentranhamento liminar da oposição à injunção sem se conceder ao réu as opções previstas no artigo 486.º-A do Código de Processo Civil”.
Na medida em que a ratio decidendi do juízo de inconstitucionalidade vai entroncar, em qualquer dos casos, na radicalidade da consequência processual extraída do artigo 20.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, por oposição ao regime geral baseado no convite à supressão da omissão previsto nos n.os 3 a 6 do artigo 486.º-A do Código de Processo Civil, na sua relação com o “incumprimento de um ónus processual, relativo ao pagamento de custas” (cf. Acórdão n.º 434/2011), as asserções que, em termos aparentemente não coincidentes, fazem coincidir tal incumprimento com “o não pagamento da taxa de justiça devida pelo réu” (Acórdãos n.os 587/2011 e 527/2012 e Decisão Sumária n.º 605/2012) ou com a “falta de comprovação” desse pagamento (Acórdão n.º 434/2011), apresentam-se, desse ponto de vista, equivalentes e por isso normativamente sintónicas. Este juízo permite ter por verificada, em relação às decisões indicadas, a identidade normativa das dimensões interpretativas julgadas inconstitucionais, nos termos em que a mesma é pressuposta pelo artigo 82.º da LTC.
Assim sendo, encontra-se preenchido o pressuposto da generalização prevista no n.º 3 do artigo 281.º da Constituição.
8. No Acórdão n.º 434/2011, o Tribunal confrontou a dimensão normativa com o direito a um processo equitativo, enquanto corolário do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição, tendo-o feito nos termos seguintes:
«(…) Consubstanciando um direito fundamental, o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva corresponde, concomitantemente, a uma garantia de proteção dos restantes direitos fundamentais, pela via judiciária, constituindo, por isso, um alicerce estruturante do Estado de Direito democrático.
Representa a consagração da possibilidade de defesa jurisdicional de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos, conferindo-lhes assim condições de efetividade prática.
No presente caso, é a vertente da garantia dum processo equitativo que assume crucial importância como alvo de análise, por corresponder, de entre as várias dimensões em que a tutela jurisdicional efetiva irradia, àquela que surge como potencialmente beliscada pela interpretação normativa posta em crise.
O princípio da equitatividade é expressamente referido no n.º 4 do artigo 20.º da Lei Fundamental, que dispõe o seguinte:
“Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”
É densificado por vários subprincípios, entre os quais se conta o direito de defesa e direito ao contraditório, traduzido na possibilidade de cada uma das partes apresentar a sua versão e os seus argumentos, de facto e de direito, oferecer provas e pronunciar-se sobre os argumentos e material probatório carreado pela parte contrária, antes da prolação da decisão sobre o litígio. Corresponde, pois, tal direito a uma garantia de equilíbrio e de igualdade de armas entre os litigantes, que veem constitucionalmente assegurada a possibilidade de exercerem influência efetiva no desenvolvimento do processo, que se pretende que conduza a uma decisão materialmente justa do litígio.
(…) Não obstante a ampla liberdade reconhecida ao legislador, no âmbito da definição da tramitação processual, é inegável que a garantia do contraditório, de que decorre a proibição da indefesa, constitui um limite vinculativo incontornável.
Desde logo, e no segmento que aqui nos interessa, as cominações e preclusões, associadas ao incumprimento de determinado ónus processual, não podem revelar-se funcionalmente desajustadas.
O princípio do contraditório, como componente do direito a um processo equitativo, terá de manter a sua função operante num conteúdo mínimo, seja qual for a estrutura processual em que se desenhe o acesso à tutela judiciária.
Apesar de se reconhecer a importância de uma estrutura processual deliberadamente simplificada e célere, vocacionada para os objetivos de política legislativa que presidiram ao regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, é imperioso garantir que o bem jurídico celeridade não comprometa, de forma desproporcional, o princípio do contraditório, sob pena de violação incomportável do acesso à tutela jurisdicional efetiva.
A propósito do equilíbrio necessário entre a celeridade processual e a justiça da decisão, em termos transponíveis para a presente situação, refere C. Lopes do Rego:
“As exigências de simplificação e celeridade – assentes na necessidade de dirimição do litígio em tempo útil – terão, pois, necessariamente que implicar um delicado balanceamento ou ponderação de interesses por parte do legislador infraconstitucional – podendo nelas fundadamente basear-se o estabelecimento de certos efeitos cominatórios ou preclusivos para as partes ou a adoção de “mecanismos que desencorajem as partes de adotar comportamentos capazes de conduzir ao protelamento indevido do processo”, sem, todavia, aniquilar ou restringir desproporcionadamente o núcleo fundamental do direito de acesso à justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo e contraditório que lhe estão subjacentes, como instrumentos indispensáveis à obtenção de uma decisão jurisdicional – não apenas célere – mas também justa, adequada e ponderada” (in “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, p. 855).
Do exposto resulta que uma falha processual – maxime que não acarrete, de forma significativa, comprometimento da regularidade processual ou que não reflita considerável grau de negligência – não poderá colocar em causa, de forma irremediável ou definitiva, os fins substantivos do processo, sendo de exigir que a arquitetura da tramitação processual sustente, de forma equilibrada e adequada, a efetividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal, afastando-se de soluções de desequilíbrio entre as falhas processuais – que deverão ser distinguidas, consoante a gravidade a e relevância - e as consequências incidentes sobre a substancial regulação das pretensões das partes.
Transpondo as considerações expendidas para a interpretação normativa em apreciação, teremos de concluir que associar ao incumprimento de um ónus processual, relativo ao pagamento de custas, a consequência, imediata e irreversível, de desentranhamento da contestação – impossibilitando a consideração das razões de facto e de direito, excetuando as de conhecimento oficioso, aduzidas em tal peça processual – é manifestamente desproporcional, por acarretar o gravoso e inevitável resultado de impossibilitar a parte incumpridora de fazer valer a sua posição no litígio, em termos determinantes para o desfecho ou dirimição definitiva dos direitos ou interesses controvertidos. Existe, de forma ostensiva, uma restrição inconstitucionalmente intolerável do direito de contraditório, não se assegurando o tratamento equitativo das partes, nem a efetividade da tutela jurisdicional
É de notar que tal solução interpretativa era expressamente afastada na anterior redação do preceito relativo a custas, no âmbito do mesmo diploma legislativo.
Na verdade, dispunha o artigo 19.º que, se o procedimento de injunção seguisse como ação, seriam devidas custas, calculadas e liquidadas nos termos do Código das Custas Judiciais, devendo as partes efetuar o pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de dez dias a contar da data da distribuição, sendo que, sem prejuízo do disposto no Código de Processo Civil, relativamente à contestação, na falta de junção, pelo autor, do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial no prazo referido de dez dias, seria desentranhada a respetiva peça processual.
O Tribunal Constitucional pronunciou-se, no Acórdão n.º 625/03 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt) sobre a diferenciação de consequências, para autor e réu, do não pagamento da taxa de justiça inicial, no âmbito da ação em que se converteu o procedimento de injunção.
Em tal aresto, refere-se o seguinte:
“Ponto é saber se esse diverso tratamento afronta normas ou princípios constitucionalmente consagrados.
(…) Num primeiro passo, mister é que se não passe em claro que o desentranhamento do requerimento de injunção não consequência irremissivelmente que o seu autor deixe de ter acesso aos tribunais. Tal desentranhamento, na verdade, configura uma figura de extinção da instância, desta forma não precludindo a possibilidade de aquele autor vir, novamente, quer através de novo procedimento de injunção, quer através de nova ação, fazer valer o direito que se propôs com o anterior procedimento. (…)
Depois, há que atentar que o não pagamento pelo réu da taxa inicial quando contesta a ação resultante da frustração do procedimento injuntivo, também não é desprovido de consequências, visto que um dos requisitos de atendimento da contestação é justamente o do pagamento de uma taxa equivalente ao dobro da em falta.
Trata-se, assim, de sancionamentos diversos que não deixam de atender ao diferente posicionamento do autor e do réu da ação em que se «converteu» o procedimento de injunção. E diz-se posicionamento diverso, já que, se porventura a consequência do não pagamento da taxa de justiça inicial por parte do réu quando contesta a ação fosse idêntica à prevista para o autor, o desentranhamento da contestação acarretaria a aplicação dos efeitos cominatórios decorrentes da falta de contestação, como óbvias repercussões no mérito da causa (cfr. art. 2.º do Regime), sendo vedado ao réu, posteriormente (e não interessará aqui entrar em linha de conta com as hipóteses em que é possibilitado o recurso de revisão), o acesso ao tribunal para poder exercer de forma efetiva o seu direito de defesa.
Esta diferenciação de situações aponta, pois, para que se possa dizer que a estatuição de diversos regimes quanto às consequências do não pagamento da taxa de justiça por parte do autor e por parte do réu na ação a que se reportam os artigos 16º e 1º e seguintes do Regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, tem um fundamento material e, assim, se não apresenta como arbitrária (…).”
Os argumentos aduzidos no aludido acórdão, no tocante à posição do réu, corroboram o juízo já formulado, quanto à gravidade das consequências da interpretação normativa que apreciamos.
Tal interpretação, recusada pelo tribunal a quo, conduz, de facto, a um desproporcionado comprometimento do núcleo essencial do princípio do contraditório, como dimensão constitutiva crucial de um due process of law.
Concluímos, desta forma, que é inconstitucional a interpretação normativa do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 34/2008 de 26 de fevereiro – articulado com o disposto no n.º 4 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais – segundo a qual a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça, devida pelo réu, nos dez dias subsequentes à distribuição do procedimento injuntivo como ação, acarreta o imediato desentranhamento da peça processual de defesa, que valeria como contestação no âmbito de tal ação, por tal interpretação comportar restrição desproporcional do princípio do contraditório, integrante do direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da CRP.»
9. O entendimento seguido no Acórdão n.º 434/2011, de que o artigo 20.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, quando interpretado no sentido de que “a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, nos dez dias subsequentes à distribuição do procedimento injuntivo como ação, acarreta o imediato desentranhamento da peça processual de defesa, que valeria como contestação no âmbito de tal ação”, é inconstitucional por violação do “princípio do contraditório, integrante do direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da CRP”, foi reiterado, ainda que por referência ao “não pagamento da taxa de justiça devida pelo réu”, pelos Acórdãos n.os 587/2011 e 527/2012, bem como a Decisão Sumária n.º 605/2012, invocados pelo Ministério Público, que para a fundamentação daquele Acórdão expressamente remeteram.
Assim, concordando-se com o sentido da decisão e acompanhando-se a fundamentação que a sustenta, deve proceder-se à generalização do juízo de inconstitucionalidade peticionada pelo Requerente.
III - Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 20.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, quando interpretado no sentido de que o “não pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, na sequência da notificação da distribuição do procedimento de injunção em tribunal judicial para continuar a ser tramitado como ação declarativa especial, constitui causa de desentranhamento liminar da oposição à injunção sem se conceder ao réu as opções previstas no artigo 486.º-A do Código de Processo Civil”, por violação do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição.
Lisboa, 30 de outubro de 2013. – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral – Lino Rodrigues Ribeiro – Ana Guerra Martins – Pedro Machete – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro.
Tem voto de conformidade o Senhor Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha, que não assina por não estar presente.
Catarina Sarmento e Castro