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Processo n.º 730/2013
2ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, A. reclamou, em 24 de junho de 2013 (fls. 3 a 5), ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da LTC, do despacho proferido pelo Juiz-Relator junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, em 03 de junho de 2013 (fls. 35 e 36), que rejeitou recurso de constitucionalidade por si interposto, em 27 de maio de 2013 (fls. 32 a 34), com fundamento na falta de suscitação processualmente adequada da inconstitucionalidade normativa que constitui objeto do recurso então interposto.
2. Os termos da reclamação deduzida, que ora se resumem, são os seguintes:
«A reclamante A., não se conformando com a douta decisão que não admitiu o recuso interposto para a secção do contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo,
Inconformada com a decisão sustentada que desta forma torna esgotados todos os meios de recurso jurisdicionais ordinários, desta decisão, interpôs recurso nos termos do artigo 70º n.º 1 e n.º 2 da LTC para o Tribunal Constitucional,
Sem prejuízo da reclamação do referido despacho feita para o meritíssimo Dr. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal Administrativo caso em que se requereu deverem aguardar os autos da pronúncia da sua admissibilidade nos termos do artigo 75º n.º2 e do artigo 76º n.º 1 da LTC
Interpôs-se recurso para o Tribunal Constitucional da decisão que não admitiu o recurso para a secção de contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo em razão de valor com subida nos termos do artigo 286º n.º 2 do CPPT.
Decorre da douta decisão que não admitiu o recurso para aquele Tribunal superior a questão da ilegalidade e inconstitucionalidade que só então, com a decisão proferida se verificou,
A sua própria que se suscitou, e que se constitui nos termos do artigo 75º-A n.º 1 da LTC como recurso nos termos do artigo 70º n.º 1 al. b) da LTC.
Fundamentou a meritíssima juiz “a quo” a recusa indeferimento no facto de e cita-se:
“compulsados os autos verifica-se que a impugnante viu o seu requerimento de interposição de recurso da sentença proferida , ser indeferido porque o valor atribuído pela própria e aceite por este Tribunal , à presente reclamação, impedia a instância de recurso.
Ora, atento ao disposto no referido artigo 70º da LTC, tal despacho, não veio aplicar uma norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, pelo que, não se enquadra na alínea b) do normativo em que a parte se funda para interpor o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ou em qualquer uma das restantes alíneas”
E termina por inexistir fundamento, pelo que o recurso é inadmissível.
Ora,
Como atrás se referiu, e que afinal é transcrição do que foi alegado no requerimento de interposição do recurso indeferido, decorre da douta decisão proferida nos autos que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo - Secção do Contencioso Tributário, o recurso que se interpôs para este Tribunal Constitucional.
Não colhendo como válida e frustrando-se como impertinente com vista à total revogação da decisão a douta fundamentação.
Foi no douto despacho e respetiva fundamentação que não admitiu o recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que a meritíssima juiz “a quo” aplicando a norma prevista no artigo 280º n.º 4 do CPC conjugado com o artigo 5º do DL 303/2007 que ao caso a Lei impedia e com manifesta falta de conformação do processo nos termos do artigo 315º n.º1 do CPC ex-vie artigo 2º al. e) do CPPT e artigo 97-A do CPPT que violou, que se verificou a ilegalidade e inconstitucionalidade em denegação de justiça e violação do principio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva consignada no artigo 20º n.º 4 da CRP.
E em função de tal decisão a inconstitucionalidade e ilegalidade, ela própria se suscitou nos termos do artigo 75º A n.º 1 da LTC como recurso nos termos do artigo 70º n.º 1 al. b) da LTC. E por via de tanto,
O recurso deverá ser aceite por existência de fundamento e enquadramento legal no normativo – artigo 70º n.º 1 al. b) da LCT-.
De resto,
De acordo com o entendimento seguido e nos termos do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 669/2005 de 6 de dezembro (DR, II Série de 02.02.2006) onde a esse propósito é dito
“(...) ou naquelas situações em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão da constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão da constitucionalidade, por a interpretação judicialmente acolhida ser inesperada, insólita ou anómala.”
Não fazendo sentido a Lei limitar a inacessibilidade à tutela do Tribunal Constitucional aos casos como o que vem reclamando nos autos.
A presente reclamação, o que se requer, deverá ser instruída, dela aqui se reproduzindo as respetivas alegações, com o requerimento de interposição de recurso, o douto despacho de fls. 557, e o douto despacho de indeferimento que indeferiu o recurso.
Termos em que se requer a VEXA se dignem revogar a decisão proferida pela meritíssima juiz “a quo” que indeferiu/não admitiu o recebimento do recurso e substitui-lo por outro que decida recebê-lo, sem prejuízo do meritíssimo Juiz do Tribunal recorrido aguardar pela pronúncia da reclamação efetuada no Supremo Tribunal Administrativo.» (fls. 3 a 5)
3. Em sede de vista, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronunciou-se nos termos que ora se resumem:
«1. Por sentença proferida em 22 de abril de 2013, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, indeferiu-se a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, proferida em 30 de outubro de 2012 que, por sua vez, indeferira um pedido de declaração de nulidade por falta de citação e de prescrição da dívida exequenda.
2. Interposto recurso pela contribuinte para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, o mesmo não foi admitido.
3. Dessa decisão foi, então, interposto recurso para o Tribunal Constitucional e, como este não foi admitido, reclamou aquela para este Tribunal.
4. O recurso interposto para a Supremo Tribunal Administrativo não foi admitido porque a causa tinha um valor que não ultrapassava ¼ da alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância (artigo 280.º, n.º 4, do Código de Procedimento e Processo Tributário - CPPT).
5. Quanto ao valor da lide, disse-se no despacho:
“Ora, se atentarmos no valor da presente lide, verifica-se que o mesmo é de €500,00 atendendo a que foi o valor indicado pela Reclamante (cfr. requerimento de reclamação, in fine) não impugnado pela Fazenda Pública e aceite como tal na sentença para efeitos de pagamento de custas – cfr. art. 314.º, n.º 4 do CPC aplicável ex vi do art.º 2.º, al. e) do CPC”.
6. Ora, como nos parece claro, no despacho recorrido não se faz qualquer interpretação anómala, imprevista ou surpreendente que dispensasse a recorrente do ónus da suscitação prévia, antes se aplicou o artigo 280º, nº 4, do CPPT, na sua literalidade.
7. Aliás, ela própria não questiona sequer aquela interpretação, mas antes a decisão quanto ao valor da causa, o que é algo substancialmente diferente
8. Porém, como em relação a essa matéria não vem suscitada qualquer dúvida constitucional, ao Tribunal Constitucional apenas cabe aceitar o decidido.
8. Por outro lado, não se vislumbra no requerimento de interposição do recurso, a enunciação de uma questão de inconstitucionalidade normativa passível de constituir objeto idóneo da constitucionalidade.
9. Efetivamente, não pode considerar-se como tal o afirmado nos dois primeiros parágrafos da página. 2 do requerimento (fls. 33), onde a violação da Constituição é imputada à decisão porque “negou o recebimento do recurso”.
10. Podemos ainda acrescentar que, como da decisão que não admitiu o recurso cabia reclamação para o Supremo Tribunal Administrativo, não se encontravam esgotados os recursos ordinários que no caso cabiam (artigo 70.º, n.ºs 2 e 3 da LTC), faltando, pois, também esse requisito de admissibilidade do recurso.
11. Por tudo o exposto, deve indeferir-se a reclamação.» (fls. 61 e 62).
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Antes de mais, importa notar que não se tomarão em conta as considerações tecidas pelo Ministério Público acerca de uma alegada falta de dimensão normativa do objeto do presente recurso, na medida em que a decisão reclamada apenas se fundou na falta de suscitação processualmente adequada da mesma, conforme imposto pelo artigo 72º, n.º 2, da LTC. Ora, na medida em que – conforme infra melhor se demonstrará – se corrobora aquele juízo, torna-se processualmente inútil fundamentar a recusa de admissão nessa eventual preterição de um ónus de prévia e adequada suscitação (cfr. artigo 72º, n.º 2, da LTC).
Evidentemente, caso este Tribunal viesse a decidir no sentido do não conhecimento fundado no argumento da falta de dimensão normativa do objeto do recurso, então, ter-se-ia procedido a despacho, ao abrigo dos artigos 654º, n.º 2, e 655º, n.º 2, ambos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aplicáveis ex vi artigo 69º da LTC, de modo a que a reclamante tivesse oportunidade de se pronunciar sobre este novo fundamento de não conhecimento. Isto porque aquele não teria sido ponderado, no momento da dedução de reclamação, em função de aquele não ter sido considerado pelo despacho reclamado. Contudo, na medida em que este Tribunal nem sequer equacionou o referido fundamento – por ser bastante a confirmação do fundamento de não conhecimento adotado pelo despacho reclamado –, não se procedeu à referida notificação, por esta configurar um ato processualmente inútil.
5. Feito este ponto de ordem, resta apenas registar que a decisão recorrida se limitou a aplicar o artigo 280º, n.º 4, do CPPT, na sua dimensão literal. Ao ponto de a ora reclamante nem sequer colocar em causa a constatação de que daquele preceito legal resulta não serem admissíveis recursos para o Supremo Tribunal Administrativo quando o valor da causa não ultrapassar um quarto das alçadas previstas para os tribunais de primeira instância. O que a reclamante contesta é que o valor da causa – que a próprio atribuiu e cuja fixação já se encontra discutida e assente nos autos recorridos – corresponda ao valor efetivo da dívida tributária.
Sucede, porém, que a reclamante nunca suscitou, de modo processualmente adequado, qualquer questão relativa à interpretação normativa (literal) daquele preceito legal, apenas tendo questionado a correspondência entre o valor atribuído à causa e o valor efetivo da dívida. Perante a manifesta falta de suscitação processualmente adequada, imposta pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC, mais não resta do que concluir pela impossibilidade de conhecimento do objeto do recurso, assim se confirmando a decisão reclamada.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 10 de outubro de 2013. – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.