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Processo n.º 320/13
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I - RELATÓRIO
1. Pela Decisão Sumária n.º 272/2013, decidiu o relator não conhecer do recurso que A. interpôs, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), com os seguintes fundamentos (fls. 98-106, cfr. fls. 103-106):
«4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 80), com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
5. Do teor do requerimento de interposição de recurso apresentado pela recorrente decorre que do mesmo constam: a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto – alínea b) do n.º 1 artigo 70.º (cfr. I, n.º 8); a indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie – «incisos dos números 1 e 2 do art.382º, 1 e 2 do art. 387º, ambos do CPC» e «nº 1 do art.2.086º do CC» (cfr. I, n.º 1 e n.º 5); e a indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado – artigos 2.º, 3.º, n.º 3, 20.º, n.º 5, 202.º, n.º 2 e 203.º da Constituição da República Portuguesa (cfr. I, n.º 2 e n.º 5). Na resposta ao convite de aperfeiçoamento, o recorrente indicou a peça processual em que a alega ter suscitado a questão da inconstitucionalidade relativa às normas do Código de Processo Civil (CPC) – «alegações de recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto de fls. 17 a 29, mais concretamente no ponto 27 de fls. 22 e na conclusão 12º de fls. 29» - e alega não ter sido possível suscitar a questão relativa à norma do Código Civil (CC) durante o processo por se tratar de uma decisão surpresa (cfr. n.ºs 2 a 6).
6. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt).
Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.
7. Não se encontra preenchido, no caso em apreço, o pressuposto relativo à questão de inconstitucionalidade normativa.
O sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de constitucionalidade de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais – pelo que os recursos para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, interpostos de decisões dos tribunais só podem ter por objeto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com caráter de generalidade e por isso passíveis de aplicação a outras situações independentemente das particularidades do caso concreto, sob pena de inadmissibilidade.
7.1 Quanto à alegada questão de inconstitucionalidade relativa aos artigos 382.º, n.ºs 1 e 2, e 387.º, n.ºs 1 e 2, do CPC do teor e fundamentação do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, bem como do teor das «alegações de recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto de fls. 17 a 19» – em que o recorrente alega ter suscitado aquela questão – decorre que o recorrente não pretende que o Tribunal exerça um controlo da constitucionalidade com natureza normativa. Daquele teor resulta, pelo contrário, que o recorrente imputa a violação das normas constitucionais que considera violadas à própria decisão recorrida.
No n.º 1 do requerimento de interposição de recurso, a alegada interpretação normativa identificada pelo recorrente – a que, segundo este, sustentou que o Recorrente “visava antecipadamente obter o direito que havia de ser discutido na ação, por incumprimento das obrigações da cabeça de casal, e que dos factos não resulta inequívoco a lesão grave e irreparável daquele direito, como consequência da atitude censurável” – respeita à fundamentação concreta da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, não configurando qualquer critério normativo.
No n.º 2 do seu requerimento de interposição de recurso o recorrente expressamente imputa à decisão do Tribunal da Relação do Porto ora recorrida a desconformidade com as normas da Constituição por si indicadas – o que o recorrente já sustentara, aliás, em relação à decisão de primeira instância, ao afirmar, no n.º 21 das alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto (cfr. fls. 27), que «(…) a decisão recorrida (…) sempre deveria ser declarada inconstitucional (…)».
Acresce que na peça em que o recorrente indica ter suscitado a pretensa questão de constitucionalidade – apenas na 12.ª Conclusão, já que o ponto 27 de fls. 22 indicado pelo Recorrente não se encontra nas alegações) – não se descortina a suscitação de qualquer critério normativo identificado com caráter de generalidade em relação às normas que ora se pretendem ver sindicadas.
E foi nesta ótica de inexistência de objeto normativo que se pronunciou o TRP no seu acórdão de 28/01/2013 sobre o recurso apresentado, reportando-se à interpretação efetuada no caso concreto (cfr. fls. 49).
7.2 Quanto à alegada questão de inconstitucionalidade relativa ao artigo 2086.º, n.º 1, do CC, do teor e fundamentação do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, decorre que também não se faz referência a qualquer critério normativo identificado com caráter de generalidade. No n.º 5 daquele requerimento o recorrente limita-se a formular o seu entendimento a partir da transcrição de uma parte da fundamentação concreta do acórdão recorrido reportada às concretas circunstâncias do caso em apreciação.
8. Assim, afigura-se ocorrer a ausência de dimensão normativa do objeto do presente recurso em termos que obstam ao seu conhecimento.
A fiscalização da constitucionalidade e da legalidade da competência deste Tribunal incide sobre normas e não sobre decisões, incluindo, como se pretende no caso, decisões judiciais. Como se afirma no Acórdão n.º 526/98 deste Tribunal (II, 3):
«A competência para apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si mesmas - que é própria de sistemas que consagram o recurso de amparo - não a detém, entre nós, o Tribunal Constitucional.».
9. Pelo que não é possível conhecer do objeto do recurso.»
2. Dessa decisão o recorrente deduziu reclamação para a conferência, a qual foi indeferida pelo Acórdão n.º 438/2013, que assim decidiu (fls. 118-132, cfr. fls. 129-132):
«5. Relativamente à reclamação para a conferência, o reclamante discorda da Decisão Sumária n.º 272/2013 quanto à parte em que decidiu não conhecer do objeto do recurso, com fundamento na falta de suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa quanto às normas constantes dos números 1 e 2 dos artigos 382.º e 387.º do Código do Processo Civil, concluindo-se que falta dimensão normativa à inconstitucionalidade invocada.
5.1.Ora, analisada a presente reclamação, desde logo se verifica que a mesma não infirma a conclusão alcançada na decisão sumária reclamada.
Na verdade, do teor das transcrições do n.º 21 e da 12ª conclusão das alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto feitas pelo reclamante para ilustrar a alegada invocação de uma inconstitucionalidade normativa, resulta, mais uma vez, que nessas peças processuais o que está em causa é a decisão do Tribunal na aplicação da lei ao caso vertente e não um critério normativo, por este adotado, que aliás o ora reclamante nunca chegou a enunciar expressamente perante as instâncias qual seria.
Quanto à questão de constitucionalidade dos números 1 e 2 do artigo 382.º e dos números 1 e 2 do artigo 387.º, todos do Código do Processo Civil (CPC), o reclamante faz apelo ao que escreveu no ponto 21 e na 12ª conclusão das alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto (a fls. 17-29), sustentando que atribuiu a inconstitucionalidade à interpretação conferida àqueles preceitos.
Vejamos:
Desde logo, não obstante o reclamante, quando convidado a aperfeiçoar o recurso de constitucionalidade interposto para este Tribunal com vista a indicar as peças processuais em que suscitara as alegadas inconstitucionalidades, não ter identificado o ponto 21 das alegações de recurso, havia sido - mesmo assim - o seu teor considerado para efeitos da decisão quanto à admissibilidade do recurso. De facto, decorre do ponto 7.1 da decisão sumária reclamada que: «no n.º 2 do seu requerimento de interposição de recurso o recorrente expressamente imputa à decisão do Tribunal da Relação do Porto ora recorrida a desconformidade com as normas da Constituição por si indicadas – o que o recorrente já sustentara, aliás, em relação à decisão de primeira instância, ao afirmar, no n.º 21 das alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto (cfr. fls. 27), que “(…) a decisão recorrida (…) sempre deveria ter sido declarada inconstitucional (…)”.»
Quanto à invocação da 12ª conclusão das alegações de recurso, nada resulta da argumentação agora expendida pelo reclamante que permita infletir a conclusão alcançada na decisão sumária reclamada. Isto, até porquanto a conclusão formulada pelo então recorrente – como, aliás, é próprio na formulação de qualquer conclusão – não tem um conteúdo inovatório ou diverso do anteriormente invocado em sede das alegações de recurso apresentadas, podendo assim valer o que se considere a propósito destas.
Em qualquer caso, ao contrário do que pretende o reclamante (cfr. reclamação, pontos 4 e 12, cfr., respectivamente, fls. 111 e 114), a apreciação formulada na decisão sumária a este respeito não dependeu da extensão das transcrições feitas, mas do teor do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade e do teor das alegações de recurso formuladas junto do Tribunal da Relação do Porto, de cuja análise resultou a decisão de inadmissibilidade do recurso.
Assim, apreciadas conjugadamente as peças processuais destes autos, quer as ora expressamente invocadas pelo reclamante como aquelas em que pretende ter suscitado a questão de inconstitucionalidade normativa – reportadas às alegações de recurso de fls. 17-29 (cfr. reclamação, pontos 4 e 5, fls. 111-112), quer o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade (fls. 76-79), reitera-se o juízo de inadmissibilidade do recurso de constitucionalidade por falta de objeto normativo, já que não existe qualquer critério normativo autónomo a sindicar.
Recorde-se que o reclamante interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto da decisão tomada pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, que julgou improcedente a providência cautelar não especificada intentada pelo ora reclamante para remoção da cabeça de casal da herança, por falta de preenchimento dos respectivos pressupostos legais – concluindo aquele Tribunal de 1ª instância «que não está devidamente comprovada, na situação em causa, qualquer lesão grave e dificilmente reparável do direito do requerente que justifique, nos termos legais, a antecipação total do efeito que poderá vir a obter, a seu tempo, depois de serenamente discutidas e devidamente analisadas, com a ponderação conveniente, as razões que assistirão a cada um dos lados (o aqui requerente e a cabeça de casal)» (cfr. Decisão exarada no Processo N.º 415/09.9TBPFR-B, fls. 12-14).
Não se conformando com esta decisão, em sede de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o ora reclamante, entre outros argumentos que aqui não relevam, entendeu não estar aquela devidamente fundamentada (Ponto V das alegações de recurso de fls. 17-29), imputando à decisão do juiz a violação da lei e da Constituição (como também resulta evidente da leitura dos pontos 13 a 16 das alegações de recurso de fls. 17-29, fls. 23-25), por não se conformar com o juízo subsuntivo que, em concreto, foi formulado em face das circunstâncias e dos elementos do caso apresentado – ou seja, com a não verificação – de acordo com a decisão judicial tomada – dos pressupostos legais para a decretação de uma providência cautelar não especificada antecipatória. O que o reclamante pôs em crise perante o Tribunal de Recurso foi a aplicação dos artigos 382.º, números 1 e 2, e 387.º, números 1 e 2, do CPC, feita pelo Tribunal recorrido em função das circunstâncias do caso concreto, já que o Tribunal de 1ª instância considerou não estarem verificados na situação vertente os pressupostos legais necessários para a decretação de uma providência cautelar (nos termos dos citados preceitos do CPC). Mesmo tendo presente o teor do específico ponto 21 das alegações de recurso, não se pode descortinar a invocação de um critério normativo autónomo – generalizável a outras situações - que pudesse vir a ser sindicado em recurso de constitucionalidade. Diversamente do alegado pelo reclamante (em especial na parte III da reclamação, cfr. fls. 115), antes se trata de um mero juízo subsuntivo de aplicação das normas legais ao caso, e assim também foi entendido pelo Tribunal da Relação do Porto, que não distinguiu qualquer interpretação normativa que não a mera inverificação, na situação em causa, dos pressupostos legais, ou seja, a aplicação da lei (da letra e da ratio) ao caso: «O recorrente invoca ainda a inconstitucionalidade dos números 1 e 2 do art. 382º, art.382º e dos números 1 e 2 do art. 387, todos do CPC, já que a interpretação que a eles foi conferida na decisão impugnada contende com o sentido do Estado de Direito, preconizado no art.2º; ofende os termos do nº3 do art.3º, por desconforme com a ordem constitucional, viola o acesso a procedimentos judiciais céleres para defesa do direito previsto no 5 do art. 20, não assegurou a defesa do direito violado que se avista no nº2 do art.202, afrontou o dever de julgar, segundo a lei, fixado no art. 203, todos da CRP.
Salvo o devido respeito, a inconstitucionalidade das normas nos termos alegados, é atinente à interpretação efectuada.
Julga-se que essa interpretação, no que concerne à dedução do incidente no processo de inventário, é a correcta e, por outro lado, a inconstitucionalidade não deriva de uma interpretação singular e casuística, antes se une à letra da norma e à sua ratio (…)» (cfr. fls. 49).
Nos termos da reclamação agora apresentada quanto à admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional, o reclamante procede novamente ao afloramento da questão da constitucionalidade, mas fá-lo por estrita referência à aplicação das normas da lei processual pelo Tribunal de 1ª instância e pelo Tribunal da Relação do Porto ao seu caso, com as particularidades que considera não devidamente ponderadas pelos tribunais recorridos e, bem assim, os factos supervenientes que, no seu entender, justificariam a decretação da providência cautelar negada. Assim, no ponto 13 da reclamação apresentada (fls. 115), após invocação do direito contido no n.º 5 do artigo 20.º da Constituição, é dito que:
«(…) E os números 1 e 2 do art. 382.º, bem como os números 1 e 2 do art. 387º, ambos do CPC, garantem essa possibilidade quando estiverem reunidos os pressupostos legalmente definidos. E quer a 1ª Instância quer o Tribunal da Relação do Porto jamais questionaram a bondade dos requisitos que enformam a natureza jurídica do procedimento cautelar suscitado. E a verdade é que o receio de lesão grave e de difícil reparação veio a concretizar-se com o assalto ao património da herança indivisa, cujo nexo de causalidade se deveu ao abandono por banda da cabeça de casal, uma vez que enquanto lá viveram os seus pais e a própria cabeça de casal com a sua família não houve qualquer furto e muito menos arrombamento, conforme ocorreu após o seu abandono e se mostra documentado nos autos».
Tudo ponderado, quanto à admissibilidade do recurso de constitucionalidade, confirma-se que falta dimensão normativa ao objeto do recurso, termos em que não lhe assiste razão na presente reclamação.(…)»
3. O recorrente vem agora requerer a aclaração do julgado, nos termos do disposto no artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), pretendendo ver esclarecido o seguinte (fls. 147-149):
1.
A., recorrente, nos autos supra epigrafados, havendo sido notificado do douto Acórdão que recusa a admissibilidade do recurso para esta instância judicial interposto no Tribunal da Relação do Porto, vem, de harmonia com o estipulado na al. a) do n.º 1 do art.º 669.º do CPC, instar V. Exa. ao esclarecimento da obscuridade dos seus fundamentos que, a nosso ver, o mesmo padece, nos termos e fundamentos seguintes:
I
1 - No 1.º & da página 12 do douto Acórdão proferido na conferência, afirma-se o seguinte:
5. Relativamente à redamarão para a conferência, o reclamante discorda da Decisão Sumária n.º272/2013 quanto a parte em que decidiu não conhecer do objeto do recurso, com fundamento na falta de suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa quanto às normas constantes dos números 1 e 2 dos artigos 382.º e 387.º do Código do Processo Civil, concluindo-se que falta dimensão normativa à inconstitucionalidade invocada.
5.1.Ora, analisada a presente reclamação, desde logo se verifica-se que a mesma não infirma a conclusão alcançada na decisão sumária reclamada.
Na verdade, do teor das transcrições do n.º 21 e da 12.º conclusão das alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto feitas pelo reclamante para ilustrar a alegada invocação de uma inconstitucionalidade normativa, resulta, mais uma vez, que nessas peças processuais o que está em causa é a decisão do Tribunal na aplicação da lei ao caso vertente e não um critério normativo, por este adotado, que aliás o ora reclamante nunca chegou a enunciar expressamente perante as instâncias qual seria.'
2 - Resulta das normas combinadas da al. b) do n.º l e al. d) do n.º2 do art.º 280.º, bem como da CRP e n.º 2 do art.72° da LTC que a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, para além de estar condicionado ao prazo legal, carece ainda da verificação de cinco pressupostos processuais:
1° - Suscitação da inconstitucionalidade interpretativa da norma jurídica ou da sua ilegalidade durante o processo;
2° -Aplicação pela decisão judicial dessa norma jurídica mesmo que implicitamente;
3º - Interposição do recurso pelo sujeito jurídico que suscitou a questão de inconformidade ou da ilegalidade da norma;
4°- A não admissão de recurso ordinário da decisão judicial em causa;
5º- A questão da inconstitucionalidade da interpretação jurídica ou da ilegalidade requeri da seja formulada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão, por forma a que este esteja obrigado a dela conhecer (n.º2 do art.72.º da LTC).
3 - Sendo estes os requisitos da lei e da jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional que vinculam a admissibilidade de recurso sobre o juízo da inconstitucionalidade interpretativa da norma aplicada, a verdade é que o aresto sob aclaração introduziu dois novos pressupostos para admissibilidade do recurso que, a nosso ver, não cabem na previsão normativa da Lei Fundamental nem esta o admite, os quais consistem no léxico jurídico da 'falta de dimensão normativa à inconstitucionalidade invocada.' e um 'critério normativo' .
4 - Ora tais formulações assumem no contexto do Acórdão alguma obscuridade, porquanto no segmento dessa decisão o sentido das mesmas se mostra ininteligível e com prejuízo imediato para o seu entendimento, pelo que penhoradamente se requer a V. Exa. se digne aclarar aqueles pontos do decisório, em ordem ao reclamante poder determinar-se processualmente pelos atos jurídicos que melhor possam servir os interesses defendidos, com a interposição do presente recurso.
5 - Por seu turno, também V. Exa. no 3° & de página 13 observa o seguinte:
'Assim, apreciadas conjugadamente as peças processuais destes autos, quer as ora expressamente invocadas pelo reclamante como aquelas em que pretende ter suscitado a questão de inconstitucionalidade normativa reportadas às alegações de recurso de fls. 17-29 (cfr. reclamação, pontos 4 e 5, fls. 111-112), quer o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade (fls. 76-79), reitera-se o juízo de inadmissibilidade do recurso de inconstitucionalidade por falta de objeto normativo, já que não existe qualquer critério normativo autónomo a sindicar'.
6-Sucede que por identidade de razões, igualmente nestes passos da decisão sob aclaramento, V. Exa. decide que o recurso interposto carece de objeto normativo, sendo certo que no douto despacho sumário garantia-se na parte final no ponto 7.1 da página 7 daquela decisão que:
'o recorrente imputa a violação das normas constitucionais que considera violadas à própria decisão recorrida.'.
7 - Porém, agora no Acórdão, refere a falta de objeto normativo. E para corroborar essa perspetiva chama à colação o decisório proferido no Tribunal da Relação do Porto, sabendo que esta instância fez malograr o recurso, com fundamento em que o procedimento cautelar não é meio processual idóneo à remoção da cabeça de casal e, em abono disso, aquela instância, resumidamente decidiu:
'A providência cautelar e a ação visam proteger o mesmo direito substantivo, justificando-se aquela em razão apenas da celeridade.
Os procedimentos cautelares constituem providências vocacionadas para prevenir o periculum in mora e, embora alicerçadas num fumus bom jurís, enformam uma mera garantia, caracterizando-se pela sua instrumentalidade e dependência em relação a uma causa principal, e, por isso, com intrínseca subsidiariedade.
A natureza meramente garantística, a instrumentalidade, dependência e subsidiariedade da providência constituem, assim, premissas determinantes para se alcançar o seu processamento subsequente e devem orientar o intérprete na aplicação dos conceitos expressos nas normas, nomeadamente, no que aos fundamentos da sua pertinência respeita.
O processo de inventário, considerando a sua especificidade, dispõe de meios processuais que, da mesma forma célere, acautelam esses interesses, sem necessidade de recorrer a uma providência cautelar, sanando-se o periculum in mora.
In casu não é reivindicado um direito autónomo, não é invocada a iminência de dano ou a tutela de um valor que justifique uma atividade processual e jurisdicional autónoma.'
8 - E quanto ao juízo da inconstitucionalidade da interpretação normativa dos preceitos implicitamente aplicados na decisão recorrida, salientou:
'Salvo o devido respeito, a inconstitucionalidade das normas, nos termos alegados, é, atinente à interpretação efetuada.
Julga-se que essa interpretação, no que concerne à dedução do incidente no processo de inventário, é a correta e, por outro lado, a inconstitucionalidade não deriva de uma interpretação singular e casuística, antes se une à letra da norma e à sua ratio, na medida em que pode colidir com os fundamentos axiológicos que enformam as normas estruturantes à do Estado de Direito, sendo seguro que ao recorrente os reclamados direitos não foram coartados.
Assim, ponderando os interesses em conflito e apelando à solução de equilíbrio na concretização dos conceitos enformadores da Constituição da Republica Portuguesa e do exercício da atividade jurisdicional, não se verifica qualquer lesão das normas da Lei Fundamental, perecendo, também por esta via, o recurso.'
9 - Posto que, vindo agora o douto aresto decidir que o recurso interposto para o Tribunal Constitucional não pode ser admitido por 'falta de objeto normativo, já que não existe qualquer critério normativo autónomo a sindicar', havemos de convir que tais fundamentos decisórios, além de se contradizerem, revelam-se obscuros à formação de juízo valorativo concludente por forma a poder sustentar a decisão notificada por esse alto Tribunal, visto aqueles segmentos do fundamento se patentearem ininteligíveis e com danos ao entendimento da sua prolação.
II
Assim sendo, face ao disposto nos arts. 666°, n.º2, 669.°, n.º 1, alínea a), e 716° do Código de Processo Civil e 69° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC),uma vez proferida a decisão, o recorrente pode pedir o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que a mesma contenha, requerendo, por isso, a V. Exa. se digne aclarar o sentido daquelas passagens do Acórdão proferido, nos termos acima observados.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Os esclarecimentos que o recorrente ora requer pressupõem que a decisão visada, ou os seus fundamentos, enferme de alguma obscuridade ou ambiguidade (artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do CPC, aplicável).
Em causa estão as seguintes passagens do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 438/2013 (sublinhados acrescentados pelo recorrente):
«5. Relativamente à reclamação para a conferência, o reclamante discorda da Decisão Sumária n.º 272/2013 quanto à parte em que decidiu não conhecer do objeto do recurso, com fundamento na falta de suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa quanto às normas constantes dos números 1 e 2 dos artigos 382.º e 387.º do Código do Processo Civil, concluindo-se que falta dimensão normativa à inconstitucionalidade invocada.
5.1.Ora, analisada a presente reclamação, desde logo se verifica que a mesma não infirma a conclusão alcançada na decisão sumária reclamada.
Na verdade, do teor das transcrições do n.º 21 e da 12ª conclusão das alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto feitas pelo reclamante para ilustrar a alegada invocação de uma inconstitucionalidade normativa, resulta, mais uma vez, que nessas peças processuais o que está em causa é a decisão do Tribunal na aplicação da lei ao caso vertente e não um critério normativo, por este adotado, que aliás o ora reclamante nunca chegou a enunciar expressamente perante as instâncias qual seria. »
E, mais à frente:
«Assim, apreciadas conjugadamente as peças processuais destes autos, quer as ora expressamente invocadas pelo reclamante como aquelas em que pretende ter suscitado a questão de inconstitucionalidade normativa – reportadas às alegações de recurso de fls. 17-29 (cfr. reclamação, pontos 4 e 5, fls. 111-112), quer o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade (fls. 76-79), reitera-se o juízo de inadmissibilidade do recurso de constitucionalidade por falta de objeto normativo, já que não existe qualquer critério normativo autónomo a sindicar.
Em síntese, o presente incidente dirige-se às passagens do Acórdão n.º 438/2013 que concluem que «falta dimensão normativa à inconstitucionalidade invocada», que o que estava em causa «é a decisão do Tribunal na aplicação da lei ao caso vertente e não um critério normativo» e que «não existe qualquer critério normativo autónomo a sindicar», por entender que «tais formulações assumem no contexto do Acórdão alguma obscuridade, porquanto no segmento dessa decisão o sentido das mesmas se mostra ininteligível e com prejuízo para o seu entendimento», invocando também, a este respeito, ocorrer uma contradição nos fundamentos decisórios aduzidos no Acórdão sob aclaração, já que «no douto despacho sumário garantia-se que (…) “o recorrente imputa a violação das normas constitucionais que considera violadas à própria decisão recorrida”. (…) Porém, agora no Acórdão, refere a falta de objecto normativo».
Ora, relendo os fundamentos invocados, neles não se descortina qualquer obscuridade ou ambiguidade que importe esclarecer, nem qualquer contradição entre os mesmos.
Com efeito, o que claramente decorre do Acórdão n.º 438/2013 é exatamente o que nele se escreveu, ao reiterar o juízo - formulado na decisão sumária de que coube reclamação para a conferência - de inadmissibilidade do recurso de constitucionalidade por falta de objeto normativo. Isto, tendo sido logo devidamente esclarecido naquela decisão que, segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, «a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt).
Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.
(…) Não se encontra preenchido, no caso em apreço, o pressuposto relativo à questão de inconstitucionalidade normativa.
O sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de constitucionalidade de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais – pelo que os recursos para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, interpostos de decisões dos tribunais só podem ter por objeto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com caráter de generalidade e por isso passíveis de aplicação a outras situações independentemente das particularidades do caso concreto, sob pena de inadmissibilidade.»
Como resulta da leitura das passagens do Acórdão n.º 438/2013 cuja obscuridade ou ininteligibilidade é suscitada no presente incidente, este juízo de falta de objeto normativo do recurso, em termos que obstam ao respetivo conhecimento, foi claramente formulado. Nessa sede, analisada a reclamação apresentada, concluiu-se então, e mais uma vez, que o recurso de constitucionalidade interposto se dirigiu à própria decisão do Tribunal recorrido na aplicação da lei ao caso vertente e não a um critério normativo, faltando assim dimensão normativa à questão de constitucionalidade colocada, termos em que foi indeferida a reclamação deduzida contra a decisão de não conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade interposto, pelo que não há qualquer contradição ou obscuridade na fundamentação aduzida nem na decisão prolatada.
Assim sendo, cumpre, sem necessidade de mais considerações, indeferir o pedido de esclarecimento apresentado pelo reclamante.
III - Decisão
5. Pelo exposto, decide-se indeferir o pedido.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) UC, nos termos dos artigos 7.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa,9 de outubro de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.