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Processo n.º 390/2013
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Pela decisão sumária n.º 324/2013, decidiu o relator: a) não conhecer do recurso de constitucionalidade interposto, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), por A. e outros, ora reclamantes, na parte referente aos artigos 668.º, n.º 3, e 731.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), por inobservância do ónus de previa suscitação imposto pelas disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC; e b) negar provimento ao recurso, no que respeita à questão da inconstitucionalidade do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, por remissão para jurisprudência constitucional anterior.
Os recorrentes, inconformados, dela reclamam para a conferência mas apenas na parte em que se decidiu não conhecer do recurso quanto à questão da inconstitucionalidade do artigo 731.º, n.º 1, do CPC, interpretado «no sentido de que, num processo especial de expropriação/servidão e num recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos do art. 678.º, n.º 4, do CPC, de Acórdão do Tribunal da Relação que fixe justa indemnização, julgada procedente a nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, c), do CPC, o Supremo Tribunal de Justiça pode alterar a decisão indemnizatória do Tribunal da Relação», por violação da «tutela constitucional do processo equitativo (proporcionalidade) e o princípio da igualdade (arts. 13.º e 20.º da Constituição)».
Invocam, em síntese, em fundamento da reclamação, que não lhes era exigível prever a aplicação da norma sindicada, pois que nem a recorrida pediu ao Supremo Tribunal de Justiça que fixasse um determinado valor indemnizatório, nem o regime legal aplicável, em matéria de contencioso indemnizatório das expropriações, o consente, tal como é jurisprudência pacífica nas instâncias superiores. Por outro lado, sustentam ainda, nunca antes se colocou a questão da aplicação do citado artigo 731.º, n.º 1, do CPC, tendo a recorrida, no recurso excecional de revista julgado procedente pela decisão ora em recurso, fundado a arguição de nulidade da decisão do Tribunal da Relação apenas na norma do artigo 668.º, n.º 1, do CPC, arguição a cujo conhecimento, naquele específico contexto processual, os ora reclamantes se opuseram, nas contra-alegações que oportunamente apresentaram em juízo. Por tudo isto, defendem os reclamantes que, tendo o Supremo Tribunal de Justiça incorrido em nulidade, ao decidir no inesperado sentido em que o fez, foi ainda tempestiva a suscitação da questão de inconstitucionalidade do artigo 731.º, n.º 1, do CPC, na dimensão normativa sindicada, no incidente pós-decisório que, também com tal fundamento, deduziram em juízo.
A recorrida B., SA pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação porque os reclamantes tiveram oportunidade processual para suscitar tal questão de inconstitucionalidade, nas contra-alegações do recurso excecional de revista julgado procedente pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo que, se não o fizeram, só a si lhes é imputável a correspondente omissão, pois que a interpretação normativa sufragada pelo tribunal recorrido não se afigura, no concreto contexto processual em que o foi e atento o quadro legal aplicável, insólita, inesperada ou imprevisível.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Apenas está em causa, na presente reclamação, o conhecimento da questão de inconstitucionalidade do artigo 731.º, n.º 1, do CPC, interpretado «no sentido de que, num processo especial de expropriação/servidão e num recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos do art. 678.º, n.º 4, do CPC, de Acórdão do Tribunal da Relação que fixe justa indemnização, julgada procedente a nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, c), do CPC, o Supremo Tribunal de Justiça pode alterar a decisão indemnizatória do Tribunal da Relação».
Entendeu o relator que, não se mostrando observado o ónus de prévia suscitação de tal questão de inconstitucionalidade, a que os recorrentes estavam sujeitos (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC), não era possível conhecer, nessa parte, do mérito do recurso. Sem questionarem essa omissão, defendem os reclamantes que estavam desonerados de o fazer pois que a norma do artigo 731.º, n.º 1, do CPC, que a recorrente B., SA, não invocou no seu recurso excecional de revista, só veio a ser aplicada na decisão recorrida, não tendo sido, pois, objeto de prévia discussão intraprocessual, que apenas se centrou, no que ora releva, na possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça conhecer, no âmbito desse recurso, das nulidades arguidas pela recorrente, e na sua verificação. Por outro lado, não era previsível que o tribunal recorrido, com base nela, viesse alterar o quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal da Relação, sendo certo que, não só a recorrente não o pediu, como se trata de matéria legalmente excluída do âmbito de reapreciação do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 64.º do Código das Expropriações de 1991 e 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1999), que não fixa a indemnização devida aos expropriados, como tem sido entendimento consensual.
Não se afigura, contudo, que assista razão aos reclamantes.
É que, sendo, no caso, admissível o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (artigos 678.º, n.º 4, do CPC, e 65.º, n.º 5, in limine, do Código das Expropriações de 1999), era expectável que o deferimento da arguição de nulidade fundada na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, em discussão nos autos, importaria, por força do disposto no n.º 1 do artigo 731.º do CPC, o seu suprimento pelo Supremo Tribunal de Justiça, com a consequente modificação do julgado. E consistindo a nulidade arguida, que essa instância de recurso julgou verificada, na circunstância de o Tribunal da Relação ter considerado «inaplicável subsidiariamente o Código das Expropriações à fixação da indemnização devida (…) e (…), apesar disso, aderido aos valores achados pela Comissão Arbitral, valor esse que foi encontrado por aplicação direta e incondicionada dos critérios legais fixados no Código das Expropriações» (artigo 668.º, n.º 1, alínea c), do CPC), era evidente que o seu suprimento, expressamente previsto por lei (artigo 731.º, n.º 1, do CPC), implicaria a apreciação da questão de saber quais, afinal, os critérios legais a utilizar na fixação da indemnização devida pela expropriação, questão que a expropriante, aliás, também expressamente convocou no recurso de revista.
Ora, tendo os reclamantes questionado, desde logo, nas suas contra-alegações de recurso, como invocam, a questão da possibilidade de conhecimento dessa nulidade, no recurso de revista previsto no n.º 4 do artigo 678.º do CPC, era-lhes também exigível, atento o compacto normativo formado pelo artigo 668.º, n.º 1, alínea c), e 731.º, n.º 1, do CPC, que antecipassem as consequências processuais do eventual deferimento da respetiva arguição, questionando, desde logo, na perspetiva da sua conformidade constitucional, também a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça poder modificar, com base no ora sindicado artigo 731.º, n.º 1, a decisão indemnizatória do Tribunal da Relação.
Por outro lado, não parece sustentada a afirmação de que a modificação do julgado, operada pelo Supremo Tribunal de Justiça com base no n.º 1 do citado artigo 731.º do CPC, atenta a matéria dela objeto (fixação da indemnização devida pela expropriação) não fosse previsível, por força do que dispõe o artigo 65.º do Código das Expropriações. Na verdade, sendo caso excecional de admissibilidade do recurso de revista, não era fundada a expectativa de que, por força da regra geral, inaplicável ao caso – segundo a qual «não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida», o Supremo Tribunal de Justiça não viesse a conhecer, na presente ação, dessa matéria. Aliás, e contrariamente ao que os reclamantes pretendem, a questão dos critérios legais da fixação da indemnização devida pela expropriação foi questão material expressamente equacionada pela expropriante, no recurso de revista interposto. E se nada disseram, a tal propósito, designadamente quanto à admissibilidade constitucional da sua reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito desse recurso, só a si poderão imputar tal omissão, sendo certo que, como acima demonstrado, tiveram, para tanto, oportunidade processual, sendo, por outro lado, injustificada a surpresa com que dizem ter recebido a decisão do Supremo Tribunal de Justiça sobre tal matéria.
É, pois, de confirmar a decisão sumária que, por inobservância do ónus legal de prévia suscitação, não conheceu, nessa parte, do recurso.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de outubro de 2013. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.