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Proc. n.º 467/00
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. Por sentença de 25 de Maio de 1995, A... foi condenado na pena única de 16 meses de prisão, pena esta suspensa na sua execução pelo período de dois anos sob condição de o arguido pagar à ofendida D... a quantia de 457.962$00 no prazo de seis meses. Em 4 de Julho de 1997 foi proferido despacho a revogar a suspensão da pena e a ordenar mandado de captura para cumprimento da mesma dado que a condição acima referida não foi satisfeita. Por despacho do Tribunal Judicial da Comarca de Loures de 3 de Dezembro de 1997, considerou-se que o arguido foi notificado do despacho mencionado apenas em 31 de Outubro, data em que se cumpriram as exigências no artigo 113º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal. Em 17 de Novembro de 1997 foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa do despacho que ordenou a revogação da suspensão da pena, alegando o recorrente, por um lado, a situação de dificuldades económicas vivida, e, por outro, o facto de correr, por apenso aos autos, execução de sentença na qual existe penhora de bens avaliados no valor total de 706.600$00 o que constituiria garantia do pagamento da indemnização em causa.
2. Por acórdão de 21 de Dezembro de 1999, a Relação decidiu negar provimento ao recurso, confirmando, por conseguinte, o despacho recorrido, com os seguintes fundamentos:
' (...) o revelado comportamento do arguido, em todo o tempo decorrido e apesar do mesmo, relativamente ao não cumprimento da condição imposta para a suspensão da execução da pena, indicia, inequívoca e claramente, que o mesmo não interiorizou de forma adequada ‘a simples censura do facto e a ameaça da pena’, já que se alheou, total e desinteressadamente, da reparação do mal do crime. Tanto basta para se concluir que o arguido demonstrou ‘...com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena’. Flui do expendido que se impõe inferir que o despacho recorrido fez correcta interpretação e aplicação do disposto no artº 50º, al. d) do C.P./82 (e, actualmente, nos artºs. 55º e 56º, n.º 1, al. a do C.P./95), pelo que, não merecendo censura relevante, tem de subsistir inalterado.' Neste acórdão é feita referência a um parecer do Ministério Público nos seguintes termos:
'Sustentado, implicitamente, o despacho recorrido e ordenada a subida dos autos a esta Relação (cfr. fls. 45), neste Tribunal a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, a fls. 48 e v., emitiu douto parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.' Tal parecer (fls. 48 e v. dos autos) era do seguinte teor:
'Recurso próprio e tempestivo ao qual foi atribuído o efeito devido. Não se suscitam questões que obstem ao conhecimento do recurso ou que impliquem a sua rejeição. Vem o presente recurso interposto do douto despacho que revogou ao arguido a suspensão da pena que lhe havia sido aplicada na sentença de 25 de Maio de 1995. A tese defendida pelo arguido na motivação do recurso não colhe como demonstra o MP junto da primeira instância na resposta à motivação. O douto despacho, a nosso ver, não merece qualquer censura pois, como resulta dos elementos juntos no presente recurso foram esgotadas todas as sanções previstas no art. 50º do C.P. de 1982, hoje arts. 55º e 56º, n.º 1 do CP revisto, e apesar de todas as advertências efectuadas o arguido não cumpriu a condição da suspensão da pena, nem entrou em contacto com a ofendida ou com o Tribunal para justificar a sua conduta, tendo decorrido mais de dois anos sobre a data da sentença. Termos em que somos de parecer que o recurso não merece provimento uma vez que o douto despacho recorrido fez uma correcta interpretação dos factos e correcta interpretação e aplicação do direito aos mesmos, pelo que deve manter-se aquele despacho.' Comparando o teor deste parecer com o da resposta do Ministério Público à motivação de recurso na 1ª instância – também no sentido da improcedência do recurso – verifica-se que efectivamente nele se não suscita qualquer questão ou se aduz qualquer argumento que não constasse já daquela resposta.
3. Em 13 de Janeiro de 2000 o ora recorrente requereu que se desse sem efeito
'todo o processado, a partir do referido parecer de fls. 48 e v., ordenando-se a sua notificação ao arguido para, sobre ele se pronunciar', fundamentando esta pretensão da seguinte forma:
'(...) de tal parecer não foi o arguido notificado para se poder pronunciar, com violação do princípio do contraditório, e do da igualdade de armas no âmbito do processo penal, tendo em consequência sido diminuídas as sua garantias de defesa, constitucionalmente asseguradas pelo art. 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Devendo desta forma ter-se como inconstitucional a norma do referido art. 416º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Dec. Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, quando interpretado no sentido de permitir emissão de parecer pelo M.P. junto do Tribunal superior, sem que dele seja dado conhecimento ao arguido, para se poder pronunciar, por violação do princípio do contraditório, e do direito de defesa constitucionalmente garantido pelo art. 32º, n.º 1, C.R.P., norma que se considera violada.' Notificado deste requerimento, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de improceder a arguição de inconstitucionalidade da norma referida, bem como a pretensão do arguido dado que, no parecer em causa, 'pronunciou-se sobre o objecto do recurso, acompanhando a posição sustentada pelo Mº Pº junto da 1ª instancia, na resposta à motivação, não resultando do mesmo parecer agravação da posição do arguido.' Em 15 de Fevereiro de 2000 o Tribunal da Relação de Lisboa acordou indeferir o requerimento formulado pelo arguido, dado que o parecer em causa, 'acompanhando apenas a resposta do representante do Mº Pº junto da 1ª instância quanto ao mérito do no recurso, não vai além dessa resposta, nem suscita quaisquer outras questões novas, prévias ou incidentais, relativamente às quais o arguido-recorrente não se tivesse ainda pronunciado.'
4. Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso de constitucionalidade. Após despacho-convite de aperfeiçoamento, e conjugando a resposta a este com o requerimento de recurso, fixou-se como objecto do recurso a 'apreciação da constitucionalidade do artigo 416º do Código de Processo Penal, ‘interpretado no sentido de permitir a emissão de parecer pelo M.P. junto do Tribunal superior, sem que dele seja dado conhecimento ao arguido para se poder pronunciar’'. Conclui o recorrente as suas alegações nos seguintes termos:
'1ª O Ministério Público é a entidade que em concreto prosseguiu a acção criminal contra o arguido.
2ª Devendo, por isso, em toda a sua actuação, ser observado os princípios do contraditório e da igualdade de armas, no âmbito do processo penal;
3ª O referido ‘visto’, assumindo características que são próprias das decisões, sob a forma ‘parecer’, pronuncia-se globalmente pelo não provimento do recurso, e suscitando questões, a que ao arguido não foi dada oportunidade de responder;
4ª Vendo, o mesmo, em consequência, diminuídas as suas garantias de defesa, e nesse sentido agravada a sua posição, por considerar assim diminuída ou afastada a probabilidade de provimento do recurso por si interposto;
5ª Devendo, desta forma, ter-se como inconstitucional a norma do art. 416º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, quando interpretado no sentido de permitir a emissão de parecer pelo M. P. Junto do Tribunal superior, sem que dele seja dado conhecimento ao arguido para se poder pronunciar, por violação do direito de defesa garantido pelo art.
32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, cuja norma e princípios dela decorrentes se consideram violados.' O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade da norma objecto do recurso, concluindo as suas contra-alegações nos seguintes termos:
'1 - Não viola os princípios do contraditório e das garantias de defesa a interpretação normativa do artigo 416º do Código de Processo Penal que se traduz em dispensar a notificação ao arguido-recorrente do parecer emitido pelo representante do Ministério Público junto do tribunal ‘ad quem’ quando - sem suscitar qualquer questão prévia atinente ao conhecimento do recurso- o Ministério Público se limita, quanto à questão de fundo, em termos manifestos e incontroversos, a aderir estritamente à argumentação já integralmente contida na contramotivação de recurso apresentada no tribunal ‘a quo’, e em que o Ministério Público já se limitava, aliás, a uma estrita impugnação das teses jurídicas sustentadas pelo recorrente na motivação do recurso.
2 - Na verdade, neste concreto circunstancialismo processual, não está em causa uma avaliação das possíveis repercussões negativas do parecer sobre a posição do arguido, em termos de determinar se o conteúdo do parecer ‘agrava’ ou não a posição deste, mas a simples e tabelar verificação de que - nada aditando de inovatório tal parecer - representaria acto inútil convidar o arguido a pronunciar-se novamente sobre a matéria que já havia adequadamente abordado e fundamentado na motivação do recurso que apresentou.' Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
5. O presente recurso tem como objecto a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 416º do Código de Processo Penal, 'interpretado no sentido de permitir a emissão de parecer pelo M.P. junto do Tribunal superior, sem que dele seja dado conhecimento ao arguido para se poder pronunciar.' Como se salienta nas alegações do Ministério Público, a constitucionalidade das normas processuais penais que prevêem a emissão de um parecer pelo Ministério Público no tribunal ad quem foi várias vezes apreciada pelo Tribunal Constitucional, designadamente no domínio do Código de Processo Penal de 1929. Assim, o Acórdão n.º 150/87 (ATC, vol. 9º, p. 709) julgou inconstitucional a norma do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929 («os recursos, antes de irem aos juízes que têm de os julgar, irão com vista ao Ministério Público, se a não tiver tido antes»), quando interpretada no sentido de conceder ao Ministério Público, para alem já de qualquer resposta ou contrapartida da defesa, a faculdade de trazer aos autos uma nova e eventualmente mais aprofundada argumentação contra o arguido. Posteriormente, o Tribunal veio, porém, a efectuar uma interpretação conforme à Constituição de tal norma do artigo 664º do Código de Processo Civil de 1929, quando interpretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, deve ser dada a estes a possibilidade de responderem – assim, designadamente, os Acórdãos n.ºs 398/89, 495/89, 496/89, 350/91, 356/91, 150/93
(que resolveu o conflito jurisprudencial entre os Acórdãos n.ºs 150/87 e 350/91) e 374/95, publicados no DR, II Série, respectivamente de 14 de Setembro de 1989,
28 de Janeiro de 1991, 1 de Fevereiro de 1990, 3 de Dezembro de 1991, 8 de Janeiro 92, 29 de Março de 1993 e 4 de Novembro de 1995, e ainda, mais recentemente, o Acórdão n.º 135/98 (inédito). Esta jurisprudência alterou-se, porém, com o Acórdão n.º 533/99 (publicado no DR, II série, de 22 de Novembro de 1999),que decidiu o conflito jurisprudencial entre a última decisão que se citou e o Acórdão n.º 150/87 , julgando inconstitucional 'a norma constante do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929, interpretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar, deve ser dada aos réus a possibilidade de responderem' – tendo a posição deste Acórdão n.º 533/99 sido também subscrita pelo ora relator (que apenas votou vencido quanto à questão prévia).
6. Posteriormente a este Acórdão n.º 533/99, este Tribunal não se pronunciou ainda, porém, sobre a questão da constitucionalidade da não notificação do parecer do Ministério Público, que se pronuncie sobre o objecto do recurso no tribunal ad quem, reportada à norma respectiva do Código de Processo Penal de
1987 – na redacção actualmente em vigor, o artigo 416.º, segundo o qual 'antes de ser apresentado ao relator, o processo vai com vista ao Ministério Público junto do tribunal de recurso' (não é o caso, designadamente, do Acórdão n.º
376/00, publicado no DR, 13 de Dezembro de 2000, que apenas não julgou inconstitucional a norma do artigo 455º, nº1, do Código de Processo Penal, se interpretada como não devendo ser notificada ao recorrente a posição do Ministério Público que constitua unicamente uma resposta ao pedido de revisão, e fundamentando-se na 'estrutura processual do recurso de revisão', que torna
'manifesto que a pronúncia do Ministério Público, quando o processo lhe vai com vista no STJ, não é mais do que o exercício do próprio direito do contraditório'). Anteriormente, porém, tinha-o feito, em sentido coincidente com a posição adoptada quanto à norma correspondente do Código Processo Penal de 1929 – cfr. os Acórdãos n.ºs 651/93 e 974/96, publicados respectivamente em ATC, 26º vol.,
1993, pp. 223 e ss., e DR, II série, de 11 de Novembro de 1996). No presente caso está em questão um parecer do Ministério Público que, pronunciando-se sem dúvida sobre o objecto do recurso, não aduz porém qualquer questão ou argumento novo em relação à resposta à motivação de recurso no tribunal recorrido, repetindo a argumentação deste e aderindo a ela. O Ministério Público entende, assim, que
'o que verdadeiramente está em causa não é a avaliação da repercussão do parecer do Ministério Público nos interesses da defesa – de modo a considerar se a posição sustentada pelo representante do Ministério Público no tribunal ‘ad quem’ é ou não susceptível de ‘agravar’ a posição de arguido recorrente – mas a mera verificação de que tal parecer carece, em termos manifestos e incontrovertíveis, de qualquer carácter inovatório, não aditando rigorosamente nada ao já alegado pelo representante do Ministério Público junto do tribunal ‘a quo’.' E conclui que deve ser negado provimento ao recurso.
7. Interessa, no presente caso, recordar a fundamentação do citado Acórdão n.º
533/99, que se transcreve:
«5. Escreveu-se no já mencionado Acórdão n.º 150/93:
'Entende-se, na verdade, que, para assegurar as ‘garantias de defesa’ constantes do artigo 32º., n.ºs. 1 e 5, da Constituição, basta que, após o parecer do Ministério Público, o réu tenha a possibilidade de responder. Mas a resposta do réu só se justifica, como se salientou naqueles acórdãos, quando o Ministério Público se pronuncie em termos de poder agravar a sua posição, e não sempre que o Ministério Público se pronuncie, sejam quais forem os termos em que o faça.' Esta limitação ao direito de resposta do réu, que se não tem de verificar
'sempre que o Ministério Público se pronuncie' mereceu votos de vencido de vários juízes, entre os quais o do ora relator. Na sua declaração de voto junta àquele aresto, assinalou o Cons.º António Vitorino que, não fornecendo o acórdão 'indicações claras quanto ao que se deva ter por possibilidade de agravamento da posição do réu, fazendo, assim, apelo a um critério geral sujeito a uma assinalável carga subjectivista na determinação do concreto agravamento verificado em cada caso submetido a julgamento', se
'acaba por transferir para o próprio Tribunal Constitucional o ónus de identificar' a possibilidade de agravamento da posição do réu, em cada caso concreto. Por seu turno, em declaração de voto conjunta, que integralmente se transcreve, sustentaram os Cons.ºs. José de Sousa e Brito, Antero Monteiro Diniz e Armindo Ribeiro Mendes, para além do ora [então] relator [Cons. Luís Nunes de Almeida]:
'1. Entende o acórdão que só deve ser dada aos réus a possibilidade de responderem ‘se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de agravar a posição dos réus’, ‘e não sempre que o Ministério Público se pronuncie, sejam quais forem os termos em que o faça’. Nem sempre que o Ministério Público se pronuncia, nem só quando se pronuncia em termos de agravar a posição dos réus, devem estes ter direito de resposta. O acórdão não considera a alternativa que devia ter seguido: reconhecer tal direito sempre que o Ministério Público se pronuncie sobre o objecto do processo ou sobre a possibilidade do seu conhecimento.
2. Está fora de questão a possibilidade de os recursos irem com vista ao Ministério Público para os mesmos efeitos do artigo 707º, n.º 1, do Código de Processo Civil: pronúncia sobre a má fé dos litigantes e a nota de revisão efectuada pela secretaria, promoção das diligências adequadas, quando verifique a existência de qualquer infracção da lei. É claro que para estes efeitos o Ministério Público desempenha apenas a sua função constitucional de defesa da legalidade democrática (artigo 221º da Constituição). Não se justifica nessa medida um direito de resposta do réu. Só que, como bem nota o acórdão, ‘não se coaduna com a posição do Ministério Público no processo penal’ que se restrinja a sua intervenção aos mencionados efeitos comuns ao processo civil. Com efeito, também em fase de recurso no processo penal o Ministério Público representa o Estado no exercício da acção penal. É nessa qualidade que se pode pronunciar sobre o objecto do processo ou sobre a possibilidade do seu conhecimento, sem estar vinculado pelas anteriores alegações do representante do Ministério Público junto do tribunal a quo, e que pode até pedir a agravação da pena, com o limite do § 2º do artigo 667º do Código de Processo Penal de 1929, na redacção do artigo 1º da Lei n.º 2 139 de
16 de Março de 1969. Esta possibilidade é expressamente reconhecida pelo artigo
667º, que para a hipótese de pedido de agravação da pena estabeleceu que sejam
‘notificados os réus, a quem será entregue cópia do parecer para resposta no prazo de oito dias’ (n.º 2 do parágrafo 2º do mesmo artigo 667º). O acórdão só se poderá referir, portanto, às hipóteses em que o Ministério Público se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, sem no entanto pedir a agravação da pena. Não especifica o acórdão quais são essas hipóteses, que podem variar consideravelmente consoante o ponto de vista (de cada réu, do Ministério Público, do tribunal) e consoante o termo da comparação
(por comparação com a posição tomada pelo réu, isto é, sempre que não concordar com a posição deste, salva a hipótese de pedir uma solução mais favorável do que a pedida pelo próprio réu; ou por comparação com a posição anteriormente tomada pelo Ministério Público no tribunal a quo, isto é, sempre que disser algo de novo ou de diferente ou, pelo menos de substancialmente novo ou diferente, restando ainda saber se pode ainda agravar quando pedir menor pena, como parece poder – com melhores argumentos – ; ou por comparação com o interesse objectivo do réu, a julgar pelo tribunal e, então, mesmo que o Ministério Público aduzisse novos argumentos não haveria que ouvir o réu sempre que o tribunal já pudesse formar um juízo sem margens para dúvidas – ou por julgar esses argumentos, desde logo improcedentes, ou por os julgar, desde logo supérfluos). Haverá, então, que considerar as seguintes hipóteses, entre outras, e determinar se nelas se pode agravar a posição dos réus:
– O Ministério Público pronuncia-se no sentido do não conhecimento do recurso interposto pelo réu, podendo prejudicar a sua posição processual, sem se referir
à pena;
– O Ministério Público pronuncia-se a favor de menor pena, mas com novos argumentos, potencialmente mais poderosos;
– O Ministério Público limita-se a concordar com a posição do seu representante no tribunal a quo, sem fundamentos novos, mas alterando, assim, a sua conhecida posição doutrinária, anteriormente fundamentada em casos semelhantes, e com cuja manutenção, por parte do Ministério Público no tribunal ad quem, o réu poderá ter contado.
É certo que em todas estas hipóteses há algum agravamento possível de posição dos réus, pelo que todas elas poderiam teoricamente estar abrangidas pela letra da fórmula decisória adoptada. Mas estarão também abrangidas pelo seu espírito? Depende, é claro, das razões para distinguir entre as várias hipóteses em que o Ministério Público se pronuncia na sua especial qualidade no processo penal, como representante do poder punitivo do Estado, sobre o objecto do processo ou sobre a possibilidade do seu conhecimento. Ora o acórdão remete para as razões constantes do Acórdão n.º. 398/89, segundo o qual, na parte relevante, se diz:
‘ponto é que–e assim se deve também interpretar a norma – os réus sejam admitidos responder, quando o Ministério Público porventura se pronunciar em sentido desfavorável a eles’. Parece, pois, que, numa interpretação possível, o termo de comparação, para saber se há agravamento, será a posição tomada pelos réus, pelo que haveria agravamento sempre que o Ministério Público se pronunciasse em sentido desfavorável aos argumentos ou às conclusões dos réus, salva a hipótese de pedir uma solução mais favorável que a pedida pelos próprios réus. Nesta interpretação – que, todavia, se duvida ter sido pretendida pelo acórdão – as hipóteses anteriormente exemplificadas seriam todas de agravamento. Mas importa reparar que, na falta de especificação pelo próprio acórdão, nada impede que os tribunais, que têm de aplicar a doutrina nele firmada, divirjam na interpretação que dela fazem, renovando-se, assim, uma divergência de interpretação, que se desejaria afastar. Presume-se que o acórdão se baseou na ideia de que o réu só tem direito de defesa perante intervenções processuais que possam prejudicar a sua defesa. Faz, porém, quanto ao ponto de vista, depender a defesa do juízo do julgador sobre o interesse do réu nessa defesa, em vez de cometer ao réu o juízo sobre o seu próprio interesse e a responsabilidade da sua própria defesa. O princípio do contraditório não é, deste modo, aplicado. O Tribunal afasta-se, assim, dos juízos de valor constitucionais, que tem respeitado em casos análogos.
3. O direito de defesa garantido pelo n.º 1 do artigo 32º da Constituição tem toda a extensão racionalmente justificada para uma defesa efectiva em processo criminal (assegura ‘todas as garantias necessárias de defesa’, nas palavras do n.º 1 do artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem), pelo que não se esgota (assim, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs. 40/84, – Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3º, pp. 241 ss –, 55/85 – Acórdãos, vol. 5º, pp. 461ss –, 17/86 – Diário da República, II série, de 24 de Abril de 1986 –, etc.) nas garantias constantes dos vários números do mesmo artigo e que se devem ler à luz daquele direito. Mas, por outro lado, o direito de defesa concretiza-se e desenvolve-se sistematicamente através dessas garantias. É assim que o princípio do contraditório (n.º 5) vem determinar que a defesa é cometida, em primeiro lugar, à responsabilidade do arguido, que tem o direito de responder da forma que julgar adequada às intervenções processuais do Ministério Público. Em sentido inverso, a ilimitação das garantias de defesa (‘todas’) assegura o direito de resposta sempre que o Ministério Público intervém pela acusação, pois em toda essa extensão é racionalmente justificado o contraditório nas (palavras do acórdão n.º 45/84 – Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3º, pp. 271 – :
‘é de atribuir a este princípio a maior dimensão possível’). A Constituição estatui que a audiência de julgamento está subordinada no princípio do contraditório (n.º. 5 do artigo 32º). Não há razão para distinguir neste aspecto a audiência oral de julgamento das ‘audiências’ de recurso, que, no regime do Código de 1929, eram apenas escritas. Na lógica da contraposição dialéctica entre a acusação e a defesa, cuja efectividade é assegurada pelo princípio do contraditório, a defesa é um posterius relativamente à acusação, que pressupõe. É, assim, por exigência do princípio do contraditório e não por um princípio assimétrico de favorecimento do réu, que a este – ou ao seu defensor – deve caber a última palavra (como dispõe para o julgamento o artigo 467º do Código de 1929). Por consequência, sempre que em via de recurso o Ministério Público se pronuncia sobre o objecto do processo ou sobre o conhecimento do recurso, de qualquer das formas representando a acusação, terá o réu direito de resposta, por aplicação directa dos n.ºs 1 e 5 do artigo 32º da Constituição. Esta doutrina foi desenvolvida pelo Tribunal Constitucional a propósito da ordem das alegações no processo de extradição, devido precisamente à natureza penal deste último. Numa série de acórdãos (além do já mencionado n.º 45/84, os n.ºs
192/85 – Acórdãos, vol. 6º, pp 453 ss – e 147/86 – Acórdãos, vol. 7º, II, pp 865 ss), culminando em declaração com força obrigatória geral (n.º. 54/87 – Acórdãos, vol. 9º, pp 273 ss) o Tribunal reconheceu à defesa a última palavra em matéria de alegações, em qualquer caso, mesmo fora da audiência de julgamento. Nas palavras do último acórdão citado:
‘As garantias de defesa não podem deixar de incluir a possibilidade de contrariar ou contestar todos os elementos carreados pela acusação; o princípio do contraditório não pode deixar de compreender a possibilidade de contradizer as alegações finais do Ministério Público.
(...) Ou seja: da conjugação dos dois princípios decorre seguramente que é ao defensor do arguido (na extradição: do extraditando) que deve caber a última palavra em matéria de alegações (p 277).’
4. A evolução recente da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem também poderia ter sido considerada. Embora a Convenção Europeia dos Direitos do Homem não integre o direito constitucional português nos mesmos termos que a Declaração Universal dos Direitos do Homem (por força do n.º 2 do artigo 16º da Constituição), vigora também na ordem interna (n.º 2 do artigo 8º da Constituição), foi também fonte histórica dos preceitos sobre direitos fundamentais da Constituição e exprime, bem como a interpretação evolutiva que dela faz a jurisprudência dos tribunais da Convenção – o Tribunal e a Comissão
–, normas e princípios do direito internacional geral ou comum que fazem parte integrante do direito português (n.º 1 do artigo 8º da Constituição) e estão logicamente a montante da legislação ordinária que desenvolve e concretiza os direitos fundamentais, como é o caso do direito processual penal. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem contribui directamente para determinar a convicção jurídica desta parte do direito internacional geral e contribui, por isso, de forma proeminente para um 'standard comum europeu dos direitos fundamentais', reconhecido pela doutrina constitucionalista (assim, a propósito da relação entre o artigo 6º da Convenção e ao artigo 103º da Grundgesetz: Schmidt-Assmann (1988) em Maunz-Dürig, Grundgesetz. Kommentar, 103, Abs. I, Rdnr. 24). O Tribunal Europeu decidiu recentemente no acórdão Borgers (Cour européenne des Droits de l' Homme, arrêt Borgers c. Belgique du 30 octobre 1991, série A n.º
214B, p. 10) ‘tendo em vista as exigências dos direitos da defesa e da igualdade das armas assim como o papel das aparências na apreciação do respeito delas’ haver violação do artigo 6º § 1º da Convenção pela legislação belga (arts 1107 e
1109 du Code Judiciaire) que permite ao ministério público em recurso perante a Cour de cassation apresentar as mesmas conclusões na audiência, ‘após o que nenhuma nota será recebida’, e ainda assistir à deliberação sem voto deliberativo. Este acórdão, que foi tirado por dezoito votos contra quatro, – e que seguiu o convite da Comissão, que em relatório anterior (de 17 de Maio de
1990) tinha deliberado por catorze votos contra um, haver violação do artigo 6º
§ 1º da Constituição – veio alterar (overrule) a jurisprudência anterior do mesmo tribunal sobre o mesmo ponto da legislação belga, que fora estabelecida no acórdão Delcouxt de 17 de Janeiro de 1970. Note-se que o ministério público junto da Cour de cassation da Bélgica tem um estatuto semelhante em alguns pontos essenciais ao que o caracteriza em Portugal; é independente, quer perante o ministro da justiça, quer perante os magistrados do ministério público da primeira instância, e deve dar parecer imparcial e independente sobre todas as questões de direito levantadas pela decisão recorrida, pelo que pode concluir, e muitas vezes o faz, em favor do réu. Alegou o Governo belga que o ministério público não exercia na instância de recurso senão excepcionalmente – o que não era o caso – a acção penal e que não era parte nem adversário de ninguém, tendo apenas a função de aconselhar o tribunal. Neste contexto é particularmente relevante a fundamentação do acórdão do Tribunal Europeu:
‘Ninguém duvida da objectividade com que o parquet de cassation desempenha as suas funções. Atestam-na o consenso de que é objecto na Bélgica desde as suas origens e o assentimento que o Parlamento lhe deu diversas vezes. Contudo a sua opinião não poderia considerar-se neutra do ponto de vista das partes na instância de cassação: recomendando que se dê ou não provimento ao recurso do acusado, o magistrado do ministério público torna-se um aliado ou um adversário objectivo. Na segunda hipótese, o artigo 6º § 1 impõe o respeito dos direitos de defesa e do princípio da igualdade das armas’ (p. 8, § 36). Quanto à intervenção do ministério público na audiência, sem possibilidade de resposta para o réu, ‘não se percebe o que justifica tais restrições aos direitos de defesa. Desde o momento em que o parquet tenha apresentado conclusões desfavoráveis ao requerente, este tenha um interesse certo em discuti-la antes do fecho dos debates. Nada disto se altera por só as questões de direito serem da competência da Cour de cassation’ (p. § 27) Passando à participação do ministério público, com função consultiva, na deliberação, é então sobretudo que ‘o desequilíbrio se acentua’. Mesmo que essa justificação se tivesse limitado a questões de forma, ‘o procurador geral poderia legitimamente parecer dispor na sessão de uma ocasião suplementar de apoiar, ao abrigo da contradição do requerente, as suas conclusões de dar ou não provimento ao recurso’ (p. 10 § 28). O tribunal europeu invocou a este último respeito uma evolução das mais notáveis da jurisprudência do tribunal acerca da noção de ‘processo equitativo’, marcada em particular pela importância atribuída
às aparências e à sensibilidade acrescida do público às garantias de uma boa justiça (ver entre outros, mutatis mutandis, os acórdãos Piersack c. Bélgica de
1 de Outubro de 1982, série A n.º 53, p 14-15, § 30; Campbell et Fell c. Reino Unido de 28 de Junho de 1984, série A, n.º 80, p 39-40, § 18; Sramek c. Aústria de 22 de Outubro de 1984, série A, n.º 84, p. 20 §42; De Cubber c. Bélgica de 26 de Outubro de 1984, série A n.º 86, p. 14, § 26; Bönisch c. Aústria de 6 de Maio de 1985, série A n.º 92, p. 15 § 32; Belilos c. Suiça de 29 de Abril de 1988, série A n.º 132, p. 30 §67; Hauschildt c. Dinamarca de 24 de Maio de 1989, série A n.º 154, p. 21, § 48; Langborger c. Suécia de 22 de Junho de 1989, série A, n.º 155, p. 16, § 32; Demicoli c. Malta de 27 de Agosto de 1991, série A n.º
210, p. , § 40; Brandstetter c. Aústria de 28 de Agosto de 1991, série A n.º
211, p. § 44’ (p. 8-9, § 24).
É de relevar que nunca o Tribunal Europeu fez depender o direito de resposta do agravamento da posição do réu. Sempre que o Ministério Público se pronuncie no recurso contra o provimento deste, poderá dizer-se, na esteira argumentativa do acórdão citado, que há interesse objectivo do réu em responder e, portanto, direito de resposta.
5. Não se diga que o princípio da igualdade de armas não tem aplicação no processo penal português, por este não estar estruturado como um processo de partes. A posição do Ministério Público sendo dependente da sua configuração constitucional idiossincrática, consoante os países, caracterizando-se em Portugal pela autonomia, pelo que seria no processo penal um órgão de justiça, vinculado a critérios de legalidade e de objectividade, e não uma parte. Ora, sem pretender dilucidar aqui o instituto jurídico-constitucional do Ministério Público, e em especial a questão de saber como a sua ‘autonomia’, compatível com a sujeição dos seus magistrados às directivas, ordens e restrições previstas na respectiva lei, se distinguem da ‘independência’ dos juízes (cfr. o Acórdão n.º
254/92, Diário da República, 1ª Série-A, p. 3593), é certo que pelo simples facto de no processo penal representar o Estado como detentor do interesse punitivo, que se realiza desde logo através do exercício da acção penal, mas que se realiza também através da actuação do Ministério Público no processo penal, sem exceptuar a fase de recurso, o Ministério Público representa um dos sujeitos da relação jurídica punitiva que é objecto do processo penal e em que o réu é o outro sujeito. É neste sentido uma das partes do processo, mesmo que este processo não esteja na disponibilidade das partes como o estão, na maior parte dos casos, os processos civis. A moderada idiossincrasia do Ministério Público no direito português não é acompanhada de qualquer idiossincrasia da sua função no processo penal. O princípio da igualdade de armas que o Tribunal Europeu faz derivar da noção mais lata de processo equitativo (fair trial, procès equitable), deriva-se do princípio de assegurar todas as garantias de defesa, tal como o princípio do contraditório. Contraditório sem igualdade de armas não assegura todas as garantias de defesa. Igualdade de armas exige contraditório sempre que possível. Não se garante uma defesa efectiva se não houver ‘possibilidade real de serem contrariadas e contestadas todas as afirmações ou elementos trazidos aos autos pela acusação’, nas palavras do Acórdão n.º 150/87. Temos que o princípio constitucional do contraditório tem que ser interpretado de acordo com o princípio da igualdade de armas para garantir uma defesa efectiva. Do mesmo modo, embora a Constituição não diga, como a alínea c) do n.º 3 do artigo 6º da Convenção Europeia, que o acusado tem direito a dispor do tempo e das facilidades necessárias à preparação da sua defesa, este direito também se deduz da conjugação do n.º 1 com o n.º 5 do artigo 32º da Constituição.
6. Uma nota final, apenas para ajuntar que semelhantes considerações se podem fazer a propósito do princípio do respeito pelas aparências, desenvolvido pela jurisprudência evolutiva do Tribunal Europeu, indicada na transcrição feita. A formulação deste princípio tem sido relacionada (assim no voto de vencido do juiz Martens no acórdão Borgers, p. 30) com um dictum de Lord Hewart: ‘It is not merely of some importance, but it is of fundamental importance that justice should not only be done, but should manifestly and undoubtedly be seen to be done’. Despido de acentos retóricos, o princípio tem sido formulado pelo Tribunal Europeu nestas palavras: ‘justice must not only be done; it must be seen to be done’ (a justiça não só deve ser feita; deve parecer que é feita). Em casos anteriores a Borgers, o Tribunal Europeu tinha invocado o princípio para julgar da imparcialidade de juízes ou de outros membros de órgãos judicativos ou de peritos designados pelo tribunal. Ora, numa hipóteses do mesmo género, é certo que o Tribunal Constitucional tem entendido maioritariamente, que as normas que permitem a intervenção no julgamento do juiz que proferiu o despacho de pronúncia não são inconstitucionais (Acórdãos n.ºs 219/89, Diário da República, II série, de 30 de Junho de 1989, p. 6476 ss e 124/90, ibid, de 8 de Fevereiro de 1991, p. 1517 ss). Mas não o fez por considerar irrelevantes as aparências da justiça. No último dos mencionados acórdãos acentua-se, pelo contrário, que devido ao carácter garantístico que o acórdão atribui ao despacho de pronúncia, o juiz que profere este despacho ‘não deixa, mesmo aos olhos dos arguidos e do público, de ser um juiz independente e imparcial’ (lug. cit., p
1520). E invoca para tal o mesmo princípio que o Tribunal Europeu menciona ao falar de aparências: ‘importa, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial. É que a confiança do comunidade nas decisões dos seus magistrados é essêncial para que os tribunais ao administrarem a justiça, actuem, de facto, em nome do povo’ (p. 1519). Em termos análogos pode dizer-se que a circunstância de a organização do Ministério Público haver dinamizado a acção penal, embora não assacada pessoalmente ao magistrado da mesma organização em serviço na instância de recurso, é uma circunstância exterior que influencia objectivamente, isto é, que pode influenciar subjectivamente esse magistrado, ‘concedendo-lhe uma especial perspectiva da matéria em controvérsia’ (acórdão n.º 150/87, p. 11400). Não se trata de uma caracterização psicológica, nem de uma probabilidade empírica. Onde existe a tal possibilidade de influência é imaterial saber se há influência real, porque a confiança do público exige que não seja tratado como independente quando intervem durante o recurso sobre o objecto deste ou sobre a sua admissibilidade.' O sentido geral desta jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem vindo a ser recentemente confirmado, como se dá conta no Acórdão n.º 345/99
(ainda inédito). Nesta conformidade, as considerações constantes da mencionada declaração de voto, e que aqui agora se subscrevem, são suficientes para fundamentar uma decisão diversa da adoptada no Acórdão n.º 150/93 e, bem assim, no acórdão recorrido, impondo-se que o réu tenha a possibilidade de responder sempre que, no visto, o Ministério Público se pronuncie.»
8. Como se vê, o sentido do Acórdão n.º 533/99, como decorre, quer da sua decisão (de julgar inconstitucional a 'a norma constante do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929, interpretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar, deve ser dada aos réus a possibilidade de responderem'), quer da fundamentação transcrita, inclui ainda a correspondente solução normativa prevista no Código de Processo Penal de 1987, e o presente caso, em que o representante do Ministério Público no tribunal de recurso se pronunciou sobre o objecto deste, aderindo às considerações expendidas na resposta do Ministério Público no tribunal a quo, embora não aditando nada de substancialmente inovatório. Na verdade, desde que o Ministério Público no tribunal ad quem se pronuncia em parecer sobre o objecto do recurso, não parece que se possa deixar de notificar o recorrente para responder, com base no facto de o teor do parecer não ser inovatório. A própria corroboração da argumentação por outra pessoa no tribunal ad quem é, aliás, considerada na fundamentação do citado Acórdão n.º 533/99, no qual, citando declaração de voto aposta no Acórdão n.º 150/93, se referem os casos em que o Ministério Público no tribunal de recurso se limita 'a concordar com a posição do seu representante no tribunal a quo, sem fundamentos novos, mas alterando, assim, a sua conhecida posição doutrinária, anteriormente fundamentada em casos semelhantes, e com cuja manutenção, por parte do Ministério Público no tribunal ad quem, o réu poderá ter contado.' E no qual se defende, por consequência, que 'sempre que em via de recurso o Ministério Público se pronuncia sobre o objecto do processo ou sobre o conhecimento do recurso, de qualquer das formas representando a acusação, terá o réu direito de resposta, por aplicação directa dos n.ºs 1 e 5 do artigo 32º da Constituição.' Pelos fundamentos do Acórdão n.º 533/99, decidido em plenário, há, pois, que julgar inconstitucional a norma em causa – o artigo 416º do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de permitir a emissão de parecer pelo Ministério Público junto do Tribunal superior, sem que dele seja dado conhecimento ao arguido para se poder pronunciar –, e que, em consequência, conceder provimento ao presente recurso.
III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a. Julgar inconstitucional o artigo 416º do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de permitir a emissão de parecer pelo Ministério Público junto do Tribunal superior, sem que dele seja dado conhecimento ao arguido para se poder pronunciar; e b. Por conseguinte, conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade. Lisboa, 26 de Junho de 2001 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Bravo Serra (votei o presente acórdão unicamente por entender que a doutrina que foi seguida no Acórdão 533/99, que aliás não subscrevi, é, 'in casu', aplicável
à norma do artº 416º do Código de Processo Penal. E assim, só pelo 'agreament' quanto às decisões tomadas em plenário, voto a decisão). José Manuel Cardoso da Costa (com declaração idêntica à do Exmº Conselheiro Bravo Serra)