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Processo n.º 627/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, por decisão do Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul, proferida em 22 de maio de 2013, foi indeferida a reclamação apresentada pela ora recorrente Caixa Económica A. do despacho que indeferiu, por intempestivo, o recurso por ela interposto.
2. Inconformada, a reclamante Caixa Económica A. interpôs recurso para este Tribunal Constitucional.
3. Pela decisão sumária n.º 499/13, decidiu o relator não tomar conhecimento do objeto do recurso, pela seguinte ordem de razões:
«(...)
6. Segundo decorre do requerimento de interposição de recurso, a recorrente peticiona a fiscalização da constitucionalidade de norma extraída do artigo 102.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), no sentido de que no recurso de uma sentença proferida no ano de 2013 em 1.ª Instância o regime aplicável é o dos recursos de agravo, não obstante a sua eliminação por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto.
Contudo, da leitura da decisão recorrida, constata-se que esse sentido normativo, reportado a interpretação extraída do preceituado no artigo 102.º da LPTA, não foi aplicado na decisão recorrida.
Com efeito, foi o seguinte o raciocínio fundamentador da inadmissibilidade do recurso interposto pela recorrente:
«(…) Como se viu a Mmª Juíza de 1ª instância não admitiu o recurso por entender que nos processos intentados em tribunal antes da entrada em vigor do CPTA (01.01.2004), o prazo para a sua interposição é o prazo da primitiva redação do artigo 685º, nº 1 do CPC –ou seja, 10 dias -, aqui aplicável ex vi artigo 102º da LPTA e por força da regra contida no n.º 1 do artº 5º da Lei 15/2002, de 22.02, conjugada com o disposto no nº 1, do artigo 11º, do DL nº 303/2007, de 24 de agosto.
Assim não entende o reclamante para quem o recurso e as alegações foram apresentadas atempadamente, isto é, no prazo de 30 dias previstos no artº 685º, nº 1, do CPC, na redação que lhe foi conferida pelo legislador de 2007 que alterou de forma significativa o regime dos recursos em processo civil, absorvendo no recurso de apelação o recurso de agravo que eliminou, e por assim ser não pode continuar a aplicar-se as regras do artigo 102º da LPTA, que previa “…que os recursos ordinários das decisões jurisdicionais … são processados como recursos de agravo…”.
Sintetizando: quer a Mmª Juíza “a quo” quer o reclamante não discordam que nos presentes autos – pendentes em 01.01.2004 (data da entrada em vigor do CPTA)- o prazo para a interposição do recurso continua a ser o do Código de Processo Civil (artigo 685º n.1), divergem é na redação que se lhe aplica.
Vejamos, então.
Sob a epígrafe “Aplicação da lei no tempo” determina o nº 1 do artigo 11º do Dec-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto:
“1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as disposições do presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor”.
E, da leitura do n.º 2 deste preceito, resulta claro que ficou fora do seu âmbito o processamento dos recursos jurisdicionais.
É, pois, indubitável que esta norma tem como objeto a sucessão dos regimes jurídicos em relação às causas já iniciadas e que o legislador de 2007, aliás à semelhança do regime plasmado nas normas transitórias da Lei 15/2002 (CPTA), quis manter de forma expressa e clara, e no que aqui e agora nos importa (o processamento dos recursos jurisdicionais) a lei vigente no momento em que a causa foi proposta.
Assim, em face desta norma (artigo 11º, n.º 1 do DL 303/2007) continua a aplicar-se aos processos pendentes, o regime contido na versão primitiva do n.º 1 do artigo 685º do CPC, ou seja 10 (dez) dias, pois que entendimento contrário colidia com o princípio da unidade do sistema, de acordo com o qual se deve aplicar integralmente o regime consagrado.(…)”
Resulta da transcrição a que se procedeu da fundamentação da decisão recorrida que o Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul não fundou a sua decisão em norma extraída do artigo 102.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, interpretada como mantendo a remissão para o conteúdo normativo dos artigos 733.º a 762.º do Código de Processo Civil, respeitante à tramitação dos recursos de agravo, apesar da sua revogação no âmbito do processo civil operada pelo artigo 9.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto. Antes, quedando-se em momento anterior, decidiu pela intempestividade do recurso interposto pela recorrente, face à regra extraída das disposições conjugadas dos artigos 5.º da Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, 102.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, e 685.º do Código de Processo Civil, entendendo que a circunstância de se tratar de processo intentado em tribunal antes da data da entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, determina que lhe seja aplicável o prazo para a interposição de recurso previsto no artigo 685.º do Código de Processo Civil, na redação anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, aplicável ex vi do artigo 102.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
Assim sendo, por a questão normativa colocada não corresponder ao arco normativo efetivamente aplicado, como ratio decidendi, na decisão recorrida e, por decorrência, o recurso de constitucionalidade não revestir utilidade, cumpre concluir pelo não conhecimento do recurso interposto.»
4. Novamente inconformada, a recorrente reclamou da decisão sumária para a Conferência, dizendo:
«No modesto entender da reclamante, conforme consta do seu requerimento de interposição de recurso e contrariamente ao que consta do despacho, não vem, de todo em todo, arguida a inconstitucionalidade de uma decisão judicial concreta.
Não é a decisão, não é o julgador que são visados no recurso mas sim a norma.
Conforme a recorrente menciona no seu requerimento de recurso vem arguir a “... inconstitucionalidade da norma contida no artigo 102º da LEPTA ao estabelecer que …”.
E vem referido no mesmo requerimento de recurso sempre com referência à norma, e não ao julgador ou à decisão “… quando tal norma é interpretada no sentido de que no recurso de uma sentença proferida no ano de 2013 em 1ª. Instância, o regime aplicável é o do recurso de agravo.'.
A expressão “… uma sentença proferida no ano de 2013 ...” não traduz, a nosso ver, conceptualmente, uma referência, uma conexão à sentença recorrida, ao julgador que a proferiu.
Não se refere à concreta sentença/decisão dos autos, nem ao Senhor Juiz que a proferiu.
Refere-se à interpretação da norma relativamente a sentenças, ou outras decisões passíveis de recurso, todas, proferidas no ano de 2013.
Indefinidamente, sem especificação.
“uma sentença ...' são todas. É delimitado um período. Não há conexão com a sentença de que tratam os autos.
Daí o artigo '... uma...”.
Não é “a” sentença, aquela sentença concreta. A sentença do autos.
Tratando-se, pois, como todos sabemos, de um artigo indefinido, do género feminino.
Referindo-se às sentenças, em geral. A todas as decisões. Não à decisão proferida
Não estamos, como indevidamente, consta do despacho de que se reclama, perante um 'recurso de amparo' contra atos concretos de aplicação de Direito.'.
No presente recurso existe um 'objeto normativo'. Incide '… sobre a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas...'.
Agora, passando à segunda questão, em que, por sua vez, o despacho já se atem, à decisão, ao julgador, e não à norma e à sua interpretação, continua a recorrente, ora reclamante a entender que padece de inconstitucionalidade a norma contida no artigo 102º da LPTA, quando interpretada no sentido de que o regime aplicável é o dos recursos dos de agravo, quando estes recursos foram eliminados por força do artigo 4º nº. 1, alínea b) do Decreto Lei 303/2007, de 24 de agosto.
Em 2013, com tal interpretação, a norma padece de inconstitucionalidade.
Não sendo certo, salvo o devido respeito, que o Julgador em 1ª. Instância e a reclamante '... não discordam que nos presentes autos pendentes em 01.01.2004 (data da entrada em vigor do CPTA) - o prazo para a interposição do recurso continua a ser o do Código de Processo Civil (artigo 685º, nº 1), divergem é na redação que se lhe aplica.'.
Não é bem assim.
Estamos no campo do direito administrativo. Cumpre apreciar se no plano dos princípios constitucionais, se o regime a seguir é o da apelação ou do agravo.
A ora reclamante não produziu as suas alegações.
Em que, crê, de modo mais extenso, explicitaria a inconstitucionalidade suscitada e as suas consequências.
Importava, em consequência, definir qual o regime aplicável para os recursos.
Não é o do agravo certamente, mas sim o da apelação.
E, por sua vez, a consequente relevância da lei em vigor em 2013, que remete para o regime da apelação, alterando o regime de uma lei de 1985.
Deve haver igualdade do regime processual das partes, face à lei vigente em 2013, na conformidade com os princípios constitucionais.
Razão pela qual devia ter sido admitido o recurso, produzidas alegações e conhecido do mérito da questão jurídico-constitucional suscitada.»
5. O Ministério Público apresentou resposta, no sentido da improcedência da reclamação, salientando que o recorrente nada diz quanto ao fundamento em que assentou a decisão sumária reclamada.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. Vem a recorrente Caixa Económica A. reclamar da decisão sumária, com o argumento de que o recurso apresenta objeto normativo e que “cumpre apreciar se no plano dos princípios constitucionais, se o regime a seguir é o da apelação ou do agravo”.
Perante tal conformação da reclamação em apreço, verifica-se que, como bem aponta o Ministério Público, que o reclamante nada refere quanto à razão que conduziu a decisão sumária a concluir pelo não conhecimento do recurso. Em ponto algum da reclamação, é defrontada a conclusão de que o objeto conferido ao recurso não encontra correspondência com a ratio decidendi, sendo esse - e não a ausência de colocação de questão normativa - o motivo determinante da decisão de não tomar conhecimento do recurso.
Nessa medida, não se encontra pertinência nas considerações deixadas pelo reclamante em defesa da formulação de recurso dirigido à apreciação de interpretação normativa e da definição por este Tribunal de qual o regime de recurso aqui aplicável - se a apelação, se o agravo - tarefa que se contém inteiramente no plano infraconstitucional, mesmo que articulando razões de ordem constitucional.
Como se diz na decisão sumária, para que o recurso de constitucionalidade possa ser conhecido, importa que a questão normativa colocada à apreciação do Tribunal Constitucional constitua critério determinante do julgado, pois, de outro modo, o eventual êxito da pretensão do recorrente não comporta efeito processual (artigo 79.º-C da LTC). Mantendo-se o fundamento em que assentou o julgado, sempre estaria o Tribunal a quo legitimado a concluir nos mesmos termos.
Acresce que, contrariamente ao pretendido pelo reclamante, a verificação dos pressupostos de que depende o recurso de constitucional carece de ser feita perante o requerimento de interposição de recurso, que define o seu objeto em termos inalteráveis (salvo em caso de desistência nas alegações). Não colhe, então, a pretensão de determinação do prosseguimento do recurso em função da “explicitação” em sede de alegações, que sempre estaria circunscrita na sua substância ao que consta do impulso formulado, face ao que dispõem os n.ºs 1 a 4 do artigo 75.º-A da LTC.
Em suma, porque a reclamação não coloca em crise a decisão sumária proferida, com a qual se concorda, cumpre indeferir a pretensão formulada pela Caixa Económica A..
III. Decisão
7. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada; e
b) Condenar a reclamante nas custas, fixando-se em 20 (vinte) Ucs a taxa de justiça devida, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido.
Lisboa, 22 de outubro de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.