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Processo n.º 888/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, por Acórdão n.º 406/13, proferido em 15 de julho de 2013, foi decidido:
a) Não julgar inconstitucional as normas dos artigos 1.º, alínea a) e 4.º, alínea a), da Lei n.º 12/83, de 24 de agosto;
b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro;
c) Julgar improcedente, nessa parte, os recursos interpostos pelos arguidos A., B., C., Lda, e D., Lda, por um lado, e pelo arguido E., por outro;
d) Não conhecer das demais questões colocadas pelos arguidos A., B., C., Lda, D., Lda, e E.;
2. Vieram os arguidos, aqui recorrentes, apresentar os seguintes requerimentos:
2.1. Pelo recorrente E., invocando o disposto no artigo 643.º do CPC e o artigo 77.º da LTC, foi apresentada reclamação daquele Acórdão para o Plenário, sustentando, em síntese, ter ocorrido “situação inusitada e invulgar”, que não lhe permitiu fazer valer os seus argumentos relativamente ao preenchimento dos pressupostos de admissão do recurso, pelo que pretende “lançar mão de uma via impugnatória análoga à reclamação do n.º 3 do artigo 78.º-A, cuja não admissibilidade (...) sempre se traduzirá numa manifesta denegação de justiça e ausência de tutela jurisdicional efetiva”. E, por essa via, considera que o recurso deveria ser conhecido na vertente dirigida à inconstitucionalidade do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, pretendendo que o Plenário ordene o conhecimento dessa questão;
2.2. Pela arguida C., invocando o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, al. b) e 643.º do CPC, 77.º e 79.º da LTC, foi arguida a nulidade do Acórdão n.º 406/13 e apresentada reclamação para o Plenário. Sustentou que a decisão de não conhecimento integra, a um tempo, violação de caso julgado e omissão de conhecimento das questões colocadas no recurso. Mais considera que o Acórdão n.º 406/13 não especificou os seus fundamentos de facto e de direito. Paralelamente, dele vem apresentar reclamação para o Plenário, pedindo que ordene o conhecimento de questão relativa a interpretação do artigo 401.º do Código de Processo Penal.
2.3. Pelos arguidos A., B., C., Lda e D., Lda, invocando o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, al. b) e 643.º do CPC, 77.º e 79.ºD da LTC, foi arguida a nulidade do Acórdão n.º 406/13 e apresentados reclamação e recurso para o Plenário. Sustentam que a referida decisão não especificou os fundamentos de facto e de direito e, em termos similares ao arguido E., peticionam ao Plenário que determine o conhecimento das questões sobre as quais incidiu decisão de inadmissibilidade do recurso interposto. Por fim, interpõem recurso para o Plenário, ao abrigo do artigo 79.º-D da LTC, apontando oposição de julgados entre o Acórdão n.º 406/13 e o Acórdão n.º 935/96.
3. O Ministério Público tomou posição, no sentido do indeferimento de todos os requerimentos, e concluiu dizendo:
“Quer pela natureza, quer pelo conteúdo dos pedidos, parece-nos evidente a intenção dilatória que presidiu à sua apresentação, pelo que, em nossa opinião, o Tribunal devia, desde já, aplicar o disposto no n.º 8 do artigo 84.º da LTC.”
4. O IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I. P. tomou posição sobre os requerimentos formulados, acompanhando a posição tomada pelo Ministério Público. Por seu turno, o Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola veio aos autos dizer que nada tem a acrescentar à posição assumida pelo IFAP.
5. O relator suscitou a aplicação do disposto nos artigos 84.º, n.º 8 da LTC e 670.º do CPC, na versão aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, pelo que cumpre decidir.
II. Fundamentação
6. Nos termos do n.º 8 do artigo 84.º, a Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), contempla mecanismo de defessa contra manobras dilatórias e determina que, quando for manifesto que, com determinado requerimento, se pretende obstar à baixa do processo, seja observado o disposto no artigo 720.º do Código de Processo Civil. Essa remissão, por força da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o Código de Processo Civil, com modificação da organização e localização sistemática dos preceitos, deve considerar-se feita para o artigo 670.º, cuja redação mantém, quase na íntegra, o que constava do artigo 720.º do CPC de 1961, na redação do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto. Apenas se altera a referência ao artigo 456.º, substituído pelo correspondente (novo) artigo 542.º do CPC.
Como sustenta o Ministério Público, acompanhado pelo assistente IFAP, os requerimentos formulados pelos recorrentes, tomados individualmente, e na sua conjugação, configuram, desde já, comportamento processual claramente votado ao protelamento da tramitação dos autos e a obstar à sua baixa, com o propósito de evitar a execução do julgado.
7. Com efeito, a arguição de nulidade do Acórdão n.º 406/13, formulada pelos recorrentes A., B., C., Lda (também em requerimento autónomo) e D., Lda, alicerça-se, por um lado, na consideração de que a decisão de admissão do recurso no Tribunal recorrido e, depois, o seu prosseguimento para alegações precludiu a decisão de não conhecimento proferida pelo Pleno da 2ª Secção deste Tribunal quanto a várias das questões colocadas pelos recorrentes. Nessa ótica, teria sido violado caso julgado e omitida pronúncia sobre tais questões.
Verifica-se, desde logo, que o Acórdão n.º 406/13, referiu:
“Expostos, sumariamente, os pressupostos essenciais ao conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b), da LTC, cumpre verificar o seu preenchimento, relativamente às questões colocadas pelos recorrentes nos presentes autos, tendo em atenção que, como dispõe o n.º 3 do artigo 76.º da LTC, a decisão que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Constitucional, assim como a determinação do prosseguimento do processo para alegações não preclude essa apreciação, desde logo face à posição dos recorridos.”
Face a esse preceito legal, e tendo em atenção as sucessivas advertências dos recorrentes para a possibilidade da decisão de não conhecimento que se veio a materializar no Acórdão n.º 406/13, mormente perante as questões de inadmissibilidade suscitadas pelos recorridos em alegações, que sempre caberia ao Tribunal apreciar, sob pena de omissão de pronúncia, carece manifestamente de fundamento sustentar que fora dado como adquirido nos autos que o mérito dos recursos seria inexoravelmente conhecido em toda a sua plenitude e que os recorrentes foram surpreendidos pela decisão de não conhecimento (parcial).
Como, ainda, falece de forma evidente razão à apontada falta de fundamentação, com o que se questiona verdadeiramente a procedência do julgado - imodificável, em virtude da extinção do poder jurisdicional - e não a falta ou insuficiência dos motivos em que se alicerça e que, como resulta claramente dos requerimentos apresentados, os recorrentes apreenderam, tanto assim que os procuram contrariar.
8. A prossecução de finalidades dilatórias atinge ainda maior clareza no que se refere à dedução de reclamação para o Plenário.
O regime do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade para o Tribunal Constitucional não contempla reclamação de Acórdão proferido pelas Secções para o Plenário, sendo apenas previsto, e com os pressupostos fixados no artigo 79.ºD da LTC, recurso para o Plenário.
Aliás, e contrariamente ao referido pelos recorrentes, a situação de prolação de decisão de não conhecimento do recurso, tomada pelo pleno da secção, na sequência de recurso que prosseguiu integralmente para alegações, nada tem de invulgar e muito menos de inusitada. Desde logo porque, como se disse, os recorridos suscitaram questões de inadmissibilidade dos recursos nas suas alegações e, depois, porque a Secção sempre poderá oficiosamente concluir, como concluiu, pela inverificação dos pressupostos de que depende o conhecimento do recurso. Outra interpretação, como aquela defendida pelos recorrentes, contraria claramente o disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC.
Nessa medida, os recorrentes suscitam via impugnatória que não se encontra prevista na lei, como, aliás, reconhecem, e relativamente à qual inexiste fundamento para a afirmação de lacuna a integrar por analogia.
Os recorrentes argumentam que, de outro modo, estaria gerada denegação de justiça e lesado o seu direito à tutela jurisdicional efetiva, em infração do disposto no artigo 20.º da Constituição. Porém, como resulta do Acórdão n.º 406/13, foi sempre previamente concedida aos recorrentes oportunidade de defesa relativamente à (in)verificação dos pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
9. Por fim, e como se disse, vieram os recorrentes A., B., C., Lda e D., Lda recorrer para o Plenário ao abrigo do artigo 79.ºD da LTC, procurando, para tanto, convencer que existe contradição entre o decidido no Acórdão n.º 406/13 e no Acórdão n.º 935/96, apontado como Acórdão-fundamento, quanto à mesma norma ou dimensão normativa.
Também neste plano, o propósito de obstar à baixa do processo atinge o nível de evidência, pois os próprios termos do requerimento apresentado demonstram que não existe oposição de julgados.
No Acórdão n.º 935/96 esteve em discussão a conformidade constitucional de sentido normativo relativo à intervenção de juiz em julgamento de processo em que, na fase de inquérito, determinou a medida de coação de prisão preventiva, sentido normativo distinto de qualquer dos questionados pelos recorrentes. Nenhuma das questões de constitucionalidade suscitadas nestes autos versou norma relativa a intervenção do juiz em julgamento.
A questão colocada, e a que os recorrentes aludem no requerimento, diz respeito à intervenção de outros sujeitos processuais – assessores nomeados – o que afasta qualquer identidade normativa entre o objeto das decisões postas em contraposição pelos recorrentes.
Por outro lado, constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal que o conflito jurisprudencial previsto no artigo 79.ºD da LTC apenas existe perante decisões de mérito. No caso, tomando o Acórdão n.º 406/13, verifica-se que a questão incidente sobre a intervenção de assistentes nomeados deparou com decisão de não conhecimento.
Novamente, perante flagrante ausência dos pressupostos exigidos pelo artigo 79.ºD da LTC, o impulso recursório apenas encontra sentido como manifestação de expediente dilatório, votado a protelar indevidamente a execução da decisão condenatória.
10. Evidencia-se, então, que com a apresentação dos apontados requerimentos, os recorrentes apenas pretendem obstar à baixa do processo, o que justifica a aplicação da faculdade prevista nos artigos 84.º, n.º 4, da LTC, e 670.º, n.º 2 do CPC, com os efeitos estipulados nos nºs 3 a 5 deste último preceito.
Assim sendo, o processo deverá prosseguir os seus regulares termos no tribunal recorridos, sem aguardar pela decisão dos requerimentos apresentados pelos recorrentes, a qual será proferida no traslado a extrair após contadas e pagas as custas da sua responsabilidade, considerando-se entretanto transitado em julgado, na data de hoje, o Acórdão n.º 406/13, proferido em 15 de julho de 2013, prosseguindo os autos no tribunal recorrido (cfr., em situação similar, o Acórdão n.º 513/11).
III. Decisão
11. Pelo exposto, determina-se:
a) Após extração de traslado dos presentes autos e contado o processo, remetam-se de imediato os autos ao tribunal recorrido, a fim de prosseguirem os seus termos;
b) Seja dado seguimento no traslado aos incidentes suscitados pelos recorrentes, e a outros requerimentos que a ser suscitados, depois de pagas as custas da responsabilidade do(s) requerente(s).
Lisboa, 10 de outubro de 2013. – Fernando Vaz Ventura - Ana Guerra Martins – Pedro Machete - João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.