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Processo n.º 913/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., arguido no processo comum (coletivo) n.º 79/05.9IDCBR, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão do Presidente da 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa que, julgando o conflito negativo de competência suscitado entre o Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal e o Juiz da 4.ª Vara Criminal de Lisboa, atribuiu a este último competência para apreciação do estatuto processual do arguido.
O Tribunal da Relação não admitiu o recurso, com fundamento no disposto no n.º 2 do artigo 36.º do Código de Processo Penal (CPP). O arguido reclamou desta decisão, nos termos do artigo 405.º do CPP, tendo o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferido a reclamação, por aplicação do citado artigo 36.º, n.º 2, do CPP, que julgou não violar as garantias de defesa do arguido, em particular o direito ao recurso e o direito de acesso aos tribunais (artigos 32.º, nºs. 1, e 20.º da Constituição), contrariamente ao sustentado pelo arguido na sua reclamação.
Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC (LTC). O relator nesta instância, julgando tratar-se de questão simples, atenta a existência de jurisprudência consolidada sobre questões de inconstitucionalidade similares, proferiu decisão sumária nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, a negar provimento ao recurso, confirmando, em consequência, com base nessa jurisprudência, o sindicado juízo de não inconstitucionalidade.
O recorrente reclama da decisão sumária, alegando não ser simples a questão a decidir, para o efeito do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, pois que nem foi objeto de decisão anterior do Tribunal Constitucional, nem é manifestamente infundada, não lhe sendo aplicável a jurisprudência que o relator invocou para negar provimento ao recurso.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação por se lhe afigurar legítima a prolação da decisão sumária, atenta a existência de jurisprudência consolidada sobre questões de inconstitucionalidade similares à que constitui objeto do presente recurso, cuja argumentação é plenamente transponível ao caso vertente, nada invocando o reclamante de novo que justifique a sua reapreciação pelo pleno da secção.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Em face do teor da reclamação aduzida, apenas cumpre aferir se a questão de inconstitucionalidade em causa nos presentes autos é «questão simples», para o efeito do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, no segmento relevante, considerando a anterior jurisprudência invocada pelo relator e a sua aplicabilidade ao caso sub judicio.
Está em causa a inconstitucionalidade do artigo 36.º, n.º 2, do CPP, interpretado no sentido de que o arguido não pode recorrer da decisão sobre o conflito de competências.
É verdade que, quanto a esta precisa questão de inconstitucionalidade, não existe, em rigor, um precedente jurisprudencial.
No entanto, a enumeração dos casos que legitimam, nos termos do artigo 78º-A, a prolação de decisão sumária não é taxativa – como claramente decorre da utilização do advérbio “designadamente” – significando que possam ser sumariamente decididas questões de constitucionalidade em que não exista um precedente constitucional, traduzido numa decisão sobre a questão de constitucionalidade da precisa norma que integra o objeto do recurso (cfr. LOPES DO REGO, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, 2010, pág. 245).
E nesse sentido se tem pronunciado também a jurisprudência constitucional, como resulta do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 564/08 (que invoca o acórdão n.º 131/04), onde se afirma:
Com efeito, o preceito da LTC, ao conferir ao relator os poderes para emitir decisão sumária por a questão ser simples, não condiciona esta qualificação ao facto de haver decisão anterior sobre a mesma questão; tal é, desde logo, contrariado pela circunstância de aquele condicionamento ser antecedido pela expressão «designadamente», o que não pode deixar de significar a possibilidade de qualificar a questão como simples por uma multiplicidade de razões, mesmo que ela não tenha sido exatamente a mesma que foi objeto de decisão anterior.
Bastará para tal qualificação que na fundamentação da decisão anterior, muito embora sobre questão não inteiramente coincidente com a dirimida em posterior recurso, se tenham formulado juízos que imponham uma determinada solução de direito neste recurso, merecendo a questão, por essa via, a qualificação de simples.”
Tem sido reiteradamente afirmada esta orientação, no sentido de a admissibilidade de prolação de decisão sumária não se cingir a situações em que exista anterior decisão do Tribunal Constitucional sobre norma reportada ao mesmo preceito legal e com ponderação de todos os argumentos ou razões expendidos no novo processo, antes “abrange outras situações em que a fundamentação desenvolvida em anterior acórdão permita considerar a questão como já «tratada» pelo Tribunal, mesmo que não ocorra integral coincidência dos preceitos em causa e dos argumentos esgrimidos num e noutro processo” (Acórdão n.º 650/2004; cf. ainda os Acórdãos n.ºs 616/2005, 2/2006, 233/2007, 530/2007 e 5/2008).
E foi esse o entendimento seguido no presente caso pelo relator para efeito de conhecer do mérito do recurso através de decisão sumária, não obstante não existir anterior jurisprudência sobre a concreta questão de constitucionalidade.
Tratando-se, porém, de questão sobre que não existe precedente jurisprudencial e relativamente à qual a 3ª Secção ainda se não pronunciou, e tendo ainda em consideração que o recorrente pode quanto a ela invocar novos argumentos que possam não ter sido rebatidos na jurisprudência que incidiu sobre casos similares, o Tribunal entende que se justifica, no caso, que o processo prossiga para a fase de alegações.
3. Pelo exposto, decide-se:
a) deferir a reclamação;
b) ordenar a notificação das partes para alegações.
Sem custas.
Lisboa, 15 de julho de 2013. – Carlos Fernandes Cadilha – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.