Imprimir acórdão
Processo n.º 910/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrida a B., LDA., a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 18/9/2012 (cfr. fls. 405-406) – o qual manteve a decisão singular de 12/06/2012 pela qual não se admitiu a junção dos documentos apresentados com a alegação de recurso e se julgou improvido o agravo, confirmando-se integralmente o despacho recorrido proferido em 6/10/2008 – e da precedente decisão singular do mesmo Tribunal de 12/6/12 (cfr. fls. 385-390).
2. Pela Decisão Sumária n.º 431/2013, de 30 de julho, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso interposto, com a seguinte fundamentação (cfr. fls. 435-445):
«(…)
5. Do teor do requerimento de interposição de recurso, e respetiva fundamentação, apresentado pelo recorrente decorre que do requerimento constam (cfr. fls. 420-428): a indicação das alíneas do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto – «alíneas b) e c) do n.º 1 artº 70º da Lei do Tribunal Constitucional» (cfr. requerimento, 1); a indicação das normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie – «Arts. 23º, nº 2, e 24º da L.G.T, em conjugação com o art. 153º do C.P.P.T., para efeitos de reversão» e «Arts. 512º, 513º e 997º, nº 1 do Código Civil» (cfr. requerimento, 2); a indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado – «Arts. 13º, nº 2; 20º e 22º da Lei Fundamental» e, mais adiante, os princípios da igualdade, da legalidade, da solidariedade, da subsidiariedade e da proibição dos excessos «de forma a evitar o enriquecimento ilícito» (cfr. requerimento, 3 e 4); e a indicação da peça processual em que o recorrente alega ter suscitado a questão da inconstitucionalidade – « - Na exposição/requerimento apresentado em 10.2.03, VIA FAX, a Fls. 46/50; - Na exposição/requerimento apresentado em 26.02.03, VIA FAX, a Fls.__; - Na exposição/requerimento apresentado em 17.09.07, a Fls. 212/214; - Na exposição/requerimento apresentado em 26.5.08, a Fls. 231/235; - Na interposição do recurso do despacho proferido em 6.10.08, a Fls. 237, apresentado em 17.10.08, a Fls. 242/244; e - «Nas alegações de AGRAVO apresentadas em 6.11.08, a Fls. __, “máxime” nas Conclusões primeira, segunda, terceira, quarta, quinta, sexta, sétima, oitava, e décima primeira, bem como no pedido final.».
6. A recorrente interpõe recurso para este Tribunal ao abrigo das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC cabe recurso para este Tribunal das decisões dos tribunais «Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».
E, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para este Tribunal das decisões dos tribunais «Que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei de valor reforçado».
Do teor do requerimento apresentado pela recorrente decorre que o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º não se aplica ao caso em apreço. Com efeito, a recorrente não invoca nem demonstra a existência de uma recusa, por parte do tribunal recorrido, da «aplicação de norma constante de ato legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado». No seu requerimento de interposição de recurso limita-se a afirmar, em relação às normas que ora pretende que este Tribunal aprecie – e identificadas no n.º 2 do requerimento – que «As normas (não) aplicadas pelas Instâncias foram interpretadas e ajuizadas erroneamente, com sentido ilegal e inconstitucional, no âmbito e no contexto executivo em que caminharam os presentes autos. (…)».
Do teor das decisões recorridas - acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/9/2012 (cfr. fls. 405-406) e precedente decisão singular de 12/06/2012 do mesmo Tribunal (cfr. fls. 385-390) – também não consta qualquer recusa de aplicação de norma constante de ato legislativo com o fundamento indicado na alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – ilegalidade por violação de lei com valor reforçado (cfr., respetivamente, II e IV, 2).
7. Quanto ao recurso apresentado pela recorrente com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos daquela alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04).
Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.
8. Não se encontram preenchidos, no caso em apreço, os pressupostos relativos à questão de inconstitucionalidade normativa, suscitada de modo adequado perante o tribunal que proferiu as decisões recorridas, e, ainda, à ratio decidendi.
9. Não se encontra preenchido, no caso em apreço, o pressuposto relativo à questão de inconstitucionalidade normativa e suscitada de modo adequado perante o tribunal recorrido.
O sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de constitucionalidade de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais – pelo que os recursos para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, interpostos de decisões dos tribunais só podem ter por objeto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com caráter de generalidade e por isso passíveis de aplicação a outras situações independentemente das particularidades do caso concreto, sob pena de inadmissibilidade.
9.1 Com efeito, do teor e fundamentação do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal e do teor das peças processuais em que a recorrente alega ter suscitado a questão de inconstitucionalidade, decorre que a recorrente não pretende que o Tribunal exerça um controlo da constitucionalidade com natureza normativa. Daquele teor decorre que a recorrente não se conforma com as decisões objeto de recurso, imputando a pretensa violação de normas e princípios constitucionais às mesmas.
No requerimento de interposição de recurso não é identificada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa ou critério normativo. A recorrente limita-se a afirmar que «A assacada (…) inconstitucionalidade ocorre por violação flagrante» das normas dos artigos 13.º, n.º 2, 20.º e 22.º da Constituição e de um conjunto de princípios que elenca (cfr. requerimento, n.ºs 3 e 4), imputando às próprias decisões recorridas uma «interpretação errónea, ilegalidade e inconstitucional» (cfr. requerimento, n.º 4), que não explicita.
9.1.1 Do teor da «exposição/requerimento apresentado em 10.2.03, VIA FAX, a Fls. 46/50» – a primeira peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a pretensa questão de constitucionalidade que ora pretende ver sindicada (cfr. fls. 41-45 e 46-50) – decorre que nela não é suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Naquela peça processual, a única referência feita às normas ou princípios constitucionais mencionados no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal consta do n.º 8 (cfr. fls. 49) em que se afirma que «A verdade é que em 7 meses devia ter sido efetuada a execução, não tendo sido realizada, o ESTADO é responsável pela liquidação em causa (artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa». O mesmo artigo 22.º é mencionado na conclusão (cfr. fls. 50), sem que seja suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
9.1.2 Do teor da «exposição/requerimento apresentado em 26.02.03, VIA FAX, a Fls.__,» (cfr. fls. 54-57 e 58-61) – a segunda peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a pretensa questão de constitucionalidade que ora pretende ver sindicada – decorre que nela não é feita nenhuma referência às normas ou princípios constitucionais mencionados no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, não sendo suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Nesta peça a ora recorrente limita-se a indicar bens a penhorar.
9.1.3 Do teor da «exposição/requerimento apresentado em 17.09.07, a Fls. 212/214» – a terceira peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a pretensa questão de constitucionalidade que ora pretende ver sindicada (cfr. fls. 212-214) – decorre que nela não é feita nenhuma referência às normas ou princípios constitucionais mencionados no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, não sendo suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Nesta peça processual a ora recorrente, notificada da conta elaborada no processo, limita-se a requerer a junção aos autos de «instrumento de desapontamento ou indignação processual» (cfr. fls. 214).
9.1.4 Do teor da «exposição/requerimento apresentado em 26.5.08, a Fls. 231/235» – a quarta peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a pretensa questão de constitucionalidade que ora pretende ver sindicada (cfr. fls. 226-230 e 231-236) – decorre que nela não é feita nenhuma referência às normas ou princípios constitucionais mencionados no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, não sendo suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Nesta peça processual a ora recorrente, notificada do despacho de 13/05/2008 (cfr. fls. 221) que declarou a instância interrompida, limita-se a requerer a aplicação do instituto da reversão fiscal» (cfr. n.º 4, fls. 235-236).
9.1.5 Do teor da «interposição do recurso do despacho proferido em 6.10.08, a Fls. 237, apresentado em 17.10.08, a Fls. 242/244» – a quinta peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a pretensa questão de constitucionalidade que ora pretende ver sindicada (cfr. fls. 239-241 e 242-244) – decorre que nela não é feita nenhuma referência às normas ou princípios constitucionais mencionados no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, não sendo suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Nesta peça processual a recorrente, entre outras considerações, limita-se a aludir genericamente, por não se conformar com o teor do despacho de 6/10/2008 que indeferiu o requerido pela ora recorrente «por manifesta inaplicabilidade das normas atinentes à reversão fiscal pretendida» (cfr. fls. 237) a uma «discricionariedade e desigualdade de tratamento entre o ESTADO e os CIDADÃOS» (cfr. fls. 244).
9.1.6 Acresce referir que todas as cinco peças processuais invocadas (cfr. 9.1.1 a 9.1.5.) foram apresentadas junto do Tribunal de primeira instância – Tribunal Cível da Comarca de Almada – e não junto do Tribunal que proferiu as decisões ora recorridas – o Tribunal da Relação de Lisboa – perante o qual a pretensa questão de inconstitucionalidade normativa sempre teria de ser arguida nos termos do n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
9.1.7 Finalmente, a recorrente alega ter suscitado a pretensa questão de inconstitucionalidade que ora pretende ver sindicada nas «alegações de AGRAVO apresentadas em 6.11.08, a Fls. ___, “máxime” nas Conclusões primeira, segunda, terceira, quarta, quinta, sexta, sétima, oitava, e décima primeira, bem como no pedido final» (cfr. fls. 251-266 (versão manuscrita) e fls. 358-368 (versão datilografada)). Do teor da sexta e última peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a questão de constitucionalidade que ora pretende ver sindicada decorre que nela não se suscita qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Do texto das alegações, a única referência feita pela recorrente às normas constitucionais invocadas no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal consta do ponto II, 5, onde se afirma:
«5. Há analogia de situações entre a REVERSÃO FISCAL e a REVERSÃO JUDICIAL.
- Arts. 13.º/2 e 20.º da Lei Fundamental -.».
Tal não configura a suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa e de modo adequado perante o tribunal que proferiu as decisões ora recorridas.
Por outro lado, do teor das Conclusões das alegações de recurso indicadas pela recorrente no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal – Conclusões Primeira a Oitava, Décima Primeira e pedido final (cfr. requerimento de interposição de recurso, n.º 5) – decorre que as únicas Conclusões em que a recorrente menciona uma norma da Constituição são as Conclusões Sétima e Oitava, onde se afirma:
«O ESTADO, que serve de exemplo e paradigma para os cidadãos, atua através do GOVERNO quer pela via da responsabilidade subsidiária, quer pela via da responsabilidade solidária contra os Administradores do C, Gerentes e sócios das inúmeras sociedades Comerciais regulares e irregulares, ativas e extintas!!!
(Docs. N.os 1, 2, 3 e 4) – Art.º 20.º CRP.»
E, ainda,
«Se os Tribunais atuam nos casos públicos contra a gestão danosa e os casos de corrupção comerciais, então, de igual modo, o TJ Almada deverá atuar no caso “sub judice”, para deslindar o “mistério” descrito em 10.2.03, a Fls. 46/50. (art.º 20.º CRP)».
Ora tais referências ao artigo 20.º da Constituição não configuram a suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, e de modo adequado, perante o Tribunal que proferiu as decisões ora recorridas.
Nas demais Conclusões indicadas pela recorrente – primeira a sexta e décima primeira – não é feita qualquer referência a uma norma ou a um princípio constitucional, limitando-se a recorrente a enunciar a sua posição segundo a qual «Há analogia de situações entre a Reversão Fiscal e a Reversão Civil/Judicial» (conclusão primeira), a enunciar o regime que pretende ver aplicado de responsabilidade pelas dívidas sociais (conclusões segunda a sexta) e a concluir pela urgência em «flexibilizar o tipo de execução derivado do tipo de crime como o enriquecimento ilícito de que há indícios fortes no presente caso» (conclusão décima primeira).
Por último, no «pedido final» a ora recorrente limita-se a formular o seguinte pedido:
«(…) deve revogar-se o DESPACHO recorrido, substituindo-o por outro que faça prosseguir a execução contra os Gerentes e únicos sócios da D., LDA./E., LDA, F. e G., já com os sinais nos autos.»
Também este pedido não configura a suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, e de modo adequado, perante o tribunal que proferiu as decisões ora recorridas.
9.2 Do exposto resulta que em nenhuma das peças processuais em que a recorrente alega ter suscitado as pretensas «inconstitucionalidades» – das quais apenas a última peça foi apresentada perante o tribunal que proferiu as decisões ora recorridas – foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa ou identificado qualquer critério normativo. Além disso as referências ao artigo 20.º da Constituição constantes da única peça processual dirigida ao tribunal que proferiu as decisões ora recorridas não configuram o preenchimento do ónus de suscitação adequada de uma questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido – já que a recorrente não enuncia de forma expressa, clara e percetível qualquer questão de constitucionalidade e, assim, não procede à clara e expressa delimitação do objeto do recurso, nem a uma fundamentação, em termos minimamente concludentes, das razões porque considera inconstitucional a pretensa “norma” ou pretenso “critério normativo” que ora pretende submeter à apreciação do tribunal. Com efeito, o recorrente não justifica, na peça processual em causa, em termos concludentes, a imputação de inconstitucionalidade, não apresentando um mínimo de suporte argumentativo que permita ao tribunal saber que tem uma questão jurídico-constitucional para decidir.
10. Não se encontra também preenchido, no caso em apreço, o pressuposto relativo à ratio decidendi.
Com efeito, decorre do teor das decisões ora recorridas (acórdão do Tribunal da Relação de 18/9/2012 e decisão singular de 12/06/2012 que o precedeu) que nenhuma das normas indicadas no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal cuja inconstitucionalidade a recorrente ora pretende ver apreciada – as normas indicadas no n.º 2 do requerimento de interposição de recurso – foi objeto de aplicação pelas decisões ora recorridas (cfr. IV, 2 e II, respetivamente).
11. Termos em que, resultando dos autos que não se encontram preenchidos os pressupostos relativos ao objeto normativo, à suscitação adequada e à ratio decidendi, não pode conhecer-se do objeto do recurso. (…)».
3. Vem agora a recorrente reclamar da referida Decisão Sumária n.º 431/2013, de 30 de julho, para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, requerendo que, a final, seja proferido acórdão (cfr. V, 20), com os seguintes fundamentos (cfr. fls. 468-484):
«(…) De harmonia com as normas do nº 3 do art.º 78º-A da Lei 28/82, de 15 de novembro, com as alterações subsequentes, bem como do art.º 700º, n.º 3 do CPC e do art.º 280º da Lei Fundamental,
VEM RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA
Nos termos e com a seguinte motivação:
I. INTEGRAÇÃO
1. Dão-se aqui por integradas e reproduzidas para todos os efeitos legais os teores do requerimento de interposição de recurso e respetiva fundamentação para o TC, bem como as 5 PEÇAS PROCESSUAIS apresentadas nas Instâncias.
2. A admissão/não admissão do recurso, respetivamente, pelo STJ e TC constitui um arcaísmo ou absurdo anacronismo de pressupostos sem conteúdo substancial, que dá para meditar, porque são manifestamente obsoletos e impeditivos de uma justiça de verdade.
II. INTERPRETAÇÕES/CRITÉRIOS NORMATIVOS
2. A requerente/recorrente pretende, insofismavelmente, quer o TC exerça um controlo de constitucionalidade e ilegalidade com natureza normativa.
Ataca interpretações e critérios normativos diretamente e reflexamente é óbvio que ficam envolvidas as decisões, pois da generalidade normativa naturalmente que se vai descendo ou caindo nas particularidades do caso sub judice, pois se não fosse assim para que serviria o recurso de constitucionalidade/ilegalidade?!! Seria um floreado inútil, um hino constitucional ou um CÂNTICO GENÉRICO!!!
3. Na verdade, o recurso de constitucionalidade assenta numa estrutura silogística, com premissa maior, mais premissa menor e desagua na conclusão, com efeito borboleta!!!
Trata-se de interpretar a Constituição relativamente a uma determinada norma que foi a razão estruturante de uma decisão concreta.
A recorrente espera que o Tribunal Constitucional zele pela constitucionalidade da norma, em cada medida decisória.
4. A norma não está desligada da decisão e atingida a debilidade da norma, obviamente que essa decisão concreta também soçobra.
Só, assim, se compreende o primado da lei e das garantias constitucionais de direitos cívicos e sociais: fulminada a norma viciada de inconstitucionalidade e ilegalidade, obviamente que essa desconstrução vai mais longe e aniquila uma determinada decisão em concreto, produzindo efeitos jurídicos ou consequências práticas para os recorrentes do caso sub judice e de outras situações futuras.
5. É preciso fazer um esforço de desconstrução do mito dos pressupostos constitucionais, um filme e um cenário já visto e que deve ser desconstruído e passar para um discurso substancial.
A imagem dos pressupostos constitucionais deve ter um novo posicionamento e uma nova perspetiva assente na verdade material, com rejeição do formal pelo formal, que não nos leva a lado nenhum, impedindo soluções jurídicas justas e equitativas.
A interpretação constitucional não pode nem deve ser obsoleta, antes pelo contrário urge exercitar a qualidade do sistema de justiça constitucional.
6. A recorrente teve a preocupação de focar a norma genérica para, sequencialmente, passa ao seu caso em particular, à sua causa real e concreta.
7. Veja-se que o Novo CPC, entrado em vigor em 1.9.13 – lei 41/2013, de 26 de junho, já pretende trilhar este novo caminho com uma verdadeira (re)apreciação dos factos e uma justiça de verdade. Trata-se de um Código aparentemente estruturante que tenciona criar uma prática de relacionamento entre os intervenientes processuais radicalmente diferente da existente.
Mas há um longo caminho de maturação e assimilação de uma nova cultura forense. E esta ambição de ajustamento essenciais, a nível recursivo, é promissora de uma grande reviravolta no diálogo institucional.
8. A Justiça Constitucional é uma matéria de regime e cidadania que, na ótica do recorrente, exige uma nova mentalidade ou uma visão estratégica para além dos “chumbos dos pressupostos”. Há que ultrapassar a crise da JUSTIÇA. Anote-se que o presente processo tem as suas origens na longínqua data de 1988, isto é, vetustez de 25 ANOS!!! Que constitui um tempo escandalosamente excessivo, à luz dos tempos de velocidade em que vivemos.
9. A interpretação e o critério constitucional não pode enfermar de uma visão restritiva, antes deve ser uma autoestrada de pensamento aberto e arejado.
III. O DIREITO À EXECUÇÃO
10. O Tribunal Constitucional compreende perfeitamente o posicionamento em que a recorrente se exercita e, por isso, se tal for necessário, deve suprir eventuais falhas que sempre existem em quaisquer instrumentos processuais, porque a perfeição absoluta é uma miragem.
Temos de nos aproximar dos objetivos do recurso de amparo ou da queixa constitucional, enquanto aguardamos por mais uma revisão constitucional.
11. Tal como o ESTADO, o cidadão também goza do direito à execução.
Não podemos viver neste deserto ou nesta “terra queimada executiva”.
Porquê a revisão fiscal e já não a revisão judicial?!!
Esta desigualdade é claramente inconstitucional.
12. A recorrente não se limitou a “pouca coisa”, antes afirmou vincadamente que é proibida a discriminação executiva no caso dela e em qualquer outro caso.
Haja moralidade executiva!!!
A expressão repetidamente formulada “a recorrente limita-se…” é estonteante perturbadora, face ao trabalho realizado!!!
13. Por sua vez, aplica-se ao caso vertente, com lamentável simbolismo, a norma do Art.º 20.º da CRP, cuja violação é frontal e brusca.
“O suporte argumentativo” é manifestamente nítido: o processo remonta ao longínquo ano de 1988, tem uma pendência de 25 ANOS!!!
Não é preciso fazer um gráfico ou um desenho para perceber este triste e angustiosa realidade da morosidade processual que vai grassando imponentemente nos Tribunais portugueses.
14. E a ratio decidendi está sobejamente expressa nos instrumentos processuais invocados. É um problema de recusa de aplicação da norma do art.º 20.º da CRP.
IV. QUEIXA A APRESENTAR AO TRIBUNAL DE ESTRASBURGO; CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM; DEMORA EXCESSIVA; PRAZO DESRAZOÁVEL.
15. Compete ao estado organizar o seu sistema judiciário de modo que possa garantir a cada um o direito de obter uma decisão definitiva num prazo razoável.
16. É inquestionável que mesmo relativamente a um processo que revista uma carta complexidade, esta não justifica uma demora excessiva e que não responde à exigência do prazo razoável.
17. Os Tribunais Portugueses não podem ignorar o que se encontra estipulado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que reconhece a qualquer pessoa o direito de ver a sua causa examinada por um Tribunal num prazo razoável.
18. Assim, o TEDH deverá condenar Portugal ao pagamento de uma indemnização significativa, por violação pelo Estado Português da exigência do prazo razoável consagrado na Convenção dos Direitos Humanos/TEDH.
19. Assim, é de concluir que foi violado o direito da Autora/Exequente/recorrente a uma decisão em prazo razoável, assegurado pelo art.º 20.º, nº 4, da CRP, em sintonia com o art.º 6.º, § 1.º da convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Em consequência, o Estado deve ser condenado numa indemnização adequada por atraso em decidir em execução de sentença já transitada em julgado há vários anos.
V. PEDIDO FINAL
20. A recorrente considerasse prejudicada pela DECISÃO SUMÁRIA ora reclamada, que não é de mero expediente.
Por isso, requer que sobre a matéria do referido DESPACHO recaia um ACÓRDÃO, devendo a Exma. Sra. Dra. Relatora CONSELHEIRA submeter o caso à CONFERÊNCIA, depois de ouvida a contraparte.
Mais requer a junção aos autos deste instrumento.».
4. A carta de notificação da recorrida para apresentar resposta foi devolvida (cfr. fls. 467 e 485) e, notificada a recorrida do despacho da relatora para indicar o seu advogado constituído, foi a notificação também devolvida (cfr. fls. 486 a 489), pelo que não foi apresentada resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. A recorrente reclama para a conferência da Decisão Sumária n.º 431/2013, de 30 de julho, por discordar do decidido quanto ao não conhecimento do objeto do recurso interposto para este Tribunal.
A recorrente, todavia, não apresenta qualquer argumentação que ponha em causa os fundamentos da decisão sumária ora recorrida, pelo que não lhe assiste razão.
Com efeito, no ponto II da sua reclamação (n.ºs 2 a 9), a reclamante alega que pretende que este Tribunal «exerça um controlo de constitucionalidade e ilegalidade com natureza normativa.» e, ainda, que «Ataca interpretações e critérios normativos (…)», mas não invoca qualquer argumento que ponha em causa a fundamentação da decisão sumária recorrida quanto à não verificação dos pressupostos relativos à questão de inconstitucionalidade normativa, suscitada de modo adequado perante o tribunal que proferiu as decisões recorridas. E, como se referiu na decisão recorrida – e contrariamente ao que parece pretender a reclamante ao afirmar que «(…) é óbvio que ficam envolvidas as decisões, pois da generalidade normativa naturalmente que se vai descendo ou caindo nas particularidades do caso sub judice, pois se não fosse assim para que serviria o recurso de constitucionalidade/ilegalidade?!! (…)» – «(…) os recursos para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, interpostos de decisões dos tribunais só podem ter por objeto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com caráter de generalidade e por isso passíveis de aplicação a outras situações independentemente das particularidades do caso concreto, sob pena de inadmissibilidade.» (cfr. Decisão Sumária, II, 9).
A reclamante também não invoca qualquer argumento que ponha em crise o fundamento da Decisão Sumária quanto à não verificação do pressuposto relativo à ratio decidendi. Com efeito, no Ponto III da sua reclamação (n.ºs 10 a 14) refere, a final, que «E a ratio decidendi está sobejamente expressa nos instrumentos processuais invocados. É um problema de recusa de aplicação da norma do art.º 20.º da CRP.» (cfr. n.º 14). Ora o pressuposto relativo à ratio decidendi respeita não a este artigo da Lei Fundamental – uma das normas que a recorrente considera terem sido violadas (cfr. requerimento de interposição de recurso, 3) –, mas sim às normas cuja constitucionalidade a recorrente pretende ver apreciadas – as normas indicadas pela recorrente no n.º 2 do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal – que, como se como se indica na Decisão Sumária (II, 10), não foram aplicadas pelas decisões recorridas.
O alegado pela ora reclamante no ponto IV da sua reclamação (n.ºs 15 a 19), relativo ao direito de queixa a apresentar ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, também não releva para a apreciação da presente reclamação.
6. Assim, não tendo sido invocado pela reclamante qualquer argumento que ponha em causa os fundamentos da Decisão Sumária ora reclamada, é de concluir pelo indeferimento da reclamação.
III – Decisão
7. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, nos termos do artigo 7.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, e sem prejuízo da decisão de concessão de apoio judiciário.
Lisboa, 20 de novembro de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.