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Processo nº 732/00
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
A. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, instaurados ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que são recorrentes J... e mulher, M..., foi proferida decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A daquele diploma legal, datada de 22 de Fevereiro do corrente ano, que se passa a reproduzir:
'1. - J... e mulher, M..., identificados nos autos, interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, 'do Acórdão [do Supremo Tribunal Administrativo] e decisões subsequentes que negaram provimento ao recurso'. Pretendem que se aprecie 'a inconstitucionalidade do artigo 637º do CPC (quer se considere o preceituado no anterior Código quer no actual, por a matéria de fundo ser a mesma), por não conter menção quanto à força probatória dos depoimentos escritos (e, agora, através da gravação) e, também, quanto à limitação dos juízes sobre tal matéria, ficando, desta forma, (o juiz) contrariado o estatuído nos artigos 13º e 202º, nº 2, da Constituição Portuguesa'. O recurso foi admitido, o que, no entanto, não vincula o Tribunal Constitucional
(nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82). Foi proferido despacho pelo relator neste Tribunal, nos termos e para os efeitos previstos nos nºs. 1, 2, 5 e 7 do artigo 75º-A do mesmo diploma legal, tendo em vista a identificação das decisões recorridas e, bem assim, a indicação da peça processual onde a questão de constitucionalidade terá sido suscitada. Em resposta, os recorrentes informam que se referem 'ao último acórdão proferido pelo STA que decidiu sobre a matéria de direito e todas as decisões seguintes a esse acórdão', tendo suscitado a questão de constitucionalidade no requerimento de aclaração, após o que passam a indicar o que têm por 'peças processuais fundamentais' e que são: 'o depoimento da testemunha Irene; a decisão sobre a matéria de facto do TCA; decisão sobre a qual recaiu a inconstitucionalidade, decisão essa que não deu provimento ao recurso, proferida pelo STA'.
2. - O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo aludido pelos recorrentes, que o pretendem impugnar, é o de fls. 265 e segs., de 12 de Janeiro de 2000, da Secção do Contencioso Tributário, proferido nos autos de oposição deduzida pelos mesmos à execução fiscal contra eles instaurada pela Caixa Geral de Depósitos, para cobrança de uma dívida de capital e juros, proveniente de contrato de mútuo, com hipoteca, celebrado entre ambos. O Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto julgou improcedente a oposição, o que foi confirmado pelo Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 3 de Novembro de 1998, que, por sua vez, aquele acórdão do Supremo confirmou. Deduzido um primeiro incidente de aclaração, o Supremo Tribunal Administrativo, em conferência da Secção respectiva, indeferiu o pedido, por acórdão de 10 de Maio de 2000. Requereram, então, os interessados, acórdão do Pleno sobre a matéria ou, então, recurso para o Tribunal Pleno – o que o Conselheiro relator, por despacho de 7 de Junho seguinte, não admitiu. Escreveu-se, na oportunidade:
'Os recorrentes recorrem do acórdão da Secção, proferido, então, ainda em 3º grau de jurisdição (por o ser o vigente à data da proposição do acordo) para o Pleno da Secção. Ora, este recurso apenas é admitido nas hipóteses configuradas no artº 30º do ETAF e nenhuma delas ocorre no caso em apreço ou tão pouco a recorrente fundamenta – como a tanto está obrigado pelo ónus de alegar – em qualquer das suas alíneas a interposição que fez do recurso. O recurso interposto é, pois, legal e objectivamente inadmissível. Por isso se não admite. Custas pelos recorrentes com taxa de justiça de
20.000$00 e sem procuradoria (Emendei 20.000$00) – artºs. 5º § único e 9º §
único da Tabela de Custas deste STA. Por outro lado, a lei não prevê em ponto algum a reclamação para o Pleno de um acórdão da Secção. Sendo assim e porque os meios jurisdicionais estão sujeitos ao princípio da tipicidade não pode o juiz admitir a prática de um acto que a lei não prevê. Porque assim, indefere-se também o pedido de sujeição do acórdão da Secção ao Pleno da Secção.'
Nesse pedido de aclaração foi, então, suscitado, e aqui, pela vez primeira, se alegou 'encontrar-se o artigo 637º do CPC ferido de inconstitucionalidade'. Sobre este requerimento se pronunciou o Conselheiro relator, por despacho de 26 de Outubro último, que se transcreve, para melhor compreensão:
'A – Os recorrentes J... e mulher M..., com os demais sinais dos autos, vêm pelo seu requerimento de fls. 298 pedir a aclaração do despacho de fls. 295 e 296,
‘considerando que o mesmo contém obscuridades e ambiguidades’, alegando em fundamento do pedido o seguinte:
‘1. No presente processo encontram-se em causa decisões sucessivas dos Tribunais por onde o processo passou.
2. Todos os Tribunais escamotearam o depoimento testemunhal que foi reduzido a escrito.
3. De tal depoimento retiraram a competente força probatória que não foi impugnada pelo recorrido. Daí que o artº 637º do CPC se encontre ferido de inconstitucionalidade. Termos em que requerem a V. Exa., a aclaração nos termos sobreditos’. B – Ora, examinado o despacho cuja aclaração os recorrentes pedem constata-se que este decidiu apenas não admitir o recurso por eles interposto do acórdão da Secção de Contencioso Tributário deste STA, ainda em terceiro grau de jurisdição, para o Pleno da mesma Secção por tal recurso ser ilegal e objectivamente inadmissível à face do disposto no artº 30º do ETAF e, bem ainda, não admitir igualmente o pedido que os mesmos efectuavam de sujeitar o acórdão recorrido ao mesmo Pleno da Secção por a lei não prever igualmente a possibilidade de reclamação de tal decisão para esta formação judicial e os meios jurisdicionais estarem sujeitos ao princípio da tipicidade. C – Ora no requerimento que ora formulam cujo conteúdo acima se transcreveu na
íntegra, os requerentes não assacam ao despacho em causa qualquer défice de inteligibilidade do discurso judicial nele utilizado relativamente ao aí decidido e aos seus fundamentos que os impedisse de compreender completamente o seu sentido. Sendo assim o seu pedido é completamente descabido e carecido de fundamento, nada havendo a aclarar. A alegação dos requerentes tem antes como objecto as decisões proferidas nas instâncias em que se conheceu do mérito da sua causa e com ela também não visam o esclarecimento do seu sentido, mas ao fim e ao cabo introduzir uma alegação de inconstitucionalidade, formal e subjectivamente funcionalizada (adequadamente ou não é uma outra questão) para, ao fim e ao cabo, poderem recorrer para o T. Constitucional. Por isso se indefere o seu pedido de aclaração. Custas pelos recorrentes com taxa de justiça agravada de 24.000$00 (artºs. 6º §
5º e 11º da Tabela de Custas deste STA) pelo completo e objectivo descabimento do pedido formulado.'
3. - É manifesto não poder conhecer-se do objecto do recurso de constitucionalidade, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, o que se passará a fundamentar em conformidade.
4. - A questão de constitucionalidade foi equacionada no pedido de aclaração do despacho do Conselheiro relator do Supremo Tribunal Administrativo que não admitiu o pretendido recurso para o Pleno da Secção o que, em princípio, não é já o momento oportuno para se suscitar essa questão, como constitui jurisprudência reiterada e uniforme do Tribunal Constitucional no tocante à suscitação durante o processo a que faz referência a alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82. Na verdade, só nos casos excepcionais e anómalos em que o recorrente não tenha disposto processualmente da oportunidade de levantar a questão ou em que era de todo imprevisível a aplicação da norma ou a interpretação que lhe foi dada, será admissível uma tal arguição em momento subsequente (cfr., a título de mero exemplo, os acórdãos deste Tribunal nºs. 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e
663, e no Diário da República, II Série, de 28 de Maio de 1994). O caso dos autos não integra, manifestamente, qualquer dessas hipóteses. Acresce que o despacho de não admissão de recurso, bem como o que decidiu a reclamação apresentada, não constituem decisões definitivas – e, como se sabe, face ao disposto no nº 2 do artigo 70º da Lei nº 28/82, só de decisões desta natureza cabe recurso para o Tribunal Constitucional. Com efeito, as referidas decisões eram, ainda, susceptíveis de reclamação para a conferência nos termos dos artigos 9º, nº 1, alínea j), e nº 2, e 111º, nº 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho. De resto, as mencionadas decisões nada têm a ver com a aplicação da norma em causa. Consoante, aliás, se referiu no despacho de indeferimento do pedido de aclaração da decisão que não admitiu para o Pleno, a alegação de inconstitucionalidade do artigo 637º não visa precisar o sentido desse despacho, mas, sim, 'introduzir uma alegação de constitucionalidade, formal e objectivamente formalizada
(adequadamente ou não é uma outra questão) para, ao fim e ao cabo, poderem recorrer para o Tribunal Constitucional'. Mesmo que, em derradeiro esforço, se entendesse de outro modo, o certo é que não vem suscitado uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa pois o que, na verdade, está em causa, girando em torno do depoimento de uma testemunha, nada tem a ver com a força probatória desse depoimento (e eventual repercussão sua no âmbito normativo de constitucionalidade), mas sim com a discussão e valoração da prova, no âmbito da livre convicção de julgador. O recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade não abre via para se discutir a decisão judicial em si – cuja reapreciação, afinal, se pretende – não sendo, como tal, passível desse recurso a decisão (ou decisões) recorridas.
5. - Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerandos, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, decide-se: a) não tomar conhecimento do objecto do recurso; b) condenar os recorrentes nas custas do processo, cuja taxa de justiça, para cada um, se fixa em 15 unidades de conta.'
B - Notificados vieram os recorrentes pedir a aclaração da decisão, por alegadas ambiguidades.
Foi, então, proferido despacho, em 19 de Abril último, do seguinte teor:
'1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por J... e mulher, M..., sendo recorrida a C..., SA, foi proferida, em 22 de Fevereiro último, decisão sumária, nos termos do nº
1 do artigo 78º-A daquele diploma legal, na qual se não tomou conhecimento do objecto do recurso e se condenaram os recorrentes nas custas do processo. Notificados, vêm estes requerer a aclaração da decisão por considerarem ser a mesma portadora de ambiguidades. Entendem que sendo possível suscitar a questão de constitucionalidade no pedido de aclaração do despacho do Conselheiro relator que não admitiu o recurso que pretendiam interpor para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, seria esse o caso concreto uma vez que só então se equacionou a constitucionalidade do artigo 637º do Código de Processo Civil,
'porque, se o recurso fosse admitido, a questão ainda estaria pendente e não haveria, então, que recorrer para o Tribunal Constitucional'. Por outro lado, acrescentam, pretendiam uma apreciação da constitucionalidade daquela norma, 'relativamente à força probatória dos depoimentos testemunhais'. A recorrida não respondeu. Cumpre decidir.
2. - A aclaração pressupõe obscuridade ou ambiguidade que a decisão porventura contenha. Ora, uma decisão é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. No primeiro caso, não se sabe o que o Juiz quer dizer; no segundo hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos (cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 1981, vol. V, pág. 151; na jurisprudência deste Tribunal, entre outros, os acórdãos nºs. 1086/96, 1107/96,
45/97 e 566/98). Ora, nenhuma destas situações se verifica nos presentes autos. Na medida em que se pergunta 'porque não aceitar o pedido dos recorrentes' se a questão pode ser suscitada num pedido de aclaração, está-se, na verdade, a discordar da resposta dada a essa mesma interrogação na decisão sumária, para a qual ora se remete. E o mesmo se diga quanto à pretensão que os recorrentes confessam assistir-lhes com a interposição do recurso.
3. - Não há, por conseguinte, nada a aclarar. Indefere-se, consequentemente, o pedido e condenam-se os requerentes nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 unidades de conta.'
C - Agora, os recorrentes deduzem reclamação, com o pedido de recair um acórdão sobre a questão de constitucionalidade – nos termos do artigo
637º do Código de Processo Civil – considerando: a) que a decisão foi assinada apenas por um Juiz Relator (sic); b) que é uma questão 'muito grave', pois está em causa o pagamento em dobro de uma avultada quantia, pelos recorrentes; c) que a questão a decidir pelo Tribunal não se configura como simples.
A recorrida defende o indeferimento da pretensão deduzida.
Cumpre decidir.
D - Ora, numa benévola interpretação da intenção dos reclamantes, dir-se-á que, no fundo, não aceitam estes que se tenha lançado mão do procedimento previsto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, tendo em consideração os termos em que sintetizam a sua reclamação.
No entanto – e, ne respectiva decisão sumária cuidou-se de expor circunstanciadamente o que de relevante se entendeu para a apreciação do caso concreto – o que se constata, pelas razões então explanadas e que ora se reproduzem, com as quais se concorda na essencialidade, é que se não verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade pelo que dele não há que tomar conhecimento.
Decisão que, insiste-se, se reitera.
E - Em face do exposto, decide-se:
a) indeferir a reclamação apresentada;
b) condenar os reclamantes nas custas do processo, fixando-se a respectiva taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 23 de Maio de 2001- Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida