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Processo nº 451/01
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 77, foi proferida a seguinte decisão sumária:
1. A ... vem recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do despacho do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação do despacho do Tribunal da Relação de Coimbra, que não admitiu o recurso interposto do acórdão deste Tribunal. Este acórdão confirmara a condenação proferida pelo Tribunal Colectivo da Comarca de Penela, pela prática do crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, ao qual corresponde a moldura penal de 6 meses a 8 anos de prisão.
O recurso visa a apreciação da constitucionalidade da alínea f) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal (o que se depreende do processo, embora o recorrente, no requerimento de interposição de recurso, não tenha identificado o diploma legal em causa).
Para o recorrente, 'na decisão em crise foi violado o artigo 32º, nº
1 da CRP, bem como a generalidade das garantias de defesa do ora recorrente em processo criminal', tendo a questão de inconstitucionalidade sido suscitada na
'quer nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, na motivação do recurso que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça e ainda na motivação da reclamação de que ora se recorre'.
2. Tem o seguinte teor a norma impugnada:
'ARTIGO 400º Decisões que não admitem recurso
1. Não é admissível recurso:
....
.... f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções;
....
2.....'
A questão de constitucionalidade foi efectivamente suscitada na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (mas não nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra), bem como na reclamação do despacho do Tribunal da Relação de Coimbra que não admitiu o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, e foi colocada nos seguintes termos pelo recorrente (cf. a motivação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça):
'A disposição legal cuja inconstiucionalidade agora se invoca limita de forma inaceitável as garantias de defesa dos arguidos em processo penal, impedidos de fazer valer ou defender os seus direitos. Donde decorre que,
O artigo citado ofende o artigo 32º, nº 1 da Lei Fundamental, nos termos do qual, 'o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso'. Isto porque,
O CPP, através do preceito legal em causa, vem impedir um duplo grau de recurso para tipos legais de crime cuja pena é de prisão e cuja moldura legal, no seu limite máximo, atinge 8 anos de prisão. Como bem se sabe,
A pena de prisão, no seu efeito imediato, elimina de forma total e irremediável a liberdade ambulatória do cidadão, para além de que,
A natureza dos seus efeitos mediatos é discutida e discutível, de tal modo que reconhecidamente se defende que deve assumir-se como a última ratio no contexto das sanções penais, sendo inequívoca a opção do legislador por medidas não detentivas ou privativas da liberdade. Assim sendo,
Tipos legais de crime como aqueles que estão previstos pela alínea f) do nº 1 do artigo 400º do CPP, cuja moldura penal é, no seu limite máximo,
'não superior a oito', merecem, por parte do Estado, um tratamento legislativo que permita aos arguidos uma defesa compatível com a garantia dos seus direitos fundamentais e constitucionalmente consagrados, nomeadamente o direito de defesa em processo criminal.
Tal garantia dos direitos pressupõe, inquestionavelmente, um duplo grau de recurso, que a disposição supra citada, torna inadmissível, motivo pelo qual,
Deve ser declarado inconstitucional, por ofensivo do nº 1 do artigo
32ºº da CRP'.
3. O presente recurso é, porém, manifestamente infundado. Na verdade, no nº 1 do artigo 32º da Constituição consagra-se o direito ao recurso em processo penal, com uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido. Mas a Constituição já não impõe, directa ou indirectamente, o direito a um duplo recurso, ou a um triplo grau de jurisdição. O Tribunal Constitucional teve já a oportunidade para o afirmar, a propósito dos recursos penais em matéria de facto: 'não decorre obviamente da Constituição um direito ao triplo grau de jurisdição, ou ao duplo recurso' (acórdão nº 215/01, não publicado). A constitucionalidade da norma ora impugnada foi, de resto, apreciada no Acórdão nº 189/01, não publicado ainda, que concluiu no sentido de que 'a norma do artigo 400º, nº1, alínea f) do CPP não viola o princípio das garantias de defesa, constante do artigo 32º, nº1 da Constituição', cuja cópia se junta.
4. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso, por ser manifestamente infundado, confirmando-se a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs.
2. Inconformado, veio reclamar para a conferência, nos termos do disposto no nº
3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, sustentando que o recurso não deveria ter sido 'decidido sumariamente', como afirma, pelas seguintes razões: ao invocar o julgamento feito no acórdão nº 189/2001 do Tribunal Constitucional, a decisão reclamada 'mais não é do que a consagração no nosso sistema jurídico da regra do precedente obrigatório'; ora a jurisprudência entre nós não é fonte de direito; a decisão foi ditada pelo objectivo de julgar depressa o caso, e não de o apreciar devidamente; os fundamentos invocados no recurso decidido por aquele acórdão, que, é certo, versava sobre a mesma norma, podem ser diferentes daqueles que poderão ser utilizados neste, onde não foram ainda apresentadas alegações. E, reafirmando que arguiu a inconstitucionalidade do 'artº 400, nº 1, al. f), por entender que, tal norma é violadora das garantias de defesa do arguido, ao arrepio do consagrado no artº 32º, nº1 da Lei fundamental', conclui que a decisão reclamada, que deve ser revogada, 'viola o disposto no artº 208 do CRP, ao fazer aplicação no nosso sistema da regra do procedimento obrigatório [sic]'.
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio pronunciar-se no sentido de que a reclamação 'carece manifestamente de fundamento' e que o reclamante não apresenta qualquer razão susceptível de pôr em causa a orientação definida no acórdão referido.
4. Na verdade, a presente reclamação não pode ser deferida. Em primeiro lugar, porque a possibilidade de ser julgado um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas mediante decisão sumária que remeta para decisão anterior que haja julgado o mesmo objecto, prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, não representa, como é evidente, nenhuma manifestação da regra do precedente obrigatório, nem põe em causa por nenhuma via o princípio da independência dos tribunais, consagrado no artigo 203º da Constituição (e já não no artigo 208º). O que o nº 1 do artigo 78º-A permite é que não seja repetida a fundamentação, o que é bastante diferente. Em segundo lugar, porque a decisão reclamada não se limita, sequer, a remeter para o julgamento anterior. O reclamante omite que o fundamento indicado como razão daquela decisão foi ser 'manifestamente infundado' o recurso que interpôs, pelos motivos indicados no ponto 3 da decisão reclamada, que o reclamante não questiona, e que aqui se reafirmam.
É certo que o ora reclamante não teve a oportunidade de alegar, justamente porque o recurso foi assim julgado; mas a função da reclamação permitida pelo nº
3 do artigo 78º-A da mesma Lei nº 28/82 é, precisamente, conferir-lhe a possibilidade de apresentar razões que demonstrem que não tem cabimento, no caso, o juízo de manifesta improcedência – o que não curou de fazer. Nestes termos, indefere-se a presente reclamação, confirmando-se a decisão reclamada. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 11 de Outubro de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida