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Processo n.º 780/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 19 de julho de 2013, que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional.
2. O reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão do Tribunal da Relação do Porto. Conclui o seguinte na respetiva motivação:
«A. execução do presente mandado viola o princípio constitucional da proporcionalidade.
B. Sujeitar o recorrente a estar detido vários dias, quando o mesmo e justificou a sua falta em julgamento e requereu de imediato o agendamento de novas datas.
C. Disponibilizou-se, como sempre, a estar presente a julgamento.
D. Acrescendo que o crime de que vem acusado prevê pena até 2 anos, podendo, por tal facto, ser julgado sem a sua presença.
E. O recorrente é empresário, bem visto e com boa reputação.
F. É pai de família, é verdadeiramente humilhante sujeitá-lo a detenção, pretendendo o mesmo apresentar-se voluntariamente, como o demonstrou desde logo.
G. Só não tendo o Tribunal de Ourense marcado nova audiência.
Considera violados os 18º, 61º e 204º da CRP.
Nestes termos e nos de direito aplicável que V.ª .as mais doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, negada a execução de mandado europeu, por violação do princípio da proporcionalidade».
3. Em 5 de junho de 2013, o Supremo Tribunal de Justiça acordou em negar provimento ao recurso.
Notificado desta decisão, o reclamante dela interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, através de requerimento onde se pode ler o seguinte:
«Assim em desacordo com a douta interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido em que não compete ao Tribunal executor do mandado a análise dos fundamentos da emissão do mandado, não na parte em que redundaria numa segunda apreciação dos fundamentos da acusação ou dos factos ilícitos que são imputáveis, mas analisando os factos que levaram á emissão do mandado, enquanto fundamento para a emissão do mesmo, consideramos que o mandado é ilegítimo por desnecessário.
Assim e pelo exposto a douta decisão de julgar improcedente a alegação do recorrente é inconstitucional, por ser inconstitucional a sua interpretação da legislação aplicável, nomeadamente da Lei 65/2003, de 23 de Agosto, por violação do princípio da proporcionalidade prevista pelo art.º 18º da Constituição da República Portuguesa».
4. Por despacho do relator, o recorrente foi notificado para, «no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de rejeição do recurso, dar integral cumprimento ao disposto no artº 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de novembro, nomeadamente: a) indicar a alínea do nº 1 do artº 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o tribunal aprecie, para além da norma ou princípio constitucional que considera violado; b) indicar a peça processual em que foi suscitada a inconstitucionalidade».
O reclamante ofereceu a seguinte resposta:
«Mais declara que recorre ao da alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro,
Que a norma que pretende ver apreciada é a constante do art.º 2º, n.º 2 e 3º da Lei 65/2003, de 23 de Agosto,
Mais informa que suscitou a inconstitucionalidade nas alegações por si apresentadas perante o Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que viola o princípio da proporcionalidade».
5. Foi então proferido despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, com o seguinte teor:
«Não admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, porquanto o recorrente não suscitou, durante o processo, a questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 2º, nº 2 e 3º da Lei nº 65/2003 de 23 de Agosto, que agora veio indicar (fl. 231)».
Formulado pedido de aclaração deste despacho, o mesmo foi indeferido.
6. Foi depois deduzida a presente reclamação, onde se pode ler o seguinte:
«“A. A execução do presente mandado viola o princípio constitucional da proporcionalidade.”
Ora desta forma considera ter em todo a tramitação processual e ao longo de todo o processo alegado a violação da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente do Principio da Proporcionalidade, facto que sustenta o seu pedido de recurso para o Tribunal Constitucional.
Por todo o ora exposto considera ter cumprido quer os pressupostos legais de que depende a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Pelo que requer a V. Ex. se digne admitir a presente reclamação e, em consequência, seja admitido o recurso interposto para esse Tribunal».
7. Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação, nos seguintes termos:
«3. Em resposta a este convite (artigo 75.º-A. n.º 5, da LTC), o recorrente veio esclarecer que o recurso era interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º e “que a norma que pretendia ver apreciada é a constante dos artigos 2.º, n.º 2, e 3.º da Lei 65/2003, de 23 de Agosto”.
4. Sendo o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 daquele artigo 70.º, um dos requisitos de admissibilidade consiste em a questão de inconstitucionalidade ser suscitada “durante o processo”.
5. No caso, o momento processual adequado para tal era a motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação do Porto.
6. Vendo essa peça processual, nela não vem suscitada a questão da inconstitucionalidade da norma do artigos 2.º, n.º 2, e 3º da Lei n.º 65/2003, a indicada como devendo constituir objeto do recurso (vd. n.º 3).
7. Aliás, nessa mesma peça não vem enunciada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se o recorrente a invocar genericamente a violação dos artigos 18.º, 61.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade interposto tem como fundamento a não suscitação prévia da «questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 2º, nº 2 e 3º da Lei nº 65/2003 de 23 de Agosto», indicadas pelo recorrente quando aperfeiçoou o respetivo requerimento de interposição.
O reclamante sustenta que suscitou tal questão «em toda a tramitação processual e ao longo de todo o processo», alegando que «a execução do presente mandado viola o princípio constitucional da proporcionalidade».
De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). Requisito que não se pode dar como verificado nos presentes autos.
Na motivação do recurso interposto para o tribunal que proferiu a decisão recorrida – o momento processual adequado para aferir da verificação do requisito da suscitação prévia da questão de constitucionalidade – o reclamante não questionou a constitucionalidade de qualquer norma reportada ao artigo 2º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, não tendo referido sequer estas disposições legais. Não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, tendo sustentado somente que a execução do mandado violava o princípio constitucional da proporcionalidade. O que, manifestamente, não serve para dar como cumprido o ónus da suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa cuja apreciação é requerida ao Tribunal.
É de concluir, pois, pela confirmação do despacho que é objeto da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 15 de outubro de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.