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Processo n.º 84/12
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
(Conselheira Catarina Sarmento e Castro)
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. No requerimento de interposição do recurso, a recorrente delimitou o respetivo objeto, nos seguintes termos:
“As normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada são as dos artºs 111.º, 131º e 168º, nºs 1 e 2 do EMJ e 6º, nºs 1, 4 e 8, bem como 46º da Lei nº 58/2008, de 9/9.”
Acrescentou que os preceitos e princípios constitucionais que entende terem sido violados pelas referidas normas, “se e quando interpretadas e aplicadas na vertente normativa em que o foram no Acórdão recorrido, são os dos artºs 6º, nºs 1 e 2 da CEDH (recebido na ordem jurídica interna ex vi do artº 8º da CRP) bem como os artºs 2º, 20º nºs 1 e 5 e 32º, nºs 1, 2 e 10, e ainda 212º, nº 3, todos da CRP”.
Convidada a identificar, de forma clara e explícita, os critérios normativos, cuja apreciação de constitucionalidade pretende – já que apenas tinha indicado as disposições legais que lhes serviriam de suporte – veio a recorrente responder a tal convite, formulado ao abrigo do artigo 75.º-A, n.os 1, 5 e 6, todos da LTC, nos seguintes moldes:
“a) Artº 111° do EMJ e 46º do EDTFP (Lei nº 58/2008, de 9/9) na vertente normativa de permitir que, uma vez instaurado por deliberação do CSM um determinado procedimento disciplinar contra um Juiz, pela alegada prática de determinados factos, o inspetor/relator/inquiridor/acusador possa, sem suporte de nova deliberação do mesmo CSM, alargar o âmbito do mesmo procedimento a esses novos factos, mediante, desde logo, a elaboração duma nova nota de culpa; sendo que os preceitos e princípios constitucionais violados por tal vertente normativa são os do artº 2° (por violação do princípio da segurança e certeza jurídica) e 32°, nº 1, 2 e 10 (por violação dos princípios das máximas garantias de defesa e de presunção de inocência).
b) Artº 131 ° do EMJ e 6°, nº 1, 4 e 8 do citado EDTFP na vertente normativa de a aplicação subsidiária do referido Estatuto disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública (Lei nº 58/2008) à situação jurídica dos magistrados ser “seletiva”, no sentido de permitir a não aplicação ao concreto caso da ora recorrente do prazo prescricional estabelecido naquele regime sob o argumento de os diversos factos imputados à recorrente consubstanciarem uma pretensa e única infração continuada (assim não considerando prescrito o procedimento quanto a todos os factos posteriores ao final de junho de 2010) mas depois, quando tal convém à tese da pretensa acumulação de infrações (e para assim procurar justificar a aplicação duma sanção mais pesada), já se abandonar tal conceito de infração continuada.
c) Artº 168°, nºs 1 e 2 do EMJ, na vertente normativa de determinar que das deliberações administrativas (designadamente em matéria disciplinar) do CSM, presidido pelo Presidente do STJ, se recorra, não para os Tribunais Administrativos mas sim para uma secção ad hoc do STJ, constituída por Juízes designados pelo mesmíssimo Presidente do STJ, ou seja, se institua um sistema de alegado “recurso” em que a entidade ad quem não se diferencia suficientemente da entidade a quo, e em que as reais possibilidades de efetivo reexame e alteração do julgado são praticamente nulas, assim violentando quer o princípio constitucional de atribuição de competências aos Tribunais Administrativos e Fiscais para julgar os litígios emergentes, como é o caso, das relações jurídicas administrativas (consagrado no artº 212°, nº 3 da CRP) quer o das máximas garantias de defesa do arguido Juiz de em processo sancionatório (consagrado nos artº 32°, nºs 1, 2 e 10 da mesma CRP) e ainda o direito de um tal Juiz arguido a ser presumido inocente e a ver a sua causa examinada de forma equitativa e por uma entidade imparcial, consagrado no artº 6º, nºs 1 e 2 da CEDH e no artº 32°, nº 10 da CRP, e enfim o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado e garantido no artº 20°, nºs 1 e 5 da CRP.
d) (Questão de inconstitucionalidade arguida no próprio requerimento de interposição de recurso por ser esse o primeiro momento processual em que tal questão pode ser arguida) Artº 78°-A (na medida em que possibilita decisões de um único Juiz, o relator, sobre as questões de inconstitucionalidade) 5° e 84º, nº 2, 3, 4 e 5 do LOTC (Lei nº 28/82) e do Dec. Lei n° 303/98, de 7/10, alterado pelo Dec. Lei nº 91/2008, de 2/6, em particular os seus artºs 6° a 9°, (na medida em que, sem bastante razão justificativa para tal, não só fixam um regime de custas único, diferenciado e específico para o Tribunal Constitucional, como determinam que as custas e multas ao seu abrigo aplicadas aos recorrentes constituam receita corrente do próprio Tribunal Constitucional, tornando-o assim parte objetivamente interessada num desfecho final desfavorável aos mesmos recorrentes), aqui por violação quer dos artºs 224°, nº 2 (que determina que o Tribunal constitucional pode funcionar por secções, e não por relatares) e 203° (por representar um obstáculo objetivo incontornável à independência da instância que julga, in casu, o Tribunal Constitucional), ambos da CRP, quer do artº 6°, nº 1 e 2 da CEDH (por tal solução pôr claramente em causa o direito do cidadão ver a sua causa examinada de forma equitativa e por uma entidade imparcial).”
3. Posteriormente, notificada para o efeito, a recorrente apresentou alegações, onde conclui, nos termos seguintes:
“1ª O presente recurso mostra-se tempestivamente interposto, por quem para ele em legitimidade, havendo todas as inconstitucionalidades invocadas sido atempadamente arguidas e cumprindo o requerimento de interposição do recurso com todos os requisitos formais e substanciais do artº 75°-A da LOTC,
2ª Nenhuma questão existindo, adjetiva ou formal, que permita obstar ao exame e decisão das questões de fundo oportunamente suscitadas. Assim,
3ª E desde logo, os artºs 111° do EMJ e 46° do EDTFP, na vertente normativa de permitirem que, uma vez instaurado pelo CSM contra um Juiz um processo disciplinar por determinados factos, o inspetor/relator/inquiridor/acusador possa, sem suporte de nova deliberação do mesmo CSM, alargar o âmbito do mesmo procedimento a novos factos, são materialmente inconstitucionais por violação dos preceitos e princípios dos artºs 2° e 32°, nºs 1, 2 e 10 da CRP.
4ª Por seu turno, os artºs 131 ° do EMJ e 6°, nº 1, 4 e 8 do EDTFP, na vertente normativa de permitirem considerar que os mesmos factos imputados à recorrente consistirem ou numa única infração contínua (para efeitos de montantes que o respetivo prazo prescricional não ter ainda decorrido) ou uma multiplicidade de infrações distintas (para efeitos de invocar uma acumulação de infrações como fundamento para a aprovação da sanção) são também materialmente inconstitucionais por violação gritante dos mesmos preceitos e princípios dos citados artºs 2° e 32°, nºs 1, 2 e 10 da CRP.
5ª Os nºs 1 e 2 do artº 168° do EMJ, na vertente normativa de determinarem que das deliberações disciplinares do CSM se recorre não para os Tribunais Administrativos mas para uma Secção “ad hoc” do STJ, são também materialmente inconstitucionais, por violação quer do artº 212°, nº 3 da CRP (competências dos Tribunais Administrativos), quer do artº 32°, nºs 1, 2 e 10 da CRP (princípio das máximas garantias de defesa) quer ainda dos artºs 32º, nº 10 e 20º, nºs 1 e 5 da CRP e 6°, nºs 1 e 2 do CEDH (por porem em causa, de forma tão infundamentada e desproporcionada quanto desnecessária, a real dimensão dos princípios da presunção de inocência de todo o arguido, das máximas garantias de defesa deste, do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e, sobretudo, do direito a ver a sua causa examinada de forma equitativa e por uma entidade imparcial).
6ª São de igual modo materialmente inconstitucionais os artºs 78°-A da LOTC (na medida em que possibilita a decisão das questões de inconstitucionalidade suscitadas por mera decisão sumária dum Juiz único) e os artºs 5° e 84°, nºs 2 a 5 da mesma LOTC, em conjugação com os artºs 6° a 9° do Dec. Lei 303/98, de 7/10, alterado pelo Dec. Lei 91/2008, de 2/6, na vertente normativa de estabelecerem um regime de custas único, diferenciado e específico para o próprio Tribunal Constitucional, que permite decisões de fundo por Juiz singular a condenação dos recorrentes em custas – que, para mais, constituem receita corrente do próprio Tribunal, tornando-o assim objetivamente interessado num desfecho final dos processos desfavorável dos mesmos recorrentes !? - de montantes elevadíssimos e totalmente independentes do valor da causa e do trabalho efetivamente dispendido pelo Tribunal,
7ª Violando assim os artº 224º, nº 2 (que determina que o Tribunal Constitucional possa funcionar por secções, mas não por relatores) e 203° (por este regime representar um obstáculo objetivo à independência da instância que julga, ambos da CRP), E ainda o artº 6°, nºs 1 e 2 do CEDH (por o mesmo regime pôr por completo em causa, inutilizando-o na prática, o direito do cidadão a ver a sua causa examinada de forma equitativa e por uma entidade subjetiva e objetivamente imparcial.”
4. O recorrido igualmente apresentou alegações, concluindo que não assiste razão à recorrente, quanto aos juízos de inconstitucionalidade que formula.
5. Face à possibilidade de ser proferida decisão de não conhecimento de mérito, quanto às questões de constitucionalidade que constituem objeto do presente recurso, com exceção da questão relativa à dimensão normativa, extraída do artigo 168.º, n.os 1 e 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais - melhor identificada sob a alínea c) do artigo 11.º da peça processual apresentada em resposta ao convite ao aperfeiçoamento – foram convidadas as partes a pronunciarem-se sobre o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, relativamente a tais questões, nomeadamente o cumprimento do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, de forma adequada, perante o tribunal a quo; a natureza normativa do objeto do recurso e a aplicação do critério normativo, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida, ex vi artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e 69.º da LTC.
Em resposta a tal convite, a recorrente veio referir que todas as questões de inconstitucionalidade – com exceção das referentes aos artigos 78.º-A, n.º 5.º e 84.º, n.os 2 a 5 da LTC – foram atempadamente arguidas, nomeadamente na defesa apresentada no âmbito do processo disciplinar, e, posteriormente, no recurso apresentado para o Supremo Tribunal de Justiça, bem como nas respetivas alegações finais.
No que respeita às disposições relativas ao presente recurso de constitucionalidade e ao respetivo procedimento, a recorrente refere ter arguido a respetiva inconstitucionalidade perante o próprio Tribunal Constitucional, a tempo de tal instância poder proferir decisão.
Conclui, nestes termos, a recorrente peticionando que o mérito do recurso interposto seja apreciado integralmente.
O recorrido optou por não se pronunciar.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
6. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP); artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Analisemos, assim, se tais requisitos se verificam in casu.
7. Comecemos por apreciar a questão identificada sob a alínea a), reportada ao artigo 111.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de julho, doravante designada por EMJ) conjugado com o disposto no artigo 46.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro), na vertente de “permitir que, uma vez instaurado por deliberação do CSM um determinado procedimento disciplinar contra um Juiz, pela alegada prática de determinados factos, o inspetor/relator/inquiridor/acusador possa, sem suporte de nova deliberação do mesmo CSM, alargar o âmbito do mesmo procedimento a esses novos factos, mediante, desde logo, a elaboração duma nova nota de culpa”.
No tocante a tal questão, impõe-se verificar se a recorrente a suscitou previamente, de forma adequada, perante o tribunal a quo.
O cumprimento do pressuposto de admissibilidade do recurso, agora em apreciação, pressupõe que a questão da constitucionalidade seja levantada, junto do tribunal a quo, de uma forma expressa, direta e clara, criando para esse tribunal um dever de pronúncia sobre tal matéria.
Exige-se, neste âmbito, uma precisa delimitação e especificação do objeto de recurso e uma fundamentação, minimamente concludente, com um suporte argumentativo que inclua a indicação das razões justificativas do juízo de inconstitucionalidade defendido, de modo a tornar exigível que o tribunal a quo se aperceba e se pronuncie sobre a questão jurídico-constitucional, antes de esgotado o seu poder jurisdicional (cfr. v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 708/06 e 630/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Refere a recorrente que “a inconstitucionalidade das normas em causa foi oportunamente arguida quer no requerimento inicial do presente recurso, quer nas respetivas alegações finais, apresentadas nos termos do artº 176º do EMJ”.
Nas alegações, que precederam a prolação da decisão recorrida, o excerto em que é possível descortinar uma alusão à questão enunciada é o seguinte:
“(…) permanece inteiramente de pé a questão, absolutamente incontornável, de a ora recorrente ter sido sancionada por factos relativamente aos quais o CSM não produziu qualquer deliberação para instaurar o competente processo disciplinar (e só a ele compete tal instauração, nos termos do artº 111° do EMJ), mas que, em contrapartida, foram objeto de um “aditamento à acusação” da exclusiva autoria do mesmo Instrutor, sem que a recorrente tenha sido notificada de qualquer (nova) deliberação do CSM a decidir a instauração de procedimento disciplinar também por esses novos alegados “factos”.
Ora, sob completa subversão dos princípios essenciais (e constitucionais) relativos ao exercício do poder disciplinar, esta curiosa interpretação do CSM acerca dos poderes que assistiriam ao instrutor – e que, face à lei e em matéria de instauração e prossecução do procedimento disciplinar, não são afinal nenhuns! – e que afeta de forma muito grave o núcleo essencial do basilar princípio constitucional dos direitos de defesa (artº 32º, nº 10 da CRP), gera a pura e simples inexistência jurídica do dito “aditamento” ou, quando assim porventura se não entendesse, pelo menos a nulidade absoluta do mesmo (…)”
Ainda que se considerasse tal alusão uma forma adequada de suscitação de questão normativa de constitucionalidade - não obstante a ausência de enunciação, em termos explícitos e rigorosos, depurada de referência a elementos casuísticos, e a circunstância de tal alusão surgir desacompanhada de uma fundamentação que densifique, argumentativamente, o juízo conclusivo de desconformidade com a Lei Fundamental - certo é que o acórdão recorrido não faz assentar a sua ratio decidendi na interpretação normativa difusamente problematizada pela recorrente, nos termos transcritos.
De facto, pode ler-se na decisão posta em crise:
“(…) por se tratar de um Inquérito de caráter genérico, o instrutor do processo de inquérito fica habilitado a praticar todos os atos que entenda relevantes para o correto apuramento dos factos, como resulta do artigo 36.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, ex vi artigo 131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Desta forma, se concluir durante ou no final do inquérito que os factos objeto do mesmo revelam a prática de infração(ões) disciplinar(es) por parte de determinado(s) Juiz(es), pode propor a instauração de procedimento(s) disciplinar(es) (art.º 12.º, n.º 3, do Regulamento das Inspeções Judiciais). Do mesmo modo, se, durante a fase de instrução, fossem trazidos ao processo disciplinar mais factos de que aqueles que constavam do relatório que resultou do inquérito genérico, no que à Arguida respeita, teriam os mesmos de constar da acusação.
Esta é uma situação que não está proibida, nem no Estatuto dos Magistrados Judiciais, nem no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública. Por isso, e em obediência ao princípio da busca pela verdade material, impunha-se o recurso ao aditamento.
O que é importante, isso sim, é assegurar todas as garantias de defesa, nomeadamente do exercício do contraditório. Ou seja, por lei não está vedada a possibilidade de aditamentos factuais, inclusivamente à acusação ou à nota de culpa desde que não seja negado ao Arguido o exercício da sua defesa. Neste sentido, Paulo Veiga e Moura, no “Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração pública, Anotado”, pág. 148, defende que o aditamento à acusação é possível desde que os factos a aditar «estejam relacionados com as infrações objeto da acusação e sobre os factos aditados se assegure a pronúncia e o direito de defesa».
No caso em apreço, os factos surgiram desde logo na peça acusatória e estão diretamente relacionados com o objeto do inquérito previamente ordenado pelo Conselho Superior da Magistratura.
A ora Recorrente teve oportunidade de sobre eles se pronunciar e de se defender, o que aliás veio a fazer. Argumentou o que entendeu ser relevante quanto a todos os factos, indicou prova para sobre os mesmos ser tida em conta, razão pela qual não viu coartado o seu direito de defesa.
Desta forma, está salvaguardado o respeito pelo disposto nos artigos 32.º, n.º 10, e 269º, n.º 3, ambos da Constituição da República Portuguesa que impõem a observância dos direitos de audiência e de defesa do arguido em quaisquer processos sancionatórios, incluindo em processo disciplinar.”
E, mais adiante, acrescenta-se:
“Como refere o Dig.mo Magistrado do Ministério Público em suas alegações:
(…)
Os novos factos levados à acusação (…) mantêm-se no quadro da deliberação fundadora do procedimento disciplinar (deliberação do Conselho Permanente do CSM (…)”
Do excerto supra resulta que a solução encontrada pelo tribunal a quo repousa no entendimento de que o aditamento de novos factos à acusação é válido, desde que os mesmos estejam relacionados com o objeto do inquérito, previamente ordenado pelo Conselho Superior da Magistratura, e que sobre os mesmos a arguida tenha a oportunidade de se pronunciar, exercendo o seu direito de defesa.
Tal entendimento não corresponde à interpretação a que a recorrente faz difusa alusão no requerimento de interposição de recurso e nas alegações que precedem a prolação do acórdão recorrido, nem à enunciação que apresenta na peça em que aperfeiçoa o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade. De facto, nesta enunciação, a recorrente afasta-se dos elementos decisivamente caracterizadores do fundamento da decisão recorrida, desde logo, da exigência de que os novos factos estejam relacionados com os que estiveram na origem do inquérito.
Assim, concluindo-se que a questão de constitucionalidade suscitada pela recorrente, previamente – com as deficiências assinaladas – e enunciada na peça, em que a mesma aperfeiçoa o requerimento de interposição de recurso, não coincide com a ratio decidendi da decisão recorrida, mostra-se prejudicada a admissibilidade do recurso, relativamente a esta primeira questão em análise, reportada ao artigo 111.º do EMJ.
8. Relativamente à segunda questão, alicerçada nos artigos 131.° do EMJ e 6.°, n.os 1, 4 e 8, do citado Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, refere a recorrente que se centra na vertente “de a aplicação subsidiária do referido Estatuto disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública (Lei nº 58/2008) à situação jurídica dos magistrados ser “seletiva”, no sentido de permitir a não aplicação ao concreto caso da ora recorrente do prazo prescricional estabelecido naquele regime sob o argumento de os diversos factos imputados à recorrente consubstanciarem uma pretensa e única infração continuada (assim não considerando prescrito o procedimento quanto a todos os factos posteriores ao final de junho de 2010) mas depois, quando tal convém à tese da pretensa acumulação de infrações (e para assim procurar justificar a aplicação duma sanção mais pesada), já se abandonar tal conceito de infração continuada”.
Da mera análise da enunciação formulada resulta claro que a recorrente pretende, não a sindicância de constitucionalidade de um verdadeiro critério normativo – depurado de referências casuísticas e reconhecível no conteúdo literal de um preceito ou conjugação de preceitos infraconstitucionais – mas a apreciação da concreta decisão jurisdicional recorrida.
Ora, o controlo de constitucionalidade cometido a este Tribunal, no nosso ordenamento jurídico, apenas pode incidir sobre normas, critérios ou interpretações normativas, e não sobre a concreta decisão jurisdicional, na dimensão casuística de apreciação dos factos e respetiva qualificação jurídica.
Nestes termos, atenta a inidoneidade do objeto, mostra-se prejudicado o conhecimento do recurso, quanto a esta segunda questão.
Sempre se dirá que a recorrente não suscitou, perante o tribunal a quo, de forma clara e explícita, qualquer questão normativa relativamente aos artigos 131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 6.º, n.os 1, 4 e 8, da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, pelo que ficou definitivamente prejudicada a possibilidade de vir, ulteriormente, interpor recurso de constitucionalidade. Na verdade, o incumprimento do ónus de suscitação prévia sempre ditaria a inadmissibilidade do recurso, ainda que a recorrente tivesse logrado identificar uma verdadeira questão normativa, reportada a tais preceitos, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o que, reitera-se, não se verifica in casu.
9. No que concerne ao artigo 168.º, n.os 1 e 2 do EMJ, refere a recorrente que a questão que pretende ver apreciada se consubstancia na “vertente normativa de determinar que das deliberações administrativas (designadamente em matéria disciplinar) do CSM, presidido pelo Presidente do STJ, se recorra, não para os Tribunais Administrativos mas sim para uma secção ad hoc do STJ, constituída por Juízes designados pelo mesmíssimo Presidente do STJ”.
Relativamente a tais questões, já o Tribunal Constitucional se pronunciou, nomeadamente no âmbito do Acórdão n.º 277/2011 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), proferido em 6 de junho de 2011, na 2.ª Secção deste Tribunal.
9.1 Quanto ao recurso, previsto no n.º 1 do artigo 168.º do EMJ, das deliberações do Conselho Superior de Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça (secção ad hoc) – e não para o Supremo Tribunal Administrativo – pode naquele aresto ler-se o seguinte:
“(…) A Recorrente questiona, em primeiro lugar, a conformidade constitucional desta solução por não atribuir a um tribunal administrativo essa competência, uma vez que a Constituição no seu artigo 212.º, n.º 3, [define que] incumbe aos tribunais administrativos do julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídico-administrativas.
Além disso, acusa também a secção do Supremo Tribunal de Justiça, a quem compete proceder ao julgamento destes recursos, de não ter condições de isenção e independência para os julgar, atenta a sua composição e modo de designação.
Estas imputações já foram objeto de anteriores pronúncias do Tribunal Constitucional, que sempre entendeu, sem dissonância, que a regra de competência estatuída no artigo 168.º, do EMJ, não violava nenhum princípio ou preceito constitucional (vide os Acórdãos n.º 347/97, 687/98, 40/99, 64/99, 131/99, 234/99, 290/99, 373/99, 575/99, 235/2000, e 254/2001, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
(…)
2.2. Da reserva de competência dos tribunais administrativos
A Recorrente defende que a Constituição ao cometer aos tribunais administrativos o julgamento dos recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações administrativas (artigo 212.º, n.º 3) estabelece uma reserva absoluta de competência, não podendo o legislador ordinário atribuir a outros tribunais a competência para decidir tais recursos.
(…)
A autonomização organizacional do exercício da jurisdição administrativa consagrada constitucionalmente na revisão constitucional de 1989, está associada à autonomia dogmática e à complexidade técnica do Direito Administrativo, à importância da definição jurisprudencial dos seus princípios gerais e à vantagem genérica da submissão dos casos a juízes com sensibilidade para os limites do controlo dos atos praticados no exercício da liberdade de decisão administrativa. Se a estas razões é inerente a delimitação de uma área natural de intervenção desta jurisdição autónoma, já não se revela necessário o estabelecimento de uma reserva material absoluta que impeça o legislador ordinário de, em casos justificados, atribuir pontualmente a outros tribunais o julgamento de questões substancialmente administrativas.
As vantagens de intervenção duma jurisdição especializada poderão ter que ceder perante outras razões cuja valoração justifique o seu atendimento.
Uma leitura rígida do disposto no artigo 212.º, n.º 3, da Constituição, impediria o legislador, sem quaisquer vantagens, de atender a práticas com uma longa tradição, de ponderar pragmaticamente as zonas de interseção de matérias de diferente natureza, e de adequar a distribuição de competências, tendo em atenção a procura e a oferta dos serviços públicos de justiça.
Necessário é que haja a obrigação de respeitar o núcleo essencial da organização material das jurisdições, não desvirtuando as autonomizações constitucionalmente consagradas, e que as soluções que excecionalmente constituam um desvio à cláusula constitucional de definição da área de competência dos tribunais administrativos tenham uma justificação bastante.
Esta foi aliás a leitura que o legislador ordinário tem feito do texto constitucional, mantendo e atribuindo, por um lado, a outros tribunais a competência para julgar causas substancialmente administrativas, tal como, por outro lado, na Reforma de 2002, redefiniu o âmbito da jurisdição administrativa em termos que não coincidem exatamente com a definição efetuada pelo artigo 213.º, n.º 3, da Constituição.
Pode, pois, dizer-se que no figurino constitucional os tribunais administrativos são apenas os tribunais comuns em matéria administrativa, tendo o legislador liberdade para, em casos justificados e pontuais, atribuir a competência a outros tribunais.
Tem sido esta, aliás, a jurisprudência constante deste Tribunal (vide, entre muitos outros, os Acórdãos n.º 347/97, n.º 458/99, n.º 421/2000, n.º 550/2000, 284/2003, n.º 211/2007, n.º 522/2008 e n.º 632/2009, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Como já acima se revelou na época em que se começou por atribuir ao Pleno do Supremo Tribunal de Justiça a competência para julgar os recursos interpostos das deliberações do Conselho Superior de Magistratura, não existia uma alternativa credível.
Mas, com a autonomização organizacional do exercício da jurisdição administrativa, o Supremo Tribunal Administrativo não só passou a ser uma opção que deixou de constituir um perigo para a independência da magistratura judicial, como, numa primeira aparência, era a opção natural, face à matéria em discussão nesses recursos.
Contudo, o legislador manteve a solução inicial, sentindo o peso da história, embora curta, do exercício daquela competência pelo Supremo Tribunal de Justiça, e atendendo à proximidade dos juízes deste Tribunal com as realidades objeto das deliberações recorridas do Conselho Superior de Magistratura, designadamente em matéria de disciplina dos magistrados judiciais, e, quid sapit, algum receio de introduzir um fator de conflitualidade entre as duas ordens jurisdicionais.
Na verdade, apesar dessa proximidade poder colocar algumas interrogações sobre a imparcialidade do tribunal de recurso, como iremos adiante apreciar, ela confere um melhor conhecimento da realidade sobre a qual incidem as deliberações recorridas e uma sensibilidade mais afinada para balancear o peso dos interesses em jogo nestes recursos.
Se os juízes do Supremo Tribunal Administrativo, por princípio, têm um conhecimento mais detalhado do direito a aplicar, já os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, atenta a especificidade das matérias em discussão, estarão numa posição privilegiada para melhor efetuarem um controlo dos atos recorridos, pelo que nesta última qualidade poderá residir o fundamento bastante para conferir ao legislador legitimidade para manter a solução de continuar a ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para apreciar os recursos interpostos das decisões do Conselho Superior da Magistratura, designadamente em matéria de disciplina dos juízes.
Por estas razões não é possível dizer que a atribuição desta competência viole o disposto no artigo 213.º, n.º 1, da Constituição. (…)»
2.3. Da imparcialidade dos juízes
Mas a Recorrente também acusa a secção do Supremo Tribunal de Justiça, a quem compete proceder ao julgamento destes recursos de não ter condições de isenção e independência para os julgar, atenta a sua composição e modo de designação.
(…)
No artigo 203.º, da Constituição, consagra-se a independência dos tribunais, a qual pressupõe a independência dos juízes.
Conforme referiu Castro Mendes, “a independência dos juízes é a situação que se verifica quando, no momento da decisão, não pesam sobre o decidente outros fatores que não os judicialmente adequados a conduzir à legalidade e à justiça da mesma decisão” (in Nótula sobre o art. 208.º, da Constituição – Independência dos juízes”, em Estudos sobre a Constituição, ed. da Petrony, de 1977), o que reclama que os juízes se encontrem numa situação de imparcialidade ou terciariedade face às partes do processo que são chamados a decidir.
Apesar de apenas o n.º 5, do artigo 222.º, da Constituição, referir esta qualidade, relativamente, aos juízes do Tribunal Constitucional, isso não significa que esta exigência não recaia também sobre os juízes dos tribunais judiciais, estando o legislador ordinário vinculado a criar um quadro legal que garanta e promova a imparcialidade dos juízes, como forma de realização do princípio da independência dos tribunais (artigo 203.º, n.º 1, da Constituição), e do direito dos cidadãos a um processo equitativo, quando a eles recorrem (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição).
Daí que não seja admissível a atribuição da competência para decidir uma causa a quem, objetivamente, não se encontre numa posição com o distanciamento suficiente, relativamente às partes a quem a decisão afete, que lhe permita julgar sem quaisquer influências estranhas à legalidade e à justiça da decisão.
Ora, o facto dos juízes que compõem a secção do Supremo Tribunal de Justiça competente para julgar os recursos interpostos das deliberações do Conselho Superior de Magistratura, designadamente em matéria disciplinar, se encontrarem sujeitos à gestão e disciplina deste órgão, não pode ser encarado, de uma perspetiva objetiva, como um fator suscetível de influenciar a sua pronúncia nessas causas.
As relações entre este órgão e os juízes não são de subordinação, gozando estes não só de independência face aos demais poderes do Estado, mas também de uma independência interna, sendo a sua gestão e disciplina levada a cabo pelo Conselho Superior de Magistratura, segundo regras prévia e abstratamente fixadas (vide Gomes Canotilho, sobre as relações entre os juízes e o Conselho Superior da Magistratura, em “A questão do autogoverno das Magistraturas como questão politicamente incorreta”, em AB VNO AD OMNES – 75 anos da Coimbra Editora, pág. 247 e seg.).
Daí que o facto da entidade emitente da decisão recorrida ser o Conselho Superior da Magistratura não é razão para que, objetivamente, os juízes da referida secção do Supremo Tribunal de Justiça não se encontrem numa posição que lhes permita julgar sem quaisquer influências estranhas à legalidade e à justiça da decisão.
De igual o modo, o facto desses juízes, com exceção do Vice-Presidente mais antigo deste Tribunal, serem nomeados pelo Presidente, que também é, por inerência, o Presidente do órgão recorrido, não é suscetível de pôr em causa a sua imparcialidade, uma vez que a designação feita pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça obedece a um critério objetivo e estritamente vinculado – deve ser escolhido um juiz de cada uma das quatro secções, 'tendo em conta a respetiva antiguidade'.
Os nomeados são os juízes mais antigos de cada uma das secções.
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e, por inerência, do Conselho Superior da Magistratura, não faz uma seleção dos juízes que integram essa secção segundo o seu alvedrio, encontrando-se os pressupostos da designação determinados na lei, em termos tais, que não abrem qualquer espaço a uma escolha pessoal, pelo que a imparcialidade desses juízes face ao Conselho Superior de Magistratura e ao seu Presidente, também não é questionável com esse fundamento.
Por estas razões também não se verifica que a atribuição da competência a uma secção do Supremo Tribunal de Justiça para julgar os recursos interpostos das deliberações do Conselho Superior da Magistratura, nomeadamente em matéria disciplinar, viole o disposto no artigo 203.º, n.º 1, e 20.º, n.º 4, da Constituição.”
Afigura-se ser de acolher, também no caso vertente, um tal entendimento, não impondo a Constituição, ao consagrar, no n.º 3 do artigo 212.º, uma reserva material de jurisdição administrativa – através de um critério regra ou cláusula geral –, uma reserva de caráter absoluto e, assim, a solução preconizada pelo recorrente. Em face do exposto e pelas razões enunciadas no Acórdão n.º 277/11 e nos Acórdãos que o precederam, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, se formula idêntico juízo de não inconstitucionalidade quanto ao n.º 1 do artigo 168.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho.
9.2 Quanto à apreciação da norma do n.º 2 do mesmo artigo 168.º do EMJ, relativa ao concreto funcionamento do Supremo Tribunal de Justiça – que dispõe sobre a composição e constituição da secção ad hoc do STJ – no âmbito da matéria em análise, o recorrente imputa àquela norma, por força do modo de designação dos juízes da referida secção pelo Presidente do STJ que preside, simultaneamente, ao CSM, a violação dos artigos 32.º, n.ºs 1, 2 e 10 da CRP, do artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da CRP e do artigo 6.º, n.ºs 1 e 2 da CEDH – por entender que se encontram violados o «princípio das máximas garantias de defesa do Juiz arguido em processo sancionatório», o princípio da presunção de inocência, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e, sobretudo, o direito (do juiz arguido) a ver a sua causa examinada de forma equitativa e por uma entidade imparcial (cfr. alínea c) da resposta ao convite ao aperfeiçoamento e conclusão 5.ª das alegações).
9.2.1 Relativamente aos parâmetros constitucionais invocados pelo recorrente importa afastar aqueles que não relevam autonomamente para a apreciação da conformidade constitucional da norma do n.º 2 do artigo 168.º do EMJ.
Os n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º da CEDH não se afiguram parâmetros autónomos encontrando os direitos neles previstos consagração expressa na CRP – respetivamente no n.º 4 do artigo 20.º e no n.º 2 do artigo 32 (em processo criminal) da Constituição.
9.2.2. Cumpre por isso apreciar da conformidade constitucional da norma do n.º 2 do artigo 168.º do EMJ com os parâmetros constitucionais invocados pelo recorrente – desde logo o artigo 20.º, n.º 1 e n.º 5, da CRP, o direito ao processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4) e ao julgamento por um tribunal imparcial e, ainda, os n.ºs 1 e 10 do artigo 32.º da CRP.
Quanto ao âmbito de proteção conferido pelo artigo 20.º da CRP pode ler-se no Acórdão n.º 350/2012 deste Tribunal:
«o artigo 20.º da CRP garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efetive – na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz - através de um processo equitativo (n.º 4).
Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente sublinhado, o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (acórdão n.º 86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11º, pág. 741).»
E, como se afirmou no Acórdão n.º 261/02, reiterando jurisprudência anterior:
«“(...) O artigo 20º, nº 1, da Constituição assegura a todos ‘o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos’. Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos. (…)». Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição?
A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32º. Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afetem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respetivamente no Acórdão nº 65/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 653, e no Acórdão nº 202/90, id., vol. 16, pág. 505).
Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer”. Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que ‘o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos’ (cfr., a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349).
Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cfr. os citados Acórdãos nº 31/87, 65/88, e ainda 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 12, pág. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos nº 359/86, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8, pág. 605), nº 24/88, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 525), e nº 450/89, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13, pág. 1307).
(...)”. (Sublinhados nossos).»
Tendo presente tal âmbito de proteção, o que se afirmou no já citado aresto n.º 277/2011, em especial na parte relativa à imparcialidade dos juízes (cfr. n.º 2.3), releva também para a apreciação da questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente quanto ao n.º 2 do artigo 168.º do EMJ – não obstante os parâmetros de apreciação da constitucionalidade então considerados (artigos 20.º, n. 4, e 203.º, n.º 1, da CRP) divergirem dos ora invocados expressamente pelo recorrente.
Naquele aresto conclui-se, em suma, quanto à questão de a secção do Supremo Tribunal de Justiça, a quem compete proceder ao julgamento dos recursos interpostos de deliberações do CSM, não ter condições de isenção e independência para os julgar, atenta a sua composição e modo de designação:
«(…) o facto da entidade emitente da decisão recorrida ser o Conselho Superior da Magistratura não é razão para que, objetivamente, os juízes da referida secção do Supremo Tribunal de Justiça não se encontrem numa posição que lhes permita julgar sem quaisquer influências estranhas à legalidade e à justiça da decisão.
De igual o modo, o facto desses juízes, com exceção do Vice-Presidente mais antigo deste Tribunal, serem nomeados pelo Presidente, que também é, por inerência, o Presidente do órgão recorrido, não é suscetível de pôr em causa a sua imparcialidade, uma vez que a designação feita pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça obedece a um critério objetivo e estritamente vinculado – deve ser escolhido um juiz de cada uma das quatro secções, 'tendo em conta a respetiva antiguidade'.
Os nomeados são os juízes mais antigos de cada uma das secções.
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e, por inerência, do Conselho Superior da Magistratura, não faz uma seleção dos juízes que integram essa secção segundo o seu alvedrio, encontrando-se os pressupostos da designação determinados na lei, em termos tais, que não abrem qualquer espaço a uma escolha pessoal, pelo que a imparcialidade desses juízes face ao Conselho Superior de Magistratura e ao seu Presidente, também não é questionável com esse fundamento. (…)».
Por idênticas razões, não se verifica que a atribuição da competência a uma secção do STJ, com a composição e o modo de designação previstos no n.º 2 do artigo 168.º do EMJ, para julgar os recursos interpostos das deliberações do CSM, em matéria disciplinar, viole as disposições e princípios constitucionais invocadas pelo recorrente, em especial o direito à apreciação da causa de forma equitativa e por uma entidade imparcial. Com efeito, por força dos critérios objetivos que presidem à designação, pelo Presidente do STJ, dos membros da secção do STJ em causa (vice-presidente mais antigo do STJ e antiguidade dos membros de cada secção), os quais não deixam margem para qualquer escolha pessoal, encontra-se assegurada a imparcialidade dos juízes que integram a secção em causa do STJ – face ao CSM e ao seu Presidente. Tanto basta para que não se verifique qualquer violação quer do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º, incluindo o direito ao recurso – de que o n.º 1 do artigo 32.º constitui uma consagração específica no domínio do processo criminal –, quer do direito a um processo equitativo – consagrado pelo n.º 4 do artigo 20.º da CRP (em conformidade com o disposto no artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, invocado pelo recorrente) – quer do direito à tutela jurisdicional efetiva por via de «procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações» de direitos, liberdades e garantias pessoais, consagrado no n.º 5 do artigo 20.º. Pelas mesmas razões não se vislumbra qualquer violação do n.º 10 do artigo 32.º da CRP – segundo o qual «Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa» – que o recorrente invoca para sustentar a inexistência de exame da causa de forma equitativa e por uma entidade imparcial.
Acresce referir que este Tribunal já se pronunciou sobre o âmbito da garantia consagrada naquele n.º 10 do artigo 32.º da CRP. No Acórdão n.º 33/2002 afirmou-se que:
«(…) a norma que se surpreende no nº 10 do artigo 32º da Constituição (que, a partir da Revisão Constitucional decorrente da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de setembro, passou a assegurar os direitos de audiência e defesa em todos os processos sancionatórios, e não apenas nos processos de contraordenação), nada veio a acrescentar ao que já se prescrevia na versão da Lei Fundamental anterior àquela Revisão relativamente aos procedimento disciplinar efetuado no âmbito da Administração Pública. De facto, no nº 3 do artigo 269º estabelece-se, como já se estabelecia, que em processo disciplinar são garantidas ao arguido as suas audiência e defesa. E daí que se conclua que a inclusão, levada a efeito no falado nº 10 do artigo 32º, do asseguramento dos direitos de audiência e defesa nos processos sancionatórios não tem o significado de fazer atrair o regime destes processos em geral, e do processo disciplinar em especial, para o regime do processo criminal.».
E, no Acórdão n.º 135/2009, afirma-se, a propósito da referida norma, que:
«(…) a introdução dessa norma constitucional (efetuada, pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de contra-ordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios) o que se pretendeu foi assegurar, nesses tipos de processos, os direitos de audiência e de defesa do arguido, direitos estes que, na versão originária da Constituição, apenas estavam expressamente assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da função pública (artigo 270.º, n.º 3, correspondente ao atual artigo 269.º, n.º 3). Tal norma implica tão-só ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 363). É esse o limitado alcance da norma do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, “nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios”, de “todas as garantias do processo criminal” (artigo 32.º-B do Projeto de Revisão Constitucional n.º 4/VII, do PCP; cf. o correspondente debate no Diário da Assembleia da República, II Série-RC, n.º 20, de 12 de setembro de 1996, pp. 541-544, e I Série, n.º 95, de 17 de julho de 1997, pp. 3412 e 3466).
Mas, como se reconheceu nesse Acórdão n.º 659/2006, é óbvio que não se limitam aos direitos de audição e defesa as garantias dos arguidos em processos sancionatórios, mas é noutros preceitos constitucionais, que não no n.º 10 do artigo 32.º, que eles encontram esteio. É o caso, desde logo, do direito de impugnação perante os tribunais das decisões sancionatórias em causa, direito que se funda, em geral, no artigo 20.º, n.º 1, e, especificamente para as decisões administrativas, no artigo 268.º, n.º 4, da CRP. E, entrados esses processos na “fase jurisdicional”, na sequência da impugnação perante os tribunais dessas decisões, gozam os mesmos das genéricas garantias constitucionais dos processos judiciais, quer diretamente referidas naquele artigo 20.º (direito a decisão em prazo razoável e garantia de processo equitativo), quer dimanados do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), sendo descabida a invocação, para esta fase, do disposto no n.º 10 do artigo 32.º da CRP.»
Por último, cumpre apreciar se a norma do n.º 2 do artigo 168.º do EMJ configura uma violação do disposto no n.º 2 do artigo 32.º da CRP – que consagra o princípio da presunção de inocência em processo criminal.
Quanto ao princípio da presunção de inocência consagrado no n.º 2 do artigo 32.º, já se afirmou no Acórdão n.º 33/02 que: «É bem certo que este Tribunal já reconheceu (cfr. citado Acórdão nº 103/87) que o “princípio da presunção de inocência dos arguidos, consagrado expressamente para o processo criminal no artigo 32º, nº 2, da Constituição é “igualmente válido, na sua ideia essencial, nos restantes domínios sancionatórios e, agora, em particular, no domínio disciplinar”. Todavia, pese embora esse reconhecimento, nunca foi afirmado por este órgão de administração de justiça que a generalidade das garantias prescritas constitucionalmente para o processo criminal de deveriam aplicar, de pleno, no âmbito disciplinar; (…)».
Tanto basta, desde logo, para afastar a aplicação do «princípio das máximas garantias de defesa» que o recorrente funda nos n.ºs 1, 2 e 10 do artigo 32.º da CRP. E, tendo em conta que se encontra assegurada, pelas razões atrás expostas, a imparcialidade e independência dos juízes que compõem a secção do STJ em causa, não se vislumbra que possa ser violado o direito à presunção de inocência consagrado, especificamente, no n.º 2 do artigo 32.º - pois tal imparcialidade se afigura suficiente para garantir o reexame jurisdicional da decisão nos moldes impostos pelo artigo 20.º da CRP.
Face ao exposto é de concluir pela não inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 168.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho.
10. A recorrente argui ainda a inconstitucionalidade das normas do artigo 78.º-A da LTC, “na medida em que possibilita decisões de um único Juiz, o relator, sobre as questões de inconstitucionalidade” e dos artigos 5.º, 84.º, n.os 2, 3, 4 e 5, todos da LTC, e do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, alterado pelo Decreto-lei n.º 91/2008, de 2 de junho – em particular, os artigos 6.º a 9.º - “na medida em que, sem bastante razão justificativa para tal, não só fixam um regime de custas único, diferenciado e específico para o Tribunal Constitucional, como determinam que as custas e multas ao seu abrigo aplicadas aos recorrentes constituam receita corrente do próprio Tribunal Constitucional, tornando-o assim parte objetivamente interessada num desfecho desfavorável aos mesmos recorrentes”, invocando a violação dos artigos 224.º, n.º 2, e 203.º da Constituição da República Portuguesa e ainda do artigo 6.º, n.os 1 e 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
10.1 Nos termos do artigo 204.º da Lei Fundamental, os tribunais não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
De tal normativo resulta que sobre todos os tribunais – incluindo o Tribunal Constitucional - impende o dever de recusar a aplicação de normas inconstitucionais.
No presente caso, não foi proferida decisão sumária, não tendo sido aplicada a norma extraída do artigo 78.º, da LTC, a que o recorrente assaca o vício de inconstitucionalidade, pelo que não se justifica a apreciação de tal questão. Sempre se dirá, porém que os critérios normativos extraíveis de tal disposição legal já foram repetidamente apreciados pelo Tribunal Constitucional (cfr., nomeadamente os Acórdãos n.os 19/99 e 530/2007, disponíveis no sítio da internet já aludido).
10.2 No tocante à definição de um regime de custas específico para o Tribunal Constitucional, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade.
Alega a recorrente que tal regime de custas é diferenciado “sem bastante razão justificativa para tal”.
Porém, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, o regime de custas no Tribunal Constitucional, seguindo de perto o modelo do Código das Custas Judiciais – posteriormente adaptado ao Regulamento das Custas Processuais, por força do Decreto-Lei n.º 91/08, de 2 de junho – não deixou de “tomar em consideração as especificidades do processo no Tribunal Constitucional, assim se justificando, designadamente, a regra da inexigência de taxa de justiça inicial e de elaboração da conta pela secretaria do próprio tribunal.”
Mais se refere que “a taxa de justiça vigente (…) é substituída por escalões mais estreitos, graduados em função do tipo de decisões sujeitas a custas, da natureza colegial ou singular do julgamento, como também pela intervenção do tribunal motivada por uma contumácia crescente que importa desincentivar. O Tribunal Constitucional não pode ser utilizado como a 4.ª instância das ordens jurisdicionais, nem como pretexto para se protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado das decisões.”
Aliás, sobre a não inconstitucionalidade material do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, já se pronunciou o Acórdão n.º 9/01, – disponível no sítio da internet supra aludido - referindo que a alegada existência de contrariedade ao Código das Custas Judiciais “não permitiria sustentar (…), atentas as especificidades do processo constitucional e da própria jurisdição do Tribunal Constitucional, violação do princípio da igualdade.”
A circunstância de o produto de custas e multas constituir receita própria do Tribunal Constitucional igualmente não comporta qualquer desconformidade com o disposto no artigo 203.º da Lei Fundamental, nem colide com a independência e imparcialidade deste órgão jurisdicional ou com o direito dos cidadãos a um processo equitativo, valores constitucionais a que a recorrente pretende fazer alusão com a menção ao artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Na verdade, o princípio da independência dos tribunais visa garantir que os mesmos atuem sem ingerência dos demais poderes do Estado, subordinando-se apenas à Lei e não a quaisquer instruções concretas ou injunções provindas de qualquer outra autoridade. Reflete-se este princípio estruturante do Estado de direito numa dúplice dimensão: por um lado, como direito subjetivo dos magistrados judiciais à independência no exercício das suas funções judiciais e, por outro, como um direito do cidadão a reivindicar um esquema organizacional e processual que garanta a independência na prática dos atos judiciais, condição essencial para a concretização do direito à tutela jurisdicional efetiva, conformado pelas regras de um processo equitativo (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, Coimbra editora, agosto de 2010, vol. II, anotação ao artigo 203.º da CRP).
O Tribunal Constitucional encontra a sua sede material na Constituição da República, em Título autónomo que integra os artigos 221.º a 224.º. Esta última disposição, no seu n.º 1, Portuguesa, cujo artigo 224.º comete ao legislador a competência para o estabelecimento do regime processual aplicável ao funcionamento do Tribunal Constitucional – competência que se integra na reserva absoluta de competência da Assembleia da República (cfr. artigo 164.º, alínea c), da CRP) e exercida mediante aprovação de lei orgânica (cfr. artigo 166.º, n.º 2, da CRP) que reveste valor reforçado nos termos do n.º 3 do artigo 112.º da CRP.
O regime diferenciado de custas aplicável no Tribunal Constitucional radica, assim, no estatuto constitucional autónomo específico deste Tribunal e a sua aprovação encontra-se contida na margem de conformação inerente ao exercício da competência legislativa que a Constituição comete, neste domínio, e em exclusivo, à Assembleia da República.
Por isso, a circunstância de as custas constituírem receitas próprias do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 47.º-B, n.º 1, da LTC, corresponde a uma solução normativa, compreendida no espaço de liberdade de conformação do legislador, não sendo objetivamente suscetível de fazer perigar o cumprimento dos deveres de imparcialidade que impendem sobre os juízes do Tribunal Constitucional e, em consequência, não perturbando a concretização do direito dos cidadãos a um processo equitativo.
Nestes termos, nada obsta à aplicação do regime de custas especificamente previsto para o Tribunal Constitucional, nomeadamente nos artigos 6.º, n.º 1, e 9.º, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, concretamente aplicados nesta decisão e cuja constitucionalidade a recorrente sumariamente suscita.
Em face do exposto, improcede a questão de constitucionalidade suscitada.
III - Decisão
11. Pelo exposto, decide-se:
a) não tomar conhecimento do mérito do recurso quanto às questões identificadas supra, sob as alíneas a) e b), reportadas, respetivamente, ao artigo 111.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais conjugado com o artigo 46.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, e ao artigo 131.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais conjugado com o artigo 6.°, n.os 1, 4 e 8 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas;
b) não julgar inconstitucionais as norma extraídas do artigo 168.º, n.º 1 e n.º 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho;
c) não tomar conhecimento do mérito do recurso quanto à questão identificada supra, sob a alínea d), relativa ao artigo 78°-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LOTC); e, em consequência,
d) negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 12 de junho de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Vítor Gomes – Catarina Sarmento e Castro (com declaração) – Maria Lúcia Amaral.
DECLAÇÃO DE VOTO
Vencida quanto às normas dos n.os 1 e 2 do artigo 168.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, enquanto furtam à jurisdição administrativa a apreciação das deliberações do Conselho Superior da Magistratura, nos termos e pelas razões constantes da declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 277/2011.
Catarina Sarmento e Castro