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Proc. nº 671/2002
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A., deduziu, junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Aveiro, impugnação judicial contra a liquidação e cobrança de taxa urbanística efectuada pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, tendo aquele Tribunal, por sentença de 31 de Agosto de 2001, absolvido da instância a referida Câmara Municipal. A., interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, “declarando que pretende alegar no Tribunal de Recurso”. O recurso foi admitido, por despacho de 10 de Outubro de 2001 (fls. 137). O Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se nos seguintes termos:
Quando o recurso de fls. 131 foi interposto já vigorava o art. 282º do CPPT
(cfr. o art. 12º da Lei nº 15/2001, de 5.6), pelo que as alegações respectivas deviam ter sido apresentadas no tribunal “a quo” (cfr. o nº 3 do dito art. 282º. Como assim, que se julgue deserto o recurso por falta de alegações (nº 4 do dito preceito e art. 687º nº 4 do CPC).
O Relator no Supremo Tribunal Administrativo, por despacho de 5 de Abril de
2002, julgou deserto o recurso, por falta de alegações (fls. 153 e ss.). A., reclamou do despacho de 5 de Abril de 2002, sustentando o seguinte:
9. A interpretação do artigo 12° da Lei 15/2001 no sentido que a todos os processos fiscais pendentes (v.g. impugnações fiscais) à data da entrada em vigor da Lei nº 15/2001 passam a aplicar-se as disposições as normas do CPPT, além de não estar de acordo com o disposto no artigo 7° do CC, disposição que o despacho reclamado viola, é inconstitucional porque tal interpretação, numa situação que no mínimo será duvidosa, é susceptível de pôr em causa o direito de acesso aos tribunais e à garantia do recurso contencioso consagrados nºs artigos
18°/20° e 268°/4/5 da CRP.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 26 de Junho de 2002, considerou o seguinte:
(...) Ora, em 1/Jan/00 entrou em vigor o CPPT, aprovado pelo DL 433/99, de 26/10 que, no seu artº 4º, excluiu os processos pendentes, como é o caso, da aplicação do CPPT. No entanto, o artº 12º da Lei 15/2001, de 5/6, mandou aplicar o CPPT aos processos pendentes. Como assim, o artº 12º da Lei 15/2001 revogou o artº 4º do DL 433/99. Na verdade, o artº 12º da Lei 15/2001 é incompatível com o artº 4º do DL 433/99, pois que enquanto este excluía a aplicação do CPPT aos processos pendentes, aquele, a tais processos, mandou aplicar o CPPT. Ora, como a revogação da lei resulta, face ao artº 7º nº 2 do C. Civil, também da incompatibilidade da lei nova com a precedente, forçoso é concluir pela revogação do artº 4º do DL 433/99. Assim sendo, ao presente processo passou a aplicar-se o CPPT. Ora, o artº 282º nº 3 do CPPT dispõe que o prazo para alegações é de 15 dias, contados, para o recorrente, da notificação do despacho que admitiu o recurso. Na falta de alegações, o recurso, por força do nº 4 desta disposição legal, deveria ser julgado deserto. A expressão “na falta da declaração da intenção de alegar, nos termos do nº 1”, constante desta última disposição legal, deve-se a mero lapso. Tal expressão carece de sentido pois que o nº 1 do artº 282º do CPPT não refere qualquer declaração de intenção de alegar pelo que não é compreensível falar-se da sua falta (v. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.T., anot., 2ª ed., pág. 1156 e Acs. STA de 12/12/01, rec. 26532, 30/1/02, rec. 25414 e 6/2/02, rec. 26660). O recurso mostra-se, pois, deserto, por falta de alegações (v., neste sentido o Ac. STA 22/5/02, rec. 26822). refira-se, por fim, e a propósito das alegações da reclamante que:
– O artº 49º nº 3 do CPPT não foi mantido em vigor pela Lei 15/2001 pois que se encontrava revogado (v. artº 2º e 3º do DL 433/99).
– O lapso atrás referido, aliás, facilmente corrigível, não confere o direito à apresentação das alegações perante o STA.
– O direito de acesso aos tribunais e a garantia do recurso contencioso não foram violados, pois que aquele e esta dependiam da apresentação tempestiva das alegações, o que não aconteceu.
(...)
Consequentemente, a reclamação foi desatendida.
2. A., interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma do artigo 12º, da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, conjugado com os artigos 4º do Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de Outubro, e 282º, nºs 1 e 4, do Código do Procedimento e Processo Tributário. Junto do Tribunal Constitucional a recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
a) O Tribunal Tributário de 1ª Instância de Aveiro proferiu douta sentença, em
31/08/2001, tendo julgado procedente a questão prévia arguida pelo Ministério Público de falta da reclamação prévia administrativa perante a C.M. Santa Maria da Feira. b) A Recorrente interpôs recurso dessa mesma sentença directamente para o STA por requerimento apresentado em 01/10/2001, nele manifestando a intenção de alegar no STA; c) O requerimento de interposição de recurso, tal como apresentado pela Recorrente, foi deferido e admitido a apresentação das alegações no STA – Cfr. despacho 10/10/2001; d) Seguidamente o Tribunal de 1ª Instância Tributária de Aveiro, ordenou a subida dos autos ao STA a fim de aí serem proferidas as alegações de recurso. e) Todavia, quando aguardava a notificação para alegações a efectuar pelo tribunal de recurso, a ora recorrente foi surpreendida pelo parecer do ilustre magistrado do Ministério Público, que as alegações respectivas deviam ter sido apresentadas no tribunal “a quo” (cfr. o n° 3 do dito artº 282° e artº 687°, n°
4 do CPC). f) O STA veio a proferir acórdão no qual julgou o recurso deserto por falta de alegações. g) Acontece que, o n° 4 do artigo 282° do CPPT estabelece que “Na falta de declaração da intenção de alegar, nºs termos do n° 1, ou na falta de alegações, nºs termos do n.º 3, o recurso será julgado logo deserto no tribunal recorrido”
. h) Assim, é indiscutível que esta disposicâo legal aponta para uma opção:
– a recorrente pode alegar no Tribunal “a quo”;
– a recorrente pode alegar no Tribunal “ad quem”, desde que tenha manifestado essa intenção. i) E no caso dos autos a Recorrente manifestou a intenção de alegar no STA. j) Por isso, existindo o dito lapso legislativo, que torna a norma incompreensível, não poderá afectar os direitos da Recorrente, Pois, k) O processo deu entrada no Tribunal Tributário de 1ª Instância antes de
1-1-2000 regulando-se pelo CPT, uma vez que foi mantido em vigor para os processos “antigos” (cfr. Artº 4° do DL n° 433/99, de 26 de Outubro). l) O artº 12° da Lei n° 15/2001, de 05 de Junho entrou em vigor em 04 de Julho de 2001, e não revogou expressamente o art° 4° do DL n° 433/99 de 26/10, aliás, m) Nos termos do disposto no artigo 4° do DL n° 433/99 de 26/10 que aprova o CPPT, este só se aplica aos procedimentos iniciados e aos processos instaurados a partir dessa data. n) O processo foi instaurado muito antes de 26/10/1999 e o dito artigo 4°, não foi revogado, mantendo-se ainda em vigor. o) A interpretação do artigo 12° da Lei 15/2001 no sentido que a todos os processos fiscais pendentes (v.g. impugnações fiscais) à data entrada em vigor da Lei n° 15/2001 passam aplicar-se as disposições do CPPT, é inconstitucional porque tal interpretacâo, numa situacão que no mínimo será duvidosa, é susceptível de pôr em causa o direito de acesso aos tribunais e à garantia do recurso contencioso consagrados nºs artigos 18°/20° e 268°/4/5 da CR. p) Ainda, no que diz respeito aos recursos jurisdicionais o n° 1 do artigo 171
° do CPT estabelecia o seguinte: “A interposição de recurso faz-se por meio de requerimento em que se declara a intenção de recorrer e no caso de o recorrente o pretender, a intenção de alegar no tribunal de recurso.” q) O n° 3 da mesma disposição legal estabelecia que o prazo para alegações era de 8 dias” contados, para o requerente, a partir da notificação referida no n° anterior (...)”, estabelecendo o n° 4 que na falta da intenção de alegar nºs termos do n° 1 (isto é, no tribunal superior) , o recurso seria logo julgado deserto no tribunal recorrido. r) Ressalvava o n° 5 desse mesmo artigo 171 ° do CPT que o disposto nesse artigo não prejudicava o constante da lei respectiva quanto ao recurso para o STA. s) Esta ressalva do nº 5 parece, por isso, manter em vigor o disposto no §
único do artº 87° do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, que determina o seguinte: “(...) o relator mandará notificá-la para alegarem, se no requerimento de interposição de recurso tiverem declarado pretender fazê-lo no Supremo Tribunal”. (esta norma é considerada em vigor por Jorge Lopes de Sousa, Conselheiro do STA, Processo Administrativo Gracioso e Contencioso, 1988, pág.
173, nota (1); Ver ainda Jorge Sousa e Simas Santos, Recursos Jurisdicionais, em Contencioso Fiscal, 1997, pág. 80). t) Não pode deixar de se referir que o legislador não pretendia que a partir de
4 de Julho de 2001, o artigo 171 ° do CPT deixasse de vigorar para os processos antigos. u) Tanto mais, que o artigo 280° do CPPT estabelece o prazo de interposição de recurso e o tribunal competente para o efeito (nºs 1 e 2). v) E o n° 4 do artº 282° estabelece que: “na falta de declaração de intenção de alegar (...)”, recorrendo à 1ª parte do n° 4 do art° 171° do CPT - não sendo vontade do legislador afastar a aplicação de tal norma aos processos “antigos”.
w) É indiscutível que este nº 4 do artº 282° do CPPT aponta para uma opção, não obstante haver a supressão da parte final do n° 1 do artº 171° do CPT, quando é redigido o n° 1 do artigo 282° do CPPT. x) Podemos, por isso, concluir, sem qualquer margem para dúvidas, que a 1ª parte do n° 4 é completamente irracional (a falta de intenção de recorrer expressa no requerimento implica a rejeição de recurso e não a sua deserção!).
y) Deve, por isso, ter-se em consideração a subsistência da doutrina do artº
171° do CPT, considerando uma redacção defeituosa do n° 1 do art° 282° do CPPT, que deverá ser interpretada e aplicada de modo a não prejudicar a Recorrente, de forma a permitir a apresentação das suas alegações. z) Não se poderá fazer uma interpretação abrogante da 1ª parte do nº 4° do artº
282° do CPPT - e confirmar a declaração de deserção do recurso por parte do STA; aa) Antes pelo contrário deverá fazer-se uma interpretação correctiva do n° 1 do artº 282°, por ser a mais conforme à boa fé e à regra de acesso ao direito - artº 20° da CRP - declarada por este douto tribunal em juízo de constitucionalidade. bb) Deste modo, deverá ser julgada inconstitucional a interpretação levada a cabo pelo STA de não admitir, com base no n° 4° do artº 282° do CPPT conjugado com o artigo 12° da dita Lei n° 15/2001, a apresentação de alegações no tribunal
“ad quem”. cc) Uma vez que estão em causa duas dimensões do princípio do Estado de Direito democrático (artº 2° da CRP) , a saber: da determinabilidade das leis conjugado com o da boa fé ou de confiança legitima ou ainda segurança jurídica. dd) Ora, a interpretação segundo a qual a norma constante do artº 282° do CPPT não admite a apresentação de alegações no Tribunal “ad quem”, com a consequência de ser o recurso julgado deserto, como defende a douta decisão recorrida, viola de modo intolerável a estabilidade das relacões processuais e as expectativas fundadas na própria norma legal. ee) É que, sendo a tradição legislativa a de poderem ser as alegações apresentadas no Tribunal de recurso e usando o legislador palavras que apontam para esta mesma conclusão (“... declaração de intenção de alegar ...”), o intérprete poderia retirar como consequência, de boa fé, que as alegações poderiam ser apresentadas, quer no tribunal de que se recorre, quer no tribunal para quem se recorre - tanto mais que viu essa sua intenção de alegar no STA ser admitida pelo tribunal “a quo”. ff) A sucessão de leis processuais no tempo não pode ser intepretada de tal modo, como pretende o douto acórdão recorrido, que à Recorrente sejam retirados direitos que resultavam adquiridos de boa fé e de modo legítimo da legislação posteriormente revogada - Cfr. Gomes Canotilho, princípio da determinabilidade na precisão das leis comporta a seguinte dimensão: clareza das normas legais. gg) Quando as normas legais não são claras, a sua interpretação deve ser sempre aferida de acordo com as normas e princípios constitucionais, entre os quais, o da segurança e da boa fé. hh) E as normas e os princípios constitucionais implicam o que se designa por interpretação correctiva das leis. ii) Está vedado ao intérprete considerar que o legislador não soube exprimir o seu pensamento de modo adequado e que existem palavras no texto da lei que são inúteis (artº 9° CC); jj) Tal modo de proceder consistiria numa interpretação abrogante da lei, para onde se inclina a douta decisão recorrida, que doutrinariamente não se considera admissível, em nome dos princípios da legalidade e da separação de poderes. kk) Deste modo, retira-se a conclusão: interpretando conforme com a Constituição e, em especial, o princípio de acesso ao Direito e o princípio da boa fé, a norma legal contida no artº 282°, n° 4 do CPPT , segundo o qual, “na falta de declaração de intenção de alegar ... o recurso será logo julgado deserto no Tribunal recorrido”, pode um recorrente cujo processo teve início quando vigorava o Código de Processo Tributário, manifestar no Tribunal recorrido a declaração de intenção de alegar, apresentando as suas alegações no Tribunal de Recurso, após a notificação para o efeito - contrariamente ao que defende a decisão recorrida.
Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente e provado e por via dele ser reconhecida e declarada inconstitucional (por violação dos artigos 2°,
18°, 20°, 268°/4 e 277° da CRP e ainda dos princípios constitucionais de Estado Direito Democrático; da determinabilidade das leis conjugado com o da boa fé ou de confiança legítima ou ainda segurança jurídica; da estabilidade das relações processuais; direito de acesso aos tribunais e à garantia do recurso) a interpretação que foi dada pelo STA ao n° 1 e 4 do artigo 282° do CPPT (que padece de um lapso legislativo) quando conjugada com o artigo 12° da Lei n°
15/2001 de 05/06, no sentido de não admitir a apresentação de alegações no Tribunal “ad quem”, em processos instaurados antes da publicação do CPPT, por quem no requerimento de interposição de recurso tenha manifestado a intenção de alegar no STA.
Por seu turno, a recorrida contra-alegou, concluindo o seguinte:
a) Não pode este Tribunal conhecer das normas constitucionais, designadamente dos art.s 2, 18 e n.º 5 do 268 da CRP, nem dos princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático, da determinabilidade das leis conjugado com o da boa fé ou da confiança legitima ou ainda segurança jurídica; da estabilidade das relações processuais; porquanto, estes não constam do requerimento inicial de interposição do recurso, conforme disposto no n.º 2 do art. 75-A e al. b) do n.º
1 do art. 70 da Lei do Tribunal Constitucional. b) Quando, na data de 1/10/01, a recorrente interpôs o recurso da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de 18 Instância de Aveiro, o qual veio a ser admitido na data de 10/10/01, encontrava-se já em vigor a Lei 15/01, de 5/6. c) Tal diploma legal dispõe expressamente no artigo 12° que: “os procedimentos e processos regulados pelo Código de Processo Tributário (CPT), aprovado pelo D.L. 154/91 de 23/4, passam a reger-se pelo Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), sem prejuízo do aproveitamento dos actos já realizados”. d) Até à data da entrada em vigor da Lei 15/01, os processos em curso eram regidos por um dos seguintes diplomas legais: ou o CPT, por virtude da norma transitória (artigo 4°) inserta no D.L 433/99 de
26/10, que, ao aprovar o CPPT, expressamente excluiu a sua aplicação aos processos pendentes; ou o CPPT, aprovado pelo referido D.L. 433/99 que, na mesma norma transitória, definiu que o diploma apenas se aplicava aos processos iniciados e instaurados a partir de 1/1/00. e) Ao presente processo, por força do art. 4° do D.L. 433/99, aplicou-se o Código de Processo Tributário até 5 de Julho de 2001. Tal aplicação foi afastada em 5 de Julho de 2001 com a entrada em vigor da Lei
15/01, pois que, conforme supra se referiu, o seu artigo 12° determinou expressamente que aos processos pendentes regulados pelo C.P.T. se deveria aplicar o actual C.P.P.T.. f) Assim, no momento em que a recorrente interpôs o recurso para o STA e este foi admitido pelo Tribunal de 1ª Instância, já se encontrava em vigor a Lei
15/01. g) Sendo de aplicar as normas do regime de recursos constantes do artigo 282° deste diploma legal, e não as constantes dos diplomas por esta lei expressamente revogados. h) E, nos termos do artigo 282°, n° 3, da referida Lei 15/01, as alegações da recorrente no âmbito do recurso por si interposto deveriam ter dado entrada no Tribunal “a quo” no prazo de 15 dias a contar da data da notificação que lhe foi efectuada da admissão do recurso - o que não aconteceu. i) Não sendo vinculativos para o Tribunal ad quem, nem a manifestação da vontade de alegar no STA feita pela recorrente no respectivo requerimento nem o despacho proferido sobre este pelo Tribunal a quo, no que concerne à sua admissão, espécie e efeito. j) Quer o requerimento de interposição do recurso quer o respectivo despacho que sobre ele recair, regem-se pelo disposto nos art.s 2 e 282 do CPPT, e supletivamente pelos art.s 700, 741 e n.º 4 do 687, ambos do CPC, por força da al. e) do art. 2 do CPPT. l) Entendimentos e regras estas aplicadas no STA, aquando da prolação do despacho do M. Juiz Relator e do Acórdão de 26.06.2002 proferidos nestes autos e que julgaram deserto o presente recurso, o que aliás corresponde a jurisprudência unânime deste Tribunal. m) A recorrente não alegou apenas porque não se apercebeu da mudança legislativa, do que é prova cabal a forma como formula o requerimento de recurso. n) E se no regime anterior expressamente se previa a hipótese de apresentar alegações no Tribunal ad quem, conforme se estabelecia no n.º 1 do art. 171 do CPT:
“A interposição de recurso faz-se por meio de requerimento em que se declare a intenção de recorrer e, no caso de recorrente o pretender, a intenção de alegar no tribunal de recurso.”
(transcrição do n.º 1 do art. 171 do CPT, com sublinhado nosso) o) Já no novo regime se retira expressamente tal possibilidade, conforme dispõe o n.º 1 do art. 282 do CPPT:
“A interposição de recurso faz-se por meio de requerimento em que se declare a intenção de recorrer.”
(transcrição integral do n.º 1 do art. 282 do CPPT, com sublinhado nosso) p) O legislador do actual CPPT suprimiu completamente aquela possibilidade, ao eliminar a 2ª parte do referido n.º 1 do art. 171. q) Acresce que o n.º 4 do art. 282 do CPPT remete expressamente para os termos do n.º 1.
“Na falta da declaração da intenção de alegar, nos termos do n.º I, (...)
(transcrição da 1ª parte do n.º 4 do art. 282, com sublinhado nosso) r) Em suma, o n.º 4 do art. 282 do CPPT, nunca poderá ser interpretado em termos diferentes dos termos definidos no n.º 1, dado que este é a regra, e aquele é a sanção a aplicar ao seu incumprimento. s) A recorrente ao detectar a imperfeição na redacção do n.º 4 do art. 282, devia socorrer-se das normas e dos princípios gerais da interpretação da lei, designadamente, o elemento literal, lógico, sistemático, histórico e a occasio legis, conforme disposto no art. 9 do C.Civil. t) Para tanto, bastaria atentar no preâmbulo do CPPT (DL 433/99) e, ainda, da Lei 15/01, já que o legislador optou por uma nova sistematização e ordenação das disposições em paralelo e de acordo com a Lei processual civil, aproximando os dois regimes, nomeadamente quanto aos recursos, seus prazos e forma de contagem. u) O que é indiscutível face à recente evolução legislativa de aproximação do contencioso tributário (cujos sucessivos e recentes diplomas culminam na Lei
15/2001, 5.06) e contencioso administrativo (cuja sucessão de diplomas culmina na Lei 15/2002, de 22.02) ao regime da lei processual civil. v) Do que se conclui inequivocamente que o legislador quis expressamente acabar com a alegação no tribunal ad quem. x) Nos presentes autos não foram violados: qualquer direito processual de defesa, qualquer direito ou princípio constitucionalmente consagrados, representando o presente recurso a última tentativa de sanar a falta cometida.
y) O artigo 4° do DL 433/99 foi expressamente revogado pelo art. 12 da lei
15/01, o qual de forma [sic] determina à sua aplicabilidade aos processos e procedimentos pendentes. z) E mesmo que assim se não entendesse, o que não se aceita, sempre valeria a regra segundo a qual, em matéria processual, a lei adjectiva é de aplicação imediata - pelo que sempre se teria operado uma revogação tácita daquele artigo
4°. aa) Aplicado ao caso o n.º 2 do art. 7° do C. C. resulta evidente tal revogação já que a lei 15/01 regulou toda a matéria tributária, unificando-a num só diploma, subordinado ao tema “Garantias do contribuinte e simplificação processual, reformulação da organização judiciária tributária e do novo regime geral para as infracções tributárias, bb) reunindo num único diploma vários diplomas avulsos, como sejam o Regime Geral das Infracções Tributárias, Código de Procedimento e Processo Tributário e Lei Geral Tributária e revogando, de forma expressa, as poucas normas do CPT que ainda se mantinham em vigor (vide alínea f) do artigo 2° da Lei 15/01). cc) É inequívoco que o legislador quis expressamente revogar o regime das contra-ordenações (alínea f) do artigo 2º da lei 15/01) assim como quis acabar com a disposição transitória prevista no CPPT (artigo 4°, DL 433/99) através do artigo 12° da Lei 15/01. dd) Sendo certo, que o n.º 3 do artigo 49°, do CPT, há muito que se encontrava revogado expressamente pelo artigo 2° e 3° do CPPT (DL 443/99). ee) Sendo descabida a conjugação do n.º 5 do art. 171 do CPT (revogado) com o §
único do art. 87 do Regulamento do STA, por sua vez, há muito revogado. ff) Sendo indiscutível que os art.s 280 e 282 do CPPT correspondem, com alterações, aos art.s 167 e 171 do CPT, revogados. gg) Não sendo de aplicar o n.º 3 do 7° do C.C., porquanto, quer o DL 433/99 quer a Lei 15/01, são leis especiais mas tão só face à lei processual civil, não sendo nenhuma daquelas especial relativamente à outra. hh) O recurso foi e muito bem julgado deserto, pelo facto de a recorrente não ter apresentado alegações no tribunal recorrido, conforme tem sido jurisprudência unânime do STA, vide, entre outros: Acórdão do STA, de 24.04.2002, no proc. n.º 0150/02 2ª Secção Acórdão do STA, de 6.02.2002, no proc. n.º 26660 – 2ª Secção ii) Assim, o Acórdão do STA ao interpretar e aplicar o art. 12 da Lei 15/2001 e o art. 282 n.º 1 e 4 do CPPT, ao caso concreto, não violou qualquer norma ou princípio constitucional, devendo, em consequência, ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se o Acórdão do STA.
A recorrente respondeu à questão prévia suscitada pela recorrida, pronunciando-se no sentido da sua improcedência.
Cumpre apreciar e decidir.
II Fundamentação
A) Questão prévia
3. A recorrida sustenta que o Tribunal Constitucional não pode apreciar a conformidade da norma impugnada aos artigos 2º, 18º e 268º, nº 5, da Constituição, uma vez que tais preceitos não constam do “requerimento inicial de interposição do recurso”. Ora, nos termos do artigo 79º da Lei do Tribunal Constitucional, o Tribunal pode julgar inconstitucional uma norma por violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada. Nessa medida, é manifestamente improcedente a questão prévia suscitada pela recorrida.
B) Apreciação da norma dos artigos 12º, da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, e 282º, nºs 1 e 4, do Código de Procedimento e Processo Tributário
4. O artigo 282º, nºs 1, 3 e 4, do Código do Procedimento e Processo Tributário, tem a seguinte redacção:
Artigo 282º Forma de interposição do recurso. Regras gerais. Deserção
1 – A interposição do recurso faz-se por meio de requerimento em que se declare a intenção de recorrer.
(...)
3 – O prazo para alegações a efectuar no tribunal recorrido é de 15 dias contados, para o recorrente, a partir da notificação referida no número anterior e, para o recorrido, a partir do termo do prazo para as alegações do recorrente.
4 – Na falta de declaração da intenção de alegar, nos termos do n.º 1, ou na falta de alegações, nos termos do n.º 3, o recurso será julgado logo deserto no tribunal recorrido.
(...)
O artigo 4º do Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de Outubro, diploma que aprovou o Código do Procedimento e Processo Tributário tem o seguinte teor:
Artigo 4º Entrada em vigor O Código de Procedimento e de Processo Tributário entra em vigor a 1 de Janeiro de 2000 e só se aplica aos procedimentos iniciados e aos processos instaurados a partir desse data.
Por sua vez, o artigo 12º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, estabelece o seguinte:
Artigo 12º Cessação da vigência do Código de Processo Tributário Os procedimentos e processos pendentes regulados pelo Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, passam a reger-se pelo Código de Procedimento e de Processo Tributário sem prejuízo do aproveitamento dos actos já realizados.
Dos preceitos transcritos resulta claramente que, no momento da sua entrada em vigor, o Código do Procedimento e Processo Tributário, nos termos do qual as alegações de recurso são apresentadas no tribunal recorrido (cf. artigo 282º do referido Código), só seria aplicável aos procedimentos iniciados e aos processos instaurados depois de 1 de Janeiro de 2000 (cf. artigo 4º do Decreto-Lei nº
433/99, de 26 de Outubro). O processo de impugnação em causa nos presentes autos iniciou-se em 1999. Nessa medida, ser-lhe-ia aplicável o Código de Processo Tributário. Contudo, o artigo 12º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, veio estabelecer expressamente que aos processos pendentes regulados pelo Código de Processo Tributário se aplica o Código do Procedimento e Processo Tributário. Tal lei entrou em vigor 30 dias após a sua publicação (portanto, em Julho de 2001). Ora, o recurso interposto pela recorrente para o Supremo Tribunal Administrativo data de 1 de Outubro de 2001, momento em que já se encontrava em vigor a Lei nº
15/2001, de 5 de Junho. Desse modo, o tribunal recorrido considerou aplicável aos autos o Código do Procedimento e Processo Tributário, nos termos dos preceitos transcritos.
5. A recorrente considera que a norma do artigo 12º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, ao determinar a aplicação nos autos do artigo 282º do Código do Procedimento e Processo Tributário, viola os artigos 2º, 18º, 20º, 268º, nº 4, e
277º da Constituição. Ora a norma que determina que a uma dada categoria de processos se aplica o regime que estabelece que as alegações de recurso são apresentadas no tribunal a quo não afecta, manifestamente, o direito ao recurso contencioso e de acesso aos tribunais, consagrado nos artigos 18º, 20º e 268º, nºs 4 e 5, da Constituição. Com efeito, a circunstância de as alegações deverem ser apresentadas no tribunal recorrido de modo algum inviabiliza ou dificulta o exercício do direito de recorrer, pois o encargo processual de apresentar as alegações de recurso no tribunal a quo é tendencialmente equivalente ao encargo de as apresentar no tribunal ad quem. O que é necessário é que o sujeito processual possa saber em que tribunal deve apresentar as alegações (e as condições desse conhecimento existiam no presente caso, como resulta do teor dos preceitos transcritos – o desconhecimento da lei não se pode confundir com a impossibilidade de apreender o critério normativo aplicável). Improcedem, portanto, as considerações da recorrente quanto a este aspecto.
6. A recorrente invoca, por outro lado, a violação dos princípios de estabilidade das relações processuais, da boa fé, da segurança jurídica, da determinabilidade das leis e da confiança legítima, sustentando que lhe foram retirados direitos adquiridos. Ora, a solução normativa impugnada determina, com precisão suficiente, o momento da sua entrada em vigor e define, de modo claro, a categoria de situações a que se aplica. No momento em que interpôs o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, a recorrente dispunha de todos os elementos para poder concluir que as alegações deviam ser apresentadas no tribunal recorrido. Com efeito, na data em que o recurso foi interposto já se encontrava em vigor a Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, que determina a aplicação aos processos pendentes do Código do Procedimento e Processo Tributário. Nos termos do artigo 282º, nºs 3 e 4, in fine, desse Código, afigura-se claro que as alegações devem ser apresentadas no tribunal recorrido (essa é, pelo menos, uma interpretação plausível desse preceito, em função do seu elemento literal).
É verdade que é possível admitir que existe um segmento pouco claro no nº 4 desse preceito. Contudo, tal falta de clareza (que não cabe agora apreciar) não afecta a compreensão do que é dito de modo expresso na disposição legal em causa no que se refere à indicação do tribunal onde as alegações de recurso são apresentadas. Também não se afigura relevante para a apreciação da questão de constitucionalidade suscitada nos presentes autos a circunstância de o Juiz ter admitido o recurso e ordenado a sua subida, pois tal circunstância de modo algum impediria que a recorrente apresentasse as suas alegações nos termos legais, o que de facto não aconteceu. Por último, não é procedente afirmar que no momento em que instaura uma acção o sujeito adquire o direito a entregar as alegações do recurso que vier a interpor num dado tribunal. O que importa é que no momento em que efectivamente interpõe o recurso o recorrente possa tomar conhecimento dos critérios processuais aplicáveis quanto a tal matéria. Não faz, pois, sentido invocar direitos adquiridos no presente caso. A norma questionada não viola, portanto, os preceitos constitucionais invocados, pelo que o presente recurso é improcedente.
III Decisão
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a) Julgar improcedente a questão prévia suscitada pela recorrida; b) Negar provimento ao recurso, confirmando, consequentemente, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 26 de Maio de 2003 Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos