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Proc. nº 625/99 TC – Plenário Rel.: Consº Artur Maurício
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
1 – Relatório
O Provedor de Justiça, no exercício da competência que lhe é atribuída pelo artigo 283º nº 1 da Constituição, requereu a este Tribunal que aprecie e verifique a inconstitucionalidade por omissão de medidas legislativas que confiram exequibilidade à parte final do artigo 239º nº 4 da Constituição.
Fê-lo, em síntese, com os fundamentos seguintes:
- A Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, ampliou a possibilidade de apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores a todos os órgãos autárquicos, na redacção que deu ao nº 4 do artigo 239º da CRP;
- Por força da nova norma contida neste preceito constitucional foi especificamente devolvido para a lei os termos em que aquela possibilidade deveria ser concretizada;
- Sendo certo que, anteriormente, a Constituição possibilitava a apresentação dessas candidaturas para as eleições das assembleias de freguesia (artigo 246º nº 2, na versão originária) e a lei (artigo 5º do Decreto-Lei nº 701-A/76, de 29 de Setembro) regulara tal apresentação (o que para o efeito será bastante), já no que concerne aos órgãos dos municípios não existe no ordenamento jurídico português norma que dê o mínimo cumprimento à referida disposição constitucional;
- Neste domínio está o legislador vinculado a aprovar a correspondente lei, pois só da sua emissão depende a exequibilidade da norma constitucional;
- A verdade é que, até á data do pedido, decorreram dois anos sobre a Lei Consdtitucional nº 1/97, sem que tivesse sido tomada qualquer iniciativa legislativa sobre a matéria;
- Muito embora a Constituição não fixe prazo para a emissão da lei e apenas no corrente ano de 2001 viessem a ocorrer eleições autárquicas, sempre poderia haver lugar a eleições intercalares, nas quais estaria vedada a participação de candidaturas de cidadãos eleitores;
- Não podendo interpretar-se o artigo 239º nº 4 da CRP como dando ao legislador a faculdade de escolher qual ou quais os órgãos autárquicos em que é admissível 'a iniciativa popular de candidaturas', verifica-se, assim, e na medida indicada, uma omissão legislativa;
Dada a competência legislativa atribuída à Assembleia da República nos termos do artigo 164º nº 1 alínea l) da CRP e para os efeitos dos artigos
54º e 55º nº 3 da LTC, foi notificado o Presidente daquele órgão de soberania que, na sua resposta, ofereceu o merecimento dos autos; informou, ainda, que fora admitido em 13/12/99, e anunciado em 14/12/99, um projecto de lei, da iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que 'assegura a possibilidade de candidaturas de cidadãos independentes à eleição dos órgãos das Autarquias Locais', projecto esse registado sob o nº 39/VIII e publicado no Diário da Assembleia da República, II Série A – nº 10 de 18/12/99, de que juntou um exemplar.
Cumpre conhecer
2 – Fundamentação
No Acórdão nº 276/89 deste Tribunal, publicado em 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 13º vol.-I, pp. 135 e segs., salientou-se a complexidade dos problemas que suscita a exacta delimitação do âmbito do conceito de 'omissão legislativa' com vista ao mecanismo do controlo previsto no artigo 283º da CRP, evocando-se, a propósito, a jurisprudência da Comissão Constitucional (Pareceres nºs 4/77, 8/77, 11/77, 9/78 e 11/81, em 'Pareceres da Comissão Constitucional, 1º vol., pp. 77 e segs.e pp. 145 e segs., 2º vol. pp. 3 e segs, 5º vol., pp. 21 e segs e 15º vol. pp. 71 e segs., respectivamente) e a doutrinação de Gomes Canotilho ('Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador', pp. 325 e segs.), Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, t. II, 2ª ed., 1983, pp. 393 e segs.) e Vieira de Andrade ('Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976', Coimbra, 1983, pp 300 e segs.).
À luz da doutrina geral então exposta - para que se remete - e de modo semelhante à situação que foi apreciada no Acórdão nº 276/89, na situação em apreço, à data do pedido, estavam reunidas as circunstâncias típicas de uma
'omissão legislativa' (mesmo acolhendo uma visão restritiva do conceito), pois se configurava uma muito concreta e específica incumbência cometida pela Constituição ao legislador, perfeitamente definida no seu sentido e alcance, sem deixar qualquer margem de liberdade quanto à sua decisão de intervir ou não, mostrando-se cumprido o desiderato constitucional logo que emitidas as correspondentes normas.
Haveria, apenas, que ponderar se o tempo entretanto decorrido desde a entrada em vigor da Lei Constitucional nº 1/97 – isto para quem entenda tratar-se de aspecto essencial na configuração de uma das situações previstas no artigo 283º da CRP – era, ou não, bastante para o cumprimento da tarefa legislativa em causa.
Não terá, porém, o Tribunal que se pronunciar sobre a questão, uma vez que, com a Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, que substituiu integralmente os Decretos-Lei nºs 701-A/76 e 701-B/76, com as respectivas alterações, se passou a contemplar a possibilidade de apresentação de candidaturas por 'grupos de cidadãos eleitores' para todos os órgãos autárquicos
(artigo 16º nº 1 alínea c)).
No mesmo diploma são detalhadamente regulados os requisitos para a organização e apresentação de tais candidaturas e as específicas exigências a que estão sujeitas (cfr., entre outros, artigo 19º e diversos números do artigo
23º) adaptando-se, ainda, em conformidade, a Lei relativa ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais (artigo 2º, que altera os artigos
19º, 20º, 23º e 29º da Lei nº 56/98, de 18 de Agosto, na redacção da Lei nº
23/2000, de 23 de Janeiro).
Certo é, assim, que se não verifica, neste momento, qualquer
'omissão' do legislador relativamente à incumbência que lhe foi cometida pelo artigo 239º nº 4 da CRP, na redacção da Lei Constitucional nº 1/97.
Ora, tendo em conta o princípio consagrado no artigo 663º nº 1 do Código de Processo Civil – que deve considerar-se um 'princípio geral de processo' – a situação que se deixa referida conduz, não ao não conhecimento do pedido por inutilidade superveniente, mas a uma decisão de mérito que corresponda a essa situação, agora existente (no mesmo sentido, cit. Acórdão nº
276/89 e Acórdão nº 638/95, em 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 32º vol., p. 12).
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, o Tribunal Constitucional decide não dar por verificado o incumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequível a norma constante da parte final do nº 4 do artigo 239º da CRP. Lisboa, 9 de Outubro de 2001 Artur Maurício Paulo Mota Pinto José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa