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Processo n.º 204/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
(Conselheiro Vítor Gomes)
Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. reclama, ao abrigo do n.º 3 do artigo 76.º da Lei 28/82, de 15 de novembro, Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho que não admitiu, por extemporâneo, o recurso que interpôs do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26 de outubro de 2011.
Alega, em síntese, que somente com a decisão do Tribunal Constitucional, que não tomou conhecimento do recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que não admitira o recurso ordinário do acórdão agora recorrido, se iniciou o prazo de recurso de constitucionalidade deste, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º da LTC.
2. O Ministério Público responde que só seria aceitável que o prazo de recurso de constitucionalidade do acórdão da Relação se diferisse nos termos pretendidos, se o recurso de constitucionalidade interposto da decisão do Supremo respeitasse a questão da recorribilidade do acórdão da Relação. Não se verificando tal situação, a decisão que não admitiu o recurso ordinário tornou-se definitiva com o acórdão do Supremo.
3. Ocorrida mudança de relator, por o primitivo relator ter ficado vencido, cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
4. Importa considerar, para decisão da presente reclamação, as ocorrências processuais seguintes:
a) O ora reclamante foi condenado, em 1.ª instância, pela prática de diversos crimes, na pena única de 6 anos de prisão.
b) Em recurso para o Tribunal da Relação do Porto, foi proferido acórdão, em 26/10/2011, indeferindo reclamação de decisão sumária que julgou esse recurso improcedente.
c) O ora recorrente interpôs recurso, deste acórdão da Relação, para o Supremo Tribunal de Justiça.
d) Por acórdão de 28/6/2012, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso com fundamento em irrecorribilidade do acórdão da Relação.
e) O recorrente foi notificado deste acórdão por carta enviada em 2/7/2012, tendo do mesmo interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
f) Pela Decisão Sumária n.º 451/2012, foi decidido não conhecer do objeto do recurso, com fundamento em que o acórdão do Supremo não fizera aplicação de qualquer das normas que o recorrente pretendia ver apreciadas.
g) O recorrente reclamou para a conferência, alegando que pretendia recorrer do acórdão da Relação e não do acórdão do Supremo.
h) Pelo Acórdão n.º 538/2012 foi indeferida a reclamação, considerando-se que o requerimento de interposição do recurso tinha de ser interpretado como significando recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e não do acórdão da Relação.
i) O recorrente foi notificado deste acórdão por carta enviada em 8/11/2012.
j) Em 22 de novembro de 2012, o recorrente apresentou o requerimento de interposição do presente recurso.
5. O prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias e conta-se, nos termos gerais, a partir da notificação da decisão de que se pretende interpor esse recurso. Porém, o n.º 2 do artigo 75.º da LTC estabelece uma exceção a esta regra de determinação do termo inicial do prazo. Interposto recurso ordinário que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite o recurso.
Este desvio ao regime geral de contagem do prazo para a prática dos atos justifica-se para evitar que a necessidade de esgotamento dos meios ordinários e a incerteza, quanto ao regime dos recursos, redundem em risco desmesurado de preclusão do recurso para o Tribunal Constitucional.
O recorrente sustenta que, tendo sido interposto recurso ordinário do acórdão de que ora interpõe recurso de constitucionalidade, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu aquele primeiro recurso, só veio a tornar-se definitiva com o acórdão do Tribunal Constitucional que decidiu não tomar conhecimento do recurso desse acórdão do Supremo. Oposto é o entendimento do despacho recorrido e, com mais desenvolvimento, do Exmo. Procurador-Geral Adjunto. Sustenta-se aí que a inadmissibilidade de recurso ordinário se tornou definitiva com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. O recurso de constitucionalidade desse acórdão só poderia protelar a definitividade da decisão, concede o Ministério Público, se tivesse por objeto questões relativas à recorribilidade do acórdão da Relação, o que no caso não sucedeu.
6. O diferendo reside, pois, na questão de saber quando deve considerar-se definitiva a decisão que não admitiu o recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça.
Importará analisar se tal definitividade se reporta apenas à ordem jurisdicional respetiva ou se abrange o recurso de constitucionalidade, em termos de se poder afirmar que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça somente se tornou definitiva com a prolação do Acórdão n.º 538/2012, que indeferiu a reclamação deduzida contra a decisão sumária de não conhecimento do recurso de constitucionalidade que visava aquela decisão do Supremo.
Parece-nos que, em regra, a definitividade, pressuposta no n.º 2 do artigo 75.º da LTC, deverá ser entendida como reportada apenas à ordem jurisdicional em que se insere o tribunal que proferiu a decisão.
No presente caso, o acórdão de 28 de junho de 2012 decidiu, definitivamente, a questão da irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação, dentro da ordem jurisdicional respetiva, pelo que, a partir da notificação de tal acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, iniciou-se a contagem do prazo de interposição do recurso de constitucionalidade do acórdão do Tribunal da Relação.
Mesmo que se considere que a regra referida pode ser afastada quando o recurso de constitucionalidade coloque em causa as normas relativas à irrecorribilidade, tal entendimento não conduzirá a solução diversa, uma vez que tal situação não se verifica neste caso.
De facto, o recurso de constitucionalidade interposto pelo reclamante, visando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não incidia sobre critérios normativos atinentes à irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - que aqui figura como decisão recorrida - pelo que não era suscetível de afetar, em tal matéria, a definitividade da decisão daquele Supremo Tribunal.
Nestes termos, tendo o reclamante interposto o presente recurso de constitucionalidade muito para além do prazo de dez dias contados desde a data da notificação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – que, definitivamente, julgou o recurso ordinário inadmissível, com fundamento em irrecorribilidade da decisão - conclui-se pela sua extemporaneidade e, consequentemente, pela improcedência da reclamação.
III – Decisão
7. Pelo exposto, julga-se a presente reclamação improcedente.
Custas pelo reclamante fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 19 de junho de 2013. – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Vítor Gomes (vencido; apenas considero definitiva a decisão com o acórdão do tribunal constitucional) - Maria Lúcia Amaral