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Proc. nº 427/01 Acórdão nº 476/01
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por decisão sumária de fls. 337 e seguintes, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, e invocando jurisprudência anterior deste Tribunal, não julgar inconstitucional a norma do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 507-A/79, de 24 de Dezembro, pelos fundamentos constantes do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 466/95, de 11 de Julho
(publicado no Diário da República, II Série, n.º 259, de 9 de Novembro de 1995, pág. 13414).
2. Da referida decisão sumária vem agora reclamar para a conferência a recorrente J..., Lda., nos termos do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
Na reclamação apresentada (fls. 359 a 370), J..., Lda. formulou as seguintes conclusões:
'1ª- A CRP de 1976, na sua redacção original, atribuiu à AR a competência legislativa prevista nos seus artºs 164º e 167º.
2ª- No artº 164º da CRP foi fixada a competência legislativa relativa da AR, ou seja, aquelas matérias cuja legislação poderia delegar no Governo, por meio de lei de autorização legislativa.
3ª- No artº 167º, da CRP, foi fixada a competência exclusiva da AR, não passível de delegação.
4ª- No artº 201º, nº 1, da CRP foi fixada a competência legislativa do Governo, fixada às matérias não reservadas ao Conselho da Revolução e à exclusividade da AR referida no artº 167º; às matérias relativamente reservadas à AR e desde que haja lei de autorização legislativa, e ao desenvolvimento dos princípios das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que se circunscrevam a essas bases.
5ª- A matéria do arrendamento urbano integra-se, pois, no âmbito do conceito genérico e indeterminado da al. d) do artº 164º da CRP, que atribui à AR competência para fazer leis, para legislar, sobre todas as matérias, desde que não reservadas ao Conselho da Revolução ou ao Governo, arrendamentos e todas as outras.
6ª- Em lado algum a CRP reservou ao Governo (ou ao Conselho da Revolução) a competência legislativa sobre o arrendamento, como teria que fazer, MAS NÃO FEZ, se pretendesse excepcionar a condição genérica de «TODAS AS MATÉRIAS».
7ª- Muito pelo contrário, reservou a matéria do arrendamento à competência legislativa da AR como reservou inúmeras outras matérias quando lhe atribuiu competência sobre todas as matérias que não atribuísse especificada e especificamente a outros órgãos.
8ª- Logo, não tendo sido o arrendamento incluído especificada e especificamente na competência legislativa do Governo, só pode incluir-se naquele conceito indeterminado «todas as matérias» da al. d) do artº 164º da CRP, ou seja, dentro da competência relativa da AR.
9ª- A AR não deu ao Governo, à data, 1979, qualquer autorização que permitisse a este órgão legislar sobre arrendamento, nomeadamente, alterando as regras da denúncia dos contratos de arrendamento privados que incidissem sobre prédios cuja propriedade era, posteriormente à celebração do respectivo contrato de arrendamento, adquirida pelo Estado e integrada no seu património privado.
10ª- A norma do artº 8º do Dec. Lei 507-A/79, de 24.12, incide sobre o regime do arrendamento, alterando-o quanto à forma e possibilidade de denúncia de contratos de arrendamento de prédios que, tendo sido arrendados entre privados tenham sido posteriormente vendidos pelo senhorio (privado) ao Estado, que os integra no domínio privado e, por meio desta alteração legislativa, passou a poder denunciar tais contratos, no âmbito do poder de império da administração pública, e nas condições previstas naquela norma e no artº 9º do mesmo diploma.
11ª- Não tendo havido lei de autorização legislativa da AR ao Governo para que este pudesse, em 24.12.1979, alterar o regime do arrendamento urbano, e competindo a legislação sobre esta matéria à AR, o Governo legislou sobre a matéria para a qual não tinha competência orgânica.
12ª- Desta forma, a norma do artº 8º do Decreto-Lei nº 507-A/79, de 24.12, está ferida de inconstitucionalidade orgânica, cuja declaração se requer.
13ª- Ao não considerar assim, e ao aplicar tal norma aos presentes autos, a recorrente considera que a Decisão Sumária desse Tribunal Constitucional violou o disposto nos artºs 164º, al. d) e 201º, nº 1 (a contrario sensu) da CRP, na sua redacção original.
14ª- Requer, pois, seja apreciada a questão da inconstitucionalidade daquela norma e que, com o provimento da presente reclamação, seja a mesma declarada inconstitucional, com os legais efeitos [...].'
3. Notificados para se pronunciar sobre a reclamação, tanto a 'C...r' como o Director-Geral do Património concluíram no sentido de que a decisão sumária deveria ser confirmada.
4. A ora reclamante não invoca no requerimento apresentado qualquer argumento novo, susceptível de pôr em causa a fundamentação em que assentou a decisão sumária reclamada.
Corresponde à posição unânime da doutrina e à jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a tese sustentada na decisão sumária, por remissão para o acórdão nº 466/95, segundo a qual 'no plano do controlo dos actos legislativos em vista das regras constitucionais sobre a produção jurídica vale o princípio «tempus regit actum»: a validade constitucional orgânica de uma norma legal não é afectada mesmo se lhe sobrevêm novas regras constitucionais de produção jurídica'.
5. Ora, ao tempo da aprovação do Decreto-Lei nº 507-A/79, de 24 de Dezembro – o diploma em que se insere a norma questionada pelo ora reclamante no presente processo –, a Constituição da República Portuguesa, na sua redacção originária, não estabelecia uma reserva parlamentar de competência legislativa em matéria de arrendamento (cfr. o respectivo artigo 167º – a norma que definia o elenco de matérias da competência exclusiva da Assembleia da República).
A Assembleia da República podia então 'autorizar o Governo a fazer decretos-leis sobre matérias da sua exclusiva competência' (artigo 168º, na redacção originária, com itálico aditado).
Nesse contexto constitucional, era permitido, quer à Assembleia da República, quer ao Governo – sem que para tal fosse exigida autorização parlamentar –, legislar em matéria de arrendamento, já que, repete-se, estava em causa matéria não compreendida na reserva de competência referida no artigo 167º
(e, obviamente, não compreendida na reserva de competência referida nos artigos
148º, nº 1, alínea a), ou 201º, nº 2).
Só em 1982, com a primeira revisão constitucional, o arrendamento passou a integrar o domínio reservado da competência (relativa) da Assembleia da República (cfr. o artigo 168º, nº 1, alínea h), que se mantém na actual redacção da Constituição, agora como artigo 165º, nº 1, alínea h)).
Conclui-se, assim, tal como se concluiu na decisão sumária reclamada, que o Governo não carecia, para a aprovação do mencionado Decreto-Lei nº 507-A/79, de 24 de Dezembro, de autorização legislativa da Assembleia da República.
E não constitui obstáculo a esta conclusão o argumento que o recorrente pretende retirar do preceito contido no artigo 164º, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, na versão de 1976.
É que, se o mencionado artigo 164º, alínea d), atribuía competência
à Assembleia da República para 'fazer leis sobre todas as matérias', essa competência, fora das matérias referidas nos artigos 148º, nº 1, alínea a), e
201º, nº 2, era concorrente com a do Governo, conforme decorria do artigo 201º, nº 1, alínea a). Aliás, esta competência concorrente dos dois órgãos existe, ainda hoje, fora do âmbito das matérias reservadas à Assembleia da República, face ao disposto no artigo 198º, nº 1, alínea a), da Constituição, na sua redacção actual.
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão sumária em que se decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 507-A/79, de 24 de Dezembro.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 30 de Outubro de 2001 Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida