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Proc. nº 63/01
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente J... e como recorridos P... e Mulher, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 142 a 148). É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
“O recurso previsto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica - ou de uma sua dimensão normativa - e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado no julgamento do caso. Importa, por isso, começar por averiguar se o recorrente suscitou, durante o processo e de forma processualmente adequada, a questão da constitucionalidade normativa que agora pretende ver apreciada. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade o recorrente refere que a mesma teria sido suscitada nas alegações para o Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 91 a 94 dos presentes autos. A verdade, porém, é que tal não aconteceu. Desde logo porque, se atentarmos no teor das alegações produzidas no Supremo Tribunal de Justiça, verificamos que aí não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. O recorrente limita-se nessa peça processual a imputar ao próprio despacho impugnado - e não a normas que este tenha aplicado -
a violação de vários preceitos do Código de Processo Civil, bem como do art.
266º, nº 2 da Constituição. Para o demonstrar basta transcrever as - únicas - passagens daquela peça processual onde o recorrente se refere ao artigo 771º, alínea c) do Código de Processo Civil: No ponto 5. da alegação, refere-se:
“Com efeito, o despacho recorrido, e ora confirmado, labora num erro grave, na medida em que o recurso de revisão foi interposto não com fundamento na impossibilidade de obtenção de certidão demonstrativa da inexistência do registo, mas com base no desconhecimento da existência do documento, pelo que esse despacho violou, efectivamente, o disposto na alínea c) do artigo 771º do CPC”. (sublinhado nosso). Por outro lado, a concluir as alegações, diz o recorrente:
“7.1. – Ao não receber o recurso de revisão, violada foi a regra do art. 771º, al. c) do CPC;
7.2 – Quando não recebeu o recurso, com fundamento na impossibilidade de se formar caso julgado nos processos de produção antecipada de prova, foram violadas as regras dos artigos 676º, 677º, 678º e 679º, todos do CPC;
7.3. – Como violado foi o princípio da legalidade consagrado no art. 266º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, violação essa que expressamente se argui para todos os efeitos legais”. Ora, como resulta expressamente do disposto nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, e tem sido por inúmeras vezes repetido por este Tribunal (cfr., a título de exemplo, o acórdão nº 20/96, in Diário da República, II série, de 16 de Maio de 1996), o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade tem por objecto a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas e não das decisões judiciais que as apliquem. O que antecede obsta, só por si, à possibilidade de conhecimento do objecto do recurso interposto. Acresce, no mesmo sentido, que, mesmo aceitando que o recorrente teria ali imputado a violação do artigo 266º, nº 2 da Constituição não à decisão recorrida mas a uma norma por ela aplicada, sempre ficaria por saber - porque o recorrente não o diz nas alegações que apresentou perante o Supremo Tribunal de Justiça - a que preceito, de entre os vários do Código de Processo Civil que considera terem sido violadas pela decisão recorrida, é que pretende imputar a questão de constitucionalidade. E mesmo que - o que não se admite - se pudesse considerar que a inconstitucionalidade que ali é suscitada se refere ao artigo 771º, alínea c) do CPC, sempre ficaria por esclarecer, porque mais uma vez o recorrente não o disse, qual a dimensão normativa desse preceito que considera inconstitucional.
É que, como este Tribunal tem afirmado repetidamente, nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Porém, nesses casos, tem o recorrente o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional. Como se disse, por exemplo, no Acórdão nº 178/95
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118.) “tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de
1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental”. Porém, como pode ver-se pela transcrição feita, nada disso foi feito na peça processual em que o recorrente sustenta ter suscitado a questão de constitucionalidade que agora pretende ver apreciada. Assim, por tudo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se evidente que não pode conhecer-se do objecto do recurso que o recorrente pretendeu interpor”.
2. Inconformado com esta decisão o recorrente apresentou, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº 3 da LTC, reclamação para a Conferência, a qual foi desatendida pelo Acórdão nº 158/2001 (fls. 153 a 158).
3. Novamente inconformado, vem o recorrente de novo aos autos, desta vez através do requerimento de fls. 161 a 164, em que, em síntese, solicita:
a) a reforma daquele acórdão nº158/2001, ao abrigo do disposto no artigo 669º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil;
b) o seu esclarecimento, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do mesmo artigo.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação
4. É claramente de desatender, como vai já de seguida ver-se, o presente requerimento.
4.1. Quanto ao pedido de reforma da decisão recorrida, formulado ao abrigo do disposto no art. 669º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil.
Nos termos do disposto no art. 669º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil, pode qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando “tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”.
A verdade, porém, é que nada disso se verifica na decisão cuja reforma se requer, que se limitou a confirmar a decisão do Relator no sentido do não conhecimento do objecto do recurso, com fundamento em que o recorrente não teria suscitado perante o Tribunal recorrido qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se a, durante o processo, imputar ao próprio despacho impugnado - e não a normas que este tivesse aplicado - a violação de vários preceitos do Código de Processo Civil, bem como do art. 266º, nº 2 da Constituição.
Considerou-se, por isso, no Acórdão nº 158/2001, na sequência do que vem sendo a jurisprudência reiterada deste Tribunal, que não estariam reunidos todos os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso que o recorrente pretendeu interpor, o previsto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC, pelo que foi decidido, em consequência, não conhecer do objecto do mesmo.
Não se vê, por isso, que exista nesta fundamentação normativa qualquer qualquer lapso manifesto do Tribunal na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, pelo que se desatende a solicitada reforma.
4.2 Quanto ao pedido de esclarecimento da decisão recorrida, formulado ao abrigo do disposto no art. 669º, nº 1, al. a) do Código de Processo Civil.
No entender do recorrente o Acórdão nº 158/2001 é ainda obscuro e ambíguo quando decide desatender a reclamação para a Conferência do despacho que decidiu não tomar conhecimento do recurso. Concretamente pretende o recorrente que o Tribunal esclareça se, quando se decidiu desatender a reclamação por falta de fundamentação, o acórdão quer significar que a fundamentação deverá ser feita antes da notificação para apresentação de alegações.
Também este pedido de esclarecimento é de desatender.
Na realidade, não é o Acórdão nº 158/2001 que é, sobre este ponto, obscuro ou ambíguo, mas o requerente que aparentemente confunde duas realidades completamente distintas: a apresentação das alegações de recurso a que se refere o artigo 79º da LTC (na hipótese de este ter sido admitido e depois de notificado o recorrente para o efeito), e a normal fundamentação que deve acompanhar qualquer reclamação, e designadamente aquela a que se refere o artigo
78º-A, nº 3 da LTC.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se desatender os presentes pedidos de reforma e de esclarecimento do acórdão nº 158/2001. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 10 (dez) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Setembro de 2001 José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida