Imprimir acórdão
Processo n.º 917/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação para a conferência tem o seguinte teor:
«(…)
Questão prévia de constitucionalidade
1. A presente questão é suscitada nos termos do artigo 223º, n.º 1 da CRP e 70º, n.º 1, alínea b) da Lei do TC.
2. O n.º 1 do artigo 78º-A da Lei do TC permite ao relator proferir sumária «se entender que não pode conhecer-se do objeto do recurso ou que a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada».
3. O n.º 3 do mesmo preceito estipula que da decisão sumária do relator pode reclamar-se para a conferência, a qual é constituída pelo presidente ou pelo vice-presidente, pelo relator e por outro juiz da respetiva secção, indicada pelo pleno da secção em cada ano judicial».
4. O n.º 4 acrescenta que «a conferência decide definitivamente as reclamações, quando houver unanimidade dos juízes intervenientes, cabendo essa decisão ao pleno da secção quando não haja unanimidade».
5. No caso em apreço houve lugar a decisão sumária em matéria penal, pois o relator entendeu que a questão era simples «face à jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria».
6. Salvo o merecido respeito, somos de opinião que o artigo 78º-A, números 1, 3 e 4 da Lei do TC é materialmente inconstitucional quando prevê que o exame de legalidade da decisão sumária seja efetuado por um coletivo de juízes que integre o juiz autor da decisão em exame, por violação dos artigos 292º, n.º 2; 203º, 204º, 32º, n.º 1; 27º, n.º 1 e 20º, n.º 1 da CRP.
7. O recorrente só agora suscita a questão em apreço [artigo 75º-A, n.º 2 da Lei do TC] pois (i) só agora é confrontado com a questão em causa, ao ser notificado da decisão sumária e (ii) porque a proclamada «jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria» [sic] citada pelo relator se resume [no próprio enunciado da decisão em apreço, página 9] a um acórdão do TC «inédito» [sic, citada página, o Acórdão n.º 32/2006].
8. Na verdade, o sistema legal citado permite que a sindicabilidade de um ato jurisdicional de conhecimento de mérito de um recurso de constitucionalidade de uma norma de natureza penal seja efetuada por um colégio de juízes do qual faz parte um juiz [o relator] que já se comprometeu com a decisão sujeita a apreciação.
9. A lei citada denomina tal procedimento de sindicabilidade da decisão sumária como «reclamação», mas trata-se de uma forma impugnação não para o próprio autor da decisão, mas sim para uma entidade que formalmente pretende ser uma entidade diversa do autor da decisão impugnada, mas que afinal o incorpora como um dos seus membros.
10. Tal procedimento:
(1) Viola o estatuído no n.º 2 do artigo 202º da CRP, pois atenta contra a missão fundamental dos tribunais que é o «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos», pois que desguarnece o direito do cidadão em ver uma questão fundamental [no caso a questão de constitucionalidade de uma norma legal] em sede jurisdicional, pois cria um sistema que limita a formação de uma vontade diferenciada e autónoma daquela que deu azo ao ato em apreço;
(2) Viola o artigo 203º da CRP, pois que a independência dos tribunais implica que os juízes que intervêm em sede de apreciação jurisdicional não estejam previamente comprometidos no exame de mérito do caso sub judice, e no sistema em causa tal é permitido;
A lógica constitucional que levou a impedir a intervenção de juízes previamente comprometidos em atos jurisdicionais de conhecimento do mérito [veja-se o subjacente aos artigos 409ºe 426º-A do CPP] decorre de um princípio geral que tem aqui plena aplicação: o juiz que formou previamente o seu juízo sobre o mérito está naturalmente impedido de voltar a julgar o já julgado.
(3) Viola o artigo 204º pois que os tribunais, nisso incluindo o próprio TC, não podem aplicar normas inconstitucionais;
(4) Viola o disposto no artigo 32º, n.º 1 da CRP, pois que, tratando-se do exame de legalidade de ato judicial proferido em sede de exame de constitucionalidade de norma jurídica penal [no caso o artigo 400º, n.º 1, alínea f) do CPP] (i) não só não assegura ao arguido as garantias de defesa penal (ii) como limita drasticamente o direito ao recurso.
De facto, a garantia de defesa fica limitada ante a circunstância de um direito crucial com tal natureza ficar [nomeadamente o de recurso] à mercê de uma decisão rápida e automática, que pode ser por mera remissão para jurisprudência anterior [artigo 78º-A, n.º 1, parte final da Lei do TC].e que, quando reclamada se vê conhecida por um coletivo em que está presente o autor da decisão impugnada, a quem é conferido o poder de sustentando-a presencialmente e em diálogo direto com os restantes membros da conferência, convencer os restantes membros do colégio judicativo.
Por alguma razão a lei consagra a regra do esgotamento do poder jurisdicional do juiz que prolata decisões de mérito [artigo 666º, n.º 1 do CPC, aplicável ao CPP por força do artigo 4º do CPP], apenas permitindo a sustentação da decisão no caso do agravo e mesmo assim antes da sua subida [artigo 744º do CPC]. E não será despiciendo notar que tal possibilidade não é permitida no caso de apelação cível, e é o regime subsidiário da apelação aquele que vigora em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade [artigo 69º da Lei do TC].
Ora, ante o regime que decorre das normas da Lei do TC cuja inconstitucionalidade agora suscitamos, a verdade é que ao juiz da decisão sumária impugnada é conferida a prerrogativa excecional de intervir presencialmente no colégio judicial que vai decidir do seu ato.
Mais: ele que julgou sumariamente, volta a julgar o mesmo caso, não estando impedido de o fazer!
11. O decretar da inconstitucionalidade implica como seu efeito a formulação de uma conferência com composição adequada às regras constitucionais, o que obriga o Tribunal Constitucional a reconstruir a norma jurídica de forma a possibilitar a sua adaptação à Lei Fundamental da Nação.
Reclamação
12. Se esta argumentação não proceder o reclamante pretende que seja reexaminada a decisão sumária, por discordar do entendimento que foi recortado do citado acórdão inédito que o relator cita em abono da sua decisão.
13. Efetivamente:
(1) Está em causa a garantia do direito ao recurso pelo arguido, garantia que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal ou seja, de poder impugnar uma decisão judicial submetendo a sua apreciação a uma instância judicial superior em ordem à sua correção.
(2) O conteúdo do direito ao recurso como garantia de defesa é de há muito identificado pelo Tribunal Constitucional com a garantia do duplo grau de jurisdição “quanto a decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais”
(3) O que significa que embora valha no processo penal português o princípio da recorribilidade das decisões judiciais, do ponto de vista constitucional não são ilegítimas as restrições ao direito ao recurso de decisões não condenatórias ou que não afetem a liberdade ou outros direitos fundamentais do arguido. A Constituição não impõe, portanto, a concessão ao arguido de um direito de recorrer de toda e qualquer decisão judicial que lhe seja desfavorável.
(3) O duplo grau de jurisdição constitucionalmente imposto abrange, segundo o Tribunal Constitucional, tanto o recurso em matéria de direito, como o recurso em matéria de facto.
(4) Salvo o devido respeito, não pode afirmar-se que o arguido absolvido em primeira instância e condenado em pena de prisão pelo Tribunal da Relação, em consequência de recurso interposto pelo Ministério Público, vê garantido o direito ao recurso.
(5) Beneficiário de uma absolvição o arguido não tinha interesse em agir de modo a poder discutir os fundamentos da mesma e nomeadamente se não haveria outra razão jurídica que poderia justificar a absolvição em causa.
(6) Além disso, em sede de resposta ao recurso interposto pelo MP, o arguido não pode discutir um objeto diferente daquele que foi configurado pelo recorrente e que constitui a matéria sobre a qual o Tribunal haverá que pronunciar-se.
(7) Outro entendimento, salvo o devido respeito, afigura-se que sobrepõe a forma à matéria, o que se afigura contrário à Lei Fundamental, não podendo afirmar-se ter o arguido podido impugnar uma decisão judicial submetendo a sua apreciação a uma instância judicial superior em ordem à sua correção, se por falta de legitimidade (resultado da sua absolvição) se viu impossibilitado de questionar os discutir os fundamentos.
(8) Acresce ainda, que precisamente em situação como às dos presentes autos, afigura-se que deverá ser convocada a mais recente jurisprudência constitucional que tem decidiu julgar inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação das normas da alínea c) do n.º 1 do artigo 432º e alínea e) do n.º 1 do artigo 400º do CPP, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas Relações, quanto o Tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade por violação do princípio da legalidade criminal (art. 29º e 32º da CRP)
(9) Na verdade, o Tribunal da Relação de Coimbra aplicou ao ora recorrente uma pena de prisão.
(10) Não deixando se ser uma pena privativa da liberdade, em virtude de decisão de suspender a execução da mesma por um período determinado, o que aliás resulta afigura- se do disposto nos artigos 40º e seguintes do Código Penal, designadamente do disposto no artigo 43º daquele diploma no que se refere à substituição da pena de prisão.
(11) Este a o sentido da jurisprudência que a propósito do cúmulo jurídico de penas e contra a corrente minoritária que impede o cúmulo jurídico de penas de prisão efetivas com penas de prisão suspensa uma vez que estas duas penas têm natureza diversa, a segunda é pena de substituição.
CONCLUSÕES
1.ª O artigo 78º-A, números 1, 3 e 4 da Lei do TC é materialmente inconstitucional quando prevê que o exame de legalidade da decisão sumária seja efetuado por um coletivo de juízes que integre o juiz autor da decisão em exame, por violação dos artigos 292º, n.º 2; 203º, 204º, 32º, n.º 1; 27º, n.º 1 e 20º, n.º 1 da CRP.
2.ª A argumentação da decisão sumária deve, salvo o merecido respeito, improceder, improcede, pois:
(i) está posta em causa a garantia do direito ao recurso pelo arguido constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal ou seja, de poder impugnar uma decisão judicial submetendo a sua apreciação a uma instância judicial superior em ordem à sua correção.
Beneficiário de uma absolvição o arguido não tinha interesse em agir de modo a poder discutir os fundamentos da mesma e nomeadamente se não haveria outra razão jurídica que poderia justificar a absolvição em causa.
Em sede de resposta ao recurso interposto pelo MP, o arguido vê precludida a possibilidade de discutir um objeto diferente daquele que foi configurado pelo recorrente e que constitui a matéria sobre a qual o Tribunal haverá que pronunciar-se.
(ii) Afigura-se que deverá ser convocada a mais recente jurisprudência constitucional que tem decidiu julgar inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação das normas da alínea c) do n.º 1 do artigo 432º e alínea e) do n.º 1 do artigo 400º do CPP, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas Relações, quanto o Tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade por violação do princípio da legalidade criminal (art. 29º e 32º da CRP)
Na verdade, o Tribunal da Relação de Coimbra aplicou ao ora recorrente uma pena de prisão.
Não deixando se ser uma pena privativa da liberdade, em virtude de decisão de suspender a execução da mesma por um período determinado, o que aliás resulta afigura-se do disposto nos artigo 40º e seguintes do Código Penal, designadamente do disposto no artigo 43º daquele diploma no que se refere à substituição da pena de prisão.
Nestes termos (i) deve ser declarada a inconstitucionalidade material do artigo 78º-A, números 1, 3 e 4 da Lei do TC e em consequência julgada a reclamação da decisão sumária em conferência por coletivo de juízes no qual não tenha intervenção o juiz que prolatou tal decisão (ii) caso assim se não entenda, deve ser atendida a reclamação e revogada a mesma decisão, fazendo o recurso seguir os seus termos até final.
(…)»
3. O Ministério Público emitiu parecer pugnando pelo indeferimento da reclamação deduzida.
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«(…)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de julho de 2013, que indeferiu a reclamação apresentada pelo recorrente, ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal, incidente sobre o despacho do Tribunal da Relação de Coimbra, de 5 de junho de 2013, que não admitira o recurso interposto pelo recorrente para aquele Supremo Tribunal.
2. O recorrente pretende ver apreciadas as seguintes questões de constitucionalidade:
«(...)
Primeira questão: Os artigos 399.º e 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP, quando preveem a irrecorribilidade para o STJ de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que condena arguido absolvido em primeira instância, em pena de prisão, suspensa na sua execução.
Segunda questão: O artigo 684.º-A, n.º 2 do CPC e o artigo 401.º do CPP, quando não aplicados ao processo penal, assim vedando o arguido (como sucedeu nos autos) de impugnar matéria de facto relativamente à qual não ocorreu no aresto final subsunção jurídica condenatória antes absolutória, no caso em que o MP recorra da absolvição e da precedência de tal recurso possam resultar efeitos jurídicos negativos para si mormente a sua condenação ante a intangibilidade dos factos que destarte não pôr em causa, são materialmente inconstitucionais por violação do direito ao recurso que é assim amputado de forma desproporcionada.
3. Normas da Constituição violadas: Artigos 32.º, n.º 1 (direito ao recurso) e 13.º (Igualdade), da CRP.
(...)»
3. Foi o arguido – ora recorrente – absolvido, em primeira instância, da prática, em coautoria, de um crime de corrupção ativa com prejuízo do comércio internacional, em concurso aparente com um crime de corrupção passiva para ato ilícito. Interpôs, então, o Ministério Público recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que lhe deu provimento, condenando o arguido pela prática dos mencionados crimes, em pena de prisão cuja execução ficou suspensa por igual período. Inconformado, o ora recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em requerimento com data de 15 de junho de 2012, recurso esse não admitido pelo tribunal recorrido, em despacho de fls. 172, com fundamento nos artigos 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP. Seguiu-se a reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentada pelo recorrente ao abrigo do disposto no artigo 405.º, do CPP, onde se alegou, em síntese, o seguinte:
«(...)
3. Louva-se a decisão reclamada no argumento de que, o Acórdão da Relação condenou o ora reclamante na pena de … anos de prisão, suspensa na sua execução, quando o mesmo tenha sido absolvido pelo Tribunal de Primeira Instância, é irrecorrível nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, porquanto o processo penal enquanto expressão do direito de defesa consagrado constitucionalmente (artigos 20.º, n.º 2, 215.º, n.º 2 e 3 e 32.º n.º 1 todos da CRP) não obriga a um triplo grau de jurisdição, ou seja, de um duplo grau de recurso.
4. Ora está aqui a razão da discordância: para a decisão sob reclamação trata-se de decisão irrecorrível (artigos 400.º, n.º 1, e) e 432.º, n.º 1, alínea b) do CPP).
5. Para o reclamante não se pode convocar o dispositivo em causa pois que tal entendimento, determinando a irrecorribilidade, é incompatível com a Constituição, por nos casos em que o Tribunal da Relação condena em pena de prisão ainda que suspensa na sua execução, quando em Primeira Instância tenha existido absolvição, não poder afirmar-se que o arguido tenha tido possibilidade de apresentar ante outra jurisdição a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável.
6. A própria decisão sob reclamação reconhece que do disposto no 20.º-2 da CRP que garante a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, do artigo 215.º - 2 e 3 da CRP que prevê a existência de tribunais de recurso e ainda do disposto no artigo 32.º n.º 1 da CRP – sendo o direito ao recurso em processo penal um elemento integrador das garantias de defesa do arguido – resulta que deve salvaguardar-se sempre a existência de um duplo grau de jurisdição (sublinhado e negrito nosso).
7. É indiscutível, portanto, que o direito ao recurso faz parte do núcleo fundamental dos direitos de defesa.
8. Sobre esta questão há jurisprudência firme do Tribunal Constitucional desde há muitos anos.
9. O direito ao recurso significa a garantia de que a causa seja reexaminada por um tribunal superior, perante o qual o arguido tenha a possibilidade de apresentar a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável.
10. Garantia esta que, nos termos pretendidos pela decisão reclamada redundaria numa fórmula vazia porquanto, beneficiário de uma absolvição o arguido não ter interesse em interesse de modo a poder discutir os fundamentos da mesma e nomeadamente se não haveria outra razão jurídica que poderia justificar a absolvição da causa.
11. E diz-se que é vazia porquanto sendo decretada a absolvição do arguido em Primeira Instância, fica-lhe vedada a possibilidade de interposição de recurso relativamente à matéria que o Tribunal haja dado como provada e não provada e bem assim às razões jurídicas que poderia justificar a absolvição em causa.
12. Não sendo aplicável ao processo penal, o disposto no artigo 684.º-A, n.º 2 do CPC o qual veio admitir a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nomeadamente quanto «à nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.»
13. O que na pratica significa que o arguido absolvido em Primeira instância não tem em sede penal, e ao contrário do que sucede no âmbito cível, a possibilidade de apresentar a sua visão sobre os factos pois, salvo o devido respeito por entendimento diverso, de uma questão de gravidade, mas sim da garantia constitucional do direito de recurso.
15. Ante a configuração específica que o problema aqui assume, o reclamante entende que faz sentido que se consigne que os artigos 399.º e 400.º n.º 1 alínea e) e 432.º alínea d) todos do CPP, quando aplicados numa dimensão normativa concreta de que resulta a irrecorribilidade do acórdão da Relação que condena o arguido absolvido em primeira instância, em pena de prisão, suspensa na sua execução, são materialmente inconstitucionais, por violação do artigo 32.º, n.º 1 da CRP, por limitarem de modo desproporcionado e sem fundamento material para restringi-lo, o direito ao recurso penal.
(...)»
O Supremo Tribunal de Justiça, em decisão datada de 9 de julho de 2013, indeferiu a reclamação, pugnando no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, por considerar que “a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto de tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas”.
4. Levanta o recorrente, no requerimento de recurso que agora se aprecia, duas distintas questões de constitucionalidade. Ora, atentos os pressupostos processuais inerentes aos recursos interpostos nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, conclui-se, usando da faculdade prevista no n.º 1 do artigo 78.º-A, da LTC, não ser de conhecer a segunda das questões de constitucionalidade enunciadas.
Tal questão, recorde-se, tem que ver com a inconstitucionalidade do artigo 684.º-A, n.º 2 do CPC e do artigo 401.º do CPP, quando não aplicados ao processo penal, assim vedando ao arguido a impugnação de matéria de facto relativamente à qual não ocorreu no aresto final subsunção jurídica condenatória antes absolutória, no caso em que o MP recorra da absolvição e da precedência de tal recurso possam resultar efeitos jurídicos negativos para si mormente a sua condenação ante a intangibilidade dos factos que destarte não pode pôr em causa.
Sucede, na verdade, que os normativos em que se estriba a questão de constitucionalidade supra delimitada não foram objeto de aplicação pela decisão recorrida – a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de julho de 2013 – não constituindo, por maioria de razão, ratio decidendi desta.
5. Já no que concerne a primeira das questões elencadas pelo recorrente, há que concluir que se está perante uma “questão simples”, suscetível de ser enquadrada na hipótese normativa delimitada pelo n.º 1, do artigo 78.º-A da LTC. Com efeito, invoca o recorrente a inconstitucionalidade da alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, no segmento em que aí se prevê “a irrecorribilidade para o STJ de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que condena arguido absolvido em primeira instância, em pena de prisão, suspensa na sua execução”.
Este Tribunal, em jurisprudência constante e sólida (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 49/03, 424/09 e 659/11, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), tem vindo a sufragar a não inconstitucionalidade do entendimento normativo identificado, considerando que a Constituição não impõe o direito a um duplo grau de recurso em matéria penal, por um lado, e que, por outro, a garantia do direito ao recurso não sai frustrada pelo facto de a decisão condenatória só ter sido proferida pelo Tribunal da Relação, isto é, em segunda instância. Com efeito, nestas hipóteses, a condenação resulta justamente da reapreciação por um tribunal superior – in casu, o Tribunal da Relação de Coimbra - perante o qual o arguido tem a oportunidade de expor a sua defesa. Tendo em atenção a necessidade de limitar em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralisação, percebe-se, pois, que da norma que constitui objeto do presente recurso não resulta qualquer infração ao artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
Nem se invoque, contra o exposto, a mais recente jurisprudência constitucional incidente sobre a alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, vertida nos acórdãos n.ºs 591/12, 425/13 e 324/13 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), o último deles tirado em Plenário. Em tais arestos, recorde-se, o Tribunal Constitucional decidiu “julgar inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação das normas da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º e da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas Relações, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade inferior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade, por violação do princípio da legalidade criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa)”.
Isto porque tais decisões visaram obstar à “analogia constitucionalmente proibida” que os tribunais vinham empreendendo ao negarem a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento na mencionada alínea e), quando a segunda instância aplicasse pena de prisão privativa da liberdade não superior a cinco anos. Ora, in casu, o Tribunal da Relação de Coimbra aplicou ao recorrente uma pena de prisão suspensa na sua execução, logo, não privativa da liberdade, pelo que claudicam as razões que poderiam justificar a aplicação da jurisprudência identificada.
6. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do objeto do recurso, no que respeita à questão de constitucionalidade referente aos artigos 684.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, e 401.º, do Código de Processo Penal;
b) No que respeita à alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
(…)»
5. Quanto à questão de constitucionalidade relativa ao artigo 78.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 da LTC, interpretada no sentido de que prevê que o exame da legalidade da decisão sumária seja efetuado por um coletivo de juízes que integre o juiz autor da decisão, cumpre avançar que a mesma já foi objeto de escrutínio por este Tribunal, entre outros, nos Acórdãos n.ºs 486/2006, 616/2006 e 20/2007 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Nestes arestos, considerou o Tribunal unanimemente que a interpretação normativa assim delineada não implicava violação de quaisquer normas e princípios constitucionais, designadamente dos artigos 292.º, n.º 2, 203.º, 204.º, 32.º, 27.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1 da CRP. Nada aduzindo o reclamante que justifique a inversão desta jurisprudência, há que julgar improcedente a questão de constitucionalidade suscitada.
6. Por outro lado, a reclamação apresentada pelo reclamante não coloca minimamente em crise a decisão sumária proferida. Com efeito, quanto à interpretação extraída da alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, que estabelece “a irrecorribilidade para o STJ de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que condena arguido absolvido em primeira instância, em pena de prisão, suspensa na sua execução”, considerou o Relator, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A, da LTC, que a questão a decidir era “simples”, proferindo, em consonância, decisão sumária. Na verdade, a jurisprudência constitucional vem reiteradamente recusando a inconstitucionalidade daquele entendimento normativo, à luz das exigências deduzidas do artigo 32.º, n.º 1, da CRP (cfr., entre outros, os acórdãos n.ºs 49/03, 424/09 e 659/11, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Acresce que, talqualmente se sublinhou na decisão sumária, de nada vale ao (ora) reclamante invocar a jurisprudência vertida nos acórdãos n.ºs 591/12, 425/13 e 324/13 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Com efeito, a questão de constitucionalidade aí decidida não se confunde com a dos presentes autos, afastamento esse que se denota a dois níveis.
Em primeiro lugar, ao nível das normas e princípios constitucionais violados, porquanto nos presentes autos está em causa uma alegada violação do direito ao recurso (cfr. artigo 32.º, n.º 1, da CRP), ao passo que ali o juízo de inconstitucionalidade fundou-se na oposição ao princípio da legalidade criminal (cfr. o artigo 29.º, n.º 1, da CRP). Em segundo lugar, como facilmente se antecipa, não há absoluta coincidência entre as interpretações normativas cotejadas. Na jurisprudência citada, a censura constitucional teve como pressuposto a aplicação, pelas Relações, em recurso, de pena privativa da liberdade inferior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade. In casu, porém, constata-se que a desconformidade entre as decisões da primeira instância e da Relação resultou da aplicação, por esta, de uma pena de prisão suspensa na sua execução, ou seja, de uma pena não privativa da liberdade.
Tal dissemelhança é, como se depreende, decisiva, pelo que, nada avançando a presente reclamação que permita obstar às conclusões vertidas na decisão sumária, cumpre reiterar o juízo de não conhecimento do objeto do recurso que nela foi proferido.
III. Decisão
7. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada, e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 19 de novembro de 2013. – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral –Joaquim de Sousa Ribeiro.