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Processo n.º 589/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação apresentada tem o seguinte teor:
«(…)
II) Da opção pela decisão sumária e (des)proporcionalidade
Primeiramente, e antes de mais, tecer unicamente umas singelas palavras sobre a decisão em sede de decisão sumária, prévia ao oferecimento de alegações.
Em modesto entender do signatário, trata-se de uma restrição desproporcionada dos direitos do recorrente, presidindo ao recurso apresentado unicamente o sentimento de injustiça e de disformidade face a um Direito penal justo e processualmente conforme.
Houvesse oportunidade de se ter oferecido alegações, como expressamente se manifestou tal intenção na última página do requerimento de recurso, para efeitos de melhor corporalização dos fundamentos e razões inerentes ao mesmo, muito provavelmente teriam sido dissipadas as dúvidas e lapsos sobre as quais navega a douta decisão sumária…
Em alternativa ao uso de tal meio desproporcionado sempre deveria/poderia o Tribunal ter feito uso da prerrogativa plasmada no n.º 5 do art. 75.º-A da Lei do Venerando Tribunal Constitucional por forma a que o recorrente suprisse qualquer eventual lacuna ou aperfeiçoasse o teor do requerimento.
Na verdade, em matéria de privação de direitos, esta só é admissível quando se mostrar indispensável, isto é, quando o desiderato que visa prosseguir não puder ser obtido de outra forma menos gravosa (princípio da necessidade ou da exigibilidade), quando se revelar o meio adequado para alcançar os fins ou finalidades que a lei visa com a sua cominação (princípio da adequação ou da idoneidade) e quando se mostrar quantitativamente justa, ou seja, não se situe nem aquém nem além do que importa para a obtenção do resultado devido (princípio da proporcionalidade, proibição do excesso ou da racionalidade).
Todavia, para que não restem/hajam dúvidas, não se defende em abstrato nenhum direito subjetivo a apresentar alegações e aceita-se que em certos casos, por questões de celeridade processual, manifesta simplicidade ou ostensiva preterição dos requisitos legalmente fixados para a admissibilidade recursória, deva mesmo ser adotada tal solução decisória após prévia notificação de tal possibilidade e convite ao aperfeiçoamento.
Aquilo que se discute, e discorda, é o facto de no presente caso se não mostrarem verificados tais requisitos para a prolação decisória na forma como a mesma foi feita e que, cumulativamente, radique a mesma numa errada valoração, ponderação e análise do objeto recursório!
Ademais, mostra-se vertido no nº 2 do art. 78º-A que a decisão sumária radique na não indicação integral dos elementos exigidos pelos n.ºs 1 a 4 do art. 75º-A LTC terá de ser necessariamente precedida de notificação nos termos dos n.ºs 5 a 6 de tal norma.
In casu inexistiu qualquer notificação nesses precisos termos, desde já se alegando preterição de tal formalidade e tendo a douta decisão sumária por contra legem e constituindo manifesta decisão-surpresa!
E basta ver que no tocante à rejeição em causa o alegado “não preenchimento dos pressupostos processuais”.
Ora, tal exigência ter-se-á de mostrar incluída na exigência de tais requisitos objetivos de cognição e admissibilidade recursória!
Assim, apenas poderia ocorrer decisão sumária sempre e quando previamente fosse o arguido convocado a aperfeiçoar o teor do requerimento de recurso apresentado ou, no limite, notificado para se pronunciar sobre tal possibilidade.
(…)
Ademais, desconhece-se se o Ministério Público terá emitido parecer bem como qual tenha sido o sentido do mesmo pois não se foi notificado do mesmo.
(…)
Tem-se por inconstitucional a dimensão normativa e interpretação do n.º 1 do art. 78.º-A LTC no sentido de ser admissível pelo Tribunal Constitucional, em sede de apreciação de recurso de constitucionalidade, a prolação de decisão sumária radicada no não conhecimento do objeto do recurso, por alegada ausência de contestação a constitucionalidade de uma determinada interpretação normativa, sem que previamente seja o recorrente notificado nos termos e para efeitos do n.ºs 5 e 6 do art. 75º-A LTC, visando-se a sua pronúncia e reformulação da respetiva enunciação com adequação aos requisitos legalmente plasmados e consagrados, assim se obstando à proferição de decisões-surpresa nefastas aos seus interesses e direitos.
A simili ter-se-á por disforme à Lei Fundamental a dimensão normativa e interpretação do n.º 1 do art. 78º-A LTC no sentido de ser admissível pelo Tribunal Constitucional, em sede de apreciação de recurso de constitucionalidade, a prolação de decisão sumária radicada no não conhecimento do objeto do recurso, por alegada ausência de contestação da constitucionalidade de uma determinada interpretação normativa, sem que previamente seja o recorrente notificado do parecer emitido pelo Ministério Público, sempre e quando tenha o mesmo tido lugar e sido proferido no sentido de não conhecimento do recurso interposto.
Trata-se da solução que melhor salvaguarda e tutela os direitos e sua restrição, buscando a concordância prática e não fulminando de morte qualquer deles.
Ademais, é abundante a jurisprudência do Venerando Tribunal Constitucional no sentido de no passado ter decidido pela imposição de prévio convite ao aperfeiçoamento em sede recursória (pense-se na questão das conclusões de recurso), mesmo quando na anterior vigência da legislação processual cível e penal inexistia tal norma expressa, levando a que passasse a estar expressamente consagrada tal possibilidade.
(…)
Está assim constitucionalmente proibida a indefesa judicial do arguido, não podendo o Tribunal Constitucional decidir pela inadmissibilidade recursória sem previamente o ouvir sobre tal questão ou, pelo menos, facultar-lhe tal possibilidade, notificando-o de tal possibilidade e, desde logo, juntando o eventual parecer do Ministério Público!
III) Da douta decisão sumária
(…)
É notório que existe ausência de correspondência entre o objeto e fundamento recursórios e a douta análise efetuada, impondo-se a correção de tal lapso!
Como é possível, que seja analisada a questão do recurso para o Tribunal Constitucional com base no requerimento de nulidade do douto acórdão proferido pelo venerando Tribunal da Relação de Coimbra.
Basta atentar que se mostra unicamente transcrito em sede de douta decisão sumária (a fls. 1 a 4) a parte da invocação de nulidade, sendo totalmente omitido o recurso para o Tribunal Constitucional.
Assim, como ter por questionada uma dimensão normativa que encerre inconstitucionalidade na parte errada da peça processual?!
Porém, sempre se dirá que a falha maior esteve logo à partida quando há uns tempos atrás (29 de março de 2012) foi o recurso de constitucionalidade unicamente analisado face à interposição de 26 de dezembro de 2011 deixando o recurso anterior e já previamente aceite pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra (o radicado no requerimento de 12 de outubro de 2011) sem qualquer análise…
Na verdade, importa que seja explicada toda a desconsideração integral do que de facto se mostrava o recurso de constitucionalidade e que se mostrava na peça processual logo a seguir à parte transcrita na douta decisão sumária.
Ou seja, transcreve-se tudo menos aquilo que importava, tendo-se analisado coisa diversa que, confessa-se, nunca sequer preencheria os requisitos dos pressupostos legais de recurso de constitucionalidade por não ter tal pretensão e ser coisa diversa.
(…)
Para facilitar a compreensão de V/ Exas, deixa-se transcrita a parte respeitante ao recurso de constitucionalidade e que igualmente se mostrava a fazer parte da peça processual remetida via fax no passado dia 12 de outubro de 2011 e entregue em mão na Secretaria do Tribunal no dia 14 seguinte:
(…)
Facilmente se constata que nada do que ora se deixou transcrito foi analisado para efeitos de douta decisão sumária proferida.
E dúvidas inexistirão de que tal consta expressamente da peça processual em causa e tal recurso havia sido admitido por douta decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, datada de 02 de dezembro de 2011.
O que apenas em prejuízo das mais elementares garantias de defesa do arguido se poderá ter por admissível, uma vez que se mostra uma decisão de mérito recursório proferida após analisada de invocação de nulidade…
E igualmente corresponde à verdade que tal inconstitucionalidade não foi julgada nem analisada (desconhecendo-se a razão para tal!) no anterior recurso do qual o Tribunal Constitucional tomou conhecimento.
Dúvidas inexistem igualmente da pertinência da questão validamente suscitada, a qual se radica no coração da condenação e interpretação normativa efetuada pelos Tribunais decisores!
(…)
Mostra-se cristalino, do segmento ora transcrito, que se mostra devidamente identificada a questão de desconformidade constitucional que se alegou (interpretação do art. 181.º CP).
De igual forma consta a dimensão normativa que se reputa inconstitucional (consumação do crime de ofensa à honra com a proferição de qualquer comentário ou desabafo menos próprio, como sejam os aí indicados!).
(…)
Não se percebe igualmente como se possa afirmar a ausência de suscitação prévia quando se mostra claramente afirmada no recurso apresentada para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra nos arts. 72º a 113º (maxime 93º) e conclusões O a V (maxime G).
E caso faltasse algum pressuposto sempre deveria o arguido ser previamente convidado a suprir a sua falta, não sendo lícito, na visão que se tem da realidade e supra já exposta, a proferição imediata de douta decisão sumária de não conhecimento do recurso sem qualquer prévio convite.
(…)
Entende-se assim que, em nome da justiça e observância devida aos mais elementares princípios jurídicos e comandos constitucionais, terá a douta decisão sumária proferida de ser revogada!
(…)»
3. Notificado, o Ministério Público pugnou pelo indeferimento da reclamação (em parecer de fls. 527).
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«(…)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de setembro de 2011.
2. O requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional apresenta o seguinte teor:
«(...)
Mediante acórdão proferido nos presentes autos foi negado provimento ao recurso ao nível da impugnação da matéria de facto.
Tal impugnação alicerçava primacialmente no depoimento da única testemunha isenta e imparcial em todo o processo, uma vez que o arguido, assistente e sua esposa, pese embora a credibilidade apontada, nunca o seriam a 100%.
Assim, desde já se requereria que fosse esclarecida a razão pela qual, relativamente ao depoimento da testemunha Rui Jorge apenas ter sido extraído o que se mostra a fls. 20 infra e 21 supra do douto acórdão com omissão, e eventual não consideração, das passagens referidas nas conclusões E e H!
Ora se tal testemunha havia dito que a única voz que ouvia era a do assistente como ter por provado, reprovado e escrito que ouvia “vozes altas vindas da rua”, assim no plural, e justificar a prova de tom agressivo e colérico quando a voz do arguido não era por si ouvida, comparativamente à do assistente?!
Pergunta-se assim quem estaria colérico e agressivo a ponto da sua voz ser ouvida por quem se mostrava nas imediações...
Todavia, tratar-se-á de insuficiência do arguido esta ausência de perceção e encaixe de tal realidade desconforme quer com a verdade real e verdadeira quer ainda com a verdade processual e unicamente ajustada a verdade construída...
Assim, nesta parte, mais que um esclarecimento a peticionar, afigura-se-nos como inquestionável a nulidade por omissão de pronúncia e consideração de tais passagens e, no fundo de todo o depoimento de tal testemunha, globalmente considerado, razão pela qual, na hipótese de inviabilidade da nulidade apontada, se requer, subsidiariamente, o esclarecimento face a tal facto.
Na verdade, é um direito que assiste aos arguidos saber a razão pela qual a verdade processual resultante de um depoimento da única testemunha objetivamente isenta e imparcial perde e cede na balança de ponderação probatória.
E, humilde e modestamente, entende-se que tal facto não se mostra suficientemente explicitado em termos que permitem a sua perceção, havendo ausência de fundamentação nessa parte, a qual terá de ser corrigida com o esclarecimento peticionado.
De facto, a exigência de fundamentação ressalta do teor dos arts. 374º nº 2 CPP e 205º da Constituição da República Portuguesa.
Temos assim que se tem por precludido tal direito do arguido relativamente a tal matéria de facto atinente ao crime de injúria, em razão da conjugada com a não apreciação cabal de recurso.
Na verdade, as passagens referidas de tal depoimento não se mostram consideradas, problematizadas ou sequer discutidas, resultando ainda declarações de sinal contrário...
Ora, entende-se que a se entender assim, fica o recurso da matéria de facto prejudicado, pois a sua base de sustentabilidade mostra-se destruída em razão de tal desconsideração.
O que se traduziu na solução final a dar de inalteração da mesma...
Tem-se assim por inconstitucional, em violação do art. 32º nº 1 CRP, o entendimento segundo o qual o conhecimento do recurso se basta com as questões essenciais na ótica do Tribunal ad quem, sem que se mostre justificada qual a razão da desconsideração das passagens indicadas em sede de recurso e que, modestamente, teriam a virtualidade de alterar a decisão final, seja ela de condenação vs. absolvição ou simples alteração da medida da pena.
Na verdade, se se teriam menos objeções a colocar (pese embora a ilicitude que se continuaria a defender!) no caso de afastamento fundamentante ao nível das declarações vertidas nas passagens indicadas, nunca o mesmo poderia ser de forma injustificada e sem qualquer fundamentação subjacente.
De facto, como ter por despicienda tal questão que igualmente se não mostrava problematizada na douta sentença recorrida e na qual alicerçava o cerne do recurso subjacente à matéria de facto?!
Na verdade, a situação de a ofensa à honra ter sido proferida “em local público, em voz alta, de forma a serem ouvidas por quem estava nas imediações”, como afinal o douto acórdão recorrido acaba por afirmar a fls. 25 sensivelmente ao meio da página, pesou para efeitos quer de subsunção dos factos ao direito e determinação da medida da pena.
Pelo que, questionando-se tais características da ofensa, mediante a convocação da única pessoa que se mostrava nas imediações sem ser no local, sempre tal facto se mostra de primacial importância!
E depois, acaba o douto acórdão por incorrer no vício da contradição entre a fundamentação e decisão de subsunção jurídica dos factos ao Direito quando afirma o que afirma a fls. 25 (“local público, em voz alta, de forma a serem ouvidas por quem estava nas imediações”) sem que nas declarações de tal única testemunha, vertidas a fls. 20 infra e 21 supra do douto acórdão, não reproduz qualquer ofensa à honra.
Na verdade, se a única testemunha que se mostrava nas imediações, sem ser no local de suposta prática dos factos, nada ouviu e muito menos escutava a voz do arguido, como defender que a solução e resposta dada à matéria de facto “é a única versão plausível que se retira da prova analisada esta à luz das tais regras da experiência” e ver “clareza da prova” como se escreve a fls. 22 do douto acórdão?!
E poder-se-ia questionar porque o não fez, sendo certo que a resposta radica no facto de tal testemunha nenhuma ofensa à honra ter ouvido por “apenas ouvir a voz do assistente” (passagens 04:47 a 04:59, 06:52 a 06:59 e 09:55 a 10:01 de depoimento da testemunha Rui Jorge!).
Mas pergunta-se ainda qual a razão pela qual, dando por provada a exaltação, tom colérico e afins, não foram extraídas todas as ilações de tal estado para efeitos de atenuação especial...
Todavia, mostrando-se tais afirmações (as características de produção da ofensa e o depoimento da única testemunha que poderia corroborar tais factos!) em regime de mútua exclusão, atenta a incompatibilização, fica o recorrente sem saber qual a posição do Venerando Tribunal ad quem, uma vez que há contradição insanável na exposição, requerendo-se o esclarecimento de tal ambiguidade bem como, a sua eventual correção nos termos da alínea b) do nº. 1 do art. 380º CPP sempre e quando a mesma não importe modificação essencial.
Assim, invoca-se tal nulidade, derivada da omissão de pronúncia, fundamentação e ausência de apreciação integral do recurso oferecido, desde logo igualmente a questão do preenchimento da ausência de punibilidade nos termos do n.º 2 do art. 180º, por remissão do n.º 2 do art. 181º, ambos do CP, expressamente alegada na conclusão V!
E tal questão mostra-se umbilicalmente correlacionada com a inconstitucionalidade alegada nas conclusões O e Q e será decisiva para a determinação da medida da pena nos termos referidos na conclusão JJ, as quais ora se dão por integralmente reproduzidas.
De facto, tal questão de inconstitucionalidade radica nas características de produção da alegada ofensa e sua contextualização, nomeadamente postura serena, ausência de tom colérico, a denotar a mera ausência de cortesia ou linguagem polida.
Desde já o requerente manifesta intenção de suscitar tal questão junto do Venerando Tribunal Constitucional, o que subsidiariamente e ad cautelam, de seguida se faz, pese embora da proferir por V/Exas sempre dependa a utilidade ou não de tal recurso.
Na verdade, mandaria o bom-senso que se não pratiquem atos inúteis, mas não se poderá deixar precludir o direito do arguido, uma vez que se continua a ter como solução mais conforme à Constituição da República Portuguesa aquela que sempre se perfilhou!
Todavia, poder-se-á dar o caso de a suscitação da presente nulidade poder ter a virtualidade de efetivamente se traduzir no resultado pretendido com a interposição do recurso, mas não se tem o dom da adivinhação e sempre se foi leal à jurisprudência das cautelas, na senda da sabedoria popular, na alusão aos caldos de galinha...
Acaso questionar-se-ia a correção da douta sentença recorrida, proferida pelo Tribunal de primeira instância, tendo por parâmetro unicamente as declarações tidas em conta na douta sentença recorrida e que se mostram igualmente consideradas no douto acórdão proferido?!
A resposta será claramente negativa, uma vez que a suportar o recurso da matéria de facto esteve, isso sim, a consideração de passagens desconsideradas e relativamente às quais tudo se passou como se não existissem.
Ora, tal desconsideração e cindibilidade da prova produzida tem-se por ilícita e inconstitucional, devendo a mesma ser aferida tendo por base a sua imagem globalmente considerada e a unicidade do recurso, não se mostrando legítima a interpretação do nº. 1 do art. 31º CRP que permita a cisão e desconsideração recursórias.
Para mais quando se verifica ausência de fundamentação e omissão de pronúncia relativamente a tais questões das quais o Tribunal ad quem não poderia deixar de conhecer, nos termos e para efeitos da alínea c) do n.º 1 do art. 379º CPP.
Alega-se assim a nulidade do douto acórdão em razão dos fundamentos ora expostos, a gerar inconstitucionalidade atenta a interpretação dada à garantia de recurso da matéria de facto que se não conforma com a cindibilidade e omissão de pronúncia operadas...
Sempre o recorrente se mostra animado de boa-fé, não podendo contudo deixar de pugnar pelos seus direitos, dado que o resultado do presente processo sempre lhe será assacado ao nível do seu parco património...
Em conclusão,
Entende o recorrente que o douto acórdão proferido padece do vício da nulidade por omissão de pronúncia sobre questões essenciais e devidamente explicitadas no objeto do recurso apresentado, conjugada com ausência de fundamentação e contradição, maxime ao nível da impugnação da matéria de facto relativa às circunstâncias de proferição da alegada ofensa à honra, as quais pela sua relevância para efeitos de subsunção dos factos ao direito, coenvolvendo a inconstitucionalidade invocada, e eventual medida da pena, em caso de manutenção da condenação.
Mais se alega que a interpretação da garantia de um segundo grau de recurso em matéria de facto se mostraria com “pés de barro” atenta a cindibilidade, ausência de análise integral do recurso e omissão de pronúncia operadas, sendo tal circunstância geradora de inconstitucionalidade por violação do nº. 1 do art. 32º CRP que consagra o direito a um recurso pleno e não sectável obrigando assim o Tribunal ad quem a pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas ou a, pelo menos, fundamentar (nos termos do arts. 374º nº 2, 379º nº 1 a), aplicáveis por força do nº. 4 do art. 425º, todos do CPP e exigência vertida no art. 205º CRP) tal exclusão ou omissão de pronúncia.
(...)»
3. Nos presentes autos, foi o arguido (ora recorrente) condenado pela prática de crimes de injúria e de ameaça, nos termos, respetivamente, dos artigos 181.º, n.º 1 e 153.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de 60 dias de multa por cada um deles, à taxa diária de 7€. Realizado o cúmulo jurídico, foi-lhe aplicada a pena única de 100 dias de multa, à taxa referida, a que correspondem 66 dias de prisão subsidiária. Inconformado, o arguido interpôs recurso junto do Tribunal da Relação de Coimbra, que, em acórdão de 28 de setembro de 2011, o julgou parcialmente procedente, determinando a absolvição do arguido quanto à prática do crime de ameaça. Em consequência, veio o ora recorrente invocar a nulidade de tal acórdão e, ad cautelam, interpor recurso de constitucionalidade. O Tribunal da Relação de Coimbra, em despacho de fls. 283, decidiu pela inexistência da nulidade invocada e ordenou a subida imediata dos autos para o Tribunal Constitucional.
4. O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. Contudo, em face do disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos
5. Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, necessário se mostra que se achem preenchidos um conjunto de pressupostos processuais. A par do esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão recorrida, exige-se que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma adequada, uma questão de constitucionalidade, questão essa que deverá incidir sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi daquela decisão.
Ora, não é isso que manifestamente sucede in casu, visto que o recorrente não enunciou, ao longo de toda a sua intervenção processual pertinente – leia-se, no requerimento de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra e no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional – qualquer questão de constitucionalidade normativa de que este tribunal possa conhecer. Na verdade, é patente que o recorrente não pretende contestar a constitucionalidade de uma determinada interpretação normativa, antes ambiciona impugnar a fundamentação vertida na decisão recorrida bem como a apreciação dos meios de prova carreados para o processo que nela foi feita. Tal circunstância é, aliás, comprovada pelas dificuldades evidenciadas pelo recorrente na identificação do objeto de controlo, ou seja, na determinação da norma ou preceito de direito infraconstitucional cuja constitucionalidade almeja ver apreciada.
Destarte, somos levados a concluir pelo não preenchimento dos pressupostos processuais de que se acha dependente o presente recurso de constitucionalidade.
6. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objeto do recurso.
(…)»
5. Sem prejuízo do que se dirá infra, certo é que a reclamação apresentada pelo reclamante não coloca minimamente em crise a decisão sumária proferida. Com efeito, o juízo de não conhecimento agora objeto de reclamação fundou-se no não preenchimento, pelo recurso de constitucionalidade interposto, dos pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, concretamente, na circunstância de o recorrente não ter suscitado qualquer questão de constitucionalidade normativa de que este Tribunal possa conhecer.
Ora, admite-se que, por mero lapso, o Relator não procedeu à transcrição integral, na decisão sumária reclamada, do requerimento de recurso deduzido pelo ora reclamante (a fls. 271), em 14 de outubro de 2011. No entanto, tal facto não obstou, como é bom de ver, a que hajam sido analisadas e devidamente escrutinadas as proposições inseridas no segmento não transcrito (fls. 276 e 277), onde, centrando-se no artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, avançou o então recorrente o seguinte:
«(…)
Tem-se por inconstitucional o entendimento de que crime de ofensa à honra se basta com a proferição de qualquer comentário ou desabafo menos próprio ou feliz, indelicado ou não simpático, resultante de um estado de exaltação, como sejam as expressões “és um desgraçado…um miserável de merda…não tens onde cair morto”, sob pena de, a assim se entender, se alargar o âmbito da reação penal desmesurada por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e natureza de ultima ratio do Direito Penal.
Tais decisões não se pronunciaram pela inconstitucionalidade e continuaram a aplicar tal norma de forma literal, em violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e interpretação das leis, em nome de obediência pensante, sendo violador, desde logo, dos arts. 9º CC e 13º, 18º, 26º, 32º, nº 1, 202º, nº 2, 203º a 205º da CRP, para além de diversas normas legais de tais direitos e princípios, sejam nacionais ou com consagração e assento em diversos textos de Direito internacional.
(…)»
Talqualmente se deixou claro na decisão sumária reclamada, a questão suscitada nos autos – e isto vale tanto para o requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, como para o requerimento de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra (fls. 162) – não configura uma questão de constitucionalidade normativa e, portanto, não integra o objeto de controlo ínsito ao nosso modelo de justiça constitucional. Uma vez mais se afirma que o então recorrente não logrou destacar com sucesso, a partir do preceito invocado, o sentido normativo controvertido, limitando-se, no fundo, a contestar o juízo de apreciação do tribunal recorrido quanto à gravidade de um conjunto de elementos de prova carreados para o processo.
Tampouco devem ter acolhimento as demais objeções vertidas na reclamação deduzida, concretamente, o facto de o Relator não ter lançado mão do despacho-convite previsto no artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, e de ter mobilizado o disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A, da LTC sem prévia notificação do recorrente e sem emissão de prévio parecer por parte do Ministério Público. Isto porque a falta do pressuposto processual que motivou o juízo de não conhecimento constante da decisão sumária não é suscetível de suprimento através do expediente contido naquele normativo, que está pensado para colmatar deficiências meramente formais do requerimento de recurso. Depois, na ausência de verificação dos pressupostos processuais a que estão associados os recursos previstos na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, proferiu o Relator decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A, do mesmo diploma, sem prévia notificação do recorrente, faculdade cuja validade vem sendo reiteradamente sufragada pela jurisprudência constitucional (cfr., entre outros, o acórdão n.º 530/2007, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), não merecendo, por isso, qualquer censura.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 19 de novembro de 2013. – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.