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Processo n.º 52/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, com o n.º 52/2013, os arguidos A. e B., por um lado, e C., por outro, interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, dirigido, quanto aos dois primeiros, ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de julho de 2012, e, quanto ao último, a esse mesmo Acórdão e ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em 27 de novembro de 2012.
2. Pela decisão sumária n.º 154/2013, proferida ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto dos recursos, com os seguintes fundamentos:
“(...)
4. Todas as questões colocadas à apreciação deste Tribunal, sob diversas perspetivas, comungam um pressuposto, a saber, que o Tribunal a quo fez efetiva aplicação, como determinante judicativa, do artigo 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), como também que se fixaram, conjugando esse preceito e o regime contido no artigo 126.º do Código de Processo Penal (CPP), as consequências da presença de prova proibida, porque obtida por intromissão na vida privada ou violação do sigilo bancário.
Ora, esse pressuposto mostra-se incorreto pois, face ao objeto do recurso apreciado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nenhum desses preceitos, com o sentido normativo apontado pelos recorrentes, encontra efetiva aplicação, como ratio decidendi, quer no Acórdão do Tribunal da Relação de 3 de julho 2012 que decidiu o recurso, quer no Acórdão de 27 de novembro do mesmo ano, em que se denegou a verificação de nulidade, por omissão de pronúncia.
Importa, desde logo, notar que não releva, para essa conclusão, a conformação das teses jurídicas enunciadas pelos recorrentes no âmbito dos articulados de resposta, nem a sua visão do melhor direito infraconstitucional, na medida em que a competência do Tribunal Constitucional não se estende a esse domínio. Importa aqui ter atenção os critérios ou padrões normativos efetivamente aplicados pelo Tribunal a quo e verificar da sua conformidade com a Constituição, independentemente da respetiva correção ou bondade perante o ordenamento infraconstitucional e as específicas vicissitudes dos presentes autos.
Ora, a asserção de que o disposto no artigo 79.º do RGICSF, em si mesmo, e na articulação com outras disposições, não integra a ratio decidendi em que assentou a revogação do despacho de arquivamento dos autos e a determinação de prosseguimento do julgamento ou, dito de outra forma, em consonância com o princípio da instrumentalidade do recurso de constitucionalidade, a confirmação de que, caso viesse a proceder qualquer das questões formuladas pelos recorrentes, fundadas nessa norma, a decisão recorrida não seria revertida ou afetada, encontra-se bem clara no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 27 de novembro de 2012, a propósito da arguição de nulidade, por omissão de pronúncia quanto a questões de constitucionalidade colocadas pelos arguidos.
Deixemos, pois, enunciada a explicitação da ratio decidendi operada pelo Tribunal recorrido:
“(...)
Segundo o recorrido, o acórdão desta Relação teria omitido pronúncia sobre as inconstitucionalidades expressamente alegadas nas conclusões 7.º a 9.ª da resposta às motivações de recurso. A decisão resultaria, aliás, 'na interpretação ou dimensão normativa inconstitucional invocada' já que, segundo o recorrido, a Relação teria considerado que, em processo de contraordenação, quaisquer factos ou elementos podem ser revelados ao Banco de Portugal, ainda que o sejam em consequência de conduta violadora do sigilo bancário.
É certo que o Tribunal considerou que, ainda que as informações e documentos tivessem sido obtidos, na génese, através da violação do segredo bancário, o Banco de Portugal sempre poderia (deveria) desencadear as competentes averiguações.
Porém, a 'interpretação' ou a 'dimensão normativa' aplicada pelo Tribunal da Relação no acórdão em causa não foi a invocada pelo recorrido Filipe Pinhal.
Na verdade, o acórdão em causa não decidiu no sentido de tais elementos poderem ser trazidos ao Banco de Portugal no âmbito de um processo contraordenacional.
Realmente, o acórdão desta Relação objeto de reclamação entendeu que o Banco de Portugal não estava inibido de 'desencadear averiguações e de, com base nos elementos apurados, instruir o processo de contraordenação'.
Explicitando, diz-se no acórdão em causa (página 125):
«Dizendo de outro modo: a finalidade da proibição de valoração da prova consiste em obstar à utilização da mesma nessa qualidade, isto é, enquanto prova (de factos), mas não impede que se tome como simples base de ulteriores investigações, como aquisição de uma notícia criminis, que haverá que investigar, a partir daí, autonomamente.
Poderia/deveria o Banco de Portugal abstrair-se das comunicações que lhe foram enviadas pelo cidadão D. e esquecer para sempre o caso, encerrando-o em arquivo morto, nada fazendo quanto a infrações sobre as quais adquiriu suspeitas?
Ou estava antes obrigado a, uma vez adquirida a noticia, procurar averiguar o que se passava, tal como faria se estivesse perante uma denúncia anónima ou perante uma notícia publicada num jornal que denunciasse matéria considerada suspeita (que também poderiam ter ou não, a montante, a quebra do segredo bancário por parte de quem ao mesmo estivesse obrigado)?».
E acrescenta-se, a nosso ver de forma clara:
«Quer isto dizer que mesmo aceitando-se a desconsideração, para efeitos probatórios dos factos no processo de contraordenação, dos documentos (só esses poderiam ser 'meios de prova' e não as cartas em si mesmas) que acompanhavam as missivas remetidas ao Banco de Portugal, sempre restava a legitimidade para a intervenção deste, no uso legítimo do seu poder/dever de supervisão, para, por essa via, formar autonomamente as bases da sua própria decisão, ao determinar as averiguações preliminares julgadas pertinentes, ao decidir a instauração do processo, ao instruir o processo e ao aplicar, finalmente, a sanção.»
Assim, o acórdão em causa afirmou que «se conclui, na nossa perspetiva, que é legítima a utilização pelo Banco de Portugal, como simples base de investigação ou como notícia (no caso, relativa a contraordenação), de informações que lhe foram transmitidas (licitamente) pelo cidadão D., e que vieram a servir (por si ou em conjugação com outras) de base de ulteriores investigações levadas a cabo pelo mesmo Banco de Portugal, no exercício dos seus poderes públicos de supervisão, conduzindo, por sua vez, à recolha de elementos de prova (que até podem incluir os originais dos mesmos documentos, agora devidamente obtidos), ainda que, a montante, quem entregou tais elementos a D. o tenha feito com violação do segredo bancário a que estava vinculado. No máximo, haverá apenas que desconsiderar, para efeito de prova dos factos no processo de contraordenação, os ditos documentos entregues por D., sem qualquer outra consequência.
Entende-se, pois, de harmonia com o próprio requerimento do arguido Filipe Pinhal, que segundo o acórdão desta Relação objeto da presente arguição de nulidade, as informações trazidas ao supervisor, ainda que tivessem sido obtidas, na sua origem, através da violação de sigilo bancário, podem, e devem, ser utilizadas (por si ou em conjugação com outras informações) para desencadear um conjunto de averiguações preliminares ou investigações levadas a cabo pelo Banco de Portugal no exercício dos seus poderes públicos de supervisão, conduzindo, por sua vez estas averiguações ou investigações à recolha autónoma de meios de prova que podem ou não conduzir à aquisição da notícia de um ilícito e à abertura de um processo de contraordenação.
Quer isto dizer que, a nosso ver, a Relação não interpretou os preceitos legais em causa no sentido que foi invocado e arguido de inconstitucional pelo recorrido na sua resposta ao recurso (tal interpretação não constituiu ratio decidendi), do que resulta, segundo entendemos, que não tinha a obrigação de conhecer a inconstitucionalidade arguida por aquele, inexistindo, por isso, qualquer omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do C.P.P.
Da Nulidade arguida pelo recorrido C.
O recorrido C. veio arguir a nulidade do acórdão desta Relação, igualmente ao abrigo do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do C.P.P.
E isto porque, segundo alega, o acórdão omitiu pronúncia sobre duas questões cuja apreciação se lhe impunha: 1) a inconstitucionalidade orgânica do artigo 79.º do RGICSF, e 2) a apreciação da validade processual dos documentos entregues por D. ao Banco de Portugal.
Vejamos.
No que concerne à referida inconstitucionalidade orgânica, afigura-se-nos que se trata de uma questão que foi prejudicada pela linha argumentativa e decisória trilhada pelo acórdão, pelo que, a nosso ver, não se trata de uma matéria que o mesmo devesse apreciar.
Realmente, o recorrido C., na resposta aos recursos, havia alegado que o segredo bancário surge no nosso ordenamento jurídico como um instrumento e dimensão essencial do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, aplicando-se-lhe o regime previsto no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. Acrescentou que não tendo, no entender do recorrido, a autorização legislativa subjacente ao diploma em causa (RGICSF) abrangido a restrição de direitos, liberdades e garantias, teria sido violada a reserva de lei formal, o que obrigaria à não aplicação da norma em causa, mais propriamente do artigo 79.º, n.º 2, alínea a), do RGICSF.
Não deixaremos de observar que, posteriormente, já o referido artigo 79.º foi objeto de alteração, através de Lei da Assembleia da República, sem que a dita alínea tenha sido tocada, o que não deixa de configurar a assunção pela dita Assembleia desse texto, tal como se encontra.
Ocorre, porém, que o acórdão desta Relação, em rigor, não aplica o referido artigo 79.º, n.º 2, alínea a), do RGICSF, como ratio decidendi.
Veja-se a seguinte passagem do aresto objeto de arguição de nulidade:
«Se a entrega posterior ao Banco de Portugal não 'apaga' nem 'sana' o ilícito anteriormente cometido — e a pessoa que acabou por revelar o segredo não era quem estava vinculado ao mesmo e a quem, por isso, o artigo 79.º, n.º2, alínea a) do RGICSF se destina, excecionando o dever de segredo no confronto com o Banco de Portugal e no âmbito das atribuições deste, pelo que temos como forçada a inclusão da situação em apreço nessa disposição legal -, certo é, a nosso ver, que no plano da valoração do alcance das consequências não podem deixar de ser relevadas as mencionadas circunstâncias, incluindo a de a matéria sigilosa em causa ter sido transmitida a quem, nos termos da lei, poderia exigir o legítimo acesso à mesma aos vinculados ao segredo, não parecendo oferecer dúvidas que caso as 'denúncias' em causa tivessem sido remetidas diretamente ao Banco de Portugal, ainda que anonimamente, este não poderia deixar de às mesmas atender, constituindo, aliás, as informações anónimas, no âmbito da supervisão, uma fonte relevante na descoberta e investigação de casos de especial gravidade.
Banco de Portugal (cujas funções e poderes são detalhados no RGICSF) que exerce a função de supervisão — prudencial e comportamental — das instituições de crédito, das sociedades financeiras e das instituições de pagamento, tendo em vista assegurar a estabilidade, eficiência e solidez do sistema financeiro, o cumprimento de regras de conduta e de prestação de informação aos clientes bancários, bem como garantir a segurança dos depósitos e dos depositantes e a proteção dos interesses dos clientes. Compete-lhe, além do mais, monitorizar a atividade e a condição financeira das instituições sujeitas à supervisão, promovendo o exercício de ações de supervisão off-site (compreendendo a análise sistemática da informação reportada periodicamente pelas instituições, tendo o Banco de Portugal a capacidade para exigir das instituições toda a informação de que careça para o exercício da sua atividade) e on-site (compreendendo a realização de exames e inspeções nas próprias instalações das instituições), podendo a averiguação de infrações ser conduzida no âmbito da atividade off-site ou on-site, ou através de um exercício coordenado de ambas.»
E, mais adiante:
«Pois bem: a nosso ver, mesmo no pressuposto de que as cartas e documentos remetidos ao Banco de Portugal por D. lhe chegaram 'às mãos' por força de um ato ilícito de outrem e que, por isso, não deveriam ser considerados 'de per si' como meios de prova lícitos, tal não inibia o Banco de Portugal de desencadear averiguações e de, com base nos elementos apurados, instruir o processo por contraordenação.»
Finalmente, ainda se afirma, como já se citou anteriormente:
«(...) mesmo aceitando-se a desconsideração, para efeitos probatórios dos factos no processo de contraordenação, dos documentos (só esses poderiam ser 'meios de prova' e não as cartas em si mesmas) que acompanhavam as missivas remetidas ao Banco de Portugal, sempre restava a legitimidade para a intervenção deste, no uso legítimo do seu poder/dever de supervisão, para, por essa via, formar autonomamente as bases da sua própria decisão, ao determinar as averiguações preliminares julgadas pertinentes, ao decidir a instauração do processo, ao instruir o processo e ao aplicar, finalmente, a sanção.»
Quer isto dizer que, admitindo-se que foi citado, no acórdão em causa, por diversas vezes, o artigo 79.º do RGICSF, a solução do caso, a sua ratio decidendi,
assentou não na delimitação do segredo bancário que aquela disposição legal estabelece, mas antes no exercício dos poderes de regulação e de supervisão atribuídos ao Banco de Portugal.
Acresce, a este respeito, que o recorrido alegou que o segredo bancário visava a proteção do direito à intimidade da vida privada, sendo que o acórdão desta Relação, expressamente, se pronunciou no sentido de que «As informações e documentação transmitidas ao Banco de Portugal respeitam, quando muito, à privacidade em sentido estrito (que não à intimidade), de uma sociedade comercial — Banco E., S.A.»
Não podemos deixar de observar que a alegada inconstitucionalidade, a existir, afetaria a argumentação despendida pelo recorrido com base no artigo 78.º do RGICSF e no artigo 195.º do Código Penal, invocado como base para o segredo bancário (que essa disposição penal, como nos parece óbvio, não estabelece, mas apenas tutela).
Em todo o caso, o que importa relevar é que a obrigatoriedade de pronúncia não constitui uma decorrência automática do facto de se tratar de uma questão de conhecimento oficioso e de ter sido invocada na resposta do recorrido aos recursos interpostos, já que o tribunal não tem de se pronunciar sobre toda e qualquer matéria invocada, quando a mesma se encontre prejudicada e não constitua ratio decidendi.
Numa segunda linha, invoca o recorrido que a Relação apenas tomou posição concreta sobre a informação contida na denúncia, não decidindo sobre os documentos entregues com a mesma, questão que estava obrigado a apreciar, assim se configurando, na perspetiva do recorrido, outra causa de omissão de pronúncia.
Também nesta sede o recorrido, a nosso ver e salvo melhor opinião, carece de razão.
Como já se disse, o haver-se decidido bem ou mal, de forma correta ou incorreta, em sentido contrário ao entendimento do recorrido, é coisa totalmente diversa da verificação de qualquer nulidade.
De acordo com o acórdão há que distinguir entre a utilização das cartas e documentos (e informação deles constante) para efeitos de iniciar averiguações prévias no âmbito do exercício da supervisão e a sua utilização para efeitos probatórios, ou seja, como meios de prova (e, portanto, para efeitos de existência ou não de verdadeira nulidade de prova).
Ora, o acórdão pronunciou-se expressamente, de modo afirmativo, sobre a utilização das cartas e documentos remetidos ao Banco de Portugal por D.
para efeitos de com base neles serem promovidas averiguações prévias no âmbito da supervisão.
Lê-se no acórdão:
«Pois bem: a nosso ver, mesmo no pressuposto de que as cartas e documentos remetidos ao Banco de Portugal por D. lhe chegaram 'às mãos' por força de um ato ilícito de outrem e que, por isso, não deveriam ser considerados 'de per si' como meios de prova lícitos, tal não inibia o Banco de Portugal de desencadear averiguações e de, com base nos elementos apurados, instruir o processo por contraordenação.
Há que distinguir entre o ato de denunciar e a transmissão de meios de prova.
A nulidade da prova a que se refere o artigo 126.º, n.º1, do C.P.P. — ' são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas (...)' — respeita a um meio de prova, sendo que a consequência que lhe corresponde respeitará à utilização da mesma 'prova' no respetivo âmbito, que é o probatório.
Por isso, Francisco Aguilar (Dos conhecimentos fortuitos obtidos através de escutas telefónicas, Almedina, 2004, p. 99) assinala que:
« (...) a aplicação do artigo 122.º, n.º 1, do C.P.P. à nulidade sui generis probatória significará apenas e só a impossibilidade de valorar um outro meio de prova obtido através da proibição de valoração que atingirá o meio de prova primário. Em suma: o problema do efeito-à-distância é relativo, como referimos ao identificar a figura, à comunicação de tal proibição de um meio de prova primário a um meio de prova secundário que seja imputável à valoração ilícita; donde extravasa o seu âmbito a problemática da utilização para efeitos não probatórios, maxime para a 'base de ulteriores investigações».
Dizendo de outro modo: a finalidade da proibição de valoração da prova consiste em obstar à utilização da mesma nessa qualidade, isto é, enquanto prova (de factos), mas não impede que se tome como simples base de ulteriores investigações, como aquisição de uma noticia criminis, que haverá que investigar, a partir daí, autonomamente.
Poderia/deveria o Banco de Portugal abstrair-se das comunicações que lhe foram enviadas pelo cidadão D. e esquecer para sempre o caso, encerrando-o em arquivo morto, nada fazendo quanto a infrações sobre as quais adquiriu suspeitas?
Ou estava antes obrigado a, uma vez adquirida a noticia, procurar averiguar o que se passava, tal como faria se estivesse perante uma denúncia anónima ou perante uma notícia publicada num jornal que denunciasse matéria considerada suspeita (que também poderiam ter ou não, a montante, a quebra do segredo bancário por parte de quem ao mesmo estivesse obrigado)?
Quer isto dizer que mesmo aceitando-se a desconsideração, para efeitos probatórios dos factos no processo de contraordenação, dos documentos (só esses poderiam ser 'meios de prova' e não as cartas em si mesmas) que acompanhavam as missivas remetidas ao Banco de Portugal, sempre restava a legitimidade para a intervenção deste, no uso legítimo do seu poder/dever de supervisão, para, por essa via, formar autonomamente as bases da sua própria decisão, ao determinar as averiguações preliminares julgadas pertinentes, ao decidir a instauração do processo, ao instruir o processo e ao aplicar, finalmente, a sanção. O que não comporta qualquer menoscabo do previsto no artigo 42.º, n.º1, do RGCO, se o Banco de Portugal, na aquisição das bases para a sua decisão, veio a obter prova no âmbito das suas atribuições em que o segredo bancário não lhe é oponível.
Do que se conclui, na nossa perspetiva, que é legítima a utilização pelo Banco de Portugal, como simples base de investigação ou como notícia (no caso, relativa a contraordenação), de informações que lhe foram transmitidas (licitamente) pelo cidadão D., e que vieram a servir (por si ou em conjugação com outras) de base de ulteriores investigações levadas a cabo pelo mesmo Banco de Portugal, no exercício dos seus poderes públicos de supervisão, conduzindo, por sua vez, à recolha de elementos de prova (que até podem incluir os originais dos mesmos documentos, agora devidamente obtidos), ainda que, a montante, quem entregou tais elementos a D. o tenha feito com violação do segredo bancário a que estava vinculado. No máximo, haverá apenas que desconsiderar, para efeito de prova dos factos no processo de contraordenação, os ditos documentos entregues por D., sem qualquer outra consequência.»
Em suma, o acórdão desta Relação apreciou e decidiu positivamente a questão da admissibilidade da utilização das cartas e documentos - incluindo toda a informação delas constante — como simples base para averiguações em sede de exercício de poderes de supervisão, única questão, na perspetiva nele assumida, relevante para a decisão sobre a manutenção ou revogação do despacho de arquivamento recorrido.
Não apreciou nem decidiu definitivamente - nem o podia fazer sem excesso de pronúncia -, a questão da utilização dessa informação como meios de prova no processo, questão que ficou prejudicada, por irrelevante para a decisão do recurso, na perspetiva da solução que foi adotada, uma vez que, para decidir a questão que lhe tinha sido colocada - a da manutenção ou revogação do despacho de arquivamento recorrido -, apenas a primeira era relevante. O mais só se colocará no momento da utilização das cartas e documentos no sentido de dar como provados ou não provados os factos que são thema da prova e objeto do processo, embora o acórdão em causa não deixe de admitir a sua desconsideração, para efeito de prova dos factos no processo de contraordenação, conforme se diz, a nosso ver com clareza, no mesmo acórdão.
Em conclusão: entendemos que o acórdão em causa não tem como ratio decidendi qualquer interpretação normativa que esteja ferida de inconstitucionalidade e que não enferma de qualquer nulidade, designadamente das invocadas pelos recorridos.”
5. Feita esta precisão, passemos a verificar se questões colocadas respeitam os pressupostos do recurso de constitucionalidade fundado na alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da LTC, desde logo no plano da conformidade entre o sentido normativo que se pretende ver apreciado pelo Tribunal Constitucional e a ratio decidendi das decisões recorridas.
6. As duas questões colocadas pelos recorrentes A. e B. dirigem-se ao acórdão proferido em 3 de julho de 2012, recordando-se que esses recorrentes apresentaram o recurso de constitucionalidade em 5 de setembro de 2012, antes da prolação do acórdão que conheceu das nulidades arguidas, datado de 27 de novembro de 2012.
Ora, qualquer delas não corresponde a critério normativo efetivamente aplicado pela decisão recorrida como suporte do decidido: revogação da decisão de arquivamento e determinação da continuação do julgamento.
6.1. Com efeito, mostra-se inequívoco que o Tribunal a quo não adquire processualmente a valoração de provas obtidas “a partir” de outras provas “consideradas nulas”, tanto assim que admite que poderão vir a ser desconsiderados, para efeito de prova dos factos no processo de contraordenação, os documentos entregues por D.. O que se diz, e oferece como determinante judicativa, passa pelo que aconteceu – rectius, se admite ter acontecido – a jusante dessa receção pelo Banco de Portugal, a partir do entendimento de que o mero conhecimento ou contacto com tais provas, mesmo que se venham a revelar proibidas e imprestáveis como meio de prova, não veda, impede ou inibe o Banco de Portugal de exercer as funções de supervisão que lhe estão legalmente cometidas sobre os factos nelas referidos e, respeitadas certas condicionantes relacionais (causais e de imputação), que indica, a valoração como prova dos autónomos elementos obtidos no âmbito dessas funções.
Não encontra, assim, fundamento a leitura que o recorrente efetua da decisão recorrida, no sentido de que “o regime contido no artigo 126.º do Código de Processo Penal, epigrafado métodos proibidos de prova, não tem aplicação às provas recolhidas pelo Banco de Portugal”. O que se diz, sem tomar posição vinculativa - “final” - sobre validade de qualquer prova, por o objeto do recurso perante a Relação de Lisboa se cingir à procedência da decisão de declarar inválido todo o processado e de determinar o arquivamento do processo, passa pela consideração de que se impõe igualmente considerar as ulteriores investigações do Banco de Portugal e que só uma vez finalizada toda essa apreciação, face ao que dispõe o artigo 122.º, n.º1, do CPP, será adequado decidir sobre eventuais efeitos de contaminação de prova proibida. Do decidido (...) não faz parte qualquer critério normativo que afaste, irrestritamente, o regime das proibições de prova “às provas recolhidas pelo Banco de Portugal”, entendidas estas com a amplitude considerada no despacho que determinou o arquivamento dos autos, ou seja, de projeção de valor negativo sobre todo e cada um dos atos e provas carreados para os autos.
6.2. Por seu turno, também a segunda questão não encontra correspondência com a ratio decidendi do acórdão recorrido. Ao invés do que se afirma, a decisão recorrida não se avança com qualquer condição ou exigência de exaustão de análise singularizada ou atomística das provas, para efeito de apreciação de nulidade de prova, e de consequências excludentes, enquanto atividade distinta e oposta daquela que o recorrente indica na parte final da questão, ou seja, da “ponderação de relações de dependência ou de produção de efeitos entre a prova originariamente nula e as restantes provas”. O que se diz, passa precisamente pelo acentuar da profundidade a que deve obedecer essa ponderação relacional fundamentadora, abrangendo toda e cada uma das provas, sem exceção, tendo como contraponto o que considerou ter sido a análise indevidamente genérica e incompleta constante do despacho de arquivamento proferido em 1ª instância. Assim avulta da consideração crítica de que “partindo do pressuposto assumido pela decisão recorrida de que as denúncias e documentos anexos constituíram a ‘prova primária’ nula, não se segue que, num ápice, todas as demais provas recolhidas no processo de contraordenação, que se traduzem em declarações, depoimentos e em extensíssima documentação, pudessem ser ‘anuladas’ indiscriminadamente, sem que a decisão recorrida tenha feito uma ponderação, ‘prova’ a ‘prova’, analisando a conexão de sentido (que não é meramente naturalística) existente entre cada prova e a dita ‘prova primária’”.
Na realidade, contrariamente ao que consideram os recorrentes, o entendimento normativo acolhido no acórdão recorrido encontra-se perfeitamente alinhado com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, mormente com o Acórdão n.º 198/2004, referido na decisão recorrida e a que os recorrentes também apelam. Nesse acórdão, em que se apreciou a questão de saber se a nulidade de prova obtida através de interceção telefónica desprovida dos requisitos de legitimação invalidava inexoravelmente, e em termos absolutos, toda a prova posterior, mormente aquela obtida por confissão, concluiu-se que efeito reflexo da proibição de prova (efeito-à-distância) não afeta (contamina) as provas obtidas posteriormente, desde que estas revistam autonomia, por possibilitarem a revelação dos factos pertinentes em termos destacáveis de qualquer outra forma de acesso anteriormente verificada e afetada por um valor negativo. Trata-se, como também se afirma na decisão recorrida, de discernir entre o ato (prova) afetado de nulidade – o que surge, na economia da decisão recorrida apenas como admitido, não como vício definitivamente adquirido - e as suas consequências.
Nessa medida, não é correta a associação que se pretende estabelecer entre o sentido acolhido na decisão recorrida e a negação de ponderação de relações de dependência ou de produção de efeitos entre as provas (primárias e secundárias), pois o acórdão recorrido afirma precisamente essa necessidade, como, aliás, os recorrentes reconhecem quando procuram sustentar a ilegitimidade constitucional em impossibilidade prática de o fazer em autos com a dimensão dos presentes.
Porém, as determinantes da reclamada impossibilidade ou impraticabilidade objetiva, não integram o critério normativo acolhido pelo Tribunal a quo nem, acrescente-se, tomam parte na formulação da questão colocada à apreciação deste Tribunal, centrada, recorde-se, em interpretação extraída do n.º 3 do artigo 126.º do CPP, quando o entendimento do Tribunal a quo relativamente à projeção de efeitos de (eventual) prova proibida assentou em interpretação do n.º 1 do artigo 122.º, do Código de Processo Penal.
6.3. Face ao exposto, por as questões normativas colocadas não integrarem norma efetivamente aplicada, como ratio decidendi, na decisão recorrida e, por decorrência, o recurso de constitucionalidade não revestir utilidade, cumpre concluir pelo não conhecimento do recurso interposto pelos arguidos A. e B. (alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC).
Acresce, quanto às duas questões colocadas, a ilegitimidade dos recorrentes, que sempre conduziria ao não conhecimento do recurso, pois não foram suscitadas perante o Tribunal a quo, mormente na resposta aos recursos, em termos de o vincular ao seu conhecimento (alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e n.º 2 do artigo 72.º da LTC), sendo certo que não nos encontramos, nem os recorrentes invocam, perante uma das situações excecionais em que não se mostra exigível o cumprimento desse ónus.
7. Tomemos agora as quatro questões formuladas pelo recorrente C..
7.1. A primeira questão incide sobre o acórdão que denegou a arguição de nulidade e, mesmo na sua conformação subsequente ao convite ao aperfeiçoamento, com apelo a clareza, precisão e concisão, desdobra-se por três alíneas, todas terminadas por “e/ou”, deixando margem de indeterminação sobre se estamos perante uma questão, ou perante várias questões, cumulativas ou alternativas, ou até perante combinação de ambas. E, por outro lado, o recurso às especificidades dos presentes autos, a começar pelo teor do despacho proferido em 1ª instância, prosseguindo pelo que foi sustentado em articulado de resposta pelos recorrentes, aponta no sentido de que nos encontramos perante questão dirigida ao ato de julgamento, em si mesmo considerado, na vertente da inverificação de nulidade por omissão de pronúncia, e não perante discussão de critério normativo, definido em termos que permitam discernir e enunciar qual o sentido com que os preceitos em causa não devem ser aplicados, por desconforme com a Constituição.
Mas, independentemente da resposta à interrogação sobre a idoneidade da questão – ou questões – formulada pelo recorrente, emerge a consideração de que o recorrente avança, como elemento nuclear do problema colocado, o pressuposto de que foi aplicado pelo Tribunal recorrido, como determinante do julgado, o artigo 79.º do RGICSF.
Ora, assim não acontece. O Tribunal a quo deixou bem claro que não tomou posição – não decidiu - sobre a verificação ou não de invalidade da prova integrada pelos documentos e cartas dirigidos por D. ao Banco de Portugal, face ao regime do sigilo bancário, nem sobre as eventuais consequências, por considerar que o conhecimento desse plano de apreciação se encontrava prejudicado pela conclusão sobre a ausência de fundamentos para o arquivamento determinado. Assim decorre, com nitidez, da parte final do acórdão recorrido, supra transcrito.
Do mesmo jeito, não encontra correspondência com a ratio decidendi em que assentou a decisão recorrida qualquer interpretação, mormente interpretação fundada nos preceitos indicados, no sentido de que a suscitação de vício de inconstitucionalidade orgânica não constitui questão de direito e questão de conhecimento oficioso relativamente a norma efetivamente aplicada, como determinante da decisão do recurso.
Face ao exposto, cumpre afastar, por não constituir interpretação normativa efetivamente aplicada na decisão recorrida, o conhecimento dessa questão (alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC).
7.2. Estas considerações encontram aplicação igualmente quanto à segunda questão colocada, dirigida ao acórdão proferido em 3 de julho de 2012, na medida em que visa precisamente a apreciação da inconstitucionalidade orgânica do artigo 79.º, n.º 2, alínea a) do RGICSF, por violação do disposto nos artigos 1.º, 18.º, 26.º e 165.º, n.º1, al. b) da Constituição.
Com efeito, repete-se, essa norma não foi aplicada no acórdão recorrido como determinante do julgado, pois, como diz o Tribunal a quo, “admitindo-se que foi citado, no acórdão em causa, por diversas vezes, o artigo 79.º do RGICSF, a solução do caso, a sua ratio decidendi, assentou não na delimitação do segredo bancário que aquela disposição legal estabelece, mas antes no exercício dos poderes de regulação e de supervisão atribuídos ao Banco de Portugal”.
Assim sendo, mesmo que o recorrente tivesse êxito na declaração da inconstitucionalidade do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF, sempre subsistiria a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de revogar o despacho de arquivamento e a determinação de prosseguimento do julgamento, subtraindo utilidade a essa vertente do recurso de constitucionalidade.
Diferente seria se, em termos vinculativos, o Tribunal a quo tivesse afirmado a validade, ou invalidade, de qualquer prova para a demonstração dos factos que integram o objeto do processo, mormente daquela que D. fez chegar ao Banco de Portugal. Porém, qualquer interpretação do decidido nesse sentido surge claramente afastada pelo Tribunal a quo, em particular quando se escreve:
“Em suma, o acórdão desta Relação apreciou e decidiu positivamente a questão da admissibilidade da utilização das cartas e documentos – incluindo toda a informação delas constantes – como simples base para averiguações em sede de exercício de poderes de supervisão, única questão, na perspetiva nele assumida, relevante para a decisão sobre a manutenção ou revogação do despacho de arquivamento recorrido.
Não apreciou nem decidiu definitivamente – nem o podia fazer sem excesso de pronúncia – a questão da utilização dessa informação como meios de prova no processo, questão que ficou prejudicada, por irrelevante para a decisão do recurso, na perspetiva da solução que foi adotada, uma vez, uma vez que, para decidir a questão que lhe tinha sido colocada – a da manutenção ou revogação do despacho de arquivamento recorrido -, apenas a primeira era relevante. O mais só se colocará no momento da utilização das cartas e documentos no sentido de dar como provados ou não provados os factos que são thema de prova e objeto do processo, embora o acórdão em causa não deixe de admitir a sua desconsideração, para efeito de prova dos factos no processo de contraordenação, conforme se diz, a nosso ver com clareza, no mesmo acórdão”.
Logo, também esta questão não poderá ser conhecida, por ausência do pressuposto de efetiva aplicação da norma questionada, imposto pela alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da LTC.
7.3. A terceira questão colocada convoca, previamente, outra ordem de considerações.
Com efeito, face aos termos do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional apresentado, foi o recorrente C. convidado “a dar cabal cumprimento do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.ºA da LTC, esclarecendo, nomeadamente, em termos claros, precisos e concisos, com exceção da questão colocada em segundo lugar (alínea B)), quais as interpretações normativas, bem como os preceitos ou articulação de preceitos ou articulação de preceitos (que deverão ser especificados) em que ancora tais normas, cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, de tal modo que, se este Tribunal as vier a julgar desconformes com a Constituição, as possa enunciar claramente na decisão a proferir”.
Acontece que, relativamente à questão antes elencada sob a alínea C), esse convite não encontrou resposta. Ao invés, o recorrente formulou questão nova, incidente sobre distinta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, procurando dessa forma ampliar o recurso interposto.
Vejamos.
No requerimento de fls. 12890 a 12907, encontra-se elencada, sob a alínea C), a seguinte questão:
“C) a declaração de inconstitucionalidade das normas dos art.ºs. 42.º, n.º 2, do RGCO, 79.º. n.º2, al. a) do RGICSF, 126.º, n.ºs 1 e 3 do CPP, e 195.º do CP, no sentido em que foram interpretadas pelo Acórdão de 3 de julho de 2012, por violação dos art.ºs 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4, 26.º, e 32.º, 165.º, n.º al. b), 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa.”
Denota-se, sem margem para dúvidas, que a decisão recorrida - e aquela a que é imputada a interpretação dos quatro preceitos legais identificados - corresponde ao Acórdão de 3 de julho de 2012. No entanto, porque não se encontrou na formulação escolhida consubstanciação do sentido normativo extraído daqueles quatro artigos que, na ótica do recorrente, infringia a Constituição, foi dirigido ao recorrente o supra aludido convite.
Em resposta, veio o recorrente formular questão, elencada sob o nº 2, já não dirigida ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de julho de 2012, mas sim ao posterior Acórdão de 27 de novembro de 2012. Mais, veio conjugar preceitos distintos, salvo quanto ao artigo 79.º do RGICSF.
Com efeito, quando antes questionara interpretação ancorada nos artigos 42.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), 79.º, n.º 2, al. a) do RGICSF, 126.º, n.ºs 1 e 3 do CPP, e 195.º do Código Penal (CP), agora procura colocar em apreciação interpretação normativa fundada nos artigos 73.º do RGCO, 368.º, n.º 3 e 379.º, n.º 1, al. c) do CPP ex vi art.º 425.º, n.º 4, e 413.º, do CPP, ex vi artigo 74.º, n.º 4 do RGCO, e também o artigo 79º do RGICSF constituindo problema de constitucionalidade bem distinto e inovador, face à delimitação do objeto do recurso operada pelo requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade.
Perante essa conduta, cumpre concluir que o recorrente não correspondeu ao convite que lhe foi formulado e omitiu a indicação do sentido normativo a que imperfeitamente aludiu na alínea C) do requerimento de interposição de recurso, o que conduz à deserção do recurso, nessa parte, por efeito do disposto no n.º 7 do artigo 75.ºA da LTC.
E, por outro lado, porque a colocação de questão nova em resposta a convite ao esclarecimento, nos termos do n.º 6 do artigo 75.ºA da LTC, não lhe é permitida, cabe afastar o conhecimento da questão indicada sob o n.º 2, dirigida ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de novembro de 2012.
Dito isto, sempre seria de concluir pelo não conhecimento do sentido apontado nesse n.º 2, porquanto desse aresto, como do anterior, e como já se explicou, não decorre a efetiva aplicação do artigo 79.º do RGICSF como determinante do julgado.
7.4. Eis-nos chegados à quarta, e última, questão formulada pelo recorrente C., a título subsidiário.
A definição do sentido normativo questionado surge dificultada pelo termos empregues, em especial pela utilização de dupla negativa.
Sendo seguro que se procura questionar interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 42.º, n.º1 do RGCO, 126.º do CPP e do 195.º do CP, e não o sentido textual de qualquer destes preceitos, o primeiro elemento caracterizador da dimensão considerada encontra-se na expressão “no sentido de não ser necessária a norma habilitante do art.º 79.º, n.º 2, do RGICSF”. E, como segundo elemento, referente desse vínculo de “necessidade”, apontam-se “os documentos facultados ao Regulador com violação do sigilo bancário”, terminando com indicação de um terceiro elemento, também em formulação negativa, relativo ao afastamento da natureza de meio proibido de prova.
Ora, pese embora o recorte da questão não ofereça a desejável nitidez – na realidade interpela mais o que não se aplicou, do que padrão normativo efetivamente acolhido –, emerge como certo, novamente, a indicação que o Tribunal a quo decidiu sobre o que constitui, ou não, meio proibido de prova nos presentes autos.
Tal elemento afasta a interpretação questionada do critério que determinou o julgado na decisão recorrida. Nos termos atrás explicitados, essa questão encontra-se ainda em aberto, no âmbito do julgamento cujo prosseguimento se ordenou, admitindo-se não mais do que a “desconsideração” dos documentos entregues por D., independentemente da ponderação de eventuais efeitos de contaminação sobre outra prova a desenvolver no domínio dos fundamentos de facto da sentença a proferir.
Cumpre, assim, proferir decisão de não conhecimento, também quanto a esta questão, por não se dirigir a interpretação normativa que integre a ratio decidendi do acórdão impugnado.
Diga-se, ainda, que sempre faleceria legitimidade ao recorrente para colocar tal questão de constitucionalidade, na medida em que não se vislumbra que o recorrente a tenha suscitado perante o Tribunal a quo, em termos processualmente adequados. Notoriamente, o que se diz na alínea O) da resposta ao recurso, com referência ao estabelecimento de “exceções ao segredo bancário”, não comporta a questão agora colocada.
Resta dizer que não colhe, neste plano, a alegação de imprevisibilidade de critério normativo que revogasse a decisão de arquivamento com fundamento nos autónomos poderes de supervisão e regulação bancária, pois essa possibilidade encontra-se colocada quer no recurso do Ministério Público, quer no recurso do Banco de Portugal. Veja-se, a mero título de exemplo, as conclusões 18.º a 32.º do recurso interposto pelo Ministério Público, onde se alega que o Banco de Portugal desenvolvia investigação sobre a matéria antes de ter recebido as cartas de D. e se invocam os poderes de atuação do Banco de Portugal ao abrigo dos artigos 48.º do RGCO, 93.º e 116.º do RGICSF. Como também, na motivação do recorrente Banco de Portugal, a conclusão 12ª, convocando a aplicação do artigo 116.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RGICSF, e a conclusão 32ª, onde se apela à consideração das atribuições do Banco de Portugal contempladas nos artigos 102.º da Constituiçãoo agora colocada.tmento de 'om refer nos artigo 102ºinvestigaçe para colocar tal questum dadodecisudicativa, o artigo 79ºo de 20, 17º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, 93º, nº 1, e 116.º, n.º 1 do RGICSF. E, por fim, o que consta no parecer do Ministério Público, ao qual foi dada resposta pelo recorrente, onde a argumentação de desconformidade constitucional não comporta o sentido questionado.”
3. Inconformados, os recorrentes vieram reclamar da decisão sumária para a conferência, pugnado pelo conhecimento dos recursos.
3.1. Os recorrentes, ora reclamantes, A. e B. remataram a reclamação com a seguinte síntese conclusiva:
“1. Entendem, primeiramente, os ora Recorrentes que a Decisão não poderia rejeitar o conhecimento do recurso, com base no fundamento de que o Tribunal da Relação de Lisboa não chegou a aplicar a norma do artigo 126.º do Código de Processo Penal, com caráter de ratio decidendi.
2. Desde logo, quanto ao primeiro pedido de declaração de inconstitucionalidade - da norma do n.º 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal, por clara violação do n.º 8 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada no sentido de que é permitida a valoração de provas obtidas pelo Banco de Portugal, por ser uma das entidades previstas no n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF, a partir de outras provas consideradas nulas, porque obtidas mediante intromissão na vida privada - pouco se refere na Decisão quanto à interpretação que os ora Recorrentes afirmaram ter sido realizada pelo Acórdão recorrido.
3. Na verdade, a Decisão refere-se detidamente à esfera de segredo reservada ao Banco de Portugal no n.º 2 do artigo 79.º quando se pronuncia quanto ao recurso interposto pelo Recorrente C. (cfr. págs. 6 - parte final - a 13) e quanto ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de novembro de 2012, o qual não foi sequer notificado aos ora Recorrentes, não fazendo, no entanto, qualquer alusão à mesma quando se pronuncia relativamente ao presente recurso (cfr. pág. 14, ponto 6.1., da Decisão).
4. Tendo por base o que é afirmado na Decisão, e não se podendo concordar com o não conhecimento do recurso, relembre-se que o Acórdão recorrido, depois de desenvolver o seu entendimento relativamente ao instituto dos efeitos-à-distância, afirmou que se deveria dar um passo além, que ganhará primazia em relação ao mais que já se disse (cfr. pág. 121). Significa isto que o Tribunal da Relação de Lisboa quis deliberadamente autonomizar a fundamentação segundo a qual defende que o Banco de Portugal tem legitimidade, ao abrigo do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF, para atender, receber e trabalhar provas nulas, podendo, a partir delas, instruir um processo de contraordenação.
5. Este entendimento – podendo significar que as entidades administrativas, nomeadamente o Banco de Portugal, com fundamento no artigo 79.º, n.º 2, do RGICSF, estão legitimadas a receber provas obtidas com abusiva intromissão na vida privada, tratando-as como se fossem provas válidas e não feridas de irremediável nulidade, para com elas iniciar e instruir um processo de contraordenação – implica necessariamente (e baseia-se em) uma interpretação restritiva da norma do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, interpretação normativa do artigo 126º, nº 3, que é inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 8, da Lei Fundamental.
6. É logicamente impossível defender que as entidades administrativas, nomeadamente o Banco de Portugal, com fundamento no artigo 79.º, n.º 2, do RGICSF, estão legitimadas a receber provas obtidas com abusiva intromissão na vida privada, tratando-as como se fossem provas válidas e não feridas de irremediável nulidade, para com elas iniciar e instruir um processo de contraordenação, sem interpretar restritiva e inconstitucionalmente o artigo 126º, nº 3, do Código de Processo Penal, pelo que ou a “ratio decidendi” do Acórdão recorrido sofre de impossibilidade lógica ou, de facto, a mesma se baseia numa interpretação do artigo 126º, nº 3, incompatível com o disposto no artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa.
7. Eis, pois, a razão de ser do recurso apresentado pelos ora Recorrentes para o presente Tribunal, não havendo dúvidas de que a decisão recorrida aplicou, efetivamente, a norma cuja inconstitucionalidade se suscitou.
8. A Decisão pode até estar de acordo com este entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, mas não foi com esse fundamento que decidiu não conhecer o recurso dos ora Recorrentes. Na verdade, a Decisão não aceita conhecer das razões de fundo deste recurso alegando que a norma cuja interpretação inconstitucional os ora Recorrentes alegam não foi aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pelo menos como ratio decidendi. Ora, como pode afirmar isto a Decisão, olvidando o fundamento supra transcrito, em que aquele Tribunal claramente sustenta que é possível ao Banco de Portugal instruir um processo de contraordenação a partir da receção de uma prova nula, por ser uma das entidades do art. 79.º do RGICSF?
9. Se instruir o processo significa aproveitar os rastos das provas proibidas, que violaram a reserva da vida privada, para obter as mesmas provas que foram irremediavelmente declaradas nulas, e se tal for legitimado porque é realizado pelo Banco de Portugal, ao abrigo do artigo 79.º, n.º 2, do RGICSF, está-se verdadeiramente a interpretar a norma do artigo 126.º, n.º 3, do CPP no sentido inconstitucional arguido pelos ora Recorrentes.
10. Conclui-se, pois, que o Acórdão recorrido aplicou o artigo 126.º do Código de Processo Penal, não podendo o presente Tribunal Constitucional retirar o direito aos ora Recorrentes de ver apreciada a questão de inconstitucionalidade suscitada com o fundamento que a norma em questão não constituiu ratio decidendi, nos termos decididos em 6.3. da Decisão.
11. Já relativamente ao segundo pedido de declaração de inconstitucionalidade suscitado pelos ora Recorrentes - da norma do n.º 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal, por clara violação do n.º 8 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada no sentido de que a declaração de nulidade e consequente proibição de valoração das provas constantes de processo iniciado com uma prova nula exige que o tribunal faça uma análise prova-a-prova de todas as provas constantes dos autos e não apenas uma ponderação de relações de dependência ou de produção de efeitos entre a prova originariamente nula e as restantes provas - é o próprio Tribunal Constitucional que afirma que o Tribunal da Relação de Lisboa impõe uma ponderação que abranja toda e cada uma das provas, sem exceção (cfr. pág. 15).
12. No entanto, entende a Decisão que esta imposição levada a cabo pelo Tribunal da Relação de Lisboa - de exigir esta ponderação prova-a-prova para que se possa vir a declarar a nulidade e consequente proibição de valoração das provas constantes do processo iniciado com uma prova nula - não implica a efetiva aplicação da norma do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
13. Com todo o respeito, não se pode aceitar este entendimento: ora, se o Tribunal impede que se declare a nulidade das provas obtidas a partir de outras feridas de nulidade, porque exige que se faça uma análise de cada uma das centenas e centenas de provas constantes dos autos, como é que se pode afirmar que o Tribunal não aplicou a norma que afirma que são nulas as provas obtidas mediante abusiva intromissão da vida privada?
14. Aplicou, efetivamente. E aplicou num sentido clara e perigosamente inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa, visto que na prática torna o conteúdo prescritivo do artigo 126º, nº 3, totalmente vazio de efeitos práticos: ao invés de determinar uma ponderação de relações de dependência ou de produção de efeitos entre a prova originariamente nula e as restantes provas - como é entendimento generalizado do Tribunal Constitucional -, exige uma impraticável análise de cada uma das centenas e centenas de provas constante num processo de cerca de 12.000 folhas, e ainda que essa mesma análise conste da decisão que declare as provas nulas (!?)
15. Ao contrário do que afirma a Decisão, o entendimento normativo do Acórdão recorrido não se encontra perfeitamente alinhado com a jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr. pág. 15), pois, reitere-se, enquanto o Acórdão n.º 198/2004 deste douto Tribunal afirma que a nulidade das provas que constituem um processo em que se declara a nulidade das provas originárias se afere através de uma apreciação de relações de dependência ou de produção de efeitos, o Acórdão recorrido impõe que a verificação da nulidade do processado nos auto contraordenacionais se afira por uma análise autónoma e individual de cada uma das provas que constituem os autos.
16. Relembre-se que não se está a reclamar de decisão que veio a declarar a não inconstitucionalidade arguida pelos ora Recorrentes, mas sim de uma decisão que não conheceu o recurso defendendo que a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada não foi efetivamente aplicada, como ratio decidendi, na decisão recorrida.
17. Assim, na medida em que o Acórdão recorrido aplicou o artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, com importância decisiva para o desfecho proferido pelo Tribunal da Relação, numa interpretação que os ora Recorridos consideram inconstitucional e que tiveram a oportunidade de melhor desenvolver, requer-se a V. Ex.ªs que conheçam do presente recurso, julgando-o em Conferência.
18. Já no que concerne ao que consta na Decisão relativamente à alegada falta de ilegitimidade dos Recorrentes, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 70.º e do n.º 2 do art. 72.º da LTC, e concretamente no que respeita à primeira questão de inconstitucionalidade suscitada pelos ora Recorrentes (melhor identificada em 2. das presentes Conclusões), refira-se que, ao contrário do que afirma a Decisão, os ora Recorrentes já haviam suscitado nos presentes autos a questão de inconstitucionalidade que agora é objeto de recurso.
19. Na verdade, na sequência dos recursos apresentados pelo Ministério Público e pelo Banco de Portugal, os ora Recorrentes apresentaram a sua Resposta, na qual vieram a afirmar expressamente que seria inconstitucional a interpretação do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, segundo a qual se considerasse que se poderiam utilizar a provas que resultam de um flagrante crime de violação de sigilo bancário - que protege uma dimensão indiscutível da reserva da vida privada (...) apenas com base no facto de, posteriormente a esse crime, as informações objeto do sigilo bancário terem sido transmitidas ao Banco de Portugal (cfr. págs. 46 e 47 da Resposta dos ora Recorrentes).
20. Não se compreende, pois, nem se pode aceitar, que a Decisão afirme que os ora Recorrentes não têm legitimidade para interpor recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade quanto a esta primeira questão de inconstitucionalidade normativa, com fundamento no facto de que não a suscitaram previamente, perante o Tribunal a quo, mormente na resposta aos recursos do Ministério Público e do Banco de Portugal. Aliás, sempre se diga que no requerimento de interposição de recurso para este douto Tribunal Constitucional, os ora Recorrentes fizeram expressa referência ao momento processual em que haviam suscitado esta questão de inconstitucionalidade (cfr. pág. 5).
21. Ter-se-á, assim, que concluir pela legitimidade dos ora Recorrentes para interpor o presente recurso, pelo que se impõe - ao contrário do que consta da Decisão -, também por esta via, que se venha a conhecer do mesmo.
22. Já no que concerne à alegada falta de legitimidade dos ora Recorrentes no âmbito da segunda questão de inconstitucionalidade normativa (melhor identificada em 11. das presentes Conclusões), cumpre, desde logo, esclarecer que não era minimamente previsível que o Tribunal da Relação de Lisboa viesse a decidir que o Tribunal de Primeira Instância devia retomar o julgamento procedendo, não a uma ponderação de relações de dependência ou de produção de efeitos entre a prova originariamente nula e as restantes provas - como era jurisprudência assente no Tribunal Constitucional, nomeadamente no próprio Acórdão n.º 198/2004 -, mas sim a uma avaliação prova-a-prova.
23. Assim sendo, e com todo o respeito - que é muito -, não é verdade que estejamos perante uma situação em que os Recorrentes não estivessem livres do ónus de suscitar a inconstitucionalidade anteriormente, pois era de todo impossível para os mesmos suscitar qualquer questão de fiscalização concreta da inconstitucionalidade antes de conhecido o teor - inesperado - do Acórdão do Tribunal da Relação. Assim, o n.º 2 do art. 72.º da LTC alegado pela Decisão não tem efetiva aplicação neste âmbito.
24. Relembre-se, a propósito, que os recursos apresentados pelo Ministério Público e pelo Banco de Portugal - que delimitam, por sim, o âmbito das respostas apresentadas pelos ora Arguidos - não trataram desta questão. Nada fazia prever, deste modo, que o Tribunal da Relação viesse a impor novamente à Primeira Instância que analisasse toda e cada uma das provas constantes de um processo que contava à altura com cerca de 12.000 folhas.
25. O que seria de supor - face à jurisprudência do Tribunal Constitucional relativamente a esta matéria - era que o Tribunal da Relação de Lisboa viesse confirmar ou alterar a decisão de declarar nulo o processo, equacionando-se como possível, claro, a decisão de declarar as provas originárias nulas, mas a não contaminação das provas restantes. Esse possível entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa não faria obrigatoriamente prever, no entanto, que, em caso de se enviar o processo novamente para julgamento, se impusesse à Primeira Instância uma análise de toda e cada uma das provas para aferir da sua nulidade.
26. Aliás, como vem sendo defendido pelos ora Recorrentes, este entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa vai contra o entendimento do próprio Tribunal Constitucional, merecendo especial relevância o Acórdão n.º 198/2004, no qual se afirma que a declaração de nulidade das provas existentes em processo em que tenha sido declarada a nulidade de provas originárias deve ter em conta as relações de dependência ou de produção de efeitos (...), que, com base em critérios racionais, exijam a proteção do mesmo valor negativo que afeta o ato anterior.
27. Ou seja, não era exigível aos ora Recorrentes que antevissem a possibilidade de aplicação da norma do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, nos termos em que foi aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de forma a poder entender-se que teria o ónus de suscitar a questão da respetiva inconstitucionalidade antes de conhecido o teor da decisão que a convoca e aplica (é este, aliás, o entendimento de LOPES DO REGO, in Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, págs. 80 e 81).
28. Em face ao exposto, não se pode aceitar que o Tribunal Constitucional mantenha a Decisão, que considerou que os ora Recorrentes não teriam legitimidade para apresentar o presente recurso, na medida em que se está, precisamente, perante um dos casos em que a lei permite que a parte suscite pela primeira vez a questão de inconstitucionalidade já perante o Tribunal Constitucional, face ao pioneirismo da aplicação da norma pela decisão recorrida.
Nestes termos, e nos demais de Direito que a V. EX.ªs aprouver, vêm os ora Recorrentes reclamar da Decisão Sumária n.º 154/2013, requerendo a esta Veneranda Conferência do Tribunal Constitucional que decida conhecer do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto pelos mesmos.”
3.2. Por seu turno, o reclamante C., argumentou o seguinte (transcrição parcial):
“I) Objeto
A presente reclamação tem por objeto a Decisão Sumária n.º 154/2013, proferida nos presentes autos, que não conheceu do recurso de constitucionalidade interposto pelo Recorrente, aqui Reclamante.
Através do referido recurso, o Reclamante suscitou a inconstitucionalidade de diversas soluções normativas vertidas nos Acórdãos da Relação de Lisboa, de 3 de julho de 2012 e de 27 de novembro de 2012 (o primeiro revogou a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, e o segundo declarou improcedentes as arguições de nulidade daquele primeiro Acórdão).
Ora, segundo a Decisão Sumária reclamada, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer das inconstitucionalidades invocadas por entender todas as questões suscitadas pelo reclamante assentam no pressuposto de que a Relação de Lisboa decidiu com base no artº 79.º do RGICSF, e a referida norma não foi 'determinante do julgado' no Acórdão recorrido.
Salvo o devido respeito, a referida decisão assenta numa incorreta interpretação dos Acórdãos e do quadro legal aplicável. Mais concretamente, o Reclamante entende que o artº 79.º do RGICSF é o fundamento normativo de ambas as decisões judiciais proferidas nos presentes autos - a de primeira e de segunda instância -, pelo que consubstancia a ratio decidendi do presente processo.
Para o que basta perceber, que o que esteve em discussão na decisão de primeira instância, nos Recursos, nas Respostas às Motivações e nos Acórdãos foi, precisamente, a possibilidade de utilização de documentação coberta e obtida em violação do dever de segredo, por entidades às quais os referidos elementos podem ser revelados, no âmbito das suas atribuições, por força do artº 79.º do RGICSF.
Mais: o referido normativo é a base legal aplicável ao caso concreto, pois inexiste qualquer outra norma no ordenamento jurídico nacional de onde decorra a possibilidade de revelação/utilização de elementos cobertos pelo dever de sigilo bancário, seja a que entidade for.
É neste quadro que o Reclamante entende que a decisão de que se reclama merece censura, devendo ser substituída por outra que a revogue e conheça das inconstitucionalidades invocadas, com as inerentes consequências legais.
II) Enquadramento
Por decisão de 7.10.2011, o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa decidiu:
'Por tudo quanto fica exposto, mormente por violarem o disposto no n.º 8 do art.º 32.º da CRP e do art. 126.º, n.º 3 do CPP, aplicável ex vi do artº 41.º, n.º 1 do RGCO declaro nulas as provas consubstanciadas nas informações contidas nas denúncias assinadas por D. a 27-11-2007 e 11-12-2007 (fls. 10928/9 e 4680 a 4687), bem como nos documentos a elas anexos (fls. 10930 a 10935 e 4688 a 4700), as quais estiveram na origem do presente processo e, ao abrigo do disposto no art. 122.º do Código de processo penal, declara também a invalidade de todos os demais atos e provas que se lhes seguiram, ou seja, declaro a invalidade de todo o processado, por estar delas dependente.' (fls. 17).
Dito de outro modo. A primeira instância pronunciou-se (i) sobre as informações contidas nas denúncias e (ii) sobre as informações constantes dos documentos que as acompanharam, concluindo pela nulidade de ambos, bem como, dos demais atos e provas que se lhe seguiram.
A referida decisão mereceu censura do Ministério Público e do BdP, que dela interpuseram recurso, designadamente, por entenderem que a mesma assenta numa interpretação e aplicação erróneas do artº 79.º do RGICSF (sic), uma vez que, no quadro dos artºs 78.º a 80.º daquele diploma, não constitui violação de segredo bancário a revelação de factos sobre sigilo ao BdP no âmbito das suas atribuições (Cfr. designadamente, conclusões 35.º a 50.º da Motivação do Ministério Público e conclusões IX a XX e XXXI da Motivação do BdP).
No âmbito do objeto de recurso fixado pelos recorrentes, e em sede de Resposta à Motivação, o arguido C. invocou, de entre outras questões, a inconstitucionalidade orgânica do artº 79.º do RGICSF - ou seja, da norma que, segundo os Recorrentes, permite sustentar que, no caso vertente, não houve violação do dever de sigilo bancário - como se confirma pela leitura das conclusões O) a S) e RRR) a WWW), que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
(...)
Por seu turno, em 3 de julho de 2012, o Tribunal da Relação concedeu parcial provimento aos recursos apresentados nos moldes seguintes:
(...)
Ou seja, segundo o Acórdão:
i) A decisão da primeira instância consubstancia uma verdadeira sentença, pelo que devia ter procedido à fixação da matéria de facto com a inerente fundamentação;
ii) No pressuposto de que as denúncias e a documentação anexa constituem prova primária do processo, os seus efeitos contaminantes sobre o acervo probatório implicam a realização de uma apreciação dessa contaminação, 'prova a prova'.
iii) Atendendo ao disposto no artº 79.º do RGICSF, de onde constam as exceções ao dever de segredo, é legítima a utilização pelo Supervisor, como simples base de investigação ou como notícia (no caso, relativa a contraordenação), de informações que lhe foram transmitidas (licitamente) pelo cidadão D., e que vieram a servir (por si ou em conjugação com outras) de base de ulteriores investigações levadas a cabo pelo mesmo Banco de Portugal (doravante BdP), no exercício dos seus poderes públicos de supervisão.
iv) As informações contidas nas denúncias de D. podem ser utilizadas. 'No máximo, haverá apenas que desconsiderar, para efeito de prova dos factos no processo de contraordenação, os ditos documentos entregues por D., sem qualquer outra consequência.'
Como facilmente se compreende, não fora o sumariado nos pontos i) e ii) ter sido ultrapassado pelo decidido nos pontos iii) e iv), a conclusão lógica da decisão sob apreciação passaria pela anulação da sentença, ao abrigo do artº 75.º, n.º 2, al. b), do RGCO, devolvendo-se o processo à primeira instância para reformulação da sentença, com vista à fixação da matéria de facto e respetiva fundamentação, por um lado, e, por outro lado, para a apreciação, 'prova a prova', dos efeitos da contaminação dos elementos enviados por D. ao BdP, sob pena de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
Todavia, tendo-se dado 'um passo além, que ganha primazia em relação ao mais que já se disse' (fls. 121), de acordo com o qual a Relação conclui pela legitimidade de utilização, pelo BdP, de informações recolhidas em violação do sigilo bancário, entendeu - e mantém - o aqui Reclamante que o tribunal estava obrigado a apreciar a inconstitucionalidade orgânica do artº 79.º do RGICSF, bem como, a decidir fundamentadamente sobre o destino dos documentos que acompanharam as denúncias de D..
Deste modo, em 6 de setembro de 2012, o Reclamante arguiu a nulidade do Acórdão por não conhecer de duas questões cuja apreciação se lhe impunha, a saber:
a) A inconstitucionalidade orgânica do artº 79.º do RGICSF;
b) A Apreciação da validade processual dos documentos entregues por D. ao BdP.
Em 27 de novembro de 2012, o Reclamante foi notificado do Acórdão da Relação de Lisboa que indeferiu as nulidades invocadas, nos termos seguintes:
A) Relativamente à omissão de pronúncia sobre a inconstitucionalidade orgânica do artº 79.º do RGICSF:
i) 'admitindo-se que foi citado, no Acórdão em causa, por diversas vezes, o arts 79.º do RGICSF, a solução do caso, a sua ratio decidendi, assentou não na delimitação do segredo bancário que aquela disposição legal estabelece, mas antes no exercício dos poderes de regulação e de supervisão atribuídos ao Banco de Portugal';
ii) 'o que importa relevar é que a obrigatoriedade de pronúncia não constitui uma decorrência automática do facto de se tratar de uma questão de conhecimento oficioso e de ter sido invocada na resposta do recorrido aos recursos interpostos, já que o tribunal não tem de se pronunciar sobre toda e qualquer matéria invocada, quando a mesma se encontre prejudicada e não constitua ratio decidendi.'
B) Relativamente à omissão de pronúncia sobre o destino dos documentos que acompanharam a denúncia de D.:
i) Em suma, o Acórdão desta Relação apreciou e decidiu positivamente a questão da admissibilidade de utilização das cartas e documentos - incluindo toda a informação delas constante - como simples base para averiguações, em sede de exercício de poderes de supervisão, única questão, na perspetiva nele assumida, relevante para a decisão sobre a manutenção ou revogação do despacho de arquivamento recorrido.
Não apreciou nem decidiu definitivamente - sob pena de excesso de pronúncia -, a questão de utilização como meios de prova no processo, questão que ficou prejudicada, por irrelevante para a decisão do recurso, na perspetiva da solução que foi adotada, uma vez que, para decidir a questão que lhe tinha sido colocada - a da manutenção ou revogação do despacho de arquivamento recorrido - apenas a primeira é relevante.'
Em face da referida decisão, em 14 de dezembro de 2012, o Reclamante não recorreu para este Tribunal da conclusão relativa à omissão de pronúncia sobre o destino dos documentos que acompanharam a denúncia de D.. Todavia, o Reclamante não se conformou com a decisão referente à omissão de pronúncia sobre a inconstitucionalidade orgânica oportunamente invocada, pelo que recorreu das diversas questões que aquela interpretação suscita, junto do Tribunal Constitucional, alegando que:
A) A norma extraída do artº 73.º do RGCO, dos artºs 368.º, n.º 3, 379.º, n.º 1, al. c), do CPP ex vi artº 425.º, n.º 4, e 413.º, do CPP, ex vi artº 74.º, n.º 4, do RGCO, interpretada no sentido de que, (i) no âmbito de um processo em que a primeira instância tenha declarado nulas as provas consubstanciadas em denúncias e documentos entregues por um cidadão ao BdP, por entender que, num primeiro momento, as mesmas foram obtidas em violação do dever de sigilo bancário, (ii) os Recorrentes aleguem que a dita decisão assenta numa interpretação e aplicação erróneas (sic) do artº 79.º do RGICSF, sustentando que, no quadro dos artºs 78.º a 80.º daquele diploma, a revelação de factos sobre sigilo bancário ao BdP no âmbito das suas atribuições, não constitui violação de segredo bancário, e (iii) o Tribunal ad quem revogue a decisão do Tribunal a quo, por concluir que é legítima a utilização pelo Supervisor, como simples base de investigação ou como notícia, de informações que foram fornecidas a D. em violação do dever de sigilo bancário, e por este transmitidas ao Banco de Portugal, que vieram a servir de base de ulteriores investigações levadas a cabo por este supervisor, no exercício dos seus poderes públicos de supervisão, e, nessa medida, que as informações contidas nas denúncias de D. podem ser utilizadas, e que, 'No máximo, haverá apenas que desconsiderar, para efeito de prova dos factos no processo de contraordenação, os ditos documentos entregues por D., sem qualquer outra consequência':
a) a apreciação da inconstitucionalidade orgânica do artº 79.º do RGICSF não constitui questão de conhecimento oficioso, não enfermando o Acórdão que sobre ela deixe de se pronunciar de nulidade, por força do disposto no artº 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, ex vi artº 425.º, n.º 4, do CPP; e/ou
b) a circunstância de os Recorrentes terem invocado o artº 79.º do RGICSF, como fundamento da invalidade da decisão do tribunal a quo, não coloca o tribunal ad quem na obrigação de apreciar a conformidade constitucional dessa mesma norma, que aplica, não havendo qualquer omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artº 379.º, n.º 1, al. c), do CPP; e/ou
c) a inconstitucionalidade orgânica do artº 79.º do RGICSF, invocada por um Recorrido em sede de Resposta às Motivações do Ministério Público e do Banco de Portugal, no quadro dos artºs 73.º e 74.º, do RGICSF e 413.º do CPP, não constitui uma questão que o Tribunal da Relação devesse apreciar, nos termos e para os efeitos do artº 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, ex vi artº 425.º, n.º 4, do CPP, não enfermando o Acórdão que dela não conheça de nulidade,
é, em tal interpretação, inconstitucional, por violação dos artºs 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4.º, e 32.º, 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa (d. invocado a páginas 7 e 8 do Requerimento de Interposição de Recurso).
B) A norma extraída do artº 73.º do RGCO, dos artºs 368.º, n.º 3, 379.º, n.º 1, al. c), do CPP ex vi artº 425.º, n.º 4, e 413.º, do CPP, ex vi artº 74.º, n.º 4, do RGCO, interpretada no sentido de que:
(i) no âmbito de um processo em que a primeira instância tenha declarado nulas as provas consubstanciadas em denúncias e documentos entregues por um cidadão ao BdP, por entender que, num primeiro momento, as mesmas foram obtidas em violação do dever de sigilo bancário,
(ii) os Recorrentes aleguem que a dita decisão assenta numa interpretação e aplicação erróneas (sic) do artº 79.º do RGICSF, sustentando que, no quadro dos artºs 78.º a 80.º daquele diploma, a revelação de factos sobre sigilo bancário ao BdP no âmbito das suas atribuições, não constitui violação de segredo bancário, e
(iii) em sede de resposta à Motivação o Recorrido tenha invocado a inconstitucionalidade orgânica do artº 79.º do RGICSF;
(iv) o Tribunal ad quem revogue a decisão do Tribunal a quo, a) citando, por diversas vezes o teor do artº 79.º do RGICSF, b) alegando que 'certo é, a nosso ver, que no plano da valoração do alcance das consequências não podem deixar de ser relevadas as mencionadas circunstâncias, incluindo a de a matéria sigilosa em causa ter sido transmitida a quem, nos termos da lei poderia exigir o legítimo acesso à mesma aos vinculados ao segredo, não parecendo oferecer dúvidas que caso as 'denúncias' em causa tivessem sido remetidas diretamente ao Banco de Portugal, ainda que anonimamente, este não poderia deixar de às mesmas atender, constituindo, aliás, as informações anónimas, no âmbito da supervisão, uma fonte relevante na descoberta e investigação de casos de especial gravidade' e que “(...) o que não comporta qualquer menoscabo do previsto no arts 42.º, n.º 1, do RGCO, se o Banco de Portugal, na aquisição das bases para a sua decisão, veio a obter prova no âmbito das suas atribuições em que o segredo bancário não lhe é oponível', c) concluindo que é legítima a utilização pelo Supervisor, como simples base de investigação ou como notícia, de informações que foram fornecidas a D. em violação do dever de sigilo bancário, e por este transmitidas ao Banco de Portugal, que vieram a servir de base de ulteriores investigações levadas a cabo por este supervisor, no exercício dos seus poderes públicos de supervisão, e, nessa medida que as informações contidas nas denúncias de D. podem ser utilizadas e d) não se pronuncie sobre a inconstitucionalidade orgânica do artº 79.º do RGICSF;
a) a norma vertida no artº 79.º do RGICSF não constitui ratio decidendi do Acórdão, pelo que não constitui uma questão que o Tribunal estivesse obrigado a conhecer, não havendo qualquer omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artº 379.º, n.º 1, al. c), do CPP; e/ou
b) apesar da apreciação a inconstitucionalidade orgânica do artº 79.º do RGICSF se tratar de uma questão de conhecimento oficioso, invocada por um Recorrido em sede de Resposta às Motivações do Ministério Público e do Banco de Portugal, no quadro dos artºs 73.º e 74.º, do RGICSF e 413.º do CPP, não estamos na presença de uma questão que o Tribunal ad quem estivesse obrigado a apreciar, por não constituir ratio decidendi, nos termos e para os efeitos do artº 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, ex vi artº 425.º, n.º 4, do CPP, não enfermando o Acórdão que dela não conheça de nulidade,
é, em tal interpretação, inconstitucional, por violação dos artºs 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4.º, e 32.º, 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa (cf. invocado a páginas 12 a 14 do Requerimento de Interposição de Recurso).
C) i) A norma constante do artº 79.º, nº 2, alínea a), do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de dezembro, com alterações introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 246/95, de 14 de setembro, 232/96, de 5 de dezembro, 222/99, de 22 de junho, 250/2000, de 13 de outubro, 285/2001, de 3 de novembro, 201/2002, de 26 de setembro, 319/2002, de 28 de dezembro, 252/2003, de 17 de outubro, 145/2006, de 31 de julho, 104/2007, de 3 de abril, 357-A/2007, de 31 de outubro, encontra-se ferida de inconstitucionalidade orgânica por violação das normas constantes dos artºs 1.º, 18.º, 26.º e 165.º, n.º 1, al. b), da CRP, devendo ser desaplicada (cf. invocado a páginas 50 e ss. da motivação de recurso); e/ou que,
ii) A norma extraída dos artºs 79.º, n.º 2, al. b) do RGICSF, artº 195.º do CP, 42.º, n.º 1 do RGCO, artº 126.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, interpretada no sentido que é legítima a utilização pelo Supervisor, como simples base de investigação ou como notícia, de informações que foram fornecidas a D. em violação do dever de sigilo bancário, e por este transmitidas ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições - em que o dever de sigilo não lhe é oponível, por força do disposto no artº 79.º, n.º 2, aI. a), do RGICSF - que vieram a servir de base de ulteriores investigações levadas a cabo por este supervisor, no exercício dos seus poderes públicos de supervisão, e, nessa medida que as informações contidas nas denúncias de D. podem ser utilizadas pelo Banco de Portugal, (cf. invocado a páginas 15 e 16 do Requerimento de Interposição de Recurso).
é, em tal interpretação inconstitucional, por violação dos artºs 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4.º, 26.º, e 32.º, 165.º, n.º al. b), 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa.
Subsidiariamente e, sem prescindir,
D) A norma extraída do artº 42.º, n.º 1, do RGCO, do arts 126.º do CPP e do artº 195º do CP, interpretada no sentido de, na ausência de uma norma válida e aplicável, com sentido, alcance e teor iguais aos constantes do artº 79.º, n.º 2, al. b) do RGICSF, é legítima a utilização, pelo Banco de Portugal, como simples base de investigação ou como notícia, de informações que foram fornecidas a D. em violação do dever de sigilo bancário, e por este transmitidas ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições que vieram a servir de base de ulteriores investigações levadas a cabo por este supervisor, no exercício dos seus poderes públicos de supervisão, e, nessa medida, que as informações contidas nas denúncias de D. podem ser utilizadas pelo Banco de Portugal,
é, em tal interpretação, inconstitucional por violação do disposto nos artºs 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4.º, 26.º, 32.º, 165.º, 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa.
Em 6 de fevereiro de 2013, o Reclamante foi notificado para aperfeiçoar o requerimento, por forma a esclarecer, 'em termos claros, precisos e concisos, com exceção da questão colocada em segundo lugar (alínea B), quais as interpretações normativas, bem como os preceitos ou articulação de preceitos (que deverão ser especificados) em que ancora tais normas, cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, de tal modo que, se este Tribunal as vier a julgar desconformes com a Constituição, as possa enunciar claramente na decisão a proferir'.
Deste modo, em 22.02.2013, o reclamante deu cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento e aclarou as inconstitucionalidades suscitadas nos moldes seguintes:
A) A norma extraída do artº 73.º do RGCO, dos artºs 368.º, n.º 3, e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP ex vi artº 425.º, n.º 4, e 413.º, do CPP, ex vi artº 74.º, n.º 4, do RGCO, interpretada no sentido de que, num processo em que a prova produzida foi julgada nula, em decisão de primeira instância, por violação do sigilo bancário:
d) a apreciação da inconstitucionalidade orgânica do artº 79.º do RGICSF não constitui questão de conhecimento oficioso, por parte do Tribunal de segunda instância para onde foi interposto recurso daquela decisão, e, por isso, não enfermando o Acórdão que sobre ela deixe de se pronunciar de nulidade, por força do disposto no artº 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, ex vi artº 425.º, n.º 4, do CPP; e/ou
e) a circunstância de os Recorrentes terem invocado o artº 79.º do RGICSF, como fundamento da invalidade da decisão do tribunal a quo, não coloca o tribunal ad quem na obrigação de apreciar a conformidade constitucional dessa mesma norma, que aplica, não havendo qualquer omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artº 379.º, n.º 1, al. c), do CPP; e/ou
f) a inconstitucionalidade orgânica do artº 79.º do RGICSF, invocada por um Recorrido em sede de Resposta às Motivações do Ministério Público e do Banco de Portugal, no quadro dos artºs 73.º e 74.º, do RGCO e 413.º do CPP, não constitui uma questão que o Tribunal da Relação devesse apreciar, nos termos e para os efeitos do artº 379.º, n.º 1, aI. c), do CPP, ex vi artº 425.º, n.º 4, do CPP, não enfermando o Acórdão que dela não conheça de nulidade, e/ou
é, em tal interpretação, inconstitucional, por violação dos artºs 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4.º, e 32.º, 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa.
C) A interpretação do artº 73.º do RGCO, dos artºs 368.º, n.º 3, e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP ex vi artº 425.º, n.º 4, e 413.º, do CPP, ex vi artº 74.º, n.º 4, do RGCO, em termos de não constituir questão de direito, para os efeitos do artº 368.º, n.º 3, do CPP, a consideração da conformidade constitucional do artº 79.º do RGICSF, quando se pretenda concluir se o Regulador pode ou não utilizar documentos que lhe sejam facultados, no âmbito da supervisão, com violação do sigilo bancário, por parte de quem faculta os documentos, viola os artºs 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4.º, e 32.º, 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa.
D) A norma extraída do artº 42.º, n.º 1, do RGCO, do artº 126.º do CPP e do artº 195º do CP, interpretada no sentido de não ser necessária a norma habilitante do artº 79.º, n.º 2, do RGICSF, para que os documentos facultados ao Regulador com violação do sigilo bancário, não constituam meio proibido de prova, num processo de contraordenação, por ele instaurado, e ainda o crime p. p. no 195.º do CP, viola o disposto nos artºs 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4.º, 26.º, 32.º, 165.º, 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa.
Não obstante o cumprimento do aperfeiçoamento solicitado, e sem que nada o fizesse prever, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer das ditas inconstitucionalidades.
A primeira e principal justificação oferecida pelo tribunal para o efeito, decorre da assunção acrítica da fundamentação adiantada pelo Tribunal da Relação, segundo a qual as inconstitucionalidades invocadas nas alíneas a), c) e d) do requerimento de interposição de recurso (e supra referidas), não constituem 'interpretação normativa efetivamente aplicada na decisão recorrida', uma vez que, as normas suscitadas não foram aplicadas 'no acórdão recorrido como determinante do julgado', i.e., não constituem a ratio decidendi da decisão recorrida.
Entendeu ainda o Tribunal que a inconstitucionalidade invocada em d), 'sempre faleceria legitimidade ao recorrente para colocar tal questão de constitucionalidade, na medida em que não se vislumbra que o recorrente a tenha suscitado perante o Tribunal a quo, em termos processualmente adequados'.
Salvo o devido respeito, e como se fará por demonstrar, a decisão reclamada merece reparo pelas diversas ordens de motivos de que se dará nota nos capítulos seguintes.
III) Das Inconstitucionalidades
A. O artº 79.º do RGICSF como ratio decidendi e consequente admissibilidade das inconstitucionalidades invocadas
Conclui a decisão Reclamada que 'Todas as questões colocadas à apreciação deste Tribunal, sob diversas perspetivas, comungam um pressuposto, a saber, que o Tribunal a quo fez efetiva aplicação, como determinante judicativa, do artigo 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), como também que se fixaram, conjugando esse preceito e o regime contido no artigo 126.º do Código de Processo Penal (CPP), as consequências da presença de prova proibida, porque obtida por intromissão na vida privada ou violação do sigilo bancário. Ora, esse pressuposto mostra-se incorreto pois, face ao objeto do recurso apreciado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nenhum desses preceitos, com o sentido normativo apontado pelos recorrentes, encontra efetiva aplicação, com o ratio decidendi, quer no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de julho 2012 que decidiu o recurso, quer no Acórdão de 27 de novembro do mesmo ano, em que se denegou a verificação de nulidade, por omissão de pronúncia' - realces nossos.
Ou seja, a ideia de que o artº 79.º do RGICSF não constitui ratio decidendi do Acórdão da Relação de Lisboa, constitui fundamento comum de não admissão do recurso de todas interpretações normativas recorridas.
Trata-se, todavia, de um entendimento que não corresponde à realidade, que merece reparo e que deve ser corrigido.
Efetivamente, a Sentença do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, de 7 de outubro de 2011, a pág. 4, fundamenta a sua decisão da seguinte forma:
'A primeira questão a resolver é a de saber se as informações contidas nas denúncias assinadas por D. (fls. 4672, 4673 e 4680 a 4687) e os documentos que as acompanharam (fls. 4674 a 4679 e 4700) implicam ou não a violação do der de segredo bancário.
O enquadramento jurídico necessário para apreciar a questão é o que analisaremos de seguida.
À data em que as denúncias foram feitas o processo se iniciou, os art.ºs 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, doravante designado RGICSF), tinham a seguinte redação (...).
A pág. 7, refere ainda que:
'( ... ) Os autos não evidenciam que tenha ocorrido alguma das exceções previstas no art. 79.º do RGICSF, ou seja, designadamente, que tenha havido autorização de divulgação por parte de algum cliente do banco.
Por outro lado, quem estava na posse de tais documentos, em virtude das funções que exercia ou havia exercido, optou - por razões que se advinham e que provavelmente estariam relacionadas com as lutas pelo poder na instituição, mas que não foi possível apurar nestes autos - por entregá-los ao Sr. D., e não à autoridade de supervisão da atividade bancária, neste caso, ao Banco de Portugal.
Esta opção tomada pelo indivíduo não identificado, impede a verificação da exceção prevista na al. a) do n.º 2 do artº 79.º do RGICSF.'
Por seu turno, a págs. 123 do Acórdão, de 3 de julho de 2012, - ou seja, na parte em que o Tribunal assenta a ratio decidendi da decisão final que, tanto quanto é possível perceber, se encontra entre págs. 121 a 126 - a Relação conclui que:
'certo é, a nosso ver, que no plano da valoração do alcance das consequências não podem deixar de ser relevadas as mencionadas circunstâncias, incluindo a de a matéria sigilosa em causa ter sido transmitida a quem, nos termos da lei poderia exigir o legítimo acesso à mesma aos vinculados ao segredo, não parecendo oferecer dúvidas que caso as 'denúncias' em causa tivessem sido remetidas diretamente ao Banco de Portugal, ainda que anonimamente, este não poderia deixar de às mesmas atender, constituindo, aliás, as informações anónimas, no âmbito da supervisão, uma fonte relevante na descoberta e investigação de casos de especial gravidade'. (pág. 123)
Prosseguindo, a págs. 125, nos seguintes termos:
'Quer isto dizer que mesmo aceitando-se a desconsideração, para efeitos probatórios dos factos no processo de contraordenação, dos documentos (só esses poderiam ser 'meios de prova' e não as cartas em si mesmas), que acompanhavam as missivas remetidas ao Banco de Portugal, sempre restava a legitimidade para a intervenção deste, no uso do seu poder/dever de supervisão, para, por essa via, formar autonomamente as bases da sua própria decisão ao determinar as averiguações preliminares julga das pertinentes, ao decidir a instauração do processo, ao instruir o processo e ao aplicar, finalmente, a sanção. O que não comporta qualquer menoscabo do previsto no arts 42.º, n.º 1, do RGCO, se o Banco de Portugal, na aquisição das bases para a sua decisão, veio a obter prova no âmbito das suas atribuições em que o segredo bancário não lhe é oponível'.
Estes trechos tornam evidente que, de acordo com (a Sentença e com) o Acórdão, e como, de resto, resulta da lei, a solução que Tribunal da Relação de Lisboa deu ao caso assenta na existência da norma do artº 79.º do RGICSF, mais concretamente, na possibilidade de revelação de factos cobertos pelo segredo bancário a determinadas entidades, sem a qual o BdP não poderia “exigir o legítimo acesso à mesma aos vinculados ao segredo'(sic).
De resto, apenas ao abrigo do artº 79.º do RGICSF se pode concluir:
i. “Se a entrega posterior ao Banco de Portugal não 'apaga' nem 'sana' o ilícito anteriormente cometido - e a pessoa que acabou por revelar o segredo não era quem estava vinculado ao mesmo e a quem, por isso, o artigo 79.º, n.º 2, alínea a), do RGICSF se destina, excecionando o dever de segredo no confronto com o Banco de Portugal e no âmbito das atribuições deste, pelo que temos como forçada a inclusão da situação em apreço nessa disposição legal -, certo é, a nosso ver, que no plano da valoração do alcance das consequências não podem deixar de ser relevadas as mencionadas circunstâncias, incluindo a de a matéria sigilosa em causa ter sido transmitida a quem, nos termos da lei poderia exigir o legítimo acesso à mesma aos vinculados ao segredo, não parecendo oferecer dúvidas que caso as 'denúncias' em causa tivessem sido remetidas diretamente ao Banco de Portugal, ainda que anonimamente, este não poderia deixar de às mesmas atender, constituindo, aliás, as informações anónimas, no âmbito da supervisão, uma fonte relevante na descoberta e investigação de casos de especial gravidade' (pág. 123, do Acórdão da Relação de Lisboa de 3 de julho de 2012);
ii. 'Pois bem: a nosso ver, mesmo no pressuposto de que as cartas e documentos remetidos ao Banco de Portugal por D. lhe chegaram 'às mãos' por força de um ato ilícito de outrem e que, por isso, não deveriam ser considerados 'de per si' como meios de prova lícitos, tal não inibia o Banco de Portugal de desencadear averiguações e de, com base nos elementos apurados, instruir o processo por contraordenação' (pág. 124, do Acórdão da Relação de Lisboa de 3 de julho de 2012);
iii. 'Quer isto dizer que mesmo aceitando-se a desconsideração, para efeitos probatórios dos factos no processo de contraordenação, dos documentos (só esses poderiam ser 'meios de prova' e não as cartas em si mesmas) que acompanhavam as missivas remitidas ao Banco de Portugal, sempre restava a legitimidade para a intervenção deste, no uso legítimo do seu poder/dever de supervisão, para, por essa via, formar autonomamente as bases da sua própria decisão, ao determinar as averiguações preliminares julga das pertinentes, ao decidir a instauração do processo, ao instruir o processo e ao aplicar, finalmente, a sanção. O que não comporta qualquer menoscabo do previsto no art.º 42.º, n.º 1, do RGCO, se o Banco de Portugal, na aquisição das bases para a sua decisão, veio a obter prova no âmbito das suas atribuições em que o segredo bancário não lhe é oponível. Do que se conclui, na nossa perspetiva, que é legítima a utilização pelo Banco de Portugal, como simples base de investigação ou como noticia (no caso, relativa a contraordenação), de informações que lhe foram transmitidas (licitamente) pelo cidadão D., e que vieram a servir (por si ou em conjugação com outras) de base de ulteriores investigações levadas a cabo pelo mesmo Banco de Portugal, no exercício dos seus poderes públicos de supervisão, conduzindo, por sua vez, à recolha de elementos de prova (que até podem incluir os originais dos mesmos documentos, agora devidamente obtidos), ainda que, a montante, quem entregou tais elementos a D. o tenha feito com violação do segredo bancário a que estava vinculado. No máximo, haverá apenas que desconsiderar, para efeito de prova dos factos no processo de contraordenação, os ditos documentos entregues por D., sem qualquer outra consequência.' (págs. 125-126, do Acórdão da Relação de Lisboa de 3 de julho de 2012).
Na verdade, a Decisão reclamada adere acriticamente a uma construção artificial, apresentada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em resposta ao requerimento de arguição de nulidade por omissão de pronúncia, segundo a qual o artº 79.º do RGICSF não constitui ratio decidendi do Acórdão.
Só que, como é óbvio e resulta da lei, não pode decidir-se excecionar o dever de segredo bancário, seja para que finalidade for, sem recorrer ao artº 79.º do RGICSF. O que é o mesmo que dizer que não pode concluir-se que a dita norma não constitui ratio decidendi do Acórdão, apenas por os últimos segmentos daquela decisão não lhe fazerem expressa referência.
A apreciação sobre o que constitui a racio decidendi de uma decisão judicial implica a análise da solução jurídica emprestada ao caso pela Relação de Lisboa, à luz das normas jurídicas aplicáveis.
A este respeito ensina ANA PRATA que 'Pode falar-se de ratio decidendi, em qualquer sistema jurídico, para referir a razão de direito, o argumento jurídico que constituiu a razão de ser da decisão judicial adotada em certo caso' - Realces nossos.
No mesmo sentido refere, LUIZ GUILHERME MARINONI que 'a ratio decidendi identifica os fundamentos, motivos ou razões determinantes ou essenciais da decisão. (...) Trata-se de definir as razões que levaram a Corte a decidir, deixando-se de lado os pontos que, ainda que analisados, não interferem ou determinam o resultado do julgamento, considerados, assim, obter dicta.” - Realces nossos.
Ainda a este propósito conclui o Tribunal Constitucional, por Acórdão de 10.07.1997, o seguinte: 'É requisito específico do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1, do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional que a decisão recorrida tenha aplicado a norma cuja inconstitucionalidade se suscita; porém, só pode dizer-se que se aplica uma norma quando ela constitui a 'ratio decidendi' da decisão, isto é, o fundamento normativo do seu próprio conteúdo e não quando é mencionada como simples 'obiter dictum'.- Realces nossos.
Ora, basta ler a dita decisão para perceber que a mesma assenta na previsão da exceção contida no artº 79.º RGICSF. E isto resulta quer do texto do Acórdão, quer da solução em si mesma.
Nas palavras do Acórdão do Tribunal Constitucional, supra transcrito, a existência da exceção ao dever de sigilo bancário, prevista no artº 79.º, n.º 2, al. a), do RGICSF, constitui o fundamento normativo do seu conteúdo.
Veja-se que o próprio Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de novembro de 2012, admite que o artº 79.º do RGICSF foi citado por diversas vezes no Acórdão de junho e que os poderes de regulação e de supervisão atribuídos ao BdP são os que resultam da lei.
Do que decorre que, mesmo para a Relação de Lisboa, a possibilidade de não sujeição do BdP, no seu âmbito de atuação, aos deveres de sigilo bancário, pressupõe a existência das normas vertidas nos artºs 78.º e 79.º, do RGICSF.
É que, a par de pressupor a existência de poderes de regulação e supervisão do BdP (genericamente previstos nos artºs 93.º e 116.º do RGICSF), o Acórdão de julho assenta na previsão de exceções ao dever de sigilo bancário.
Esta possibilidade deriva diretamente do artº 79.º, n.º 2, do RGICSF, quando permite o levantamento de sigilo bancário a diversos reguladores e supervisores apenas “no âmbito das suas atribuições'. Veja-se que a norma não admite uma exceção generalizada do dever de segredo aos diversos supervisores, antes pressupondo que estes elementos apenas lhes podem ser legitimamente divulgados no quadro dos seus poderes de regulação e de supervisão.
Donde, contrariamente ao que se pretende na Decisão Sumária reclamada, não é possível decidir-se pela legitimidade de promoção de uma investigação pelo BdP, assente em documentação coberta pelo dever de sigilo, em conformidade com o artº 78.º do RGICSF, sem recorrer ao artº 79.º do mesmo diploma.
Na ausência de exceções ao sigilo bancário, vigora o dever de segredo com a amplitude constante da lei, em particular, do artº 195.º do CPP, o que, designadamente, impede o BdP de aceder às informações e documentação em causa.
Os poderes de supervisão e de regulação do BdP não dispensam a existência do artº 79.º, n.º 2, do RGICSF, relativamente à possibilidade de acesso a documentação coberta pelo dever de segredo, por aquela entidade. Na verdade, os poderes de regulação e de supervisão são pressupostos da possibilidade de aplicação da exceção vertida no artº 79.º, n.º 2, al. a), do RGICSF, ao BdP.
Acresce que,
De acordo com o entendimento de que se reclama, pese embora se reconheça a existência de uma norma legal com aplicação ao caso concreto - insiste-se, toda a discussão jurídica relativa à decisão da primeira instância se joga no quadro da possibilidade de utilização, como prova ou como base de investigação, de documentos cobertos pelo dever de sigilo bancário - pode optar-se por outro caminho jurídico, de criação jurisprudencial, numa solução que se assemelha à equidade - a justiça do caso concreto.
Sucede que a justiça do caso concreto apenas pode ser ditada (i) quando a lei o permite e (ii) sempre que inexista norma jurídica aplicável.
Existindo norma legal aplicável ao caso concreto, uma vez preenchida a previsão impõe-se a estatuição. É o que dita o princípio da separação de poderes.
Ora, diga-se o que se disser, o artº 79.º do RGIC5F é a norma habilitante para a decisão do presente caso por ser a norma que delimita as exceções ao segredo bancário.
Como se disse, a circunstância de o Tribunal da Relação ter concluído pela legitimidade de utilização, como simples base de investigação ou de notícia, de documentos bancários, necessariamente cobertos pelo dever de segredo, pelo BdP, no exercício dos seus poderes públicos de supervisão, leva à inevitável conclusão de que o artº 79.º do RGICSF, constitui sua racio decidendi.
Neste contexto, é inequívoco que o Tribunal da Relação de Lisboa:
a) aplicou o artº 79.º do RGICSF na solução emprestada ao caso concreto; e que
b) estava obrigado a apreciar a conformidade constitucional do artº 79.º do RGICSF, tanto mais, que a dita norma foi invocada como fundamento das Motivações de Recurso do Ministério Público e do BdP e que o aqui Reclamante arguiu a respetiva inconstitucionalidade orgânica nas conclusões O) a S) e RR) a WWW), da Resposta à Motivação.
Assim, deverá este Tribunal apreciar as interpretações normativas, cuja inconstitucionalidade oportunamente se invocou, mais concretamente que:
A) A norma extraída do artº 73.º do RGCO, dos artºs 368.º, n.º 3, e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP ex vi artº 425.º, n.º 4, e 413.º, do CPP, ex vi artº 74.º, n.º 4, do RGCO, interpretada no sentido de que, num processo em que a prova produzida foi julgada nula, em decisão de primeira instância, por violação do sigilo bancário:
g) a apreciação da inconstitucionalidade orgânica do artº 79.º do RGICSF não constitui questão de conhecimento oficioso, por parte do Tribunal de segunda instância para onde foi interposto recurso daquela decisão, e, por isso, não enfermando o Acórdão que sobre ela deixe de se pronunciar de nulidade, por força do disposto no artº 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, ex vi artº 425.º, n.º 4, do CPP; e/ou
h) a circunstância de os Recorrentes terem invocado o artº 79.º do RGICSF, como fundamento da invalidade da decisão do tribunal a quo, não coloca o tribunal ad quem na obrigação de apreciar a conformidade constitucional dessa mesma norma, que aplica, não havendo qualquer omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artº 379.º, n.º 1, al. c), do CPP; e/ou
i) a inconstitucionalidade orgânica do artº 79.º do RGICSF, invocada por um Recorrido em sede de Resposta às Motivações do Ministério Público e do Banco de Portugal, no quadro dos artºs 73.º e 74.º, do RGCO e 413.º do CPP, não constitui uma questão que o Tribunal da Relação devesse apreciar, nos termos e para os efeitos do artº 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, ex vi artº 425.º, n.º 4, do CPP, não enfermando o Acórdão que dela não conheça de nulidade, e/ou
é, em tal interpretação, inconstitucional, por violação dos artºs 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4.º, e 32.º, 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa.
C) i) A norma constante do artº 79.º, nº 2, alínea a), do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de dezembro, com alterações introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 246/95, de 14 de setembro, 232/96, de 5 de dezembro, 222/99, de 22 de junho, 250/2000, de 13 de outubro, 285/2001, de 3 de novembro, 201/2002, de 26 de setembro, 319/2002, de 28 de dezembro, 252/2003, de 17 de outubro, 145/2006, de 31 de julho, 104/2007, de 3 de abril, 357-A/2007, de 31 de outubro, encontra-se ferida de inconstitucionalidade orgânica por violação das normas constantes dos artºs 1.º, 18.º, 26.º e 165.º, n.º 1, al. b), da CRP, devendo ser desaplicada (cf. invocado a páginas 50 e ss. da motivação de recurso); e/ou que,
ii) A norma extraída dos artºs 79.º, n.º 2, al. b) do RGICSF, artº 195.º do CP, 42.º, n.º 1 do RGCO, artº 126.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, interpretada no sentido que é legítima a utilização pelo Supervisor, como simples base de investigação ou como notícia, de informações que foram fornecidas a D. em violação do dever de sigilo bancário, e por este transmitidas ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições - em que o dever de sigilo não lhe é oponível, por força do disposto no artº 79.º, n.º 2, al. a), do RGICSF - que vieram a servir de base de ulteriores investigações levadas a cabo por este supervisor, no exercício dos seus poderes públicos de supervisão, e, nessa medida que as informações contidas nas denúncias de D. podem ser utilizadas pelo Banco de Portugal, é, em tal interpretação inconstitucional, por violação dos artºs 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4.º, 26.º, e 32.º, 165.º, n.º al. b), 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa.
D) A norma extraída do artº 42.º, n.º 1, do RGCO, do artº 126.º do CPP e do artº 195º do CP, interpretada no sentido de não ser necessária a norma habilitante do artº 79.º, n.º 2, do RGICSF, para que os documentos facultados ao Regulador com violação do sigilo bancário, não constituam meio proibido de prova, num processo de contraordenação, por ele instaurado, e ainda o crime p. p. no 195.º do CP, viola o disposto nos artºs 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4.º, 26.º, 32.º, 165.º, 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa.
B. DA INCONSTITUCIONALIDADE INVOCADA EM D) DO REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
No que à inconstitucionalidade invocada em D) concerne, entendeu ainda o Tribunal Constitucional que: 'sempre faleceria legitimidade ao recorrente para colocar tal questão de constitucionalidade, na medida em que não se vislumbra que o recorrente a tenha suscitado perante o Tribunal a quo, em termos processualmente adequados (...). Resta dizer que não colhe, neste plano, a alegação de imprevisibilidade de crédito normativo que revogasse a decisão de arquivamento com fundamento nos autónomos poderes de supervisão e regulação bancária, pois essa possibilidade encontra-se colocada quer no recurso do Ministério Público, quer no recurso do Banco de Portugal'.
O reclamante sabe que decorre do artº 280.º, n.º 4, da CRP e do artº 72.º, n.º 4, da lei do Tribunal Constitucional que os recursos das decisões negativas de invalidade - que apliquem a norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada - só podem ser interpostos pela parte com legitimidade processual “ad recursum' que tenha suscitado a inconstitucionalidade ou a ilegalidade durante o processo, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos tais que esse mesmo tribunal dela deva conhecer.
Exige-se que o recorrente tenha formulado um juízo favorável à invalidade da norma aplicada, ou à invalidade da norma cuja aplicação antecipe, e que atue processualmente de forma consentânea com esse juízo, impugnando por via de recurso interposto para o Tribunal Constitucional, a aplicação definitiva da mesma norma.
Importa, contudo, esclarecer que, como bem refere BLANCO DE MORAIS, 'não resulta necessário que o interessado tenha suscitado a questão de inconstitucionalidade em primeira instância, podendo fazê-lo em qualquer outro estádio processual, inclusivamente através de recurso ou outro meio impugnatório interposto em última instância (n.º 6 do art. 70.º). O fundamental é que o faça antes de esgotado o poder jurisdicional para decidir sobre a questão” - realces nossos.
A necessidade de suscitar a invalidade da norma aplicada, de forma 'processualmente adequada' (n.º 2 do artº 72.º, da Lei do Tribunal Constitucional) levou o Tribunal Constitucional a extrair desta última fórmula, uma restrição particularmente severa à faculdade de interpor recurso, quando a causa respeitante ao processo-pretexto é julgada por diversas instâncias.
Assim, o Tribunal Constitucional condiciona a admissibilidade do recurso, à necessidade de o recorrente ter suscitado a inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma numa dada fase processual, 'nunca ter abandonado a mesma questão de invalidade, arguindo-a sempre em todas as instâncias de recurso e independentemente da sua posição processual de parte vencedora ou vencida. (...) Se bem que um sujeito processual interessado não seja constrangido a suscitar a inconstitucionalidade de uma norma desde o momento em que a mesma foi aplicada em julgamento processado em primeira instância, podendo fazê-lo em momentos processuais subsequentes até ao trânsito em julgado (alínea b) do n.º 1 do art.70.º da LTC), o facto é que, desde que proceda à arguição da mesma, terá o ónus de a manter e recolocar nas fases subsequentes do processo,” Realces nossos.
De acordo com o referido por JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS 'a exigência de que a questão de inconstitucionalidade seja apresentada a tempo de o tribunal recorrido a poder de decidir não significa que os interessados estejam impedidos de a invocar apenas em qualquer via de recurso ordinário. Com efeito, segundo a jurisprudência constitucional, a Constituição e a LOTC não exigem que a inconstitucionalidade tenha sido suscitada desde a primeira intervenção da parte no processo, bastando-se com o facto de que tal inconstitucionalidade tenha sido materialmente suscitada durante o processo. Pelo contrário, mesmo que a lei estabeleça que os recorrentes não podem levantar novas questões de direito nos recursos ordinários que interpõem das sentenças dos tribunais de primeira instância, a circunstância de a questão de inconstitucionalidade só ser suscitada, pela primeira vez, nessa sede não significa que a inconstitucionalidade da norma seja questão nova de que o tribunal ordinário ad quem não possa conhecer, por o seu poder jurisdicional quanto à matéria da causa estar limitado pelo âmbito da matéria discutida e decidida na primeira instância. Na verdade, a inconstitucionalidade é questão de conhecimento oficioso de qualquer tribunal, pelo que os interessados podem invocá-la em qualquer via de recurso ordinário que a decisão consinta.” - Realces e sublinhados nossos.
Todavia, ensina também JORGE MIRANDA que: 'Pode, contudo, suceder que o interessado não dispunha de oportunidade processual de arguir a inconstitucionalidade, por não poder ou não lhe ser exigível prever a aplicação da norma. E, em tais casos excecionais, o Tribunal Constitucional, em jurisprudência constante - esteada na própria razão de ser do sistema - tem admitido o recurso, dispensando o recorrente do ónus da suscitação prévio”.
Efetivamente, foi com enorme surpresa que o Reclamante leu o Acórdão do de 27 de novembro de 2012, na parte em que fixa, como sentido da sua decisão de 3 de julho de 2012, a ideia de que o artº 79.º, n.º 2, al. a), do RGICSF, não integra a ratio decidendi do Acórdão primitivo, podendo o BdP, à margem de qualquer norma habilitante de sentido e alcance idêntico, utilizar documentação bancária, coberta por segredo bancário, apenas tendo por base os seus outros poderes de regulação e supervisão (que não as exceções ao dito segredo bancário).
Isto significa, designadamente, que apenas após ter tomado conhecimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de novembro de 2012, o Reclamante teve a possibilidade de analisar a fundamentação jurídica emprestada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de julho de 2012, com o alcance, ínsito no Acórdão de 27 de novembro de 2012.
Como facilmente se compreende, estando em discussão a possibilidade de utilização de informações bancárias, cobertas pelo dever de segredo, por parte do BdP, não era exigível que o reclamante previsse que a Relação iria resolver a questão à margem do artº 79.º do RGICSF.
Assim, e por tal entendimento surgir ao arrepio da legislação em vigor (artº 79.º, n.º 2, al. a), do RIGCSF) - e que habilita (bem ou mal) o BdP a utilizar a documentação bancária, coberta pelo segredo bancário -, apenas naquele momento (quando analisou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de novembro, de 2012), teve o Reclamante possibilidade de se pronunciar sobre a referida interpretação e reclamar, uma vez mais, a intervenção do Tribunal Constitucional, com vista à respetiva desaplicação.
Mais de diga que, qualquer entendimento contrário à possibilidade de alegação da referida inconstitucionalidade normativa nesta fase, equivale a exigir que, a par de alegarem a inconstitucionalidade normativa de determinada solução jurídica, os Recorrentes tenham sempre de alegar a inconstitucionalidade da solução normativa que seria aplicável caso a referida norma não existisse, o que não é razoável.
De resto, apesar do argumento estar longe de ser decisivo, nota-se que não é verdade que os Recorrentes BdP e Ministério Público tenham antevisto essa possibilidade de resolução do caso concreto, sem recurso aos artºs 79.º do RGICSF, nas suas motivações, mais concretamente, no ponto 12.º e 18.º a 32.º e 31.º e 32.º das suas conclusões, respetivamente.
Basta ler as referidas conclusões, para perceber que as mesmas pressupõem e integram o raciocínio vertidos nas conclusões que as antecedem.
Como se vê na motivação de recurso do Recorrente BdP:
'X. O Tribunal a quo só pode concluir diversamente, na medida em que entendeu que a exceção prevista no artigo 79.º, n.º 2, aliena a), do RGIC, apenas abrange os casos da transmissão direta da informação ao Recorrente, interpretação que se mostra errónea.
XI. Para aplicação da exceção prevista no artigo 79.º, n.º 2, alínea a), do RGIC, o que releva é saber se o Recorrente pode, em qualquer caso, adquirir licitamente a informação e atuar com base nela ou se pelo contrário fica disso 'impedido' no caso de ter havido uma anterior violação do segredo bancário.
XII. A letra da lei não distingue as situações, aplicando a exceção a todas as atribuições do Recorrente, incluindo, naturalmente, a supervisão e, dentro dela, os processos sancionatórios (artigo 116.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RGIC), abrangendo, quanto a estes, tanto a notícia da infração, como a instrução.
(...)
XXXI. Em face do exposto torna-se evidente que o Tribunal a quo aplicou uma norma que ele próprio extraiu por interpretação dos artigos 78.º e 79.º do RGIC, do artigo 195.º do CP, do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição, dos artigos 122.º e 126.º, n.º 2, do CPP, e do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO ( ...).
XXXII. Norma essa que, atendendo ás atribuições do Banco de Portugal (artigo 102.º da Constituição, artigo 17.º da LOBP, artigos 93.º, n.º 1 e 116.º, nº 1 do RGIC), viola o direito à segurança das poupanças enquanto (...)'.
Do trecho transcrito decorre precisamente, que também o Recorrente BdP, aplica o regime do artº 78.º e 79.º do RGICSF, 'aplicando a exceção (art.º 79.º do RGICSF) a todas as atribuições do Recorrente' e que se está a referir ao artº 79.º do RGICSF quando refere “norma essa que'.
Já na motivação de recurso do Ministério Público foi referido que:
'31.º - O BP atuou ao abrigo do art. 48.º do RGCO, tomando conta, como entidade fiscalizadora, de todos os eventos ou circunstâncias suscetíveis de implicar responsabilidades por contraordenação e tomando as medidas necessárias para preservar a prova.
32.º - O BP atou igualmente ao abrigo dos artºs 93.º e 116.º do RGICSF, velando pela observância das normas que disciplinam a atividade das instituições de crédito.
(…)
46.º - A al. a) do n.º 2 do art. 79.º RGICSF configura a garantia de que o BP acede impoluta e validamente a informações sob sigilo bancário, no âmbito das suas funções.
47.º - Esta regra é afirmada sem exceções nem condições.
48.º - Mas o Mº Juiz a quo, ao afirmar que a motivação do agente que entrega os documentos ao comendador D. é de ordem egoísta, e que por isso já não funciona a regra da al. a) do n.º 2 do art. 79.º do RGICSF impõe uma condição não querida pelo legislador para o funcionamento pleno desta norma.
48.º - Com isto viola o M.º Juiz o art.º 79.º, n.º 2, al. a) RGICSF, interpretando-o no sentido de que o seu efeito depende da motivação do agente que entrega os documentos, direta ou mediatamente, ao supervisor, quando o deveria ter interpretado no sentido de que a comunicação de factos ao BP não viola as regras de sigilo bancário'.
Do que também decorre à saciedade, que o Ministério Público assenta a sua fundamentação no artº 79.º do RGICSF.
É, assim, inequívoco, que, relativamente à documentação bancária, os poderes de regulação e supervisão do BdP não podem ser exercidos à margem do disposto no art.º 79.º do RGICSF.
De resto, do disposto no artº 116.º, n.º 1, al. a) e e), do RGICSF não resulta, nem de longe nem de perto, que o BdP possa utilizar documentação bancária coberta por sigilo bancário, fora do quadro do artº 79.º.
Para o que basta perceber que o artº 116.º, n.º 1, al. a) e e), do RGICSF apenas dispõe que:
'no desempenho das suas funções de supervisão, compete em especial ao Banco de Portugal:
a) Acompanhar a atividade das instituições de crédito;
e) Sancionar as infrações;'
Como é óbvio, o acompanhamento da atividade das instituições de crédito e o sancionamento de infrações, não permite, por si só, que o BdP desrespeite o dever de sigilo bancário. Aliás, se assim não fosse, era caso para perguntar qual a razão de ser da previsão do dito artº 79.º, n.º 2, al. a), do RGICSF, que, segundo a interpretação de que se reclama, é dispensável para efeitos de acesso a informação bancária pelo BdP.
Conforme se deixou exposto em A) supra, e aqui se dá por reproduzido, no tocante aos Supervisores e Reguladores, o artº 79.º do RGICSF estabelece as referidas exceções no pressuposto de que as referidas entidades estão a atuar no quadro das suas competências de regulação e de supervisão.
Ou seja, a aplicação do artº 79.º, pressupõe a análise e aplicabilidade dos artºs 93.º e 116.º, do RGICSF, ao caso concreto. Mas a aplicação destes últimos normativos não dispensa a existência do artº 79.º.
Deste modo, encontra-se preenchido o requisito da legitimidade do aqui Reclamante, para colocar à apreciação do Tribunal Constitucional a constitucionalidade da:
D) A norma extraída do artº 42.º, n.º 1, do RGCO, do artº 126.º do CPP e do artº 195º do CP, interpretada no sentido de não ser necessária a norma habilitante do artº 79.º, n.º 2, do RGICSF, para que os documentos facultados ao Regulador com violação do sigilo bancário, não constituam meio proibido de prova, num processo de contraordenação, por ele instaurado, e ainda o crime p. p. no 195.º do CP, viola o disposto nos artºs 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4.º, 26.º, 32.º, 165.º, 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa.
C. Da inconstitucionalidade invocada em b) do requerimento de interposição de recurso
Por fim, relativamente a este ponto cumpre esclarecer que, por lapso, pelo qual se penitencia, foi referido na alínea C) do requerimento de interposição de recurso apresentado pelo Reclamante (pag. 2), que se pretendia 'a declaração de inconstitucionalidade das normas dos artºs 42.º, nº 2, do RGCO, 79.º n.º 2, al. a), do RGICSF, 126.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, e 195.º do CP, no sentido em que foram interpretadas pelo Acórdão de 3 de julho de 2012, por violação dos artes 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4, 26.º, 32.º, 165.º, n.º 1, al. b), 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa', quando na verdade, o que o Reclamante pretendia ver apreciado era “a inconstitucionalidade das normas do art9 73.º do RGCO, dos artes 368.º, n.º 3, 379.º, n.º 1, al. c), do CPP ex vi art9 425.º, n.º 4, e 413.º, do CPP, ex vi artº 74.º, n.º 4, do RGCO, no sentido em que foram interpretadas pelo Acórdão de 27 de novembro de 2012, por violação dos artes 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4.º, e 32.º,202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa', referida a pag. 9 a 14 do requerimento de interposição de recurso.
Como decorre da leitura do requerimento de interposição de recurso, o lapso apenas surge na página 2 do requerimento de interposição de recurso, quando o Reclamante, sumariamente, elenca as normas cuja constitucionalidade pretende ver apreciada.
Todavia, se se atentar no referido a página 6 e seguintes do requerimento de interposição de recurso, verifica-se quais as normas exatas - e respetivos, sentidos - que o Reclamante pretendia ver apreciadas. Ou seja, verifica-se que o Reclamante invocou para apreciação do Tribunal Constitucional:
A interpretação do artº 73.º do RGCO, dos artºs 368.º, n.º 3, e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP ex vi artº 425.º, n.º 4, e 413.º, do CPP, ex vi artº 74.º, n.º 4, do RGCO, em termos de não constituir questão de direito, para os efeitos do artº 368.º, n.º 3, do CPP, a consideração da conformidade constitucional do artº 79.º do RGICSF, quando se pretenda concluir se o Regulador pode ou não utilizar documentos que lhe sejam facultados, no âmbito da supervisão, com violação do sigilo bancário, por parte de quem faculta os documentos, viola os artºs 3.º, 18.º, 20.º, n.º 4.º, e 32.º, 202.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa (conforme consta do despacho de aperfeiçoamento, a pag. 3, e do requerimento de interposição de recurso, a pago 12 a 14).
Deste modo, o Reclamante requer que o referido lapso se dê por retificado, apreciando-se a inconstitucionalidade invocada a págs. 12 a 14 do requerimento de interposição de recurso, nos moldes posteriormente aclarados na sequência do convite apresentado pelo Tribunal Constitucional.
Neste termos, e nos demais de direito, deve a presente reclamação ser admitida por V. Exas, e, consequentemente, revogar-se a decisão sumária e admitir-se a apreciação das inconstitucionalidades invocadas no requerimento de interposição de recurso, de 14 de dezembro de 2012, com a redação que lhe foi dada no requerimento de aperfeiçoamento.”
4. O Ministério Público apresentou resposta, no sentido da improcedência das reclamações.
5. No mesmo sentido tomou posição o Banco de Portugal, concluindo pela confirmação integral da decisão sumaria reclamada.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A) Reclamação apresentada pelos arguidos A. e B.
6. Os arguidos A. e B. interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 3 de julho de 2012 em que, concedendo provimento parcial ao recurso interposto pelo Ministério Público e pelo Banco de Portugal, decidiu revogar a decisão de arquivamento e determinou a retoma da audiência de julgamento, e, após convite ao aperfeiçoamento, colocaram duas questões à apreciação deste Tribunal, assim enunciadas:
- Inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal, por clara violação do n.º 8 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada no sentido de que é permitida a valoração de provas obtidas pelo Banco de Portugal, por ser uma das entidades previstas no n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF, a partir de outras provas consideradas nulas, porque obtidas mediante intromissão na vida privada;
- Inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal, por clara violação do n.º 8 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada no sentido de que a declaração de nulidade e consequente proibição de valoração das provas iniciado com uma prova nula exige que o tribunal faça uma análise prova-a-prova de todas as provas constantes dos autos e não apenas uma ponderação de relações de dependência ou de produção de efeitos entre a prova originariamente nula e as restantes provas.
A decisão sumária reclamada considerou que qualquer das questões normativas colocadas não podia ser conhecida em virtude de não corresponder a critério ou padrão normativo efetivamente aplicado, como determinante do julgado, pela decisão recorrida e, em segunda linha, por não terem sido previamente suscitadas perante o Tribunal a quo.
Na reclamação, os recorrentes A. e B. procuram demonstrar que, ao invés, o Tribunal a quo aplicou efetivamente as interpretações normativas questionadas mas não lhes assiste razão.
Como se demonstra na decisão sumária, independentemente de, em sede de caracterização das várias vertentes do problema em apreço, ser feita alusão aos artigos 79.º, n.º 2 do RGICSF e 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o critério ou padrão normativo efetivamente aplicado na decisão não se identifica com o sentido normativo questionado pelos recorrentes.
Na realidade, quando repetidamente afirmam a verificação de relação de impossibilidade lógica entre os vários passos do iter percorrido pelo Tribunal recorrido, os recorrentes exprimem a sua discordância sobre o decidido e tomam como premissa – que têm como adquirida – a ocorrência de provas inválidas, porque decorrentes de abusiva intromissão na vida privada, e uma relação contaminante necessária com toda e qualquer prova carreada para os autos e, invariavelmente, com aquelas concretamente valoradas na decisão administrativa condenatória.
Ora, é essa premissa que, manifestamente, não encontra coincidência com o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Como se demonstra na decisão sumária reclamada, mostra-se inequívoco da decisão recorrida que o Tribunal da Relação de Lisboa não adquire processualmente a valoração de provas “consideradas nulas”, limitando-se a questionar, sem o afirmar ou infirmar, a relação entre os documentos entregues ao Banco de Portugal e outros elementos probatórios, obtidos autonomamente no âmbito do exercício das funções de supervisão bancária que lhe estão legalmente cometidas, para concluir que, sem resposta a essa interrogação, a decisão de arquivamento do processo não podia subsistir e haveria que ordenar o prosseguimento do julgamento e a prolação de sentença.
No entendimento dos recorridos, essa interrogação não faz sentido mas, para tanto, atribuem à decisão recorrida sentido que, de todo, não lhe pertence. Em momento algum, de forma expressa ou implícita, é acolhido o entendimento de que o Banco de Portugal pode, a partir de provas nulas – como provas primárias ou em conjugação com provas secundárias, indissociáveis daquelas; - fundar probatoriamente decisão condenatória. Como, igualmente, mostra-se incorreto sustentar que a decisão recorrida acolheu e aplicou dimensão normativa, extraída do artigo 126.º do Código de Processo Penal, ou da sua conjugação com o artigo 79.º do RGICSF, com o “sentido de que esta norma não se aplica às provas nulas que venham a ser recolhidas pelo Banco de Portugal, não podendo estas ser consideradas nulas e não utilizáveis”.
De resto, a presença de leitura incorreta afeta igualmente a interpretação da decisão reclamada. Sustenta-se uma relação de concordância entre “o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa” e a decisão sumária, esquecendo que, em função da natureza e alcance do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, encontra-se vedado ao Tribunal Constitucional reapreciar o decidido pelas instâncias e afirmar o seu entendimento sobre a correção ou bondade da aplicação do direito infraconstitucional. Onde os reclamantes veem sintonia ou concordância de entendimentos, existe apenas a enunciação da concreta ponderação normativa, efetivamente aplicada como ratio decidendi na decisão recorrida, o que constitui para o sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade ponto de partida inalterável (cfr. artigo 79.ºC da LTC).
Cabe ainda referir que a questão de constitucionalidade colocada versa a “valoração de provas [...] obtidas a partir de outras consideradas nulas” e não a amplitude da atividade instrutória do Banco de Portugal, por efeito do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF, dissociada do problema de nulidade probatória ancorado no n.º 3 do artigo 126.º do CPP.
Ora, a valoração definitiva das interconexões e relações de dependência probatórias ainda se encontra por fazer, na decorrência do ordenado na decisão decorrida, cujo objeto decisório se encontra cingido à revogação da decisão de arquivamento e determinação do prosseguimento do julgamento, preservando os recorrentes, respeitados os pressupostos e requisitos para tanto exigidos, a possibilidade de questionar eventual desconformidade com a Constituição dos critérios ou padrões normativos efetivamente aplicados na sentença a proferir.
7. Também quanto à reclamação incidente sobre a decisão de não conhecimento da segunda questão colocada, não assiste fundamento aos recorrentes/reclamantes. Novamente, atribui-se à decisão recorrida sentido que nela não encontra assento.
A argumentação constante da reclamação procura convencer que se utilizou critério decisório distinto daquele em que se estabelece a necessidade de, em caso de nulidade de prova, fazer a ponderação de relações de dependência ou de produção de efeitos entre a prova inválida e as restantes provas pertinentes para a demonstração do thema probandi, quando foi esse, precisamente, o entendimento acolhido pelo Tribunal a quo, invocando e aplicando, aliás, a doutrina do Acórdão n.º 198/2004, à qual os recorrentes/reclamantes também apelam, como se demonstrou na decisão sumária reclamada.
Ora, afirmar a necessidade de avaliar as relações de dependência ou de produção de efeitos entre a prova inválida e as restantes provas, nada tem de dicotómico com a ponderação relacional de todas as provas, sem exceção, e muito menos com a verificação da validade de qualquer dos meios de prova oferecidos como suporte da decisão condenatória. Na verdade, para concluir que determinada prova é nula, por intromissão na vida privada, o Tribunal terá necessariamente de a analisar, seja quanto ao seu conteúdo, seja quanto à forma como foi obtida. Como, igualmente, para concluir pela projeção de efeitos invalidante sobre outra prova carreada para os autos, terá necessariamente de proceder à análise respetiva e averiguar das interconexões que entre ambas incidem bem como da génese processual de cada uma. E, ainda, terá que explicitar na sentença os termos dessa apreciação em relação a todas as provas afetadas.
Não se trata, assim, de uma exigência de análise das provas – sendo, para efeito de delimitação do critério normativo, indiferente saber se o processo integra centenas ou dezenas de milhares de folhas, ou se é possível nelas descortinar elementos comuns de agregação – atomística e finalisticamente desligada da apreciação de relações de dependência entre prova primária inválida e prova secundária, abstraindo da verificação das conexões de sentido entre as provas relevantes para o thema probandi e prova nula (vício que a decisão recorrida não dá como adquirido, embora o tome como premissa de raciocínio).
Ao contrário do que afirmam os recorrentes, essa análise nada tem de impeditivo da declaração de “nulidade das provas obtidas a partir de outras feridas de nulidade”. O que se decidiu foi que o elemento relacional - obtenção a partir de outras - não se encontrava devidamente estabelecido, pois haveria (haverá) que apurar com a devida individualização as relações de dependência ou de produção de efeitos entre a (eventual, repete-se, aceite como base de raciocínio) prova primária nula e a(s) prova(s) secundária(s). Ou seja, aplicou-se sentido normativo completamente oposto à questionada “análise autónoma e individual de cada uma das provas que constituem os autos” e coincidente com aquele que os recorrentes apontam como provido da devida legitimidade constitucional.
Acresce que, contraditoriamente, os reclamantes tanto afirmam que a apreciação determinada pelo Tribunal da Relação de Lisboa é impraticável como que essa análise pode constar da decisão que declare as provas nulas, sem esclarecer se aludem à decisão de arquivamento revogada pelo Tribunal a quo ou à decisão que venha a ser proferida conforme o determinado (cfr. conclusão 14). De qualquer forma, estamos no campo da casuística subsunção de critério normativo ao caso concreto e não da fiscalização concreta da constitucionalidade de norma ou interpretação normativa.
Aqui chegados, improcedendo a reclamação quanto ao primeiro fundamento invocado pela decisão sumária reclamada, sempre será de manter a conclusão pelo não conhecimento do recurso.
8. Não obstante, diga-se que também não assiste razão aos reclamantes quando afirmam que suscitaram a primeira questão de constitucionalidade em termos de vincular o Tribunal a quo ao seu conhecimento nas páginas 46 e 47 da resposta ao recurso.
O segmento da resposta ao recurso transcrito na reclamação alude à utilização de provas nulas, ou seja, à prova primária, enquanto a questão colocada a este Tribunal versa a valoração de provas obtidas a partir de outras provas consideradas nulas, o que corresponde à apreciação probatória das provas secundárias. Temos, então, que a dimensão normativa cuja conformidade constitucional foi suscitada na resposta, no quadro problemático subjacente, mostra-se bem distinta daquela colocada à apreciação do Tribunal Constitucional.
E, sendo essa uma das vertentes centrais da decisão de arquivamento, assim como dos recursos que sobre a mesma incidiram, não podiam os recorrentes eximir-se de sustentar perante o Tribunal a quo a questão de inconstitucionalidade relativa ao efeito-à-distância de prova nula, a partir da convicção subjetiva de que o Tribunal da Relação de Lisboa, para apreciar decisão de arquivamento do processo, se bastaria com a apreciação das “provas originariamente nulas”, ignorando a “contaminação das provas restantes”. Seguramente, de acordo com critérios de razoabilidade e de exigibilidade, não nos encontramos no plano da imprevisibilidade.
Por conseguinte, também na afirmação da ilegitimidade dos recorrente, cumpre confirmar a decisão sumária reclamada.
B) Reclamação apresentada pelo arguido C.
9. Passemos, agora, a apreciar a reclamação apresentada pelo arguido C., a qual abrange a decisão sumária de não conhecimento das quatro questões formuladas.
10. Com referência à primeira questão, desdobrada em três alíneas, decidiu-se na decisão sumária reclamada, após colocar em dúvida o questionamento de critério normativo em termos idóneos à fiscalização concreta da constitucionalidade, que, em qualquer caso, o recorrente procurava ver apreciada interpretação normativa de que fazia parte principal a aplicação do artigo 79.º do RGICSF quando, na realidade, não foi efetivamente aplicado, como ratio decidendi do Acórdão que negou a arguição de nulidade, qualquer sentido normativo extraído desse preceito.
E, paralelamente, considerou-se que não encontra correspondência com a ratio decidendi em que assentou a decisão recorrida – o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de novembro de 2012 - qualquer interpretação normativa, mormente interpretação alojada nos vários preceitos indicados, no sentido de que a suscitação de vício de inconstitucionalidade orgânica não constitui questão de direito e, igualmente, que não constitui questão a conhecer oficiosamente, quando incidente sobre norma efetivamente aplicada na decisão do recurso para aquele Tribunal.
Para contrariar essa decisão, o recorrente transcreve ao longo da reclamação segmentos da sentença proferida pelo Tribunal de Pequena Instância Criminal e também do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de julho, o que se mostra inócuo para demonstrar o desacerto da decisão reclamada nessa parte pois nem uma nem outro integram a decisão recorrida, no que tange a essa questão. Aliás, no requerimento aperfeiçoado, o recorrente foi bem claro a esse propósito: “A inconstitucionalidade relativa à questão identificada em A), no requerimento de interposição de Recurso para o Tribunal Constitucional, respeita às interpretações contidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de novembro de 2012”.
Ora, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 27 de novembro de 2012 teve como objeto a arguição de nulidades e, como determinante judicativa da improcedência dessa pretensão, não aplicou sentido normativo extraído do artigo 79.º do RGICSF. Considerou, sim, que não se verificavam os vícios apontados pelo recorrente, cuja previsão normativa radicou, em primeira linha, no preceituado no artigo 379.º do Código de Processo Penal, a que subsumiu o caso em apreço.
E, como se disse na decisão sumária, dessa decisão não decorre qualquer das interpretações mencionadas nas “sub-questões” elencadas. Fundamentalmente porque o recorrente considera – erradamente, como se verá adiante - que o Acórdão arguido de nulo, por omissão de pronúncia, aplicou como ratio decidendi norma contida no artigo 79.º, n.º 2, alínea a) do RGICSF, cuja inconstitucionalidade orgânica havia sido suscitada, construindo, a partir dessa premissa, sentidos normativos implícitos sobre a cognoscibilidade das questões de constitucionalidade e da vinculação ao seu conhecimento que, manifestamente, o Tribunal a quo não subscreve nem aplicou.
Na verdade, do Acórdão do Tribunal da Relação de 27 de novembro de 2012 decorre, sem margem para dúvidas, o acolhimento de sentido normativo que não só permite, como impõe, a pronúncia do Tribunal sobre questão de inconstitucionalidade incidente sobre norma que careça de ser aplicada para atingir a decisão do problema em apreço. Mas, na apreciação do Tribunal a quo esse pressuposto não se verifica in casu, pois o disposto no artigo 79.º do RGICSF não integra o critério ou padrão normativo que conduziu à decisão de revogação da decisão de arquivamento proferida pelo Tribunal de Pequena Instância Criminal.
Falece, assim, fundamento à reclamação quanto à primeira questão colocada pelo recorrente C..
11. A segunda questão colocada pelo recorrente – sobre a qual não incidiu convite ao aperfeiçoamento – é dirigida ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 3 de julho de 2012 e visa a apreciação pelo Tribunal Constitucional da questão de constitucionalidade que considerou não ter sido apreciada, ou seja, a inconstitucionalidade orgânica do artigo 79.º, n.º 2, alínea a) do RGICSF, por violação dos artigos 1.º, 18.º, 26.º e 165.º, n.º1, alínea b) da Constituição.
Decidiu-se na decisão sumária que essa norma não havia sido aplicada como razão judicativa e, então, em obediência à natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, qualquer juízo de constitucionalidade que sobre a mesma incidisse seria insuscetível de modificar a decisão recorrida.
Ao longo da reclamação, o recorrente C. procura demonstrar que a norma alojada no preceito foi efetivamente aplicada mas não lhe assiste razão.
Desde logo, não tem razão quando refere que “a Decisão reclamada adere acriticamente a uma construção artificial, apresentada pelo Tribunal da Relação de Lisboa” nem quando, repetidamente, apela ao que “resulta da lei”, denotando o propósito de ver afastado por este Tribunal Constitucional o entendimento sobre o direito infraconstitucional, substituindo-o por outro, que tem como correto e de que faz parte necessária a “aplicação da exceção vertida no art.º 79.º, n.º 2, al. a) do RGICSF ao BdP”. Essa discussão, relativa à melhor interpretação desse preceito, não tem cabimento no quadro da fiscalização concreta da constitucionalidade prevista no artigo 280.º, n.º1, alínea b) da Constituição e concretizada na alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da LTC, cabendo ao Tribunal Constitucional tomar a norma efetivamente aplicada – bem ou mal, não interessa – como ratio decidendi para efeito de verificar da sua conformidade constitucional. Não está aqui em causa se foi acolhido o melhor direito mas sim se o direito ordinário efetivamente aplicado encontra legitimidade constitucional.
Ora, e ao contrário do pretendido pelo recorrente, a decisão de revogar o arquivamento do processo não se deveu “à existência da exceção ao dever de sigilo bancário, prevista no art.º 79.º, n.º 2, al. a) do RGICSF” pela simples razão de que, como se tornou cristalino no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 27 de novembro de 2012, e resulta inequivocamente de leitura cuidada do Acórdão proferido em 3 de julho de 2012, não foi apreciada nem decidida definitivamente a questão da utilização como meio de prova das cartas e documentos recebidos pelo Banco de Portugal, nem as suas consequências para as restantes provas.
Não colhe, por outro lado, a objeção de que aquele normativo foi referido por diversas vezes na decisão recorrida pois a menção a uma norma ao longo do texto acórdão não significa que integre a sua ratio decidendi, podendo interceder uma relação de prejudicialidade entre as várias questões a decidir. Foi o que se julgou acontecer – novamente, bem ou mal, face ao direito infraconstitucional, não cabe nos poderes do Tribunal Constitucional tomar posição a esse propósito – a partir da ponderação dos poderes de desencadear investigações cometidos ao Banco de Portugal, no âmbito das suas funções de regulação e supervisão, com autonomia face aos elementos que lhe haviam sido revelados por testemunha no processo. E, por se entender que o Tribunal de Pequena Instância não havia procedido à averiguação que se impunha, foi revogada a decisão de arquivamento dos autos e determinada a continuação do julgamento e prolação, a final, de sentença.
Nota-se, ainda, que numa dessa menções ao artigo 79.º, n.º2, alínea a) do RGICSF o Tribunal a quo refere, e sublinha, que tem “como forçada a inclusão da situação em apreço nessa disposição legal”. E que o reclamante admite que a decisão recorrida assenta (na sua ótica parcialmente) em plano normativo distinto, a saber, “[n]a existência de poderes de regulação e supervisão do BdP (genericamente previstos nos art.ºs 93.º e 116.º do RGICSF)”.
Nessa medida, a leitura de sentido oferecida pelo recorrente na reclamação afasta-se claramente do que consta da decisão recorrida e da vinculação que dela decorre. Não se decidiu sobre a nulidade da prova, não se afirmou - nem infirmou - a presença de efeitos contaminantes nem o seu alcance e, muito menos se fixou a legitimidade da utilização probatória das denúncias de D. a partir de leitura do artigo 79.º, n.º2, alínea a) do RGICSF. Todos esses aspetos estão, ainda, por decidir pelo Tribunal de Pequena Instância Criminal, em atenção ao que se considerou constituir o objeto do recurso e a inerente composição dos poderes de cognição do Tribunal da Relação, conforme ficou particularmente claro na síntese constante do Acórdão proferido em 27 de novembro de 2012, quando se diz:
“Em suma, o acórdão desta Relação apreciou e decidiu positivamente a questão da admissibilidade da utilização das cartas e documentos – incluindo toda a informação delas constante – como simples base para averiguações em sede de exercício de poderes de supervisão, única questão, na perspetiva nele assumida, relevante para a decisão sobre a manutenção ou revogação do despacho de arquivamento recorrido.
Não apreciou nem decidiu definitivamente – nem o podia fazer sem excesso de pronúncia -, a questão da utilização dessa informação como meios de prova no processo, questão que ficou prejudicada, por irrelevante para a decisão do recurso, na perspetiva da solução que foi adotada, uma vez que, para decidir a questão que lhe tinha sido colocada – a da manutenção ou revogação do despacho de arquivamento recorrido – apenas a primeira era relevante. O mais só se colocará no momento da utilização das cartas e documentos no sentido de dar como provados ou não provados os factos que são thema da prova e objeto do processo, embora o acórdão em causa não deixe de admitir a sua desconsideração, para efeito de prova dos factos no processo de contraordenação(...)”.
Recorde-se que o Acórdão recorrido, proferido em 3 de julho de 2012, versou decisão que, sem esgotar a produção de todos os meios de prova, decidiu pela invalidade de todo o processado e ordenou o arquivamento do processo, por efeito da ponderação de consequências de prova nula, que o Tribunal da Relação de Lisboa considerou infundamentada no plano dos pressupostos de facto e também incorreta, face ao que estava revelado no momento da sua prolação, quanto à extensão globalizada do juízo consequencial de invalidação. Sem que, para tanto, tenha partido de qualquer interpretação normativa extraída do artigo 79.º, n.º2, alínea a) do RGICSF, por o entender desnecessário.
Pode o recorrente discordar dessa desnecessidade, como da conclusão a que se chegou, mas esse convencimento subjetivo da incorreção do Acórdão recorrido no plano do direito ordinário não lhe permite ficcionar sentido normativo que nele não se encontra, nem impulsionar validamente a fiscalização concreta da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional dessa interpretação normativa. E não pode porque, qualquer que fosse o juízo sobre a conformidade constitucional de normação contida no artigo 79.º, n.º2, alínea a) do RGICSF, nenhum impacto teria sobre a decisão recorrida, por intocado o entendimento infraconstitucional quanto à irrelevância da sua aplicação para a base ou razão de ser da concreta decisão prolatada.
Face ao exposto, não integrando a norma cuja inconstitucionalidade foi questionada a ratio decidendi da decisão recorrida, cumpre confirmar a decisão sumária que concluiu pelo não conhecimento dessa questão.
12. Prosseguindo, a terceira questão colocada no requerimento de interposição de recurso foi objeto de decisão de não conhecimento com fundamento distinto. Considerou-se que o recorrente, ora reclamante, C. não correspondeu ao convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido e que, então, havia que aplicar nessa parte a cominação constante do n.º7 do artigo 75.ºA da LTC.
Pretende agora o reclamante que incorreu em lapso no requerimento de interposição de recurso e que queria, na realidade, questionar interpretação distinta daquela que indicou sob a alínea C), e peticiona que se dê como “retificado” o lapso, argumentando que esse sentido já constava do requerimento inicial.
Acontece que, tendo sido dada oportunidade ao recorrente para retificar esse “lapso”, através de convite ao aperfeiçoamento onde se encontram transcritas as questões como as havia elencado, sob as alíneas A) a D), salientando-se que “no desenvolvimento do requerimento de interposi '????????e se considera desconforme com a Constituiçulso recurstificar esse laoe rocesso.
oi efetivamente aplicada mas n53535353535353ção de recurso não se encontra consubstanciação – ou pelo menos não se encontra consubstanciação clara – do sentido normativo da conjugação dos artigos 42.º, n.º2, do RGCO, 79.º, n.º2, al. a), do RGICSF, 126.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, e 195.º do CP, que se considera desconforme com a Constituição” ( cfr. fls. 12941 a 12945), e nada tendo sido dito, em especial quanto à alteração da decisão que se pretendia impugnar, mostra-se precludida a oportunidade de corrigir ou retificar o impulso recursório exercido.
Cumpre, também aqui, concluir pelo acerto da decisão sumária reclamada.
13. A quarta, e última, questão formulada pelo recorrente C., mereceu decisão de não conhecimento com fundamento em que o sentido normativo a que se atribui desconformidade constitucional – recortado com forte imprecisão – não se identifica com critério normativo aplicado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida.
Em segunda linha, como fundamento alternativo, afirmou-se a ilegitimidade do recorrente, por não ter suscitado a inconstitucionalidade de tal sentido normativo perante o Tribunal recorrido, em termos processualmente adequado.
O reclamante centra a sua argumentação neste segundo fundamento, nada dizendo de específico na parte dedicada a essa questão – alínea B., intitulada “Da inconstitucionalidade invocada em D) do requerimento de interposição de recurso – sobre o primeiro fundamento em que assentou a decisão reclamada. Podemos, porém, considerar que a argumentação expendida para contrariar esse fundamento foi agrupada, quanto a todas as questões colocadas, na alínea precedente, intitulada “O art.º 79.º do RGICSF como ratio decidendi e consequente admissibilidade das inconstitucionalidades invocadas”.
Mas, assim sendo, todas as considerações que se fizeram relativamente à efetiva aplicação, como ratio decidendi, de critério normativo de que não faz parte, em termos expressos ou implícitos, norma alojada no artigo 79.º do RGICSF, valem neste plano de análise.
Por outro lado, não colhe a argumentação apresentada pelo recorrente quanto à sua legitimidade. Como se diz na decisão sumária, face aos termos dos recursos, em que se articulou extensamente o quadro geral da autonomia dos poderes de supervisão e, em geral, de investigação, do Banco de Portugal, incluindo a precedência do exercício desses poderes relativamente às cartas e documentos que lhe foram fornecidos por D. – muito para além das passagens referidas na reclamação - encontrava-se o arguido C., na qualidade de recorrido, habilitado a suscitar a desconformidade constitucional de qualquer dos sentidos normativos comportados nas soluções jurídicas por que pugnaram os recorrentes.
Não basta, para concluir pela desrazoabilidade e inexigibilidade, a convicção da inaplicabilidade, no plano infraconstitucional, de qualquer dos sentidos normativos esgrimidos no recurso da decisão do Tribunal de Pequena Instância Criminal, mormente quanto à necessária conjugação dos artigos 93.º e 116.º, n.º1, al. a) e e) do RGICSF com o artigo 79.º do mesmo diploma. Na medida em que posição distinta se encontrava colocada à apreciação do Tribunal da Relação, impunha-se ao reclamante confrontar previamente os julgadores com a desconformidade constitucional do critério ou padrão normativo proposto.
Ora, em nenhum momento o recorrente, ora reclamante, confrontou o Tribunal a quo com a interpretação normativa que colocou à apreciação do Tribunal Constitucional.
Tanto basta para concluir pelo acerto da decisão sumária, também na afirmação da ilegitimidade do recorrente quanto a esta questão.
III. Decisão
14. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir as reclamações apresentadas por A. e B., por um lado, e por C., por outro, e confirmar a decisão sumária reclamada.
15. Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido.
Notifique.
Lisboa, 29 de maio de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.