Imprimir acórdão
Processo n.º 229/09
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e outros, foram interpostos dois recursos, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Pela Decisão Sumária n.º 463/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto dos dois recursos interpostos. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
“Recurso interposto em 23 de fevereiro de 2009
3. A recorrente recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante designada por LTC).
Notificada para dar integral cumprimento ao artigo 75.º-A da LTC, viria a recorrente apresentar o requerimento de fls. 12903 e ss. Do requerimento de aperfeiçoamento apresentado decorre que o recurso incide sobre o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido nos autos em 20 de junho de 2007 (fls. 10763 e ss.), sendo as seguintes as questões de constitucionalidade enunciadas pela recorrente:
«(…) interpretação sufragada a propósito do artigo 315.º do Código de Processo Penal: Ao não admitir a ré, ora recorrente, a produzir, em julgamento, prova do que alega em sua defesa (…)»
«(…) interpretação do artigo 108.º, n.º 1, alínea d) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e, bem assim, das disposições combinadas do artigo 372.º e 280.º do Código de Processo Civil (…) por se ter considerado que é lícito ao Presidente do Tribunal Coletivo, por si só e sem intervenção colegial deste, decidir sobre o pedido de aclaração de uma decisão (acórdão) do mesmo tribunal.»
«(…) inconstitucionalidade resultante da concreta apreciação normativa que fez vencimento (…). Com efeito, o acórdão recorrido inconstitucionalizou o artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal ao reduzir a uma intolerável insignificância o dever de motivação decorrente do disposto no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, assim impossibilitando a compreensão pelos seus destinatários da respetiva ratio decidendum e, se fosse caso disso, ilaqueando a possibilidade de um ulterior recurso».
«(…) o acórdão “ao fundamentar” de forma absolutamente insuficiente a sua convicção (…) também violou o caso julgado resultante do anterior acórdão do Tribunal da Relação do Porto e, nessa medida, o disposto no artigo 282.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.»
«(…) o acórdão recorrido, ao proceder a um arbitrário distinguo no que se refere ao “direito ao silêncio”, partiu de uma premissa errada e contra legem assim fazendo com que não tivesse dado cumprimento ao poder-dever de exaustiva investigação que sobre o tribunal impende, nos termos da 1.ª parte do artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa. Essa forma de desconsiderar a estrutura acusatória do processo penal português em todas as suas dimensões fez com que resultasse inconstitucional o entendimento sufragado a propósito da 1.ª parte do artigo 340.º do Código de Processo Penal, conclusão esta que se imbrica com a já falada errada compreensão, á luz do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, da amplitude do direito de defesa concedida ao arguido ao abrigo do artigo 315.º do Código de Processo Penal».
«(…) a afirmação segundo a qual “a Margarida agiu nem sempre por si mas sempre de forma livre e consciente, voluntária e deliberadamente bem sabendo que tal conduta era proibida e vedada por lei”, para além de violadora da decisão do teor do acórdão do Tribunal da Relação do Porto – e destarte, da violação do caso julgado aí ínsito – denota uma errada compreensão do teor do sentido do princípio in dubio pro reo e, nessa medida, uma violação do mesmo (artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa)(…)»
«Também procedeu o tribunal à inconstitucionalização do disposto no artigo 125.º e, em especial, artigo 147.º, ambos do Código de Processo Penal (…) ao admitir reconhecimentos ex adverso da respetiva compreensão garantística e, nessa medida ao violar implicitamente o disposto no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa»
«(…) o Tribunal, ao não concretizar a forma que se revestiu a atuação da recorrente – autoria imediata, autoria mediata, cumplicidade, etc. – (…), incorreu na violação, inconstitucionalizando-o, o disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 311.º do Código de Processo Penal na medida em que, por retas contas, essa desatenção conduziu a mais uma violação do princípio in dúbio pro reo, artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e, nessa medida, desconformizando os artigos 26.º e 27.º, n.º 2 ambos do Código Penal».
«E ainda, no campo do direito material, considerando a existência de um concurso real de infrações entre a falsificação como meio de perpetração da burla, este último delito resultaram violados os dois referidos normativos por inobservância do artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa».
4. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, ao abrigo da qual vem interposto o presente recurso, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, sendo ainda indispensável que a norma cuja inconstitucionalidade se requer tenha constituído o fundamento normativo da decisão recorrida. Para além da exigência de objeto normativo, este Tribunal tem entendido serem ainda requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a suscitação prévia da questão da constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP), e artigo 72.º, n.º 2, da LTC) além do prévio esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC).
5. Cumpre, pois, analisar a verificação dos pressupostos de conhecimento do recurso de constitucionalidade relativamente a cada uma das referidas normas indicadas:
a) «(…) interpretação sufragada a propósito do artigo 315.º do Código de Processo Penal: Ao não admitir a ré, ora recorrente, a produzir, em julgamento, prova do que alega em sua defesa (…)»
Como acima já enunciado, o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, apenas pode traduzir-se numa questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito efetiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e incidental) deste recurso, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da natureza da própria função jurisdicional constitucional.
Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade deverá, efetivamente, refletir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no caso de o recurso obter provimento, o que apenas sucede quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento normativo do aí decidido.
Ora, a decisão recorrida – o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de junho de 2007 -, não procedeu a qualquer interpretação ou aplicação do artigo 315.º do Código de Processo Penal (CPP). Na verdade, e embora a recorrente indique ter suscitado a questão da inconstitucionalidade da interpretação dada pelo tribunal de 1.ª instância ao referido preceito legal, designadamente nas conclusões 1 a 3 apresentadas naquele recurso (fls. 10394), certo é que a decisão recorrida não decidiu esta questão, nem sequer a enunciou entre as questões a decidir referente ao recurso interposto pela aqui, de novo, recorrente.
E sendo assim, inevitável será concluir que a decisão recorrida não aplicou, efetivamente, o preceito legal referido na interpretação reputada de inconstitucional pela recorrente, não se cumprindo, pois, este requisito legal para a admissão do recurso.
b) «(…) interpretação do artigo 108.º, n.º 1, alínea d) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e, bem assim, das disposições combinadas do artigo 372.º e 280.º do Código de Processo Civil (…) por se ter considerado que é lícito ao Presidente do Tribunal Coletivo, por si só e sem intervenção colegial deste, decidir sobre o pedido de aclaração de uma decisão (acórdão) do mesmo tribunal.»
6. Como acima também enunciado, constitui requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a suscitação prévia da questão da constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP, e artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Para que ocorra suscitação prévia processualmente adequada da questão da inconstitucionalidade é necessária a sua enunciação, de forma clara, expressa, direta e percetível, bem como a sua fundamentação, em termos minimamente concludentes, em ordem a permitir que o tribunal recorrido se pronuncie sobre a questão de inconstitucionalidade levantada.
A recorrente afirma que suscitou esta questão de constitucionalidade nas conclusões 5 a 7 que apresentou no recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto.
Acontece, porém, que no recurso interposto perante o tribunal a quo, não foi colocada a questão de constitucionalidade que a recorrente pretende agora ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Com efeito, é o seguinte o teor das referidas conclusões:
«B5: uma vez que a aclaração deveria ter sido dada por acórdão, que não por mero despacho e, ao fazê-lo desse jeito o Senhor presidente violou o disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 108º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovado, com posteriores alterações, pela Lei nº 3/99, de 13 de janeiro
B6: e bem assim as disposições combinadas dos artigos 372º e 380º, ambas do Código de Processo Pena
B7: o que provocou a violação do princípio do juiz legal ou natural e, por conseguinte, do próprio nº 9 do artigo 32º da Constituição».
Desta formulação resulta que a questão então colocada pressupunha a violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 108.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), bem como dos artigos 372.º e 380.º do CPP. Foi por entender que se verificava desrespeito pelas regras de organização e funcionamento dos tribunais, designadamente ao nível da elaboração da sentença, ou da sua aclaração, que a recorrente considerou violado o princípio constitucional do juiz legal ou natural.
Ao formular, deste modo, a questão perante o tribunal recorrido, a recorrente elegeu como objeto da sua impugnação a decisão então recorrida, e não uma norma dotada de generalidade e abstração.
Independentemente da falta de verificação de objeto normativo na questão colocada perante o tribunal recorrido, certo é que, no recurso de constitucionalidade ora interposto, a questão incide sobre a interpretação dada ao artigo 108.º, n.º 1, alínea d) da LOFTJ, e artigos 372.º e 380.º do CPP – no sentido de ser lícito ao Presidente do Tribunal Coletivo, por si só e sem intervenção colegial deste, decidir sobre o pedido de aclaração de uma decisão (acórdão) do mesmo tribunal. Ao prescindir, agora, da invocação da violação das normas legais que definem a competência para a elaboração da sentença e sua aclaração, em processo penal, a recorrente redefiniu a questão de constitucionalidade colocada. Desta forma, não permitiu que o tribunal recorrido se pronunciasse sobre a concreta questão ora objeto de recurso de constitucionalidade, como, de resto, resulta bem evidenciado na fundamentação da decisão recorrida, ao referir-se ali que «o Juiz Presidente não exerceu poder que pertencesse a outro tribunal ou ao tribunal coletivo em que interveio – mas sim um poder diretamente derivado da lei» (fls. 10957). Nesta medida, não se encontra preenchido o requisito da suscitação prévia adequada da questão de constitucionalidade ora colocada.
c) «(…) inconstitucionalidade resultante da concreta apreciação normativa que fez vencimento (…). Com efeito, o acórdão recorrido inconstitucionalizou o artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal ao reduzir a uma intolerável insignificância o dever de motivação decorrente do disposto no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, assim impossibilitando a compreensão pelos seus destinatários da respetiva ratio decidendum e, se fosse caso disso, ilaqueando a possibilidade de um ulterior recurso».
7. Neste caso, a recorrente pretende impugnar o próprio teor da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto. Com efeito, limita-se a questionar a interpretação dada pelo acórdão recorrido a um artigo do CPP e a um artigo da CRP, pelo que, nesta parte, o recurso não apresenta objeto idóneo, porquanto inexiste indicação de uma “norma” reportada a determinado preceito legal nos termos previstos no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC.
d) «(…) o acórdão “ao fundamentar” de forma absolutamente insuficiente a sua convicção (…) também violou o caso julgado resultante do anterior acórdão do Tribunal da Relação do Porto e, nessa medida, o disposto no artigo 282.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.»
8. Mais uma vez a recorrente pretende apenas impugnar o próprio teor da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, o que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar.
e) «(…) o acórdão recorrido, ao proceder a um arbitrário distinguo no que se refere ao “direito ao silêncio”, partiu de uma premissa errada e contra legem assim fazendo com que não tivesse dado cumprimento ao poder-dever de exaustiva investigação que sobre o tribunal impende, nos termos da 1.ª parte do artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa. Essa forma de desconsiderar a estrutura acusatória do processo penal português em todas as suas dimensões fez com que resultasse inconstitucional o entendimento sufragado a propósito da 1.ª parte do artigo 340.º do Código de Processo Penal, conclusão esta que se imbrica com a já falada errada compreensão, á luz do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, da amplitude do direito de defesa concedida ao arguido ao abrigo do artigo 315.º do Código de Processo Penal».
9. Neste pedido, a recorrente volta a imputar à própria decisão a violação dos princípios constitucionais decorrentes do artigo 32.º da CRP, e não a qualquer norma com vocação de aplicação a outros casos, i. e., com caráter de generalidade e abstração. Mais uma vez, inexiste, pois, objeto normativo nesta questão, o que inviabiliza o seu conhecimento num recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC.
O mesmo se aplica às questões formuladas em f), g), h) e i). Da respetiva formulação resulta bem evidenciado que o que a recorrente pretende é sindicar a decisão recorrida e não, propriamente, qualquer norma ou critério normativo que nunca chega a enunciar. Recorde-se o seu teor:
f) «(…) a afirmação segundo a qual “a Margarida agiu nem sempre por si mas sempre de forma livre e consciente, voluntária e deliberadamente bem sabendo que tal conduta era proibida e vedada por lei”, para além de violadora da decisão do teor do acórdão do Tribunal da Relação do Porto – e destarte, da violação do caso julgado aí ínsito – denota uma errada compreensão do teor do sentido do princípio in dubio pro reo e, nessa medida, uma violação do mesmo (artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa)(…)»
g) «Também procedeu o tribunal à inconstitucionalização do disposto no artigo 125.º e, em especial, artigo 147.º, ambos do Código de Processo Penal (…) ao admitir reconhecimentos ex adverso da respetiva compreensão garantística e, nessa medida ao violar implicitamente o disposto no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa»
h) «(…) o Tribunal, ao não concretizar a forma que se revestiu a atuação da recorrente – autoria imediata, autoria mediata, cumplicidade, etc. – (…), incorreu na violação, inconstitucionalizando-o, o disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 311.º do Código de Processo Penal na medida em que, por retas contas, essa desatenção conduziu a mais uma violação do princípio in dúbio pro reo, artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e, nessa medida, desconformizando os artigos 26.º e 27.º, n.º 2 ambos do Código Penal».
i) «E ainda, no campo do direito material, considerando a existência de um concurso real de infrações entre a falsificação como meio de perpetração da burla, este último delito resultaram violados os dois referidos normativos por inobservância do artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa».
10. Com efeito, também nesta parte o recurso não apresenta, pois, no seu objeto, as características de “normatividade” indispensáveis à realização de um controlo de constitucionalidade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Recurso interposto em 12 de fevereiro de 2013
11. Este recurso, igualmente interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, incide sobre o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9 de novembro de 2011 (fls. 12325 e ss.)
São as seguintes as questões formuladas pela recorrente:
«No recurso para o Tribunal da Relação (…) a recorrente (…) declara que o regime prescricional adveniente do Código Penal na sua versão de 1982 é mais favorável para o arguido do que o decorrente da revisão de 1995 consideração com a qual o tribunal recorrido concordou. Porém, como resulta de fls. 7 do acórdão – fls. 12331 – acaba por aplicar contradizendo o que houvera dito o regime decorrente da revisão de 95, assim aplicando uma norma cuja redação é mais desfavorável para o arguido e, nessa medida, violando o disposto no n.º 4 do artigo 29.º da CRP, destarte procedendo a uma aplicação inconstitucional do disposto nos artigos 2.º, n.º 4, 117.º, n.º 1, alínea b), 118.º, 119.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 e 120.º, n.º 3 todos do Código Penal».
«A outra questão reside na circunstância (…) nos termos da qual a alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal na aplicação feita deste comando pelas instâncias é inconstitucional por violação do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea b) e nos n.ºs 1 e 3, parte final do artigo 32.º da CRP».
Como decorre da leitura destes pedidos, a recorrente volta a imputar à própria decisão de que recorre a violação dos princípios constitucionais, e não a qualquer norma com vocação de aplicação a outros casos, i. e., com caráter de generalidade e abstração.
Também neste recurso inexiste, portanto, objeto normativo o que inviabiliza o seu conhecimento num recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC.
Com efeito, no sistema português de fiscalização de constitucionalidade, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem natureza estritamente normativa, não contemplando a apreciação da conformidade constitucional da decisão judicialmente proferida. O recurso de constitucionalidade delineado pela CRP não prevê o «recurso de amparo» ou «queixa constitucional».
Em conformidade, os recursos de constitucionalidade interpostos de decisões de outros tribunais apenas podem ter por objeto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com caráter de generalidade, e nessa medida, suscetíveis de aplicação a outras situações, independentemente, pois, das particularidades do caso concreto. A respetiva admissibilidade depende, assim, da identificação da interpretação ou critério normativos - uma regra abstratamente enunciável vocacionada para uma aplicação para lá do caso concreto – cuja desconformidade constitucional se suscita.
Ora, tal não ocorre no caso em apreço.
12. Acresce que o acórdão recorrido, debruçando-se sobre dois recursos interpostos pela recorrente, não conheceu, todavia, de nenhuma questão relacionada com as ora colocadas em sede de recurso de constitucionalidade, sendo também pressuposto do conhecimento do recurso de constitucionalidade – como acima se começou por referir, logo aquando da apreciação da primeira questão colocada no primeiro recurso – a aplicação na decisão recorrida, como ratio decidendi, da interpretação normativa cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada. Ora, a decisão recorrida limitou-se a conhecer da então invocada omissão de pronúncia (1.º recurso) e, no que respeita à específica questão da aplicação da norma do artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal (colocada no 2.º recurso), registando apenas que ela já fora devidamente analisada noutro acórdão proferido nos autos e transitado em julgado.
Resta, então, decidir em conformidade, não se cumprindo os requisitos legais para conhecimento dos recursos acima identificados.”
3. Desta decisão vem agora reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC.
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, por a recorrente não impugnar os fundamentos da decisão reclamada, limitando-se a discordar do decidido quanto a uma das questões suscitadas.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Na reclamação apresentada a reclamante, retificando um lapso de escrita constante do requerimento apresentado anteriormente nos autos em que solicitava a sua remessa à primeira instância para conhecimento da prescrição do procedimento criminal relativamente a determinados crimes por que foi condenada, insiste naquele pedido.
A decisão sumária, ora reclamada, começa por apreciar esta questão prévia, ali se indeferindo o pedido de remessa dos autos à primeira instância para os efeitos indicados, por se considerar que do teor dos requerimentos apresentados para o efeito não resulta evidenciada a verificação de qualquer questão cujo conhecimento pelas instâncias se apresente como prejudicial ao conhecimento dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, uma vez que as decisões objeto destes recursos se apresentam como definitivas, em nada dependendo da decisão que vier a ser proferida em sede de verificação da requerida prescrição do procedimento criminal relativamente a algum dos crimes objeto da condenação, e a apreciação dos recursos de constitucionalidade não preclude a oportuna apreciação, pelas instâncias, do requerimento apresentado pela recorrente.
A reclamante não apresenta nenhuma razão para contrariar o assim decidido.
Confirmando-se a falta de fundamento para remeter os autos, de imediato, ao tribunal de 1.ª instância, cumpre manter o decidido.
6. No mais, a reclamação apresentada incide sobre o não conhecimento da segunda questão enunciada no recurso de 23 de fevereiro de 2009 (alínea b) do ponto 5. da fundamentação da decisão reclamada). Discordando daquela parte da decisão de não conhecimento do recurso, a recorrente limita-se, todavia, a reiterar que suscitou “clara e longamente a questão ao longo do processo e, designadamente, perante o Tribunal da Relação do Porto”, remetendo para as “conclusões B5, B6 e B7” que foram transcritas na decisão sumária e que, em seu entender, são demonstrativas do invocado. Desta forma, não explica as razões da sua discordância relativamente aos fundamentos da decisão.
Ora, na decisão reclamada são explanados os fundamentos da rejeição do recurso, designadamente as razões pelas quais se entendeu que a segunda questão colocada no recurso interposto em 23 de fevereiro de 2009 não coincide com a colocada perante o tribunal recorrido.
Tal como ali se assinala, a questão colocada perante o tribunal recorrido “pressupunha a violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 108.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), bem como dos artigos 372.º e 380.º do Código de Processo Penal. Foi por entender que se verificava desrespeito pelas regras de organização e funcionamento dos tribunais, designadamente ao nível da elaboração da sentença, ou da sua aclaração, que a recorrente considerou violado o princípio constitucional do juiz legal ou natural”. No recurso interposto para o Tribunal Constitucional a recorrente eliminou da questão de constitucionalidade colocada a violação das normas legais que definem a competência para a elaboração, ou aclaração da sentença, em processo penal. Ao proceder deste modo, corrigiu a questão colocada, não tendo, todavia, permitido a pronúncia pelo tribunal recorrido sobre a concreta questão ora objeto de recurso de constitucionalidade. Confirma-se, portanto, a falta de suscitação prévia da questão de constitucionalidade que vem colocada e, nessa medida, a omissão do requisito de admissibilidade do recurso indicado na decisão reclamada que, assim, deve ser confirmada.
Impõe-se indeferir a reclamação apresentada.
III - Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 29 de outubro de 2013 – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.