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Processo n.º 717/13
3ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, o Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz interpôs, para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), recurso jurisdicional do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 3 de junho de 2009, pelo qual foi julgada parcialmente procedente a ação administrativa especial intentada por A., para declaração judicial de nulidade ou anulação da deliberação daquele Conselho, de 9 de janeiro de 2007, que determinou a cessação da sua comissão de serviço, como Juiz de Paz, bem como da deliberação de 15 de fevereiro de 2007, que ratificou a anterior.
Por Acórdão de 7 de março de 2013, o TCAN negou total provimento ao recurso e confirmou a condenação do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz a renomear A., para o Julgado de Paz do Porto, com efeitos reportados a 16 de abril de 2007 e a título definitivo. Referiu-se aí, para o que aos presentes autos interessa:
“2.7.A errada aplicação da legislação reguladora da Função Pública; o artigo 7.º do D.L. 427/89 de 7 de dezembro, os artigos 25.º e 29.º da Lei n.º 78/2001; o artigo 2.º, n.º1, e artigo 21.º, n.º8 da Lei n.º 2/2004, com a redação dada pela Lei n.º 55/2005; a funcionalização dos juízes de paz.
Face ao que ficou dito, conclui-se neste capítulo que aos juízes de paz são inaplicáveis as normas aplicadas pelos atos impugnados ou outras, relativas à função pública, em particular aos cargos dirigentes, das quais resulte uma solução diversa da que se verifica para os magistrados judiciais.
Só com base em inaptidão pode cessar em cada período de um ano a comissão de serviço e findos esses três anos se não houver decisão de declarar o juiz inapto para o exercício de funções, a nomeação torna-se definitiva.
Esta é a única interpretação possível das normas aplicáveis, por aplicação direta, extensiva ou analógica, aos juízes de paz, acima referidas, como único estatuto compatível com a independência necessária ao exercício das funções de juiz, constitucionalmente consagrado. Termos em que, considerando aplicável aos juízes de paz o estatuto da função pública, com a possibilidade de cessação automática da comissão findos os 3 anos de serviço, as deliberações impugnadas violaram efetivamente as normas que devem ser aplicadas aos juízes de paz, as normas reguladoras do estatuto dos magistrados judiciais, em fase de formação, única solução uniformizadora do tratamento estatutário de todos os juízes, categoria na qual se inserem os juízes de paz.
Assim como seria desconforme à Constituição, e uma clara funcionalização destes juízes, como prejuízo para a sua independência, a possibilidade, defendida aqui pelo Réu, de sucessivas renomeações por 3 anos, aplicando ao caso o regime dos cargos dirigentes da função pública”.
2. Inconformado, o Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz veio interpor recurso deste Acórdão para o Tribunal Constitucional, “nos termos previstos no artigo 280.º, n.º1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa (CRP), e nos artigos 70.º, n.º1, alínea a), 72.ºm n.º1, alínea a) e 75.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LOFPTTC)”. Esclarece que o recurso é “decorrente da desaplicação, no acórdão recorrido das normas contidas nos arts. 25.º, n.º1 e 29.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho (regime jurídico dos Julgados de Paz), e dos arts. 5.º e 7.º n.º1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 427/89 (regime de constituição, modificação e extinção da relação de emprego na Administração Pública), e 21.º, n.º8, 24.º, n.º1 e 25.º, n.º1, alínea a) da Lei n.º2/2004, de 15 de janeiro (que aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado), na redação dada pela Lei n.º 51/2005, de 30 de agosto, aplicáveis ex vi o referido art. 29º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, por terem sido julgadas inconstitucionais por violação dos arts. 2º, 111º e 203º da CRP”.
3. Num primeiro momento, o Relator do TCAN, por despacho datado de 22 de abril de 2013, determinou o envio dos autos ao Tribunal Constitucional, “cumpridas as formalidades legais”. A então recorrida A. veio requerer que o recurso fosse julgado inadmissível. Por despacho de 7 de junho de 2013, o TCAN decidiu não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional, o que fez nos seguintes termos:
“Desde logo não houve decisão de admissão (ou rejeição) do recurso para o Tribunal Constitucional pelo que não se aplica aqui a norma invocada pelo Recorrente, do art. 76º, nº 3, in fine, da LOPTC.
Na verdade, no despacho de fls. 762 refere-se «Cumpridas as formalidades concretas subam os autos ao Tribunal Constitucional».
Este despacho não traduz uma decisão de admissão e menos ainda uma pronúncia concreta sobre a questão da admissibilidade nos termos colocados pela Recorrida e já suscitada noutra perspetiva no parecer de fls. 726-726 verso do Ministério Público.
Pronúncia concreta que efetivamente se impõe face ao disposto no nº 1 do art. 76º da LOPTC.
E que se impõe no sentido da sua rejeição.
O acórdão recorrido nem implícita nem explicitamente desaplicou qualquer norma por a reputar inconstitucional.
Não desaplicou, em particular, os artigos 25º e 29º da Lei 78/2001, nem a legislação reguladora da função pública.
Apenas se fez uma interpretação das normas e das respetivas lacunas, designadamente no que respeita à possibilidade de cessação automática da comissão de serviço dos juízes de paz, de acordo com os princípios constitucionais, em particular da independência e inamovibilidade dos juízes.
Não se colocando qualquer questão de inconstitucionalidade de normas, o recurso para o Tribunal Constitucional não é de admitir.
Termos em que se rejeita o recurso de fls. 682 e segs.”
5. Inconformado com esta decisão, veio o Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz dela apresentar reclamação para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 76º/4 da LTC. Na extensa reclamação, com cerca de vinte páginas, refere o ora reclamante, inter alia, o seguinte:
“20. (…) para alcançar tal decisão, o tribunal deferiu o fundamento da impugnação invocado pela ora Recorrida de que a nomeação provisória dos juízes de paz ofenderia a garantia constitucional da independência dos juízes e o princípio da separação de poderes, desaplicando necessariamente as normas com invocação imediata de aplicação contidas nos arts. 25º e 29º do RJJP, e nos arts. 5º e 7º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 427/89 (regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública – doravante RRJEAP) e 21º, nº 8, 24º, nº 1 e 25º, nº 1, alínea a) da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro (que aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado – doravante EPDE), na redação dada pela Lei nº 51/2005, de 30 de agosto, aplicáveis ex vi o referido art. 29º do RJJP, justificando assim a interposição do presente recurso, conforme infra melhor demonstraremos.
21. A desaplicação das referidas ocorreu necessariamente por ter sido formulado um juízo da sua inconstitucionalidade, com base numa alegada violação dos arts. 2º, 111º e 203º da CRP, como infra melhor se verá.”
Mais adiante, refere ainda:
“52. Assim sendo, não se podendo estar perante nem uma interpretação extensiva nem uma interpretação analógica, forçoso é concluir que o tribunal a quo desaplicou o regime aplicável à duração dos mandatos dos juízes de paz, com fundamento na sua inconstitucionalidade.
53. Ora, em sede de recurso para o Tribunal Constitucional por desaplicação de normas com fundamento na sua inconstitucionalidade, nos termos dos arts. 280º, nº 1 da CRP e 70º, nº 1, alínea a) da Lei nº 28/82, de 15 de novembro, na sua versão atualmente vigente (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – LOFPTC), é jurisprudência deste Tribunal que “as decisões de recusa de aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade, as chamadas «decisões de acolhimento ou decisões positivas de inconstitucionalidade» não têm, necessariamente, de manifestar-se num discurso de desaplicação expressa, bastando que tal recusa se contenha implicitamente na fundamentação da decisão recorrida, em termos de se haver de concluir que o conteúdo estatuidor de uma dada norma não foi acolhido pelo julgador por força do seu desalinhamento constitucional” [sublinhado nosso] (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 361/97).
54. E, estando em causa uma desaplicação implícita de normas com fundamento na sua inconstitucionalidade, este Tribunal Constitucional aplica um teste à decisão recorrida, que passa pela verificação dos seguintes requisitos (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 361/97, e ainda os acórdãos nºs 62/84, 138/85 e 169/92 para os quais remete):
a) A(s) norma(s) implicitamente rejeitada(s) há de ter sido invocada pelo tribunal recorrido como norma com “interesse para a causa”;
b) A(s) norma(s) implicitamente rejeitada(s) têm de integrar a ordem jurídica e nela se encontrar a vigorar;
c) A(s) norma(s) não aplicadas têm de ser norma(s) suscetível(eis) de integrar a respetiva fundamentação normativa [da decisão], traduzindo-se o juízo sobre a sua ilegitimidade constitucional na causa excluidora da sua aplicação.
55. Assim, é irrelevante para efeitos de recorribilidade para o Tribunal Constitucional que haja uma desaplicação expressa ou apenas o não acolhimento pelo julgador do conteúdo estatuidor de uma dada norma (desaplicação implícita), desde que se reúnam os requisitos da recorribilidade de tal decisão, a que também já nos referimos.”
6. Notificada da presente reclamação para o Tribunal Constitucional, A. veio, nos termos conjugados do artigo 69.º da LTC e do n.º2 do artigo 688.º do CPC responder, pugnando pela improcedência da reclamação e pela não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional.
7. Neste Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público, que se pronunciou pelo indeferimento da reclamação, alegando, em particular, o seguinte:
“10. (…)apesar do notável esforço argumentativo do ora reclamante, o Acórdão recorrido situou-se fundamentalmente no domínio da interpretação do direito infraconstitucional, muito embora tendo, por questões argumentativas, recorrido a princípios constitucionais («Apenas se fez uma interpretação das normas e das respetivas lacunas, designadamente no que respeita à possibilidade de cessação automática da comissão de serviço dos juízes de paz, de acordo com os princípios constitucionais, em particular da independência e inamovibilidade dos juízes»).
Fê-lo, no entanto, sempre, sem abandonar o domínio da interpretação e aplicação do direito infraconstitucional.
11. Crê-se, pois, de concluir, em face de todo o anteriormente referido, que a presente reclamação, por não admissão de recurso, não merece, no entender deste Ministério Público, provimento”.
Cumpre apreciar e decidir.
8. O recurso de constitucionalidade, interposto pelo ora reclamante foi apresentado «nos termos previstos no artigo 280º, nº 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa (CRP), e nos artigos 70º, nº 1, alínea a), 72º, nº 1, alínea a) e 75º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
Ora, o art. 70º, nº 1, alínea a) da LTC prevê a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais «que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade». Ora, como se verá de seguida, não é esse o caso da decisão objeto do presente recurso.
9. Invoca o ora reclamante que o acórdão recorrido desaplicou, por inconstitucionais, várias normas, por alegada violação dos artigos 2º, 111º e 203º da CRP. Em causa estariam as normas contidas nos artigos 25.º, n.º1 e 29.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho (regime jurídico dos Julgados de Paz), nos artigos 5.º e 7.º n.º1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 427/89 (regime de constituição, modificação e extinção da relação de emprego na Administração Pública), e 21.º, n.º8, 24.º, n.º1 e 25.º, n.º1, alínea a) da Lei n.º2/2004, de 15 de janeiro (que aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado), na redação dada pela Lei n.º 51/2005, de 30 de agosto, aplicáveis ex vi o referido art. 29º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho.
No entanto, da leitura do Acórdão recorrido não resulta que o mesmo tenha implícita ou explicitamente desaplicado qualquer destas normas por reputá-las de inconstitucionais. Senão vejamos.
9.1. O recurso previsto na alínea a) tem dois pressupostos: em primeiro lugar, que a decisão recorrida haja efetivamente recusado a aplicação de certa norma ou interpretação normativa relevante para a dirimição do caso, e que tal desaplicação normativa se funde num juízo de inconstitucionalidade do regime jurídico nela estabelecido. Assim se afirmou ilustrativamente no Acórdão n.º 360/06, de 08 de junho de 2006:
“(…) o critério que há de orientar a tarefa de averiguar se na decisão recorrida ocorreu, ou não, uma verdadeira desaplicação da norma com fundamento em inconstitucionalidade e com virtualidade para permitir o aludido recurso cinge-se, em primeiro lugar, a verificar se há uma declaração expressa de recusa de aplicação da referida norma; não havendo essa declaração formal, importará então saber se a decisão assentou numa norma que substancialmente foi determinada por se ter afastado outra norma com fundamento na sua inconstitucionalidade; e, finalmente, porque o recurso em causa é também um recurso instrumental, há de apurar-se se, tendo em conta a lógica fundamentadora do julgado, a decisão não seria a mesma, ainda que o juízo de desaplicação da norma não tivesse ocorrido”.
Tem de existir, assim, uma correlação entre estes dois pressupostos: por um lado, a decisão ter efetivamente recusado a aplicação da norma, segundo, que essa recusa tenha sido devida a um juízo de inconstitucionalidade. No que toca ao primeiro aspeto, o Tribunal Constitucional já por diversas vezes tem referido que o juízo de inconstitucionalidade formulado pelo tribunal a quo tem de revelar, de forma decisiva, ser o efetivo fundamento de direito ou “ratio decidendi” da decisão recorrida. Esse não será o caso quando a alegada “inconstitucionalidade da norma recusada” tiver funcionado como mero argumento suplementar (veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos n.º 62/84, de 19 de junho de 1984, 169/92, de 6 de maio de 1982, e 8/08, de 10 de janeiro de 2008). Este requisito é, enfim, como o refere expressamente o citado Acórdão n.º 360/06, uma emanação do caráter instrumental do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.
9.2. Ora, no presente caso, o TCAN começa por fazer um excurso sobre o estatuto aplicável aos juízes dos julgados de paz. Nesse contexto, cita doutrina no sentido de não poder haver desarmonia entre sistemas de justiça, afirmando que “a harmonização possível dos estatutos dos juízes dos tribunais judiciais e dos julgados de paz, consegue-se em nosso entender, numa interpretação que não se afasta do teor literal das normas (…) preenchendo as lacunas – que efetivamente existem – de acordo com os ditames constitucionais”.
É neste seguimento que acaba por concluir que as normas constantes do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 427/89 de 7 de dezembro, os artigos 25.º e 29.º da Lei n.º 78/2001, o artigo 2.º, n.º1, e artigo 2.º, n.º1, e artigo 21.º, n.º8 da Lei n.º 2/2004, com a redação dada pela Lei não são aplicáveis aos juízes de paz.
Ora, o que o tribunal a quo faz é tão-só um exercício de preenchimento das lacunas do estatuto dos juízes de paz (no que toca, em específico, à possibilidade de cessação automática da comissão de serviço), de acordo com os princípios constitucionais convocáveis, em particular da independência e inamovibilidade dos juízes. Por outras palavras, o que o TCAN faz é determinar quais as normas aplicáveis a esse mesmo estatuto. É certo que o faz tendo em conta determinados preceitos constitucionais que, no seu entender, devem moldar o estatuto dos juízes de paz. No entanto, o conceito de recusa de aplicação de uma norma não se confunde com o de simples interpretação de norma em conformidade com a Constituição, ou mesmo de integração de lacunas em conformidade com a Constituição (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 70).
9.3. Esta conclusão não é invalidada pelo facto de o acórdão recorrido ter referido que “(…) seria desconforme à Constituição, e uma clara funcionalização destes juízes, como prejuízo para a sua independência, a possibilidade, defendida aqui pelo Réu, de sucessivas renomeações por 3 anos, aplicando ao caso o regime dos cargos dirigentes da função pública”. De facto, o que tribunal a quo tece nesta passagem poderá ser, quanto muito, um juízo de inconstitucionalidade “hipotética” de determinadas normas, caso fossem aplicadas ao caso com a interpretação sustentada pelo aqui reclamante. Ora, como se viu, o tribunal decidiu - com base noutros argumentos interpretativos – não serem essas normas aplicáveis. Note-se a passagem que antecede aquela afirmação: “conclui-se neste capítulo que aos juízes de paz são inaplicáveis as normas aplicadas pelos atos impugnados ou outras, relativas à função pública, em particular aos cargos dirigentes, das quais resulte uma solução diversa da que se verifica para os magistrados judiciais. (…) Esta é a única interpretação possível das normas aplicáveis, por aplicação direta, extensiva ou analógica, aos juízes de paz, acima referidas, como único estatuto compatível com a independência necessária ao exercício das funções de juiz, constitucionalmente consagrado. Termos em que, considerando aplicável aos juízes de paz o estatuto da função pública, com a possibilidade de cessação automática da comissão findos os 3 anos de serviço, as deliberações impugnadas violaram efetivamente as normas que devem ser aplicadas aos juízes de paz, as normas reguladoras do estatuto dos magistrados judiciais, em fase de formação, única solução uniformizadora do tratamento estatutário de todos os juízes, categoria na qual se inserem os juízes de paz” (sublinhado nosso).
9.4. Dos pontos precedentes conclui-se que a solução encontrada pelo tribunal a quo se fundamentou numa preocupação de harmonização do estatuto dos juízes de paz com o dos demais juízes, e que nessa tarefa de harmonização se deveria buscar a solução mais compatível com a Constituição. Ora, neste contexto, poderá falar-se quando muito de uma interpretação, - ou até de uma integração de lacunas - em conformidade com a Constituição, mas não de uma recusa de normas por inconstitucionalidade.
Foi apenas suplementarmente que o TCAN referiu que seriam inconstitucionais as normas que o reclamante pretenderia ver aplicadas ao caso – e que, repete-se, não foram tidas como as aplicáveis com base noutros argumentos. De facto, não se pode dizer que o afastamento delas tenha sido condição “sine qua non” da decisão do tribunal a quo. Mesmo que o TCAN não tivesse formulado aquele juízo “hipotético”, ainda assim, através dos argumentos da analogia e da interpretação conforme a Constituição, teria dado a presente solução ao caso concreto.
Neste ponto, pois, não se pode concluir ter existido efetiva recusa de aplicação das constantes das normas do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 427/89 de 7 de dezembro, dos artigos 25.º e 29.º da Lei n.º 78/2001, do artigo 2.º, n.º1, e do artigo 2.º, n.º1, e artigo 21.º, n.º8 da Lei n.º 2/2004, por inconstitucionalidade.
Não tendo a decisão recorrida recusado a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade, o presente recurso para o Tribunal Constitucional não é de admitir.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de outubro, de 2013.- Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.