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Processo n.º 293/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foram interpostos recursos, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), dos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 16 de maio de 2012 e de 28 de novembro de 2012 e da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de março de 2013.
2. Pela Decisão Sumária n.º 342/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«1. Do artigo 70.º, n.º 2, da LTC decorre que o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 cabe apenas de decisões que não admitam recurso ordinário. É de entender que a exigência de definitividade da decisão recorrida impõe que não possa ser interposto recurso de constitucionalidade de decisão relativamente à qual haja sido interposto recurso ordinário ou suscitado incidente pós-decisório, na pendência do procedimento que se lhe seguiu.
Na medida em que foi arguida a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de maio de 2012 e foi interposto recurso de constitucionalidade da decisão que a indeferiu (acórdão de 28 de novembro de 2012), aquele acórdão não consubstancia uma decisão definitiva e, como tal, não é recorrível para este Tribunal. A referida não definitividade decorre igualmente de tal acórdão de 16 de maio ter sido também objeto de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e de ter sido interposto recurso de constitucionalidade da decisão que confirmou a não admissão do mesmo.
Mas também o acórdão de 28 de novembro de 2012, que se pronunciou sobre nulidades do acórdão de 16 de maio de 2012, não constitui uma decisão definitiva e, como tal, não é recorrível para este Tribunal. A apreciação de tais nulidades pelo Tribunal da Relação do Porto foi efetuada no pressuposto da irrecorribilidade do acórdão de 16 de maio de 2012, à luz do estabelecido no artigo 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. À data daquele acórdão já havia sido proferido despacho a não admitir o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo certo que a reclamação apresentada nos termos do artigo 405.º daquele código deu já entrada depois da prolação do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28 de novembro de 2012. Ora, é precisamente a irrecorribilidade do acórdão de 16 de maio que se encontra ainda em discussão, por via da interposição do recurso de constitucionalidade da decisão que indeferiu a reclamação do despacho de não admissão do recurso.
Em suma, há que concluir pelo não conhecimento do objeto dos recursos interpostos dos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, o que justifica a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
2. De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade de uma determinada interpretação normativa que o tribunal recorrido terá dado aos artigos 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º do Código de Processo Penal.
Sucede, porém, que não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada de uma questão de inconstitucionalidade reportada àquela norma. Na reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça – o momento processualmente relevante para a suscitação –, o recorrente não identificou a interpretação normativa, reportada aos preceitos legais mencionados no requerimento de interposição de recurso, que reputava de inconstitucional. Sustentou apenas que se tratava da interpretação feita na decisão em crise e que teve o sentido de não permitir a admissão do recurso interposto.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«A. Quanto ao não conhecimento dos recursos de constitucionalidade interpostos dos Acórdãos da Relação do Porto de 16 de Maio de 2012 e de 28 de Novembro de 2012
10. Não restam dúvidas que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da reclamação prevista no art. 405º do CPP sobre a inadmissibilidade do recurso interposto pelo recorrente do Acórdão da Relação do Porto de 16 de Maio de 2012 não admitia qualquer outro recurso ordinário.
11. Ou seja, sobre a concreta questão em apreciação, esgotaram-se os meios impugnatórios estabelecidos na Lei com aquela reclamação para o STJ
12. Por outro lado, aquela decisão proferida naqueles autos de reclamação constituiu a última palavra do ordenamento jurisdicional penal sobre a inadmissibilidade do recurso interposto.
13. E, assim, naquela ordem jurisdicional, aquela decisão foi definitiva.
14. Sendo que o requisito da definitividade reclamada no art. 75º, nº 2, da LTC, tem que ser entendida por referência à ordem jurisdicional respectiva em que se insere.
15. Ou seja, no caso, aquela definitividade terá de ser aquilatada por referência ao ordenamento processual penal e aos recursos ordinários aí passíveis de serem interpostos.
16. Não tendo qualquer relevância, para o efeito, a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional quer da decisão proferia no Acórdão da Relação do Porto de 28 de Novembro de 2012, quer da decisão proferida nos autos de reclamação de fls …
17. A este propósito escreve Carlos Lopes Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, pg. 199:
“Pode, porém, duvidar-se se tal “definitividade” pressupõe o trânsito em julgado (consequente, por exemplo, ao esgotamento integral das possibilidades impugnatórias, incluindo o acesso ao Tribunal Constitucional, relativamente à questão de inconstitucionalidade das normas que tornam inadmissível o recurso ordinário interposto) ou se, pelo contrário, tal “definitividade” se reportará apenas à ordem judiciária em questão, não envolvendo a dedução de reclamação ou recurso para o Tribunal Constitucional.
Este entendimento, mais restrito, parece transparecer de alguns arestos do Tribunal Constitucional, nomeadamente dos Acórdãos nºs 374/07 e 385/06 – implicando a simultânea interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, quer da sentença originariamente proferida sobre o mérito, quer da decisão procedimental que considera inadmissível o recurso ordinário interposto.
(…)
Afigura-se efetivamente que esta interpretação restritiva – que considera “definitiva” a decisão que, no âmbito da ordem jurisdicional em questão, rejeita o recurso ordinário que se pretendeu interpor – é a que melhor se coaduna com as exigências de celeridade e concentração, evitando situações (como a relatada no Acórdão nº 385/06) de inadmissível protelamento da pendência do processo, ao vincular a parte a interpor, na mesma altura, todos os recursos de fiscalização concreta que pretenda dirigir ao Tribunal Constitucional – que, naturalmente, ao apreciá-los terá em conta a eventual precedência lógico-jurídica entre as questões normativas suscitadas a propósito de cada uma das decisões”
18. Sendo que, no Ac. TC nº 385/06, afirma-se, de modo inequívoco, que “uma reclamação para o Tribunal Constitucional (de um despacho que já não admitira o recurso para este Tribunal interposto), mesmo sendo considerado um “recurso ordinário” para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 75.º da Lei do Tribunal Constitucional não o era certamente “na respetiva ordem judiciária”.
19. Na mesma linha de entendimento, vai o Ac. TC nº 346/2013 (Proc. n.º 204/13) de 19.6.13, no qual se decidiu:
“O diferendo reside, pois, na questão de saber quando deve considerar-se definitiva a decisão que não admitiu o recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça. Importará analisar se tal definitividade se reporta apenas à ordem jurisdicional respetiva ou se abrange o recurso de constitucionalidade, em termos de se poder afirmar que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça somente se tornou definitiva com a prolação do Acórdão n.º 538/2012, que indeferiu a reclamação deduzida contra a decisão sumária de não conhecimento do recurso de constitucionalidade que visava aquela decisão do Supremo. Parece-nos que, em regra, a definitividade, pressuposta no n.º 2 do artigo 75.º da LTC, deverá ser entendida como reportada apenas à ordem jurisdicional em que se insere o tribunal que proferiu a decisão”. No presente caso, o acórdão de 28 de Junho de 2012 decidiu, definitivamente, a questão da irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação, dentro da ordem jurisdicional respetiva, pelo que, a partir da notificação de tal acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, iniciou-se a contagem do prazo de interposição do recurso de constitucionalidade do acórdão do Tribunal da Relação”.
20. Em face do exposto, considerando-se que os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Maio de 2012 e de 28 de Novembro de 2012, constituem decisões definitivas e que tal definitividade não é posta em causa pela interposição do recurso de constitucionalidade da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça nos autos de reclamação de fls. …
21. De igual modo se terá de concluir que a definitividade do Acórdão da Relação do Porto de 16 de Maio de 2012 não é afetada pela interposição do recurso de constitucionalidade da decisão proferida no Acórdão da Relação do Porto de 28 de Novembro de 2012 (onde foi indeferida a arguição de nulidade do Ac. Rel. Porto de 16.5.12)
22. E, como tal, deverão os mesmos ser conhecidos, apreciados e decididos.
B. Quanto ao não conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto do Acórdão do STJ de 6 de Março de 2013
23. Como acima se deixou dito, o recorrente interpôs recurso para o STJ do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Maio de 2012.
24. Por despacho de fls. …, o Exmo Senhor Juiz Desembargador-Relator, proferiu decisão de não admissão daquele recurso com o seguinte teor:
“Com razão, por um lado, ex vi art. 400-1-e do CPP conforme o qual “Não é admissível recurso: De acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa da liberdade”, por outro, os Recursos interpostos por B., C. e A. não se enquadram em nenhuma das hipóteses de Recurso para o STJ previstas no art. 432 do CPP conforme o qual “Recorre-se (…)
Termos em que: 1. Pelo facto do Acórdão de 16.5.2012 a fls. 1517-1596/VI ser irrecorrível ex vi arts 400-1-e e 432-1 do CPP, não se admitem os Recursos interpostos em 14.6.2012 a fls. 1645-1716/VI por B., C. e A.”
25. Na reclamação apresentada nos termos e ao abrigo do art. 405º do CPP, o recorrente invocou expressamente os motivos pelos quais considerava que o recurso interposto para o STJ do Acórdão da Relação do Porto de 16 de Maio de 2012 deveria ter sido admitido.
26. Mais salientando que a interpretação dos arts. 401º, nº 1, al. e) e art. 432º do CPP no sentido de se considerar irrecorrível a decisão proferida era inconstitucional.
27. Sustentando que essa interpretação era inconstitucional por violação do art. 2º, 18º, nº 2, 20º, nº 1 e nº 4, 32º, nº 1, da CRP e das garantias de defesa dos arguidos e dos princípios do acesso ao direito, do direito ao recurso e a um duplo grau de jurisdição, da justiça, da razoabilidade e da proporcionalidade aí consagrados.
28. Tendo ao longo do seu articulado, procurado demonstrar em que se traduzia aquela interpretação abusiva e inconstitucional daqueles normativos.
29. Desde logo, invocou que a existência de um direito ao recurso e a um duplo grau de jurisdição consagrado no art. 32º reclamava que todas as decisões sobre questões que fossem suscitadas pela primeira vez perante o Tribunal da Relação e por ele apreciadas (ainda que no âmbito de um recurso de uma decisão de 1ª instância), pudessem ser objeto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
30. Tendo invocado a este propósito que o recorrente, entre outras questões, submeteu, pela primeira vez, ao conhecimento do Tribunal da Relação do Porto nas motivações de recurso dirigidos ao Acórdão de 1ª instância, (i) a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes dos despachos de pronúncia, (ii) a omissão do exame crítico da prova, (iii) das contradições na decisão proferida sobre a matéria de facto e (iv) a falta de fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
31. E que, como tal, a decisão sobre elas proferida deveria admitir a interposição de recurso para o STJ.
32. Mais tendo invocado que, de igual modo, para se conferir expressão efetiva ao direito ao recurso e a um duplo grau de jurisdição – direitos e princípios constitucionais -, impunha-se que a apreciação das nulidades imputadas ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação (em sede de recurso e na sequência de um recurso interposto do Acórdão condenatório de 1ª instância), pudesse-devesse ser sindicada por um tribunal superior.
33. Sob pena de deixar de existir um controlo específico por uma instância superior sobre a atuação do Tribunal a quo.
34. Sendo certo que, nesta sede, invocou, em abono da admissibilidade do recurso interposto que o Acórdão recorrido padecia de nulidades, mormente por omissão de pronúncia e por ter, indevidamente, suprido nulidades do Acórdão de 1ª instância
35. O que, sem mais, colocava em causa a garantia constitucional de um duplo grau de jurisdição.
36. Por outro lado, suscitou que, em sede penal, o princípio geral, é o da recorribilidade das decisões – art. 399º do CPP – e que, como tal, todas as restrições ao mesmo deveriam ser entendidas de um modo restritivo.
37. Devendo ser admitido o recurso interposto, tanto mais que no Acórdão da Relação do Porto de 16 de Maio de 2012 foi flagrantemente violado o princípio da reformatio in pejus, não existiu confirmação in totum da pena aplicada pelo tribunal de 1ª instância, (aqui se incluindo as condições e regras de conduta impostas), para lá de que, em boa verdade, estamos na presença de uma efetiva pena privativa de liberdade, cuja execução está suspensa sob a condição de o recorrente efetuar o pagamento das quantias fixadas no Acórdão de fls. …, conquanto o façam nos prazos também aí determinados.
38. O que, de igual modo, se impunha à luz do princípio basilar traduzido no brocardo favorabila amplianda, odiosa restringenda.
39. Afigurando-se ao recorrente terem sido devidamente identificadas as normas e a respetiva interpretação normativa que se julgava inconstitucional.
40. Por outro lado, na própria decisão da reclamação a questão da inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente na reclamação de fls. … foi expressamente enfrentada pelo Tribunal a quo tendo considerado sem fundamento a pretensão do recorrente».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público veio dizer, para o que agora releva, o seguinte:
«1º
Como se vê pelas razões claramente expressas na decisão sumária nº 342/2013, as decisões proferidas pela Relação do Porto quando da interposição dos recursos para o Tribunal Constitucional não estavam consolidadas, faltando, pois, esse requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pelo arguido A..
2º
Quanto ao recurso interposto da decisão proferida no Supremo Tribunal de Justiça e que indeferiu a reclamação apresentada nos termos do artigo 405.º do CPP, parece-nos claro que, como se afirma na douta decisão reclamada, no momento processual próprio, ou seja, na reclamação da decisão que, na Relação, não admitira o recurso, não foi suscitada de forma minimamente adequada uma questão de inconstitucionalidade de natureza normativa, passível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade.
3º
Entendemos ainda que faltam outros pressupostos de admissibilidade dos recursos interpostos da decisão da Relação como, seguidamente, tentaremos demonstrar.
(…)
22.º
Perante tudo o que atrás se disse, parece-nos que, eventualmente com fundamentos diferentes, sempre a reclamação seria de indeferir».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto dos recursos interpostos dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto em 16 de Maio de 2012 e em 28 de Novembro de 2012, com fundamento na não verificação da exigência de definitividade de tais decisões, face ao disposto no artigo 70.º, n.º 2, da LTC. O reclamante sustenta, em suma, que «o requisito da definitividade reclamada no artigo 75.º, n.º 2, da LTC, tem de ser entendida por referência à ordem jurisdicional respetiva em que se insere». Não tem «qualquer relevância, para o efeito, a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional quer da decisão proferida no Acórdão da Relação do Porto de 28 de novembro de 2012, quer da decisão proferida nos autos de reclamação».
Face à argumentação do reclamante, importa notar, desde logo, que a decisão reclamada se suportou no artigo 70.º, n.º 2, da LTC, segundo o qual o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 cabe apenas de decisões que não admitam recurso ordinário, e não no artigo 75.º, n.º 2, da mesma lei, o qual versa sobre o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. A citação de Lopes do Rego e os acórdãos do Tribunal Constitucional reportam-se à tempestividade do recurso de constitucionalidade e não propriamente ao requisito da definitividade da decisão recorrida (exaustão de recursos), com o qual se «visa delimitar o acesso ao TC depois de a questão da constitucionalidade ter sido analisada dentro da hierarquia judicial» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Coimbra Editora, p. 996).
Sobre este requisito, aquele autor sustenta, louvando-se em jurisprudência deste Tribunal que «se as partes tiverem utilizado algum daqueles meios impugnatórios “normais” ou ordinários (reclamação para o Presidente do Tribunal Superior, reclamação para a conferência, suscitação de algum incidente pós-decisório) é manifesto que não podem, na pendência do procedimento que a ele se seguiu, impugnar perante o Tribunal Constitucional a decisão jurisdicional anteriormente proferida, já que esta deixou de constituir a decisão definitiva, a “a última palavra” da ordem jurisdicional respetiva sobre o litígio» (Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 115).
É o que sucede, manifestamente, nos presentes autos: o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de maio de 2012 deixou de constituir a decisão definitiva, porque foi arguida a nulidade desta decisão e interposto recurso de constitucionalidade da decisão que a indeferiu, além de o mesmo acórdão ter sido objeto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e de ter sido interposto recurso de constitucionalidade da decisão que confirmou a não admissão do recurso, com fundamento em irrecorribilidade; o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28 de novembro de 2012 também deixou de constituir a decisão definitiva, uma vez que foi interposto recurso de constitucionalidade da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que confirmou a não admissão do recurso interposto do acórdão de 16 de maio, sendo certo que o acórdão de novembro foi proferido no pressuposto de que o de maio era irrecorrível. Ora, é precisamente sobre a recorribilidade do acórdão de 16 de maio que incide o recurso de constitucionalidade interposto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de março de 2013.
Diferentemente do que supõe o reclamante, «a “a última palavra” da ordem jurisdicional respetiva sobre o litígio» poderá resultar de decisão de recurso de constitucionalidade que entretanto seja interposto, o que sucederá, como é o caso, quando seja interposto recurso de constitucionalidade de decisão de não admissão de recurso com fundamento em irrecorribilidade, tendo como objeto norma sobre a recorribilidade das decisões. No caso em apreço, um eventual juízo de inconstitucionalidade da norma que o Supremo Tribunal de Justiça aplicou como razão para decidir no sentido da irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de maio levaria a “uma outra palavra” da ordem jurisdicional respetiva sobre o litígio.
E o que acaba de ser dito, em nada colide com entendimento sufragado no Acórdão do Tribunal n.º 346/2013, invocado pelo reclamante. Nesta decisão afirma-se que, «em regra, a definitividade, pressuposta no n.º 2 do artigo 75.º da LTC, deverá ser entendida como reportada apenas à ordem jurisdicional em que se insere o tribunal que proferiu», mas admite-se que esta regra possa ser «afastada quando o recurso de constitucionalidade coloque em causa as normas relativas à irrecorribilidade».
É de concluir, pois, que não se pode dar como verificado o requisito da definitividade da decisão relativamente aos recursos interpostos dos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, o que leva à confirmação da decisão reclamada.
2. No que se refere ao recurso interposto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de março de 2013, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso com fundamento na não suscitação prévia e de forma adequada da questão de constitucionalidade que o recorrente reportou aos artigos 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, do Código de Processo Penal.
A argumentação do reclamante em nada contraria o decidido. Não demonstra que na reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça esteja identificada a interpretação normativa, reportada àqueles preceitos legais, cuja constitucionalidade pretendia questionar. De tal peça processual resulta somente o que, de seguida, se transcreve:
«A interpretação do art. 400º, nº 1, al. e) e do art. 432º do CPP feita na decisão em crise no sentido de considerar irrecorrível o recurso interposto pelos recorrentes consubstancia, pelos fundamentos expostos, uma dimensão interpretativa desconforme com a Constituição, por violação do art. 2º, 18º, nº 2, 20º,nº 1 e nº 4, 32º, nº 1, da CRP e das garantias de defesa dos arguidos e dos princípios do acesso ao direito, do direito ao recurso e a um duplo grau de jurisdição, da justiça, da razoabilidade e da proporcionalidade aí consagrados».
E isto é insuficiente para se dar como cumprido o ónus da suscitação prévia e de forma adequada de uma questão de inconstitucionalidade. De resto, o reclamante continua a não identificar tal interpretação normativa na presente reclamação. A argumentação centra-se na recorribilidade da decisão e na inconstitucionalidade da «interpretação dos arts. 401º, nº 1, al. e) e art. 432º do CPP no sentido de se considerar irrecorrível a decisão proferida», sem que esta interpretação seja identificada.
Diga-se, ainda, que a circunstância de o tribunal recorrido ter eventualmente apreciado a questão de constitucionalidade que o reclamante pretendeu suscitar não permite dar como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada. De acordo com o artigo 72.º, n.º 2, da LTC, só a suscitação de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de ele estar obrigado a dela conhecer, abre a via do recurso de constitucionalidade (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 96/2002, 308/2007 e 401/2007, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
É de concluir, pois, que não se pode dar como verificado um dos requisitos do recurso de constitucionalidade interposto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de março de 2013.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 15 de outubro de 2013.- Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.