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Processo n.º 917/12
Plenário
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente o Ministério Público, foi interposto recurso ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão daquele tribunal, com data de 8 de novembro de 2012.
No acórdão n.º 355/2013, de 27 de junho de 2013, a 1.ª Secção do Tribunal Constitucional decidiu “não julgar inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, dedutível do artigo 2.º da CRP, as normas dos artigos 11.º, n.ºs 4 e 6, e 15.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 42/2012, de 22 de fevereiro, na interpretação segundo a qual as alterações normativas consagradas se aplicam, sem previsão de regime transitório, a todos os alunos matriculados no ensino secundário recorrente”.
2. Notificados da decisão, A. e outros interpuseram recurso para o Plenário (fls. 984), ao abrigo do n.º 1, do artigo 79.º-D, da LTC, invocando contradição entre o dito aresto e os Acórdãos n.ºs 176/2012, 275/2012 e 277/2012 (todos da 2.ª secção), nos quais o Tribunal decidiu, por seu turno, “julgar inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, dedutível do artigo 2.º da Constituição, a norma do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de outubro, na redação dada pelo artigo 46.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de outubro, quando interpretada no sentido de exigir a estudante abrangido por este regime que obtenha as classificações mínimas fixadas pelos estabelecimentos de ensino superior para as provas de ingresso e para nota de candidatura no âmbito do regime geral de acesso, quando parte dessas provas foi realizada antes da mencionada alteração legislativa”.
3. O relator, em decisão de 10 de julho de 2013, não admitiu o recurso interposto, por não estarem verificados os respetivos pressupostos. Inconformados, os recorrentes apresentaram a reclamação para o Plenário que agora se aprecia (fls. 968), invocando, designadamente:
«(…)
“Não há margem para dúvidas que o Tribunal Constitucional decidiu em contradição com anteriores decisões, designadamente dos invocados acórdãos, desde logo por não ter curado da real situação dos então recorridos.
De factos, os ora reclamantes encontram-se ínsitos em 3 situações concretas, a saber:
a) eram então estudantes do ensino recorrente que tinham acabado de concluir o 12º ano de escolaridade no âmbito do ensino recorrente;
b) eram alunos que no ano transato à propositura da Intimação para a Proteção de Direitos Liberdades Garantias na génese deste processo eram já detentores da habilitação académica que lhes permitiu serem candidatos ao ensino superior;
c) dos autores referidos na alínea precedente alguns obtiveram colocação no ensino superior no ano anterior ao dos autos, embora em curso não correspondente com a sua preferência académica e profissional;
d) outros simplesmente não obtiveram colocação naquele ano tendo-se candidatado no ano dos autos;
e) finalmente, alguns dos candidatos são já detentores de uma licenciatura e candidataram-se ao ensino superior ao curso das suas preferências.
Ora, esta situação encontra de facto paralelismos nos acórdãos referidos e que a decisão sob mérito acabou por não reconhecer como tal o que implica se faça a correta leitura do que está decidido. Ou seja,
A decisão ora sob mérito do Tribunal Constitucional admite que, alunos que eram já detentores de habilitação académica para apresentarem a sua candidatura ao ensino superior e que, com aquela se candidataram uns, e obtiveram outros, que no ano letivo dos autos lhes seja retirada a habilitação académica que o ministério da Educação e as Universidades Portuguesas já haviam sancionado e reconhecido. Ora,
Tal desiderato é incompreensível num Estado de Direito. Admitir este princípio é de todo perigoso pois que nada impede o legislador de pela mesma via retirar os graus académicos a quem os tem e usa há inúmeros anos.
«(…)
Face ao que vai dito, formulam-se as seguintes:
IV – Conclusões
I. Independentemente do juízo efetuado no acórdão sindicado, o certo é que aquele não segue a jurisprudência do TC formada pelos acórdãos referidos supra. Assim,
II. Antes de mais, a aplicação da alteração legislativa, ínsita no DL 42/2012 e Portaria 91/2012 a alunos já inscritos no ensino recorrente viola a garantia de não retroatividade da lei restritiva de direitos fundamentais, prescrita no art. 18.º, n.º 2 da CRP.
III. A proibição de retroatividade dever-se-á considerar estendida aos casos de “retroatividade inautêntica” ou retrospetividade, cominando a interpretação com a mesma inconstitucionalidade.
IV. Uma tal intervenção retrospetiva do legislador será, sem qualquer dúvida, inconstitucional por violar o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito, consagrado no art. 2.º da Constituição.
V. A aplicação da alteração legislativa aos alunos já inscritos no curso científico-humanístico do ensino secundário recorrente implica, nas relações e situações jurídicas já antecedentemente constituídas, uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente.
VI. Os alunos constituíram situações jurídicas irreversíveis ao abrigo da legislação mantida, durante largos anos, pelo Estado, incorrendo, inclusivamente, em consideráveis despesas, com taxas, emolumentos e alteração de residência para prosseguimento de estudos. Mais do que estas despesas, comprometeram opções de vida, com a inscrição do ensino recorrente, que são agora reversíveis.
VII. Todas as situações descritas são verificadas nos acórdãos fundamento que o acórdão recorrido, estranhamente, não acolheu.
(…)»
4. O Ministério Público deste Tribunal emitiu parecer (fls. 994), considerando que “atendendo aos interesses em conflito, não repugna (…) que a questão de constitucionalidade, subjacente ao recurso de constitucionalidade em apreciação, seja submetida ao Plenário deste Tribunal, tendo em vista definir o atual sentir do mesmo Tribunal sobre esta questão”.
II. Fundamentação
5. Sendo o recurso interposto ao abrigo do n.º 1 do artigo 79.º-D, da LTC, necessário se mostra que se achem preenchidos um conjunto de pressupostos processuais, concretamente, que o Tribunal Constitucional haja julgado a questão de constitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adotado quanto à mesma norma, por qualquer das suas secções.
Não é isso que sucede in casu, porquanto não se verifica que ocorra divergência de julgados quanto à mesma norma, norma essa que, aliás, os recorrentes nem sequer identificaram aquando da interposição de recurso. Com efeito, no acórdão n.º 355/2013, da 1.ª secção, o juízo de não inconstitucionalidade proferido incidiu sobre artigos 11.º, n.ºs 4 e 6, e 15.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 42/2012, de 22 de fevereiro, que introduziram alterações no regime de avaliação e certificação dos cursos do ensino recorrente, ao passo que nos acórdãos n.ºs 176/2012, 275/2012 e 277/2012, da 2.ª secção, o objeto do juízo de inconstitucionalidade foi a norma do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de outubro, na redação dada pelo artigo 46.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de outubro, que veio produzir modificações significativas no regime especial de acesso ao ensino superior de que beneficiavam os praticantes desportivos de alta competição.
A circunstância de o juízo proferido pelo Tribunal, num e noutros arestos, se fundar no mesmo princípio constitucional – o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, dedutível do artigo 2.º da Constituição – não sendo irrelevante, é naturalmente insuficiente para fundar a admissibilidade de um recurso interposto ao abrigo do artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC. Tampouco releva o facto de os regimes jurídicos sindicados nos acórdãos citados haverem afetado as regras de acesso ao ensino superior por parte de um conjunto de alunos, não só porque o respetivo universo de aplicação não é o mesmo, mas também porque em jogo está um princípio altamente sensível a todos os elementos da hipótese ou previsão normativa objeto de apreciação, aos interesses em presença e ao seu peso abstrato e relativo na ponderação a efetuar.
III. Decisão
6. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelos reclamantes, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 30 de outubro de 2013.- José da Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral – Lino Rodrigues Ribeiro – Ana Guerra Martins – Pedro Machete – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Joaquim de Sousa Ribeiro.