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Processo n.º 323/13
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., e é recorrido o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Pela Decisão Sumária n.º 341/2013, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão, na parte que agora releva, tem a seguinte fundamentação:
“(…)7. São as seguintes as normas enunciadas pelo recorrente como objeto da apreciação de constitucionalidade pedida:
Norma do «art. 45.º, n.º 6 do CPP que determina que a decisão do Tribunal de Segunda Instância (Tribunal da Relação que in casu julga em Primeira Instância) seja irrecorrível, no seu confronto com os artigos 18º, 20º e 32º, nº 1 da CRP, uma vez que está expressamente consagrado em matéria penal o acesso ao duplo grau de jurisdição»;
A «interpretação do art. 432º, nº 1, al. a) do CPP que é dada no douto Acórdão recorrido (…) que considera que a decisão do Tribunal da Relação é dada em primeira via mas não consubstancia uma decisão proferida em primeira instância, entendimento que a proceder, colidiria com os arts. 20º e 32º, nº 1 da CRP (…) [e] igualmente com o art. 18º do mesmo diploma»;
Norma do «art. 45º do CPP na interpretação que lhe foi dada pelo douto Tribunal da Relação (…), que fazendo letra morta do princípio do aproveitamento dos atos processuais e dos arts. 13º, 18º, 20º e 32º da CRP, não remeteu, como era seu dever, o processo ao Tribunal de Primeira Instância para que o Juiz se pudesse pronunciar de moldes a instruir o processo»;
A «interpretação dada pelo douto Acórdão recorrido, que refere que o incidente de recusa de juiz é uma questão incidental relativamente a uma causa pendente, sendo que, tratando-se de uma decisão interlocutória, incidental e versando sobre questão processual avulsa, se encontra abrangida pela irrecorribilidade do art. 400º, nº 1, al. c) do CPP, porquanto, tal interpretação minimalista do incidente de recursa de juiz e consequentemente do art. 43º do CPP – (…) já que o que se questiona é a idoneidade/imparcialidade dos juiz que vai ditar a sentença -, [colide] com os arts. 13º, 18º, 20º e 32º da CRP.»
A «interpretação dada pelo douto Acórdão (…) ao art. 32º da CRP, ao restringir o âmbito da aplicação do mencionado artigo apenas às decisões condenatórias (…) padece de ilegalidade à luz das normas interpretativas consignadas no Código Civil e consequentemente viola o art. 203º da CRP (…) [e] contende diretamente com o art. 18º, nº 1 da CRP já que a decisão da Relação mantendo o Juiz da causa, após ter sido levantado o incidente de recusa, é de per si uma verdadeira condenação (…)»;
A «interpretação inconstitucionalizante – em colisão direta com os arts. 20º e 32º da CRP -, dada pelo doutro Acórdão à decisão da Relação ao considerar que aquele Tribunal tem condições para se pronunciar sobre o pedido de recusa, olvida (…) que neste caso o Tribunal da Relação julga em primeira instância e a CRP nos termos dos citados garante sempre a fiscalização por uma segunda instância (…)».
8. O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, sendo ainda indispensável que a norma cuja inconstitucionalidade se requer tenha constituído o fundamento normativo da decisão recorrida. Para além da exigência de objeto normativo, este tribunal tem entendido serem ainda requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a suscitação prévia da questão da constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido (artigo 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa (CRP), e artigo 72.º, n.º 2 da LTC) além do esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2 da LTC).
Cumpre, pois, analisar a verificação dos pressupostos de conhecimento do recurso de constitucionalidade relativamente a cada uma das referidas normas indicadas.
(a) Norma do «art. 45.º, n.º 6 do CPP que determina que a decisão do Tribunal de Segunda Instância (Tribunal da Relação que in casu julga em Primeira Instância) seja irrecorrível, no seu confronto com os artigos 18º, 20º e 32º, nº 1 da CRP, uma vez que está expressamente consagrado em matéria penal o acesso ao duplo grau de jurisdição»;
Para que ocorra uma suscitação processualmente adequada da questão da inconstitucionalidade é necessária a sua enunciação, de forma clara, expressa, direta e percetível, bem como a sua fundamentação, em termos minimamente concludentes, em ordem a permitir que o tribunal recorrido se pronuncie sobre a questão de inconstitucionalidade levantada.
O recorrente reconhece que não suscitou esta questão de constitucionalidade perante o tribunal a quo, justificando essa omissão pela inviabilidade processual de suscitação em momento anterior, uma vez que «a questão foi levantada no douto Acórdão do STJ de 21 de março de 2013».
Todavia, não deixou de questionar, no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), a irrecorribilidade do acórdão da Relação em matéria de recusa de juiz, classificando de “inconstitucionalizante” a interpretação do artigo 432.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal (CPP) que conclua pela referida irrecorribilidade.
Não se ignora que a suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo pode ser dispensada em determinados casos, mas estas são situações verdadeiramente excecionais baseadas na absoluta imprevisibilidade da aplicação de certo preceito, designadamente em certo sentido.
Ora, no caso em apreciação, a decisão recorrida, ao concluir pela irrecorribilidade da decisão do incidente de recusa de juiz proferida pelo Tribunal da Relação, ponderou e rebateu os fundamentos oferecidos pelo próprio recorrente em abono da tese da recorribilidade, pelo que não se vê como uma tal decisão poderia colher o recorrente de surpresa. É certo que o recorrente fundou a recorribilidade da decisão do incidente de recusa de juiz numa disposição legal – o artigo 432.º do Código de Processo Civil (CPC) - diferente do preceito contido no artigo 45.º do CPC. Uma avaliação prudente da situação exigia-lhe, todavia, que ponderasse as disposições legais especialmente previstas no caso.
Em conformidade, e independentemente da falta de verificação de outros pressupostos de conhecimento do recurso, inevitável será concluir pela falta de verificação do requisito da suscitação prévia desta questão de constitucionalidade.
(b) A «interpretação do art. 432º, nº 1, al. a) do CPP que é dada no douto Acórdão recorrido (…) que considera que a decisão do Tribunal da Relação é dada em primeira via mas não consubstancia uma decisão proferida em primeira instância, entendimento que a proceder, colidiria com os arts. 20º e 32º, nº 1 da CRP (…) [e] igualmente com o art. 18º do mesmo diploma»;
O recorrente indica que suscitou esta questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, designadamente nas conclusões de recurso n.º 4 e 5.
Nas referidas conclusões limita-se, porém, a referir:
“4. E os artigos da Constituição, mais concretamente o art. 32º, nº 1 que expressamente prevê o direito ao recurso como uma das garantias de defesa do Arguido; o art. 20º que garante igualmente o acesso aos direito e aos tribunais a todos os cidadãos para salvaguarda dos seus direitos e interesses constitucionalmente consagrados e, o art. 18º que determina que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades publicas e privadas, só podendo os mesmos ser restringidos nos termos das Constituição e ainda assim para salvaguarda de outros direitos ou interesses legalmente protegidos 8nos termos do nº 2 do citado artigo).
5. Em conclusão consideramos que, em face do dispositivo constitucional o presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça é admissível nos termos do art. 432º, nº 1, al. a) do CPP, sob pena de ao não ser aceite estarmos perante uma interpretação inconstitucionalizante deste artigo, já que contende com os artigos 18º; 20º e 32º da CRP.”
Ora, como decorre das conclusões transcritas, o recorrente não invocou qualquer inconstitucionalidade normativa referente ao preceito indicado, perante o tribunal de recurso, limitando-se a afirmar a necessidade de ser admitido o recurso que interpunha, sob pena de “interpretação inconstitucionalizante” do artigo 432.º, n.º 1, alínea a) do CPC. Ora, uma tal alegação não constitui suscitação adequada de uma questão de constitucionalidade, não apresentando, desde logo, a necessária densificação normativa, pelo que, e independentemente da falta de verificação de outros pressupostos de conhecimento do recurso, também não é possível conhecer desta questão.
(c) Norma do «art. 45º do CPP na interpretação que lhe foi dada pelo douto Tribunal da Relação (…), que fazendo letra morta do princípio do aproveitamento dos atos processuais e dos arts. 13º, 18º, 20º e 32º da CRP, não remeteu, como era seu dever, o processo ao Tribunal de Primeira Instância para que o Juiz se pudesse pronunciar de moldes a instruir o processo»;
Neste caso, o recorrente pretende impugnar o próprio teor da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Nos presentes autos, a decisão recorrida é, todavia, o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, que se limitou a conhecer da questão da inadmissibilidade do recurso, e onde a questão aqui colocada não foi, portanto, apreciada. Assim, inadmissível se afigura, desde logo, o seu conhecimento neste recurso.
(d) A «interpretação dada pelo douto Acórdão recorrido, que refere que o incidente de recusa de juiz é uma questão incidental relativamente a uma causa pendente, sendo que, tratando-se de uma decisão interlocutória, incidental e versando sobre questão processual avulsa, se encontra abrangida pela irrecorribilidade do art. 400º, nº 1, al. c) do CPP, porquanto, tal interpretação minimalista do incidente de recursa de juiz e consequentemente do art. 43º do CPP – (…) já que o que se questiona é a idoneidade/imparcialidade dos juiz que vai ditar a sentença -, [colide] com os arts. 13º, 18º, 20º e 32º da CRP»
No que respeita a esta questão aplicam-se as considerações acima expressas a propósito da apreciação da primeira questão de constitucionalidade suscitada [a questão (a)]. Com efeito, também neste caso, o recorrente omitiu a suscitação, perante o tribunal recorrido, da questão de constitucionalidade que agora pretende ver apreciada, sendo certo que o podia e devia ter feito, nada tendo de surpreendente a decisão proferida no âmbito de um recurso que visava reagir contra a decisão proferida no incidente de recusa de juiz, e no âmbito do qual o recorrente não deixou de questionar, também, a irrecorribilidade do acórdão da Relação proferido naquela matéria.
(e) A «interpretação dada pelo douto Acórdão (…) ao art. 32º da CRP, ao restringir o âmbito da aplicação do mencionado artigo apenas às decisões condenatórias (…) padece de ilegalidade à luz das normas interpretativas consignadas no Código Civil e consequentemente viola o art. 203º da CRP (…) [e] contende diretamente com o art. 18º, nº 1 da CRP já que a decisão da Relação mantendo o Juiz da causa, após ter sido levantado o incidente de recusa, é de per si uma verdadeira condenação (…)»;
Com a formulação apresentada, o recorrente limita-se a questionar a interpretação dada pelo acórdão recorrido a um artigo da Constituição, pelo que, nesta parte, e independentemente da falta de verificação de outros pressupostos de conhecimento do recurso, este não apresenta objeto idóneo, porquanto inexiste indicação de uma “norma” reportada a determinado preceito legal nos termos previstos no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC.
(f) A «interpretação inconstitucionalizante – em colisão direta com os arts. 20º e 32º da CRP -, dada pelo doutro Acórdão à decisão da Relação ao considerar que aquele Tribunal tem condições para se pronunciar sobre o pedido de recusa, olvida (…) que neste caso o Tribunal da Relação julga em primeira instância e a CRP nos termos dos citados garante sempre a fiscalização por uma segunda instância (…)».
Neste último pedido, o recorrente volta a imputar à própria decisão a violação dos princípios constitucionais decorrentes dos artigos 20.º e 32.º da CRP, e não a qualquer norma com vocação de aplicação a outros casos, i.e., com caráter de generalidade e abstração. Mais uma vez, inexiste, pois, objeto normativo nesta questão, o que inviabiliza o seu conhecimento num recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC.
Resta, então, decidir em conformidade, não se cumprindo os requisitos legais para a admissão do recurso acima identificados.”
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, sustentando a reclamação essencialmente nos seguintes fundamentos:
“Sobre a alínea a) da fundamentação do douto Acórdão, é referido que “o Recorrente reconhece que não suscitou esta questão perante o tribunal a quo, justificando essa omissão pela inviabilidade processual de suscitação, em momento anterior, uma vez que a questão foi levantada no douto Acórdão do STJ de 21 de março de 2013” (pág. 4 do Acórdão).
Ora, o Recorrente não diz isso, o que diz é que “pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade material, e apenas nesta fase porquanto não era processualmente viável fazê-lo antes, já que a questão foi levantada no douto Acórdão do STJ de 21 de março de 2013”.
Salvo melhor opinião, não tem razão a douta decisão sumária quando refere que o Recorrente tinha obrigação de “adivinhar” ou de “intuir” que a decisão recorrida, ao concluir pela irrecorribilidade, ponderou e rebateu os fundamentos oferecidos pelo próprio Recorrente,
E menos tinha obrigação de descortinar a fundamentação dada pelo STJ quando, ainda por cima, a fundamentação legal se alicerça numa e noutra circunstância em normativos de diplomas diferentes, pelo que, no domínio estrito da materialidade subjacente ao Recurso para o Tribunal Constitucional, continuamos a reiterar que consideramos não ser viável para o Recorrente ter colocado a quest5o previamente, porquanto a mesma apenas se tornou óbvia e pertinente após o Acórdão do STJ.
Sobre a alínea b) da fundamentação, no douto Acórdão são transcritos os pontos 4 e 5 das conclusões do Recorrente no recurso para o STJ, para se dizer que o Recorrente “se limitou a afirmar a necessidade de ser admitido o recurso que interpunha, sob pena de ‘interpretação inconstitucionalizante’ do art. 432.º, n.º 1, alínea a) do CPC”.
Concluindo o douto Acórdão que, “Ora uma tal alegação não constitui suscitação adequada de uma questão de constitucionalidade, não apresentando, desde logo, a necessária densificação normativa”.
Todavia, o que diz a Lei do TC, na al. b) do n.º 1 do seu art. 70.º, é que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais: “que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
Portanto, na Lei do TC não se descortinam termos como “suscitação adequada” ou “densificação normativa”, que nos aparecem como requisitos posteriores agora impostos e que o Recorrente não conhece nem tem de conhecer, porquanto os mesmos não constam do dispositivo legal.
Pode-se, portanto, legitimamente questionar o que entende o Tribunal Constitucional por “suscitação adequada”, no sentido de que os cidadãos possam organizar a sua defesa com o conhecimento prévio dos conceitos utilizados e que são objeto de interpretação para além do que a lei impõe.
Na verdade, o Recorrente, ao referir “sob pena de interpretação ‘inconstitucionalizante’”, está evidentemente a suscitar a questão de inconstitucionalidade, suscitar não é mais do que isso mesmo.
Por outro lado, torna-se igualmente necessário que o Tribunal Constitucional esclareça o que entende por “necessária densificação normativa”.
Isto porque a fase processual em que o Recorrente se encontra é a do requerimento de interposição de recurso, nos termos do art. 75.º-A, n.º 1, da LTC, que estipula o seguinte: “O recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a alínea do n.º 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie”.
O requerimento de interposição de recurso não se confunde, assim, com o recurso!
E o que a lei obriga é a indicar apenas aspetos formais no mesmo, como qual a alínea do art. 70.º e a norma cuja interpretação inconstitucional ou ilegal se pretende que o Tribunal aprecie.
As alegações de recurso são apresentadas posteriormente, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 79.º da LTC, depois de o referido requerimento ser aceite.
Por conseguinte, e em face do exposto, tendo em linha de conta que de um mero requerimento enunciativo se trata nesta fase, como se explica a “exigência”, como o faz a decisão sumária, da observância de um novo critério/requisito de admissibilidade de recurso, o da “necessária densificação normativa”?
O que se conhece, em termos de jurisprudência, nada acrescenta quanto a esse conceito de “necessária densificação normativa”, já que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 21/13, 2.ª Secção, postula:
“O artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), nos seus n.ºs 1 a 4, define os requisitos formais do requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade. Assim, seja qual for o tipo de recurso interposto, deve o Recorrente indicar obrigatoriamente a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto, assim como a norma ou interpretação normativa que constitui objeto de tal recurso e cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende fazer sindicar pelo Tribunal Constitucional (n.º 1). Para além destas duas especificações genéricas, carece ainda o Recorrente, nos recursos fundados nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de indicar a norma ou princípio constitucional ou legal que considera violado pela norma ou interpretação normativa que integra o objeto do recurso, bem como a peça processual em que o Recorrente suscitou, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade (n.º 2) e, nos recursos fundados nas alíneas g), h) e i), segunda parte, do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de identificar a decisão do Tribunal Constitucional ou da Comissão Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional, ilegal ou colidente com o direito internacional convencional a norma aplicada na decisão recorrida (n.ºs 3 e 4). Para além destes requisitos formais, recai ainda sobre o Recorrente o ónus de identificar a decisão que pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional. A jurisprudência do Tribunal Constitucional vem entendendo, de modo uniforme e reiterado, que a indicação dos elementos a que se referem os n.ºs 1 a 4 do artigo 75.-A da LTC constitui requisito formal de apreciação do recurso e não simples e mero cumprimento de um dever de cooperação do Recorrente para com o Tribunal (cfr., v.g., Acórdão n.º 121/98, disponível em www.tribunaIconstitucjonal.pt.”.
Assim sendo, e uma vez que o requerimento de interposição de recurso foi feito no âmbito das alíneas a) e b) do art. 70.º da LTC, coloca-se a questão de saber se o Recorrente cumpriu ou não a obrigação que lhe era imposto por Lei a de “indicar a norma ou princípio constitucional ou legal que considera violado pela norma ou interpretação normativa que integra o objeto do recurso, bem como a peça processual em que o Recorrente suscitou, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade (n.º 2)”.
Ora o Recorrente indicou, com toda a evidência, que os artigos 18.º, 20.º e 32.º da CRP foram violados pela decisão do Tribunal da Relação, decorrente da interpretação feita pelo mesmo Tribunal à norma constante do art. 432.º, n.º al. a) do CPC (cfr. citação feita pelo douto Acórdão ao ponto 5 das conclusões do recurso do Recorrente para o STJ, pág 6 do douto Acórdão do TC),
Portanto, cumpriu no requerimento de interposição de recurso com o que a Lei do TC impõe como requisitos, não se concordando, em face do exposto e, salvo melhor opinião, com a douta decisão do douto Acórdão, também nesta alínea da fundamentação.
Quanto à alínea c), e contrariamente ao que refere a douta decisão sumária, na pág. 6, 3.º parágrafo, o Recorrente não pretendeu impugnar o “teor da decisão” proferida pela Tribunal da Relação de Lisboa, - quando decidiu não enviar o requerimento de recusa de juiz, em obediência ao princípio do aproveitamento dos atos processuais, para o Tribunal de primeira instância, a quo, por forma a que o Juiz da causa, cuja recusa de suscitava, pudesse instruir o processo e dessa forma prosseguir com o requerido - ,
O Recorrente considerou que, em face do dispositivo legal atinente à interposição do requerimento de recusa do Juiz, que não é claro, da sensibilidade das matérias em questão, -porquanto nos encontramos no domínio penal (sendo que, ver um processo apreciado por um Juiz cuja imparcialidade se questiona e fundamenta é em si mesmo uma condenação) - e em face dos princípios mais basilares do ordenamento jurídico se impunha o aproveitamento do ato processual tendo o Tribunal da Relação a obrigação de o remeter para o Tribunal adequado.
O que, aliás, é uma regra normal de processo, utilizada à saciedade, desde que os atos sejam praticados tempestivamente, pelo que não descortina o Recorrente, diga-se mais uma vez, em face da sensibilidade que todos os assuntos que contendem com os direitos liberdades e garantias que são de aplicação imediata e direta (art. 18.º da CRP), como não foi seguida essa praxis pelo Tribunal da Relação de Lisboa!
“Não obstante, no douto Acórdão do STJ de 14.12.05 (processo n.º 04S4452) in www.dgsi.pt, entendeu-se que embora a nulidade (processual) arguida nas alegações de recurso de apelação não o seja na forma devida, o erro na forma processual usada não invalida, em princípio, o ato processual que se quis praticar, desde que o mesmo possa ser aproveitado, o que está de harmonia com o princípio da economia processual, de que se extrai uma regra de máximo aproveitamento dos atos processuais, que aflora, mormente, nos artigos 199º; 201º e 687º, nº 3 todos do Código de Processo Civil e havendo, em consequência, considerado que deveria ser determinada a remessa dos autos ao tribunal de primeira instância para que aí se apreciasse da nulidade. Tais considerações, embora tecidas a propósitos de uma outra nulidade processual (relativa a gravação de audiência de julgamento) são transponíveis para o caso em apreço, sendo certo que, neste, a nulidade da falta de citação, arguida nas alegações de recurso, o foi atempadamente.”.
Mas mais, o facto de o Tribunal da Relação não ter obrigatoriamente remetido, como se impunha, o requerimento aqui em crise para a primeira instância, em face, como se disse, da prática dos Tribunais e do art. 18º da CRP, que determina que os direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam entidades publicas e privadas, praticou uma nulidade suscetível de influir no exame da causa!
E as nulidades são passíveis de ser invocadas a todo o tempo perante todas as instâncias, mesmo perante o Tribunal Constitucional, já que um ato nulo é um ato inquinado que repugna ao ordenamento devendo, por isso, todos os seus efeitos ser destruídos retroativamente até ao momento da sua prática.
E mais, é um ato nulo que, como se disse, contende com o art. 13º da CRP, já que, promove um tratamento desigual da mesma questão, como se prova pela prática exercida pelos Tribunais do princípio do aproveitamento dos atos processuais.
O que determina, obrigatoriamente, que o Tribunal Constitucional se debruce sobre a questão, nesta dupla vertente.
Donde, ainda que o STJ, mercê de artefatos jurídicos que em nada abonam a favor do que se considera justiça material, se tenha escusado a apreciar a questão, não pode a mesma ser ignorada pelo Tribunal Constitucional porquanto, como se disse,
Para além do ato praticado pelo Tribunal da Relação - de não remissão do requerimento para a primeira instância - ser nulo, vai bulir diretamente com preceitos constitucionais, a saber: arts. 13º, 18º e 20º, todos da CRP.
Acresce que a lei não estipula que, para o Recorrente pedir a apreciação de uma questão de constitucionalidade, o Tribunal recorrido (in casu o STJ) tenha necessariamente de a apreciar, mas tão-só terá o Recorrente de a suscitar durante o processo, como se viu antes, pelo que, mais uma vez não colhe a argumentação da douta decisão sumária.
Ora o Recorrente suscitou-a nas alegações de recurso para o STJ, designadamente no ponto 9 das respetivas conclusões.
Assim sendo, não pode o Recorrente concordar com a decisão do douto Acórdão de determinar ser inadmissível o seu “conhecimento neste recurso” (sublinhado nosso), tal como está, ipsis verbis, escrito no Acórdão do Tribunal Constitucional (pág. 7).
Este lapso de língua demonstra bem o que já anteriormente referimos, ou seja, há uma tendência, quanto a nós “muito para além da letra e do espírito” da Lei do Tribunal Constitucional, de pretender “transformar” o requerimento de interposição de recurso no próprio recurso, fazendo-se tábua rasa do procedimento processual que continua em vigor, pela Lei do TC, qual seja, o de haver uma fase processual após a admissão do requerimento de interposição de recurso, essa sim, a que o legislador estipulou ser, natural e logicamente, a da “necessária densificação normativa e da suscitação adequada”.
4. Notificado da reclamação, o recorrido respondeu, concluindo pela improcedência da mesma.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. O recorrente enunciou seis questões de constitucionalidade no recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional. Como resulta do acima exposto, foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso com fundamento na falta de suscitação prévia da primeira, segunda e quarta questões de constitucionalidade suscitadas, e com fundamento na inidoneidade do objeto do recurso quanto à quinta e sexta questões de constitucionalidade formuladas no recurso. No que respeita à terceira questão suscitada a razão do não conhecimento do recurso residiu na não apreciação, pelo tribunal recorrido, da “norma” enunciada pelo recorrente.
Na reclamação que ora apresenta o reclamante considera, em primeiro lugar, que se impunha o convite ao aperfeiçoamento nos termos do artigo 75.º-A, n.º 5 da LTC.
Ora, como resulta do que adiante se dirá em sede de apreciação dos fundamentos invocados para a reclamação, os vícios que fundaram o não conhecimento do recurso não eram suscetíveis de correção. A formulação do convite ao aperfeiçoamento, nos termos do artigo 75.º-A da LTC, apenas pode ter lugar para suprir a omissão de elementos formais do requerimento de interposição de recurso. Não serve para suprir a verificação da falta de pressupostos de conhecimento do recurso. Pelo que improcede, nesta parte, a reclamação.
No mais, o reclamante procura contrariar a decisão de não conhecimento do recurso na parte respeitante à primeira, segunda e terceiras questões de constitucionalidade suscitadas.
6. Como decorre da reclamação apresentada, em concreto, para contrariar o decidido no que respeita à primeira questão de constitucionalidade suscitada, e cujo conhecimento foi rejeitado por falta de suscitação prévia adequada, o reclamante reitera «não ser viável para o Recorrente ter colocado a questão previamente, porquanto a mesma apenas se tornou óbvia e pertinente após o Acórdão do STJ».
Não tem razão.
A decisão recorrida apreciou e rebateu os fundamentos oferecidos pelo recorrente em abono da tese da recorribilidade da decisão do incidente de recusa de juiz proferida pelo Tribunal da Relação, concluindo pela improcedência dos mesmos. A circunstância de o recorrente ter sustentado a recorribilidade da decisão do incidente de recusa de juiz no artigo 432.º do Código de Processo Civil, e não no artigo 45.º do Código de Processo Penal (CPP) (norma expressamente prevista para o caso e na qual o tribunal recorrido fundamentou a decisão), em nada altera a possibilidade de previsão da decisão. Como se refere na decisão sumária, ora reclamada, a prudente análise da situação não dispensava a ponderação das disposições legais especialmente previstas no caso.
7. No que respeita à segunda questão de inconstitucionalidade invocada, sustenta o reclamante tê-la suscitado, durante o processo como previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC, não prevendo a lei o requisito da “suscitação adequada” a que alude a decisão reclamada. Reitera, assim, ter suscitado devidamente a questão de inconstitucionalidade em apreço, por violação dos artigos 18.º, 20.º e 32.º da CRP, reclamando que o requerimento de recurso apresenta os elementos necessários à apreciação do pedido, sendo que só na fase das alegações tem lugar a desenvolvida fundamentação do mesmo.
Acontece que, perante o tribunal recorrido o recorrente se limitou a sustentar a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão do Tribunal da Relação que conhece do incidente de recusa de juiz, «sob pena de ao não ser aceite estarmos perante uma interpretação inconstitucionalizante» do artigo 432.º, n.º 1, alínea a) do CPP, por violação dos artigos acima indicados da Constituição. Uma tal formulação não configura forma adequada de suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa, como tem sido jurisprudência constante do Tribunal Constitucional.
Com efeito, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (ao abrigo da qual foi interposto o recurso), cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Para que o Tribunal Constitucional conheça de um pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade é, portanto, necessário que em fase anterior à do requerimento de recurso para este Tribunal, no decurso do processo, o recorrente tenha identificado expressamente a questão de inconstitucionalidade, de forma expressa, direta e clara de modo a criar para o tribunal a quo o dever de pronúncia sobre a precisa norma em causa. Como tem sido entendimento uniforme do Tribunal Constitucional, a identificação da inconstitucionalidade deve ser feita em termos de o Tribunal «a poder enunciar na decisão, de modo a que os respetivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada em tal sentido» (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 367/94, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt).
Acresce que «a configuração do ónus da suscitação procedimentalmente adequada como respeitante ao pressuposto “legitimidade” suporta a conclusão segundo a qual não se verificam os pressupostos do recurso tipificados na alínea b) quando – apesar da omissão ou da suscitação deficiente do interessado – o tribunal “a quo” se aperceba da questão de constitucionalidade substancialmente em causa e a aborde, para a considerar improcedente (cfr., v.g., Acórdãos n.ºs 96/02 e 156/08)» (Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, p. 182, onde se indica ainda no mesmo sentido o Acórdão n.º 710/04).
Ora, o recorrente manifestamente não cumpriu o ónus de suscitação prévia adequada da questão de constitucionalidade que pretende ver sindicada pelo Tribunal Constitucional, como decorre do acima já exposto. Ao recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, limitou-se a refutar a conformidade com a Constituição de uma eventual decisão que não lhe admitisse o recurso, e não de qualquer norma que a decisão recorrida pudesse vir a aplicar como razão de assim decidir. Desta forma, não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, incumprindo o ónus da suscitação prévia e de forma adequada de uma questão de constitucionalidade.
8. Finalmente, para contrariar o decidido no que respeita à terceira questão suscitada, referindo que «não pretendeu impugnar o “teor da decisão” proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa», o reclamante limita-se a reiterar toda a argumentação anteriormente expendida nos autos através da qual procura demonstrar a nulidade cometida pelo Tribunal da Relação ao não ter remetido o requerimento de recusa de juiz para apreciação na primeira instância.
Ora, como é manifesto, uma tal alegação em nada contraria a decisão sumária de não conhecimento desta questão, designadamente por a decisão recorrida não a ter apreciado.
9. E sendo assim, impõe-se confirmar a decisão de não conhecimento do recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 22 de outubro de 2013. – Maria de Fátima Mata-Mouros - Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.