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Processo n.º 423/2012
 
 1.ª Secção
 
 
 Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 
  
 
 
 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 
  
 
 
 
  
 
 
 I – Relatório
 
 
 
  
 
 
 
 1.  O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da Lei de Organização Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional do acórdão daquele Tribunal, proferido em 10.05.2012, por nele ter sido recusada, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 30.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, a norma do n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho (2009).
 
 
 
  
 
 
 
 2.  Os presentes autos foram instaurados como processo de contraordenação, nos quais veio a ser proferida, pela Autoridade para as Condições do Trabalho, decisão que condenou “A., Lda.” a pagar a coima de € 1 800,00, e, bem assim, determinou B., na qualidade de seu representante legal, como responsável solidário com aquela pelo pagamento da coima aplicada.
 
 
 Notificados da referida decisão, ambos vieram impugná-la, dela interpondo recurso para o 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Viseu.
 
 
 Por decisão datada de 30.11.2011, foi o recurso julgado improcedente e, em consequência, mantida a decisão de condenação proferida pela autoridade administrativa.
 
 
 De novo inconformados com tal decisão, os aí recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo apresentado as respetivas alegações em que pediram a alteração do decidido.
 
 
 O Ministério Público, junto do Tribunal do Trabalho de Viseu, apresentou a sua resposta a tais alegações na qual concluiu, em essência e síntese, pela improcedência de tais recursos.
 
 
 Por acórdão proferido em 10.05.2012, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu absolver o representante legal B. como responsável solidário pelo pagamento da coima, em tudo o mais confirmando a sentença impugnada.
 
 
 Ao fazê-lo, recusou a aplicação ao caso da norma do n.º 3 do artigo 551.º do Código de Trabalho (2009), com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 30.º, n.º 3 da CRP.
 
 
 Na sua fundamentação, glosando a pertinente jurisprudência do Tribunal Constitucional, o acórdão considerou que a norma em questão consagra a possibilidade da transmissão da responsabilidade contraordenacional, que seria equiparável à responsabilidade penal, o que não seria permitido pela Constituição, equivalendo à punição dos administradores, gerentes ou diretores em termos de responsabilidade objetiva, ou seja, sem necessidade da verificação da imputação subjetiva a título de culpa.
 
 
 
 É desse acórdão que se mostra interposto o presente recurso de constitucionalidade.
 
 
 
  
 
 
 
 3.  No despacho que determinou a produção de alegações, a Relatora delimitou o objeto do recurso, consistindo este na apreciação da constitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho de 2009, que determina a responsabilidade solidária do representante legal da pessoa coletiva pelo pagamento da coima a esta aplicada.
 
 
 
  
 
 
 
 4.  O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional apresentou alegações em que conclui da seguinte forma:
 
 
 
 «…
 
 
 
 1. Diferentemente do que ocorre com o artigo 7.º-A do RGIFNA e artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RGIT, não se vislumbra no n.º 3 do artigo 551º do Código do Trabalho de 2009, que a responsabilidade solidária pelo pagamento da coimas, decorra de uma qualquer conduta própria e autónoma relativamente àquela que levou à aplicação da sanção à pessoa coletiva.
 
 
 
 2. Na graduação da coima aplicada à pessoa coletiva, foram tidos em atenção, exclusivamente, os critérios que a ela diziam respeito e nenhuma circunstância que dissesse respeito ao administrador.
 
 
 
 3. Assim, a norma do n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho de 2009, que estabelece, quanto ao sujeito responsável por contraordenação laboral, que, se o infrator for pessoa coletiva ou equiparada, respondem pelo pagamento da coima, solidariamente com aquela, os respetivos administradores, gerentes ou diretores, é inconstitucional, por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade.
 
 
 
 4. Termos em que deve negar-se provimento ao recurso
 
 
 
 …».
 
 
 
  
 
 
 
 5.  Os recorridos não apresentaram contra-alegações.
 
 
 
  
 
 
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
 
 
  
 
 
 II – Fundamentação
 
 
 
  
 
 
 
 6.  A questão que constitui objeto do presente recurso foi recentemente apreciada pelo Acórdão n.º 180/2014, da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional, que decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 551.º, n.º 3, do Código do Trabalho, no ponto em que determina a responsabilidade solidária dos administradores, gerentes ou diretores pelo pagamento da coima devida por contraordenação laboral em que tenha incorrido a pessoa coletiva ou equiparada e, posteriormente, também pelos Acórdãos n.os 201/2014 e 207/2014, desta 1.ª Secção, que decidiram no mesmo sentido.
 
 
 A fundamentação em que se basearam estes dois últimos arestos assentou, em síntese, nos seguintes argumentos essenciais:
 
 
 Em primeiro lugar, entendeu-se que a controvérsia sobre a natureza (civil ou contraordenacional) da responsabilidade em causa – por muita importância que possa ter no plano do direito infraconstitucional – não é determinante para efeitos do juízo sobre a conformidade constitucional da norma em apreciação. Isto porque, ainda que se desse por assente que a responsabilidade aí prevista é de natureza contraordenacional, tal não implicaria, só por si, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 551º, do Código do Trabalho (2009).
 
 
 A esse propósito, os acórdãos acima referidos vieram clarificar que não decorre de todo em todo da jurisprudência constitucional o entendimento segundo o qual aí onde houver responsabilidade contraordenacional haverá violação da Constituição, designadamente no que se refere ao princípio da proibição de transmissão da responsabilidade penal (artigo 30.º, n.º 3).
 
 
 O que em tal entendimento vai implicado é que o núcleo da fundamentação do juízo – seja este de não inconstitucionalidade ou de inconstitucionalidade – há de estar, não no direito infraconstitucional (in casu, na natureza da responsabilidade), mas na Constituição.
 
 
 Assim, e (re)centrando a discussão no plano jurídico-constitucional, afirmou-se que a Constituição, ao determinar, no n.º 3 do artigo 30.º, que «[a] responsabilidade penal é insuscetível de transmissão», vem estabelecer um princípio (e não uma regra). Isto porque a resolução de qualquer questão de constitucionalidade não pode ficar dependente de uma leitura isolada de um determinado preceito constitucional – in casu, o artigo 30.º, n.º 3 –, antes se impondo uma interpretação integrada da Constituição enquanto sistema normativo unitário.
 
 
 Entendeu-se, aliás, que a caracterização da norma em questão como princípio é determinante para a correta resolução da questão de constitucionalidade. É que uma das características dos princípios é a sua capacidade de acomodação ou de adaptação face a outros que com eles conflituam.
 
 
 Ora, face às obrigações impendentes sobre o legislador de observância dos princípios constitucionais com relevo em matéria penal também no domínio das contraordenações, por um lado, e aquelas que se extraem do artigo 59.º, n.º 1, alínea c), por outro, entendeu-se que a norma sub judicio realiza um equilíbrio constitucionalmente admissível.
 
 
 Com efeito, no domínio contraordenacional, em que é de reconhecer um maior poder de conformação do legislador, não pode deixar de concluir-se pela admissibilidade constitucional de um sensível equilíbrio, realizado a nível legislativo, entre princípios constitucionais com relevo em matéria penal, por um lado, e a observância de deveres estaduais de proteção ou de prestação de normas, impendentes sobre o legislador ordinário, destinados a proteger bens jusfundamentais face a potenciais agressões provindas de terceiros, que se extraem do artigo 59.º da Constituição.
 
 
 
  
 
 
 
 7.  É em aplicação de tal entendimento que se  não profere, para o presente caso, juízo de inconstitucionalidade. 
 
 
 
  
 
 
 
  
 
 
 III – Decisão
 
 
 
  
 
 
 Nestes termos, decide-se:
 
 
 
  
 
 
 a)    Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho (2009), na medida em que determina a responsabilidade solidária do representante legal da pessoa coletiva pelo pagamento da coima a esta aplicada;
 
 
 b)    Conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o agora decidido quanto à questão de constitucionalidade.
 
 
 
  
 
 
 Sem custas.
 
 
 
  
 
 
 
                    Lisboa, 6 de maio 2014. – Maria Lúcia Amaral – Maria de Fátima Mata-Mouros (com a reserva constante da declaração de voto aposta ao Ac nº 201/14) – João Caupers – José da Cunha Barbosa (vencido nos termos da declaração de voto aposta no Acórdão nº 201/2014) – Joaquim de Sousa Ribeiro (com a reserva, quanto à fundamentação expressa em declaração aposta ao Acórdão nº 201/2014).