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Proc. nº 41/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A. e mulher (ora recorrentes), propuseram acção contra a C. (ora recorrida), em que pediam a condenação da Ré a: (a) elevar o muro com 85 m de cumprimento identificado na petição inicial em cerca de 1 m e colocar rede com 30 cm repondo a situação anterior ou custear a referida obra; (b) asfaltar o acesso à passagem superior n.º 4 (Ps4) contíguo à casa de morada dos AA; (c) colocar barreiras contra o ruído no sublanço Malveira/Torres Vedras, do lado Oeste, junto ao restabelecimento n.º 4; (d) pagar aos autores, nos termos do art. 556º do CC, a título de indemnização por danos não patrimoniais uma quantia não inferior a
1.000.000$00, acrescida de juros legais calculados desde 24/4/96.
2. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Mafra, de 26 de Março de 2001, foi a Ré condenada a colocar barreiras acústicas no sublanço Malveira/Torres Vedras, junto ao restabelecimento nº 4, por forma a reduzir os níveis de poluição sonora decorrentes da auto-estrada, e absolvida dos restantes pedidos.
3. Inconformada com o assim decidido a C. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 19 de Março de 2002, julgou o recurso improcedente.
4. Novamente inconformada a C. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 26 de Novembro de 2002, julgou a revista procedente e, em consequência, revogou a decisão recorrida e absolveu a C. do pedido de colocar as referidas barreiras acústicas.
5. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 70º da LTC, o presente recurso de constitucionalidade, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
“A. e B., Autores e Recorridos nos autos à margem referenciados em que é Ré e Recorrente a C., notificados do douto acórdão proferido por esse alto Tribunal, e não se conformando com o mesmo, vêm dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 70º e seguintes da Lei Orgânica sobre Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei nº
85/89 de 7 de Setembro, pela Lei 88/95 de 1 de Setembro, e pela Lei 13-A/98 de
26 de Fevereiro, o que fazem ao abrigo, nomeadamente, da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º. O douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em recurso, merece censura ao reconhecer expressamente que deriva para os autores, ora recorrentes “(...) uma situação de ruído intolerável ...” e que se verificam níveis de ruído superiores ao limite legal, atento aos índices de poluição sonora constantes do Regulamento Geral do Ruído (... “a circulação de veículos automóveis no sub-lanço Malveira/Torres Vedras, concretamente no local onde se situa a casa dos autores, produz constante ruído sentido quer no exterior quer no interior dessa residência, causando a estes incómodo e mau estar...”), pois que assim interpreta e aplica, no caso concreto, de modo inconstitucional, o art. 20º do DL 251/87, de 24 de Junho – Regulamento Geral do Ruído – e o art. 15º e o nº 3 do art. 4º do DL 292/00 de 14 de Novembro, diploma que substituiu aquele. Com efeito, a interpretação e aplicação das referidas disposições dada pelo Supremo Tribunal de Justiça, viola os preceitos da Constituição da República Portuguesa exaustivamente invocados pelos ora Recorrentes nas alegações apresentadas junto do Tribunal que proferiu a decisão recorrida. São eles:
- os arts. 16º (ex vi art. 3º, 10º e 13º da Declaração Universal dos Direitos do Homem), 24º, 25º, 64º e 66º da Constituição da República Portuguesa. Em função dos supra referidos preceitos constitucionais, afigura-se claramente inconstitucional a interpretação dada pelo Acórdão recorrido às referidas disposições do Regulamento Geral do Ruído nas duas versões (art. 20º do antigo DL 251/87, de 24 de Junho e art. 15º e nº 3 do art. 4º do DL 292/00 de 14 de Novembro, o que fundamenta a apresentação do presente recurso”.
6. Já no Tribunal Constitucional foram os recorrentes convidados, por despacho do Relator de 20 de Fevereiro de 2003, a “dar cabal cumprimento ao disposto no art. 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional”.
7. Por parte dos recorrentes foi apresentado o requerimento de fls. 340 e 341, que dispõe como segue:
“A. e B., Recorrentes no processo à margem referenciado em que é Recorrida a C., notificados do despacho que convida os recorrentes a dar cabal cumprimento ao disposto no art. 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, vêm responder, nos seguintes termos: I. O recurso é fundamenta-se na alínea b) do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional. II. As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie: Art. 20º do DL 251/87, de 24 de Junho (Regulamento Geral do Ruído); Art. 15º e art. 4º nº 3 do DL 292/00 de 14 de Novembro (diploma que substituiu o supra referido). III. Normas e princípios violados: Arts. 16º (ex vi art. 3º, 10º e 13º da Declaração Universal dos Direitos do Homem), 24º, 25º, 64º e 66º da Constituição da República Portuguesa. IV. Os Recorrentes foram surpreendidos no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com a aplicação das supra referidas normas, tendo sido o primeiro momento processual em que os recorrentes foram confrontados com a aplicação e interpretação dada àquelas normas, cujo juízo de constitucionalidade agora é suscitado. Os recorrentes até aí obtiveram ganho de causa, pelo que outra oportunidade não tiveram para suscitar a questão da inconstitucionalidade das referidas normas”.
8. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do recurso. É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
Como este Tribunal tem afirmado, repetidamente, nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Porém, nesses casos, tem o recorrente o ónus de indicar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional. Como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118.) “tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão n.º
269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental. No caso dos autos, porém, verifica-se que o recorrente não identifica, nem no requerimento de interposição do recurso, nem na resposta ao convite de fls. 339
- peças processuais que já transcrevemos integralmente -, a interpretação normativa (ou as interpretações normativas) do artigo 20º do Decreto-Lei n.º
251/87, de 24 de Junho, e dos artigos 15º e 4º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º
292/00, de 14 de Novembro, que considera inconstitucional(is), limitando-se a referir, genericamente, que a interpretação e aplicação das referidas disposições dada pelo Supremo Tribunal de Justiça – sem identificar qual seja - viola os artigos 16º (ex vi art. 3º, 10º e 13º da Declaração Universal dos Direitos do Homem), 24º, 25º, 64º e 66º da Constituição da República Portuguesa. Assim, torna-se evidente que não pode conhecer-se do objecto do recurso interposto pelo recorrente, por manifesta falta de um dos seus pressupostos legais de admissibilidade, a saber: ter o recorrente identificado, no requerimento de interposição do recurso ou na resposta ao convite formulado pelo Relator, a interpretação normativa dos referidos preceitos do Regulamento Geral do Ruído cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Acresce que a não indicação da exacta interpretação normativa dos preceitos referidos cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada coloca ainda o Tribunal numa situação de verdadeira impossibilidade de verificar se se encontram preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade do recurso que pretendeu interpor (o previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 70º da LTC), ou seja: (i) saber se o recorrente suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade dessa dimensão normativa (ou saber se não lhe era exigível que a suscitasse, por se tratar de decisão surpresa); (ii) saber se a decisão recorrida utilizou, como ratio decidendi, a exacta dimensão normativa cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada”.
9. Inconformados com esta decisão os recorrentes apresentaram, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que fundamentaram nos seguintes termos:
“1. A decisão sumária, em sede de fundamentação dispõe: '...verifica-se que o recorrente não identifica, nem no requerimento de interposição de recurso, nem na resposta ao convite de fls. 339, a interpretação normativa (ou interpretações normativas) do Art°. 20 do DI 251/87 de 24 de Junho e dos Arts. 15 e 4 nº 3 do DI. nº. 292/00 de 14 de Novembro, que considera inconstitucional (s), limitando-se a referir, genericamente, que a interpretação e aplicação das referidas disposições dada pelo Supremo Tribunal de Justiça - sem identificar qual seja - viola os Arts. 16 (ex vi art. 3, 10, e 13 da Declaração Universal dos Direitos do Homem), 24, 25, 64, e 66 da Constituição da República Portuguesa.'.
2. Salvo o devido respeito, que é muito, assim não deve ser entendido. Pois que, no requerimento de interposição de recurso já o recorrente referia ainda que de forma pouco desenvolvida ou sistematizada a interpretação dada pelo douto Acórdão e que considera inconstitucional, ao dispor: 'o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em recurso merece censura ao reconhecer expressamente que deriva para os autores, ora recorrentes '... uma situação de ruído intolerável...' e que se verificam níveis de ruído superiores ao limite legal, atento aos índices de poluição sonora constantes do regulamento Geral de Ruído (...'a circulação de veículos automóveis no sub-lanço Malveira /Torres Vedras, concretamente no local onde se situa a casa dos Autores, produz constante ruído sentido quer no exterior quer no interior dessa residência, causando a estes incomodidade e mau estar...)'.
3. Ora, neste trecho encontra-se patente a interpretação violadora da Constituição, dada pelo douto Acórdão ao aplicar os referidos preceitos. Trata-se da interpretação que considera que os níveis de ruído, sentidos no interior e exterior de uma habitação próxima do lanço de auto estrada podem ser intoleráveis, podem causar incomodidade e mau estar, e podem ultrapassar os limites legais constantes daquelas disposições. Pois que assim entendendo resultam imediatamente postos em crise os princípios e normas constitucionais aí referidos que protegem, 'maxime', o direito ao ambiente, à saúde, qualidade de vida e bem estar .
4. Salvo melhor opinião, aquela peça processual continha, ainda que de forma não desenvolvida, a interpretação em crise, a final, a constante no douto Acórdão em recurso.
5. Porém, ainda que assim se não entendesse, salvo melhor opinião, faltando esse pressuposto, e partindo do princípio que estamos perante um pressuposto legal, deveria o convite formulado ao recorrente, ser explícito quanto à resposta, sob pena de, se nos é permitido, não estarmos perante um verdadeiro convite, por falta de objecto. Com efeito,
6. O convite dirigido ao recorrente, estipulava :
' convida-se o recorrente a dar cabal cumprimento ao disposto no Art°. nº. 75º-A da LTC.'
7. Tal convite, expresso nestes termos, e tendo sido detectado um lapso no requerimento de interposição de recurso, na indicação da alínea do Art°. 70 da L.C. T ., foi considerado como uma oportunidade para corrigir tal lapso, tendo-se indicado, nomeadamente a alínea correcta.
8. Além do mais, atento os termos do convite, '... dar cabal cumprimento ao Artº.
75º-A., nunca poderia ser entendido como a solicitação para incluir a interpretação a dar à norma ou normas que se considera inconstitucional ou inconstitucionais. De facto,
9. Não se vislumbra que naquele preceito se faça directa ou indirectamente referência a tal pressuposto ou exigência. Razão mais do que suficiente para que, no caso, o convite tivesse sido formulado com a indicação expressa do indicado pressuposto em falta, não bastando assim a remissão, genérica, para o Art°. 75º-A.
10. Por outro lado, e acompanhando o que vem dito na decisão sumária, e uma vez tendo a questão da constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível, sempre se dirá que o recorrente poderia, e deveria, em sede de Alegações, e estando em causa uma determinada interpretação a dar a determinada norma ou normas, indicar, de forma clara, perceptível, desenvolvida e sistematizada, esse sentido da interpretação, 'em termos em que se este tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão a proferir...'.
11. Isto é, haverá sempre a oportunidade em sede de Alegações, de expor e desenvolver a interpretação dada, cuja constitucionalidade se suscita, pois que só a decisão a proferir a final, depois de apresentadas as alegações, será susceptível de ser oponível ao tribunal recorrido que houver de reformar a decisão, aos outros destinatários e operadores jurídicos em geral, de forma que se saiba 'qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado por ser incompatível com a Lei Fundamental.'
12. Salvo melhor opinião, no caso 'sub judice', nada obsta a que possa conhecer-se do objecto do recurso interposto pelo recorrente. Com efeito ,
13. Salvo o devido respeito, do requerimento inicial consta, ainda que de forma pouco desenvolvida, a interpretação normativa dos referidos preceitos do Regulamento Geral do Ruído, cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Vejamos:
14. O Art°. 20º do DI 251/87 de 24 de Junho- RGR, alterado pelo DI no. 292/89 de 2 de Setembro, dispunha na sua alínea a) :
'a diferença entre o valor do nível sonoro contínuo equivalente, corrigido do ruído proveniente dos locais em questão, e o valor do nível sonoro do ruído de fundo, que é excedido num período de referência, em 95% da duração deste (L95), deve ser inferior ou igual a 10 dB(A)'; O Art°. 4º no.3 do DL 292/2000 de 14 de Novembro (RGR), na sua alínea a) dispõe:
'As zona sensíveis não podem ficar expostas a um nível sonoro contínuo equivalente, ponderado A, LAeq do ruído ambiente exterior, superior a 55 dB (A) no período diurno e 45 dB (A) no período nocturno. Por sua vez, o Art°. 15º do mesmo diploma legal dispõe no seu nº. 1:
'Sem prejuízo do disposto no Art°. 5 as entidades responsáveis pelo planeamento ou pelo projecto das novas infra-estruturas de transporte (,..) devem adoptar as medidas necessárias para que a exposição da população ao ruído no exterior não ultrapasse os níveis sonoros referidos no nº, 3 do Art°. 4, para as zonas sensíveis e mistas,'
15. Ora, interpretar o Art°. 20º do DI 251/87, alterado pelo DI 292/89, aplicando o critério nele definido, com o sentido de que no caso 'sub judice' não se verificam níveis superiores ao limite legal em 10 dB(A), (cfr. factos provados) contraria a Lei Fundamental.
16. Da mesma forma, interpretar os Arts. 4/3 e 15º do DI 292/00 de 14 de Novembro que reduziu significativamente os níveis máximos de ruído legalmente admissíveis, sobretudo para as zonas sensíveis, como no caso em apreço, e sendo aplicável, expressamente a infra-estruturas de transporte, veículos e tráfego, no sentido de que não se verificam níveis superiores ao limite legal, contraria a Lei Fundamental.
17. Ainda mais, tendo o douto acórdão considerado provado, entre outros, os seguintes factos:
'em conclusão, verifica-se uma situação de incomodidade e a violação do R.G. do Ruído, tendo essa conclusão sido alicerçada em duas permissas: níveis de ruído da auto estrada audíveis na habitação dos autores e integração desses níveis no critério normativo previsto no Art°. 20 do RGR' ; 'A circulação de veículos no dito sub-lanço produz constante ruído, provocando incomodidade aos AA no período nocturno' ; ' Está identificada uma situação de ruído considerada intolerável
...'
18. Concluindo, os níveis de ruído produzidos pela auto-estrada do Oeste no sub-lanço Malveira/Torres Vedras, junto ao restabelecimento nº 4, ultrapassam os limites fixados pelo artº . 20º do DI 251/87, alterado pelo DI 292/98 de 2 de Setembro, bem como os limites previstos no art°.4/3 a) do DI 292/00 de 14 de Novembro. A poluição sonora Que daí deriva ofende gravemente e põe em causa os direitos fundamentais dos Autores ('maxime' arts 16, 25, 64 e 66 da CRP).
19. Interpretar, como o fez o douto Acórdão do Supremo Tribunal de justiça, as disposições supra referidas no sentido de que aquelas disposições não fixam parâmetros sonoros para efeitos de ajuizar do respeito do dever de cuidado face ao Ambiente, a um Ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, à Saúde, à Qualidade de Vida, contaria frontalmente a Lei Fundamental”.
10. Por parte da recorrida não foi apresentada, dentro do prazo legal, qualquer resposta. Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
III – Fundamentação
11. Na decisão reclamada decidiu o Relator não conhecer do objecto do recurso por os recorrentes não terem sido capazes, no requerimento de interposição do recurso ou na resposta ao convite formulado ao abrigo do disposto no art. 75º-A, n.º 6 da LTC, de identificar, de forma clara e perceptível, a exacta interpretação normativa (ou interpretações normativas) do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 251/87 de 24 de Junho e dos artigos 15º e 4º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 292/00, de 14 de Novembro, cuja inconstitucionalidade pretendiam ver apreciada.
Alegam os ora reclamantes que não é assim, pois que: “no requerimento de interposição de recurso já o recorrente referia ainda que de forma pouco desenvolvida ou sistematizada a interpretação dada pelo douto Acórdão e que considera inconstitucional, ao dispor: 'o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em recurso merece censura ao reconhecer expressamente que deriva para os autores, ora recorrentes '... uma situação de ruído intolerável...' e que se verificam níveis de ruído superiores ao limite legal, atento aos índices de poluição sonora constantes do regulamento Geral de Ruído (...'a circulação de veículos automóveis no sub lanço Malveira /Torres Vedras, concretamente no local onde se situa a casa dos Autores, produz constante ruído sentido quer no exterior quer no interior dessa residência, causando a estes incomodidade e mau estar...)' (ponto 2. da reclamação).
No seu entendimento, “neste trecho encontra-se patente a interpretação violadora da Constituição, dada pelo douto Acórdão ao aplicar os referidos preceitos. Trata-se da interpretação que considera que os níveis de ruído, sentidos no interior e exterior de uma habitação próxima do lanço de auto estrada podem ser intoleráveis, podem causar incomodidade e mau estar, e podem ultrapassar os limites legais constantes daquelas disposições” (ponto 3. da reclamação).
A verdade, porém, é que manifestamente não lhes assiste razão, sendo evidente que não está ali enunciada, nos termos claros e perceptíveis que vêm sendo exigidos por este Tribunal - e que foram já, no essencial, enunciados na decisão reclamada em termos que agora se reiteram - uma determinada dimensão normativa dos artigos 20º do Decreto-Lei n.º 251/87 de 24 de Junho e dos artigos 15º e 4º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 292/00, de 14 de Novembro, susceptível de integrar o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.
Alegam ainda os reclamantes que, atento os termos do convite, em que se referia a expressão “dar cabal cumprimento ao disposto no art. 75º-A da LTC”, “nunca este poderia ser entendido como a solicitação para incluir a interpretação a dar
à norma ou normas que se considera inconstitucional ou inconstitucionais” (ponto
8 da reclamação).
Porém, mais uma vez, sem razão. Para entenderem que o “cabal cumprimento do disposto no art. 75º-A da LTC”, implica, quando se pretenda questionar apenas uma interpretação normativa de determinado preceito - como era o caso - a indicação dessa interpretação normativa, bastaria que tivessem tido o cuidado de atentar na inúmera jurisprudência do Tribunal Constitucional, publicada, que expressa e reiteradamente o tem afirmado.
Alegam os reclamantes, finalmente, que “não se vislumbra que naquele preceito se faça directa ou indirectamente referência a tal pressuposto de exigência” (ponto
9. da alegação). Mas também neste ponto não têm razão, como resulta já da decisão reclamada e da abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional para que nela se remete. Agora apenas se explicita que é o n.º 1 do artigo 75º-A, da Lei do Tribunal Constitucional, que impõe ao recorrente - quando pretende questionar apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito - o ónus de indicar, logo no requerimento de interposição do recurso, essa interpretação normativa. É que, nessas hipóteses, só identificando a interpretação normativa que considera inconstitucional estará o recorrente a indicar, como expressamente se exige naquele preceito, “a norma cuja inconstitucionalidade (...) pretende que o Tribunal aprecie”.
Assim, pelas razões constantes da decisão reclamada, que mais uma vez agora se reiteram porquanto em nada são abaladas pela reclamação apresentada, é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que os recorrentes pretenderam interpor. Aliás, o que os reclamantes verdadeiramente questionam
(cfr., designadamente números 15 a 18 da presente reclamação) é um eventual erro de julgamento do acórdão do STJ.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Abril de 2003 Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida