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Proc. n.º 375/01 Acórdão nº 407/01
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 227 e seguintes, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, não conhecer do objecto do recurso interposto para o Tribunal Constitucional por M..., Lda., pelos seguintes fundamentos:
'[...] Nos termos do artigo 70º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior – as alíneas ao abrigo das quais a recorrente interpôs o presente recurso – «apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência». O n.º 3 do mesmo artigo 70º equipara a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso. No presente caso, do despacho de não admissão do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, proferido pelo relator no Tribunal da Relação do Porto, cabia reclamação para o presidente do tribunal que seria competente para conhecer do recurso – ou seja, para o presidente do Supremo Tribunal de Justiça
–, nos termos do artigo 688º do Código de Processo Civil. Essa reclamação, embora legalmente possível, nunca foi deduzida pela ora recorrente, que se limitou a requerer a reforma do despacho de não admissão do recurso. Verifica-se, assim, que a decisão da qual a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional – a decisão do relator que não admitiu o recurso por si interposto para o Supremo Tribunal de Justiça – é irrecorrível, nos termos do artigo 70º, n.ºs 2 e 3, da Lei do Tribunal Constitucional. Efectivamente, dessa decisão cabia ainda reclamação para o presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Não sendo a decisão recorrida susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional, não pode, naturalmente, conhecer-se do objecto do presente recurso.
[...].'
2. Da referida decisão sumária reclama agora M..., Lda., invocando o disposto no artigo 76º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional: tal invocação deve-se certamente a lapso, dado que os preceitos legais que regulam a impugnação das decisões sumárias são os constantes dos n.º s 3 e 4 do artigo
78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, que prevêem a reclamação para a conferência.
Na reclamação que deduz (fls. 233-234), diz M..., Lda. o seguinte: a. A decisão de rejeição do recurso assenta na consideração de que a recorrente não esgotou as instâncias de recurso, o que não é verdade, dado que a recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o mesmo sido indeferido; b. O espírito da nova lei processual civil é o do conhecimento do fundo da questão em detrimento da forma, pelo que o Tribunal Constitucional reduziu indubitavelmente as garantias de defesa do cidadão ao não aferir da razão efectiva substantiva e de fundo que a este assiste; c. 'Baseou-se o Douto Despacho do STJ no artº 678º 1 do C.P.C. e no valor de 1.327.625$00'; d. A presente acção e recurso trata de acidente de trabalho, sendo aplicável o disposto no artigo 74º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho; e. Os acidentes de trabalho têm sido equiparados às doenças profissionais; f. '[N]os termos do artigo 74º, n.º 5, do CPT à data da propositura da acção não existe alçada na presente acção e recurso, cabendo recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça'; g. Tanto a doutrina como a jurisprudência consideram que não existe alçada nos acidentes de trabalho, por estarem também em questão bens imateriais; h. Requer-se a declaração da inconstitucionalidade da norma do artigo 74º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho, por não admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mesmo no caso de acidente de trabalho; i. 'Sendo inconstitucional que o novo Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Dec-Lei 480/99 de 9/11 no seu artº 79º b) dispensa já a existência de alçada nesse tipo de acções'; j. '[...] não parece ter qualquer razão de ser o despacho reclamado dado o facto da Lei não permitir sequer a alçada para o Supremo Tribunal de Justiça, afigurando-se, salvo o devido respeito, completamente despiciendo e despropositado o despacho reclamado, na medida em que exige o mesmo uma reclamação, para uma alçada segundo a teoria do Tribunal Superior constante do recurso, completamente inexistente'; k. Requer-se o conhecimento do fundo da questão e das invocadas inconstitucionalidades; l. Requer-se a isenção da multa de 5 UC em que a recorrente foi condenada, 'porquanto o que fez não o fez se não na perspectiva do exercício de um direito'.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu à reclamação deduzida nos termos seguintes (fls. 236):
'1º - A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2º - Na verdade, é patente que o reclamante não curou de esgotar os meios impugnatórios «ordinários» existentes no ordenamento adjectivo, reclamando – perante o presidente do tribunal superior – da decisão que havia rejeitado o recurso interposto, por o considerar legalmente inadmissível.'
II
4. O primeiro argumento aduzido pela reclamante no sentido da revogação da decisão sumária (supra, 2. a)) é, evidentemente, improcedente. Compulsando os autos, verifica-se que nunca foi deduzida reclamação, para o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do despacho que havia rejeitado o recurso para este mesmo Tribunal. Recorde-se o que ficou dito, a este propósito, na decisão sumária reclamada:
'[...] De novo inconformada, M..., Lda. interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 196 e seguintes). Por despacho do relator de fls. 209, o recurso não foi admitido, face ao disposto no artigo 678º, n.º 1, do Código de Processo Civil. M..., Lda. requereu a reforma desse despacho do relator, nos termos do artigo
669º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, e do artigo 74º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho (fls. 210). O relator manteve tal despacho, por inaplicabilidade das normas invocadas (fls.
211). M..., Lda. apresentou novo requerimento de reforma do despacho de não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 212), tendo o relator novamente mantido o despacho anterior (fls. 214). M..., Lda. interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, tendo apresentado alegações, nas quais formulou conclusões (fls. 215 e seguintes).
[...]'
Não se compreende, pois, como pode agora a reclamante vir defender que efectivamente esgotou as instâncias de recurso. Ressalta da leitura dos autos que nunca teve lugar no presente processo a reclamação, para o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do despacho que não admitiu o recurso para esse tribunal. E não podendo tal reclamação, como é óbvio, ser confundida com o próprio recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, é evidente que não faz sentido afirmar, como faz a reclamante, que esgotou as instâncias de recurso 'já que interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o mesmo sido indeferido'.
5. O segundo argumento da reclamante é também improcedente. Como é
óbvio, a invocada primazia do conhecimento do fundo da questão em detrimento da forma não significa o não acatamento das mais elementares regras processuais, nomeadamente daquelas que estabelecem prazos para a interposição de recursos ou dedução de reclamações ou daquelas que subordinam os recursos a certos pressupostos processuais. Independentemente da razão que assista aos litigantes, não podem eles pretender que essa razão lhes seja reconhecida por um tribunal, quando se verifica a falta de um pressuposto processual não susceptível de sanação, como é o caso da recorribilidade da decisão.
6. A restante argumentação da reclamante é igualmente improcedente. Não se dirige contra a decisão sumária reclamada, dizendo respeito à questão de fundo, que não pode, pelas razões já sobejamente invocadas, ser apreciada pelo Tribunal Constitucional. E, no que se refere à matéria das custas, não se vislumbra qual possa ser o preceito legal que permite a pretendida isenção, pelo que tal pretensão só pode ser rejeitada.
7. Não existem, assim, motivos para revogar a decisão sumária reclamada, cuja fundamentação se mantém incólume. III
8. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a reclamação, mantendo-se a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 27 de Setembro de 2001 Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida