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Processo n.º 498/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se o seguinte:
“O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Assim, importa averiguar se tais requisitos se verificam, no caso concreto.
Começando a nossa análise pela natureza do objeto do recurso, enfatizamos que a mesma terá necessariamente de ser normativa.
Em consonância, impende sobre o recorrente o ónus de enunciar uma norma ou interpretação normativa – enquanto regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica - reportando-a, de forma certeira, a uma concreta disposição ou conjugação de disposições legais, em cuja literalidade o critério normativo enunciado encontre um mínimo de correspondência.
Na verdade, o Tribunal Constitucional apenas pode sindicar a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas e não de decisões, nomeadamente jurisdicionais, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional, pelo que a admissibilidade do recurso de constitucionalidade depende da natureza verdadeiramente normativa do seu objeto.
A esse propósito, pode ler-se, no Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 633/08 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), o seguinte:
“ (…) cumpre acentuar que, sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida (…).”
Ora, no presente caso, é manifesto que o recorrente não enuncia um critério normativo que seja suscetível de constituir objeto idóneo do presente recurso de constitucionalidade. Pelo contrário, da vasta exposição apresentada no requerimento de interposição de recurso, – em que o recorrente apresenta as suas alegações, em desconformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 78.º-A da LTC – resulta que o recorrente pretende a sindicância da própria decisão jurisdicional, na sua vertente casuística.
Na verdade, desde logo, o recorrente invoca que o “Despacho de que (…) recorre” viola vários preceitos do Código de Processo Civil e do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e ainda os artigos 20.º e n.º 3 do artigo 50.º da Constituição da República Portuguesa.
Ao longo da sua exposição, refere ainda – transcrevendo a reclamação que deduziu – que a “rejeição [do recurso], numa insanável decisão contraditória, viola desde logo os nºs 1 e 5 do artº 20º e o número 3 do artº 50º da Constituição da República Portuguesa”, mais acrescentando o seguinte:
“(…) Contém o despacho proferido na sua parte final, ilações e conclusões que só ao Tribunal Constitucional compete, sendo que é este quem decide sobre a sua própria competência, não se podendo aceitar que seja o Supremo Tribunal Administrativo a decidir que “não sendo por isso inconstitucional o despacho de não admissão do recurso”;
(…) Quando, salvo melhor opinião, a competência para “decretar” se um qualquer despacho jurisdicional padece ou não de inconstitucionalidade, só ao Venerando Tribunal Constitucional diz respeito;
(…)
Pedir que a decisão seja sindicada por V.Excªs (…)
(…) não se pode aceitar que os conceitos jurídico-processuais, o mesmo é dizer-se, a lei aplicada in casu, na apreciação pelo Tribunal “a quo” sobre o mérito da causa e sobre a intempestividade do recurso, não possam ser por V. Exªs revistos à luz da Lei Constitucional, maxime, nos seus artigos 20.º e n.º 3 do artº 50º.”
Nestes termos, atenta a demonstrada inidoneidade do objeto do recurso, face à sua natureza não normativa, conclui-se, desde já, pelo seu não conhecimento, tornando-se ociosa a apreciação dos restantes pressupostos de admissibilidade do recurso, face à natureza cumulativa dos mesmos.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
3. Manifesta o reclamante a sua discordância, relativamente ao não conhecimento do recurso interposto, defendendo, em síntese, que se inclui na competência do Tribunal Constitucional “decretar se um qualquer despacho jurisdicional padece ou não de [in]constitucionalidade”, pelo que a circunstância de o Supremo Tribunal Administrativo “decidir que um despacho de não admissão de recurso não é inconstitucional” corresponde a um “caso de usurpação de competências”.
Acrescenta o reclamante que “viu sonegado o seu direito a que as diversas decisões proferidas fossem motivo de reapreciação e sindicadas por um segundo e terceiro graus de Jurisdição”.
Conclui, nestes termos, pedindo a revogação do “despacho em crise”.
4. O Ministério Público, notificado da reclamação, pugna pelo seu indeferimento, referindo que a decisão reclamada demonstra “de forma clara e inequívoca, que no requerimento de interposição de recurso não vem enunciada, aliás, de forma evidente, uma questão de inconstitucionalidade normativa”.
Mais refere que o reclamante “não impugna o fundamento da decisão e o que implicitamente diz sobre a inidoneidade do objeto apenas confirma o bem fundado da mesma decisão, uma vez que sustenta que “é da competência desse tribunal (Constitucional) decretar se um qualquer despacho jurisdicional padece ou não de [in]constitucionalidade”.
Nestes termos, conclui pelo indeferimento da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
5. Analisada a reclamação apresentada, conclui-se que os argumentos aduzidos pelo reclamante não infirmam a correção do juízo efetuado, na decisão sumária proferida, consubstanciando-se sobretudo numa manifestação de discordância face ao sentido de tal decisão.
Na verdade, a reclamação parte de um aparente equívoco do reclamante quanto à competência do Tribunal Constitucional.
Os limites de tal competência, porém, encontram-se explicitados, com clareza, na decisão reclamada, nomeadamente com transcrição de excerto do Acórdão n.º 633/08, particularmente impressivo quanto a esta matéria.
Pelo exposto, sendo certo que a decisão reclamada merece a nossa concordância, damos por reproduzida a sua fundamentação e, em consequência, concluímos pelo indeferimento da reclamação apresentada.
III – Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 15 de julho de 2013, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 8 de outubro de 2013. - Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral