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Processo n.º 479/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em que são recorrentes o Ministério Público e o Ministério da Educação e da Ciência e é recorrida A., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 4 de abril de 2013.
2. A ora recorrida intentou ação administrativa comum contra o Ministério da Educação e da Ciência, pedindo, entre o mais, que este fosse condenado a reconhecer à Autora o direito de auferir a sua remuneração pelo índice 299 da carreira docente na estrutura que lhe é dada pelo Decreto-Lei n.º 75/2010 de 23 de junho, a partir do momento em que perfez seis anos de serviço no índice 245.
A decisão recorrida, condenou o Réu «a reconhecer o direito da Autora a progredir ao 8.º escalão da carreira docente (índice 299) tal como reestruturada pelo DL nº 75/2010 de 23/6, nos termos do artigo 8º nº 1 deste mesmo diploma, isto é, em 23 de Maio de 2012, e a proceder ao pagamento das diferenças remuneratórias daí resultantes», recusando a aplicação, do «artigo 24º nºs 1 e 9 da Lei nº 5 5-A/2010 de 31/12 na interpretação segundo a qual a sua proibição de atos que consubstanciem valorizações remuneratórias e a sua determinação de não contagem do tempo de serviço prestado em 2011 abrangem os atos e o tempo decorrentes da aplicação do artigo 8º nº 1 do DL nº 75/2010 de 23/6», com fundamento em inconstitucionalidade «por violação dos artigos 13º, 47º nº 2 e 59º nº 1 alª a) da CRP».
É a seguinte a fundamentação da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra:
«Como se sabe, o DL nº 75/2010 visou reestruturar a carreira docente dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário, na sequência do abandono, pelo Legislador, da reforma que fora introduzida pelo ECD aprovado pelo DL nº 15/2007, que estruturara a carreira em duas categorias hierarquicamente diferenciadas, a de professor titular e a de professor.
Em nome de um direito liberdade e garantia constitucional que consiste no direito a salário igual para trabalho igual numa proscrição das ultrapassagens na progressão, por parte do próprio legislador ordinário do DL nº 75/2010, pretende a Autora ser feita progredir ao 9º escalão em 23/5/2011 tal como previa a disposição transitória do artigo 8º nº 1 daquele Decreto-lei, apesar da proscrição de qualquer progressão remuneratória imposta pelo artigo 24º da LOE para 2011.
Vejamos se tem razão:
Note-se que o que expressamente e inequivocamente se determina no art. 8º nº 1 citado é a transição, per saltum, do 6º ao 8º escalão.
Ora é isso que pretende a Autora. Ela não pretende apenas ser ao menos posicionada ao lado dos colegas que alegadamente a ultrapassaram, a partir do momento em que a ultrapassagem ocorreu.
Cumprirá ainda notar que não transitaram ao 7º escalão logo em de 24/6/2010 todos os docentes posicionados no 6º escalão havia mais de quatro anos e menos de cinco e com as notações de desempenho de “bom” e de “satisfaz”, respetivamente, nos ciclos de avaliação imediatamente anteriores, mas apenas os que, conforme o artigo 7º nº 2 b) do DL nº 75/2010, haviam detido a extinta categoria de “titular”. Deste modo, pelo menos essa “ultrapassagem” que se efetivou ainda que então a termo logo com a entrada em vigor do DL nº 75/2010, é mitigada, dado que a progressão preconizada no nº 1 do artigo 8º opera “independentemente da categoria”.
Além desta, porém, há a ultrapassagem de que são sujeitos ativos, atento o nº 4 do artigo 7º, todos os que “independentemente da categoria” de que provêm, já tinham completado ou vieram entretanto a completar, com os demais requisitos subjetivos e objetivos, os quatro anos necessários para progredirem ao 7º escalão (cf. artigo 37º do Estatuto).
Não vemos, contudo, que uma ou outra daquelas “ultrapassagens” seja incompatível com o artigo 10º do DL nº 75/2010.
Com efeito, se o diploma se dispôs, uno actu, por um lado a provisória espera dos docentes com mais de cinco e menos de seis anos (e restantes requisitos) no índice 245, mas por outro, também, o preceito do artigo 10º, compensando, aliás, aquela espera com um acesso per saltum ao 8º escalão assim que perfizessem seis anos no 6º escalão, isto é, nunca depois de um ano, então este mesmo artigo 10º tem de ser interpretado como não incluindo no seu conceito de “ultrapassagem” aquele atraso dos mesmos docentes, por sinal temporário e a termo certo.
É a unidade da Ordem Jurídica que impõe que assim entendamos.
Aliás, em si mesmo, abstraindo do que veio dispor o artigo 24º nºs 1 e 9 da LOE, o artigo 8º nº 1 do DL nº 75/2010, nesta sua potência de assimetria temporária e a termo certo entre os docentes na situação dos associados do Autor e os colegas com mais de quatro anos e menos de cinco no antigo 6º escalão, tão pouco se mostra desconforme com princípios constitucionais como o da Igualdade, seja em geral (artigo 13º da CRP) seja no progresso na Função Pública (artº 47º nº 2) ou com o princípio “salário Igual para Trabalho Igual”, invocados pelo Autor.
Como se sabe, a igualdade, em sentido constitucional, não é identidade ou sobreponibilidade, antes se coaduna com e requer, até, que se trate de modo diverso o que diverso é. O princípio “salário igual para trabalho” igual não proscreve que se divirja no salário segundo a antiguidade e o mérito. Aliás, o temporário compasso de espera dos associados do Autor, na economia do DL nº 75/2005, tinha inteira contrapartida na sua progressão per saltum ao 8º escalão alguns meses, nunca mais de um ano, depois.
A igualdade constitucionalmente garantida só passou a ser posta em crise desde que o termo inicial da progressão da Autora e dos docentes na sua situação ao 8º escalão passou decerto a incerto – e seguramente para lá de 2011 – por força do artigo 24º nº 1 e 9 da Lei nº 55-A/2010 de 31/12, que aprovou o orçamento do Estado para 2011 (LOE).
Na verdade é esta norma, e não qualquer norma do DL 75/2010, que, na medida em que é incompatível frontalmente com a aplicação do artigo 8º nº 1 vindo de ser citado, subverte o equilíbrio de todo o regime transitório de progressões na carreira docente, preconizado pelo DL nº 75/2010, a ponto de ser legítimo perguntar se desta incompatibilidade não resulta uma revogação tácita não só do artigo 8º nº 1 mas de tudo o disposto nos artigos 7º a 10º que supunha a relevância do tempo de serviço a partir de 31/12.
Com efeito, também à Lei do Orçamento do Estado, designadamente ao Legislador do artigo 24º nºs 1 e 9, se impõem os princípios constitucionais da Igualdade (artigos 13º e 47º nº 2 da CRP) e do “Salário Igual para Trabalho Igual” (59º nº 1 a) da CRP), que integram, respetivamente, um direito liberdade e garantia pessoal e um direito de natureza análoga à daquele, pelo que, conforme dispõe o artigo 18º nº 1 da CRP, são diretamente aplicáveis aos casos concretos.
Não é por integrar uma Lei de Valor Reforçado e ser motivado por uma situação de indigência do Estado nunca antes equacionada, que o artigo 24º nºs 1 e 9 deixa de ter de ser interpretado e aplicado de harmonia com aqueles direitos fundamentais e princípios constitucionais.
Ora, da sua aplicação, por interpretação direta, à Autora resulta, sem qualquer justificação racional e sem contrapartida alguma que reponha a equidade, a instalação, por um tempo indeterminado ou por períodos anuais renováveis por tempo indeterminado, de uma inversão da posição na carreira docente, por parte da Autora e dos demais docentes na sua situação, relativamente a outros docentes com menos tempo de serviço do que eles no 6º escalão, que até 31 de Dezembro de 2010 completaram quatro anos no 6º escalão remuneratório e que tenham iguais ou até menores classificações de serviço.
Aqueles direito e princípio de igualdade, são incompatíveis com este modo inadvertidamente assimétrico de fazer progredir os professores na respetiva carreira.
Assim têm entendido uniformemente, quer em situações de reestruturação de carreiras quer nas de sucessão entre sistemas retributivos, o STA e o Tribunal Constitucional (…).
Não se diga que é elemento racional legitimador da inversão o facto de os docentes protagonistas da ultrapassagem terem sido titulares, podendo os outros tê-lo sido ou não.
Em primeiro lugar, desaparecida que foi essa categoria da carreira docente, não se vê que ela possa relevar como legitimação racional para uma diferença de tratamento na ordem jurídica vigente. Depois, não se vislumbra racionalidade em serem ultrapassados por ex-titulares mais novos no escalão e na carreira, os ex-titulares com mais de cinco e menos de seis anos no 6º escalão em 24/6/2010. Por fim, como se viu, nem só os titulares protagonizam a ultrapassagem, se não também quaisquer professores, titulares ou não, que durante 2010, nos termos do artigo 8º nº 4 do DL 75/2010, reuniram os requisitos subjetivos e objetivos para transitarem ao 7º escalão conforme a nova redação artigo 37º do ECD.
Não é, assim, do DL nº 75/2010 que resulta a violação dos sobreditos princípios constitucionais, mas sim de uma interpretação do artigo 24º 1 e 9 da Lei nº 55º-A/2010 que inclua na sua disposição a proibição da progressão, ao oitavo escalão (índice 299) da carreira docente, dos professores que se encontravam em 24/6/2011 na situação a que se refere o artigo 8º nº 1 do DL nº 75/2010».
3. O Ministério Público e o Ministério da Educação da Ciência interpuseram então o presente recurso, requerendo a apreciação da constitucionalidade da norma cuja aplicação foi recusada com fundamento em inconstitucionalidade.
Notificado para alegar, o Ministério Público concluiu o seguinte:
«13. As normas dos nºs 1 e 9 do artigo 24.º, da Lei n.º 55 – A/2010, de 31/12, na interpretação segundo a qual, “a sua proibição de atos que consubstanciem valorizações remuneratórias e a sua determinação de não contagem do tempo de serviço prestado em 2011 abrangem os atos e o tempo decorrentes da aplicação do artigo 8º n.º 1 do DL nº 75/2010 de 23/6”, não violam a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, dos seus artigos 13º, 47º, nº 2 e 59.º, n.º 1, alínea a).
14. Tais normas proíbem valorizações remuneratórias, determinando um congelamento das progressões na carreira, e, consequentemente, da inerente progressão salarial.
15. Os critérios relativos à progressão na carreira não integram o núcleo fundamental do respetivo estatuto remuneratório, sendo diferente a natureza dos institutos remuneração e progressão na carreira (Ac. do T.C. n.º 12/2012).
16. Assim, e não estando em causa a afetação do direito a um mínimo salarial, não se afigura que, no caso concreto, as normas desaplicadas ofendam o núcleo do direito tutelado pelo artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
17. Por outro lado, a proteção constitucional de progressão na carreira, que decorre do direito ao acesso à função pública, não impõe que a lei ordinária assegure uma sistemática melhoria do seu estatuto remuneratório (nomeadamente, através de um mecanismo automático, decorrente da antiguidade), antes conferindo ao legislador ordinário ampla liberdade para reordenar e reconstruir as carreiras dos funcionários (Acs. do T.C. n.ºs 355/99 e 12/2012).
18. Pelo que as normas desaplicadas não ofendem o artigo 47.º, n.º 2, da Constituição.
19. Aliás, essas mesmas normas, que visam, predominantemente, o objetivo orçamental de redução da despesa pública com o pessoal (funcionários, agentes e demais servidores do Estado), são aplicáveis a todos os trabalhadores do Estado identificados no n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55 – A/2010.
20. Não pode considerar-se arbitrária, e ofensiva do artigo 13.º da Constituição, a inclusão dos docentes e educadores de infância no âmbito da referida medida legislativa, pois, tal como os demais funcionários, agentes e servidores do estado, também os aumentos salariais que decorreriam da sua progressão na carreira se traduziriam num aumento da despesa pública.
21. Pelo contrário, a exclusão da aplicação dessas normas aos docentes e educadores de infância, colocá-los-ia numa situação de distinção discriminatória e conferir-lhes-ia um tratamento distinto dos demais funcionários e agentes públicos (identificados no n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55 – A/2010), destituída, a nosso ver, de fundamento material razoável e racional.
22. Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso».
Notificado para produzir alegações, o Ministério da Educação e da Ciência apresentou as conclusões que seguem:
«3 – O Recorrente não pode concordar com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, uma vez que, salvo o devido respeito, o Douto Tribunal não decidiu corretamente, ao recusar a aplicação da norma constante do artigo 24º nº 1 e 9 da Lei nº 55-A/2010 de 31 de dezembro, com fundamento na sua inconstitucionalidade.
4 – O Recorrente, Ministério da Educação e Ciência, não pode conformar-se com a decisão do douto tribunal a quo, na medida em que, e salvo melhor entendimento, não pode concordar que a norma constante do artigo 24º nº 1 e 9 da Lei nº 55-A/2010 de 31/12, segundo a interpretação, «a sua proibição de atos que consubstanciem valorizações remuneratórias e a sua determinação de não contagem do tempo de serviço prestado em 2011 abrangem os atos e tempo decorrentes da aplicação do artigo 8º nº 1 do DL nº 75/2010 de 23 de junho», possa, por qualquer forma, contrariar as disposições constitucionais constantes dos artigos 13º, 47º nº 2 e 59º nº 1 c) da CRP.
5 – O Decreto-Lei nº 75/2010 de 23 de junho, veio alterar o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, adiante designado por Estatuto da Carreira Docente (ECD), nomeadamente no que concerne às regras relativas à progressão na carreira de docente;
6 – O artigo 8º do referido diploma legal, estabeleceu um Regime Especial de Reposicionamento Indiciário;
7 – De acordo com a referida norma, o reposicionamento no índice 299 dos docentes que se encontravam, à data da entrada em vigor do diploma legal em apreço, posicionados no índice 245 há mais de cinco anos e menos de seis anos, dependia da verificação de três pressupostos de verificação cumulativa (seis anos de tempo de serviço prestado no índice 245 para efeitos de progressão na carreira, ter obtido no ciclo de avaliação do desempenho de 2007-2009 no mínimo a menção qualitativa de Bom e ter obtido na última avaliação do desempenho efetuada nos termos do Decreto Regulamentar nº 11/98, de 15 de maio, classificação igual ou superior a Satisfaz).
8 – A ora Recorrida, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 75/2010 de 23 de junho, detinha entre cinco e seis anos de serviço prestados no 6º escalão da anterior estrutura remuneratória da carreira docente (índice 245), fora classificada com Bom na avaliação de desempenho no biénio de 2007/2009 e com satisfaz na última avaliação de desempenho, efetuada nos termos do Decreto Regulamentar nº 11/98 de 15 de maio;
9 – Assim, pela aplicação do artigo 8º nº 1 do Decreto-Lei nº 75/2010, de 23 de junho, norma transitória relativa à progressão na carreira de docente, a ora Recorrida viria a transitar ao 9º escalão da carreira docente, no momento em que perfizesse seis anos de serviço no índice 245 da anterior estrutura, ou seja, em 23 de maio de 2011;
10 – Porém, esta progressão não se operou, em consequência da entrada em vigor da Lei nº 55-A/2010 de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011), uma vez que o reposicionamento pretendido pela ora Recorrida ficou então vedado por imposição legal, designadamente pelo preceituado no artigo 24º nº 1 e 2 da LOE para 2011, que proscreve e fere de nulidade todos os atos de que resulte valorização remuneratória do pessoal do Estado;
11 – As normas extraídas do artigo 24º nº 1 e 9 da Lei nº 55-A/2010 de 31 de dezembro, proíbem valorizações remuneratórias, determinando um congelamento das progressões na carreira e, consequentemente da inerente progressão salarial;
12 – Entre as situações previstas no nº 2 do artigo 24º da Lei nº 55-A/2010 de 31 de dezembro, encontram-se especificamente referidas, as alterações de posicionamento remuneratório e progressões, ou seja, precisamente a situação reclamada pela ora Recorrida, que pretendia ser posicionada no índice remuneratório 299 da carreira docente, na data em perfez seis anos de serviço, no escalão imediatamente anterior (245), ou seja, em 23 de maio de 2011;
13 – A Recorrida só perfez os seis anos de tempo de serviço prestado no índice 245 da carreira docente, o que, lhe permitiria, de acordo com o preceituado no Decreto-Lei nº 75/2010, de 23 de junho, o reposicionamento no índice remuneratório 299, em 23 de maio de 2011, ou seja, quando já se encontrava em vigor a Lei nº 55-A/2010 de 31 de dezembro;
14 – Encontrando-se a Administração impedida de prolatar qualquer ato que posicione um funcionário num outro índice remuneratório superior àquele em que está integrado, por força dos preceitos legais referidos, a pretensão da recorrente nunca poderia ser atendida;
15 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, decidiu não aplicar por julgar inconstitucional (por violação dos artigos 13º, 47º nº 2 e 59º nº 1 alínea a) da Constituição da República Portuguesa) o artigo 24º nº 1 e 9 da Lei nº 55-A/2010 de 31 de dezembro, porque entendeu que em virtude da aplicação daquelas normas, decorreria uma inversão da posição por parte da Recorrida e dos demais docentes na sua situação, na estrutura remuneratória da carreira docente, relativamente a outros docentes com menos tempo de serviço prestado no 6º escalão;
16 – Pelo que, segundo o entendimento do douto tribunal a quo, da aplicação da norma do artigo 24º nº 1 e 9 da Lei nº 55-A/2010 de 31 de dezembro, resultaria uma situação violadora dos princípios constitucionais constantes dos artigos 13º, 47º nº 2 e 59º nº 1 c) da CRP;
17 – Salvo devido respeito, o Recorrente Ministério da Educação e Ciência, não pode concordar com o entendimento que as normas em questão possam contrariar as disposições constitucionais constantes dos artigos 13º, 47º nº 2 e 59º nº 1 c) da CRP;
18 – O princípio da igualdade consubstancia um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português;
19 – No caso em apreço, assume especial relevância, o princípio da igualdade na sua vertente de proibição do arbítrio, o qual constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo, nesta medida, o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo;
20 – Nesta perspetiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual, de situações de facto iguais, e um tratamento diverso, de situações de facto diferentes;
21 – A vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina, no entanto, a liberdade de conformação legislativa, pois a pertence àquele, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente;
22 – Só quando os limites externos da «discricionariedade legislativa» são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma ofensa do princípio da igualdade na sua vertente de proibição do arbítrio;
23 – A Lei nº 55-A/2010 de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011), da qual faz parte integrante a norma cuja apreciação da constitucionalidade ora se requer, entrou em vigor em 1 de janeiro de 2011;
24 – A Lei do Orçamento de Estado para 2011 foi elaborada (tal como a anterior), e todas as que lhe sucederam (Leis do OE para 2012 e mais recentemente, para 2013), num contexto de uma especial particularidade, de graves dificuldades em termos financeiros do país, em que é exigido um esforço suplementar para superação dessas mesmas dificuldades, nomeadamente de diminuição da despesa pública;
25 – Nesta sequência, a partir de 1 de janeiro de 2011, por imperativo legal, ficou vedada a prática de quaisquer atos que consubstanciem valorizações remuneratórias, alterações de posicionamento remuneratório, progressões, promoções para todos os trabalhadores da administração pública;
26 – O interesse público, designadamente, o esforço nacional de consolidação e equilíbrio das contas públicas, é solicitado a todos os portugueses, pelo que o interesse público que se impõe, sobrepõe-se aos interesses particulares, sendo que o próprio interesse público apenas será garantidamente salvaguardado com o esforço de todos, sem distinção;
27 – Consequentemente, as normas que o TAF de Coimbra, não aplicou por imputar de inconstitucionais, resultam da prolação legislativa, e são impostas com vista à prossecução dos interesses gerais da comunidade politicamente organizada e afetam todos os trabalhadores da Administração Pública, sem distinção;
28 – A decisão do TAF de Coimbra ao recusar a aplicação das aludidas normas, julgando-as, indevidamente, inconstitucionais, colide, designadamente, com a vontade política de proceder à racionalização a gestão dos recursos financeiros públicos num momento de esforço nacional de consolidação e equilíbrio das contas públicas, sendo que este esforço de consolidação é nacional e é solicitado a todos os portugueses;
29 – O que constitui, além do mais, um verdadeiro alicerce e garante da própria ideia de Estado de Direito democrático enquanto condição necessária para o financiamento da economia portuguesa e realização da democracia social e económica (artigo 81º da CRP);
30 – O articulado da Lei do Orçamento do Estado para 2011 – Lei nº 55-A/2010, de 31/12 – confere neste domínio especial enfoque a um conjunto de medidas que visam a redução duradoura da despesa de funcionamento do Estado, em particular em matéria de redução da despesa pública com pessoal;
31 – Tais normas proíbem valorizações remuneratórias, determinando um congelamento das progressões na carreira e, consequentemente da inerente progressão salarial, as quais são aplicáveis a todos os trabalhadores da Administração pública, consubstanciando um regime legal com natureza imperativa e que prevalece sobre quaisquer outras normas legais ou convencionais, especiais ou excecionais em contrário, não podendo ser afastado ou modificado pelas mesmas;
32 – O caráter geral e abstrato da aplicabilidade das referidas normas, a todos os trabalhadores em funções públicas, sem exceção, consubstancia precisamente a salvaguarda dos princípios constitucionais de igualdade e justiça;
33 – Conceder à ora Recorrida a pretendida progressão, quando já se encontrava em vigor a Lei nº 55-A/2010 de 31 de dezembro, consubstanciaria uma clara violação daquele diploma legal, que é uma lei de valor reforçado, sendo certo que, consubstanciaria ainda, um tratamento manifestamente desigual relativamente a todos os restantes trabalhadores em funções públicas cuja progressão na carreira foi manifestamente afetada por aquela lei;
34 – As normas em questão, são aplicáveis a todos os trabalhadores do Estado identificados no nº 9 do artigo 19º da Lei nº 55-A/2010 de 31 de dezembro;
35 – A exclusão dos docentes e educadores de infância no âmbito da referida medida legislativa, consubstanciaria uma situação de distinção discriminatória (positiva) e tratamento privilegiado relativamente aos demais trabalhadores em funções públicas, destituída de qualquer fundamento razoável e racional, e nessa medida, ela sim, ofensiva do princípio da igualdade;
36 – O princípio da igualdade no acesso à função pública contido no artigo 47º nº 2 da CRP, tem um sentido significativamente semelhante ao princípio geral da igualdade e surge consagrado no artigo 47º da CRP, como um elemento constitutivo do próprio direito de igualdade;
37 – Embora o preceito legal refira expressamente apenas o direito de acesso, o seu âmbito normativo-constitucional, abrange igualmente o direito de ser mantido nas funções, e bem assim, o direito às promoções dentro da carreira;
38 – No entanto, a proteção constitucional da progressão na carreira que decorre do direito ao acesso à função pública constante do artigo 47º da CRP, não impõe que a lei ordinária assegure uma sistemática melhoria do estatuto remuneratório dos trabalhadores, antes conferindo ao legislador ordinário ampla liberdade para reordenar e reconstruir as carreiras dos trabalhadores do Estado;
39 – No caso em apreço, a previsão da progressão na carreira encontra-se efetivamente, prevista em legislação ordinária, sendo certo que, por força da entrada em vigor de uma lei de valor reforçado, essa progressão não se pôde operar;
40 – Encontra-se em causa o interesse público, designadamente, o esforço nacional de consolidação e equilíbrio das contas públicas, que é solicitado a todos os portugueses;
41 – Interesse público que se encontra numa posição de supra ordenação relativamente aos interesses particulares, uma vez que as medidas em causa consubstanciam um garante do Estado de Direito Democrático, pois são impostas com vista à prossecução dos interesses gerais da comunidade politicamente organizada, consubstanciando nessa medida, condição necessária para o financiamento da economia portuguesa e realização da democracia social e económica (artigo 81º da CRP);
42 – O artigo 59º nº 1 reafirma, no contexto dos direitos dos trabalhadores, o princípio fundamental da igualdade, repudiando discriminações entre trabalhadores, pelo que o mesmo não poderá deixar de ser lido em conjugação com o artigo 13º da CRP;
43 – Por isso à luz do princípio da igualdade, o essencial desta determinação constitucional, reside na proibição de diferenciações injustificadas entre trabalhadores;
44 – A Constituição garante a todos os trabalhadores o direito a uma justa remuneração, tratando-se por isso de um direito de natureza análoga à dos direitos liberdades e garantias;
45 – No entanto, e tal como já foi reconhecido pelo Tribunal Constitucional em abundante jurisprudência, o legislador ordinário dispõe de uma margem de liberdade de conformação não despicienda na concreta conformação do direito de retribuição;
46 – Assim, a lei pode, sem envolver qualquer retrocesso remuneratório, suspender uma esperada atualização salarial – Acórdãos 237/98 e 625/98.
47 – Aliás, neste contexto, nem sequer está excluída a possibilidade de, em contraste com a irredutibilidade da retribuição dos trabalhadores, a lei venha, designadamente, numa situação de grave crise orçamental, impor uma redução transitória do vencimento dos funcionários públicos;
48 – O que nos faz aportar à colação o Acórdão da 1.ª Secção do Tribunal Constitucional nº 85/2010, Processo nº 653/09 publicado no Diário da República, 2.ª série – N.º 74 – 16 de abril de 2010, página 19682;
49 – A ora Recorrida, pretendia ser posicionada no índice remuneratório 299 da carreira docente, na data em perfez seis anos de serviço no escalão imediatamente anterior (245), ou seja, em 23 de maio de 2011, à luz do preceituado no Decreto-Lei nº 75/2010, de 23 de junho, o que não veio a concretizar-se, por impedimento da Lei nº 55-A/2010 de 31 de dezembro;
50 – Outros docentes, porque reuniram as condições para progressão de que a lei ordinária fazia depender a sua progressão na carreira docente, em momento anterior à entrada em vigor da Lei do OE para 2011, progrediram, conduzindo a uma situação de desigualdade material na retribuição auferida por estes, em relação os docentes na mesma situação da Recorrida;
51 – A questão fundamental à luz do preceito constitucional contido no artigo 59º nº 3 da CRP, é aferir se esta distinção remuneratória se ficou a dever a diferenciações injustificadas,
52 – A diferenciação de retribuição entre aqueles docentes, ficou a dever-se à entrada em vigor de uma lei de valor reforçado (Lei do Orçamento de Estado para 2011) que impediu a progressão dos docentes que ainda não tinha reunido todos os pressupostos dos quais a lei ordinária fazia depender a sua progressão, enquanto que os outros docentes progrediram na data em que reuniram os pressupostos para o efeito, sendo certo que essa progressão não se encontrava ainda vedada pela Lei do OE;
53 – A Lei nº 55-A/2011 de 31 de dezembro foi aprovada num contexto de especial particularidade, de graves dificuldades em termos financeiros do país, em que é exigido um esforço suplementar para superação dessas mesmas dificuldades, nomeadamente de diminuição da despesa pública, as quais de resto, se mantiveram e até agravaram;
54 – Está portanto em causa o interesse público, designadamente, o esforço nacional de consolidação e equilíbrio das contas públicas, que é solicitado a todos os portugueses;
55 – Assim, a diferenciação remuneratória entre os docentes em causa, porque consubstancia uma decorrência da aplicação daquelas medidas, perfeitamente justificadas e contextualizadas, não se ficou a dever a diferenciações injustificadas;
56 – Nessa medida, a diferenciação salarial verificada entre aqueles docentes, não pode ser considerada uma violação do princípio constitucional contido no artigo 59º nº 1 da CRP, ou seja, não se verifica qualquer violação do princípio constitucional Direito à igualdade de remuneração laboral ou, seja “Salário Igual para trabalho Igual”;
57 – Nesta conformidade, conclui-se que a norma constante do artigo 24º nº 1 e 9 da Lei nº 55-A/2010 de 31/12, segundo a interpretação, «a sua proibição de atos que consubstanciem valorizações remuneratórias e a sua determinação de não contagem do tempo de serviço prestado em 2011 abrangem os atos e tempo decorrentes da aplicação do artigo 8º nº 1 do DL nº 75/2010 de 23 de junho», NÃO VIOLA as disposições constitucionais constantes dos artigos 13º, 47º nº 2 e 59º nº1 c) da CRP».
Notificada para o efeito, a recorrida não contra-alegou.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. A decisão recorrida recusou a aplicação do artigo 24.º, n.ºs 1 e 9 da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, na interpretação segundo a qual a sua proibição de atos que consubstanciem valorizações remuneratórias e a sua determinação de não contagem do tempo de serviço prestado em 2011 abrangem os atos e o tempo decorrentes da aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de junho.
É a seguinte a redação daquele artigo 24.º (Proibição de valorizações remuneratórias) na parte que agora releva:
«1 – É vedada a prática de quaisquer atos que consubstanciem valorizações remuneratórias dos titulares dos cargos e demais pessoal identificado no n.º 9 do artigo 19.º
(…)
9 – O tempo de serviço prestado em 2011 pelo pessoal referido no n.º 1 não é contado para efeitos de promoção e progressão, em todas as carreiras, cargos e, ou, categorias, incluindo as integradas em corpos especiais, bem como para efeitos de mudanças de posição remuneratória ou categoria nos casos em que estas apenas dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito».
Para o que cumpre apreciar e decidir, importa também atentar na redação do artigo 8.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) (Regime especial de reposicionamento indiciário), do decreto-lei de 2010:
«1 - Os docentes que, à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, estejam, independentemente da categoria, posicionados no índice 245 há mais de cinco anos e menos de seis para efeitos de progressão na carreira, são reposicionados no índice 299 de acordo com as seguintes regras cumulativas:
a) No momento em que perfizerem seis anos de tempo de serviço no índice para efeitos de progressão na carreira;
b) Tenham obtido no ciclo de avaliação do desempenho de 2007-2009 no mínimo a menção qualitativa de Bom;
c) Tenham obtido na última avaliação do desempenho efetuada nos termos do Decreto Regulamentar n.º 11/98, de 15 de maio, classificação igual ou superior a Satisfaz.
(…)».
A decisão recorrida recusou a aplicação da norma com fundamento em inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13.º, 47.º, n.º 2, e 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa.
2. A questão de inconstitucionalidade posta nos presentes autos já foi apreciada no Acórdão n.º 317/2013 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), mediante o qual se decidiu não julgar inconstitucional a norma que é objeto do presente recurso, com a seguinte fundamentação:
«A decisão ora recorrida julgou improcedente a argumentação do ora recorrido quanto à inconstitucionalidade de uma interpretação normativa isoladamente extraída do n.º 1 do 8º do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de junho. Resumidamente, aquele preceito legal determina uma progressão desfasada no tempo dos professores (titulares ou não, de acordo com o regime anteriormente vigente) colocados no índice 245, há mais de 5 anos mas há menos de 6 anos, sendo que tal progressão implicaria uma subida única de dois índices – até ao índice 299 –, mas apenas no momento em que perfizessem 6 anos naquela categoria. A decisão recorrida entendeu que tal mecanismo não seria inconstitucional, por força da aplicação direta daquele preceito legal, mas apenas por força do artigo 24º, n.ºs 1 e 9 da Lei n.º 55-A/2010. Ao fim e ao cabo, entendeu que o tratamento discriminatório dos professores com pelo menos 5 anos e menos de 6 anos de permanência no índice 245 apenas se consumaria com a não progressão para o índice 299, em 01 de janeiro de 2011, por força da entrada em vigor da norma orçamental que impediu qualquer progressão remuneratória na carreira dos professores dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário.
5. De modo a enquadrar a questão normativa a decidir, importa ter presente que o Tribunal Constitucional teve oportunidade de apreciar, recentemente, a pedido do Provedor de Justiça, a constitucionalidade da norma extraída do n.º 1 do 8º do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de junho, através do Acórdão n.º 239/2013 (que pode ser consultado in www.tribunalconstitucional/tc/acordaos/), o qual decidiu que:
«Constitui jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal, que são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade da remuneração laboral (consignado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), como decorrência do princípio fundamental da igualdade a que genericamente se refere o artigo 13.º da Constituição), as normas do regime da função pública que conduzam a que funcionários mais antigos numa dada categoria passem a auferir remuneração inferior à de outros com menor antiguidade e idênticas habilitações, por virtude de reestruturações de carreiras ou de alterações do sistema retributivo em que interfiram fatores anómalos, de circunstância puramente temporal, estranhos à equidade interna e à dinâmica global do sistema retributivo e sem relação com a natureza do trabalho ou com as qualificações, a experiência ou o desempenho dos funcionários confrontados. (…)
Ora, neste caso, parece ocorrer precisamente um caso de ultrapassagem de escalão remuneratório.
O artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 75/2010, determinou que os professores titulares que, à data da entrada em vigor do diploma, isto é, em 24 de junho de 2010, estivessem posicionados no índice 245 há mais de 4 anos mas há menos de 5 fossem reposicionados, nessa mesma data, no índice 272, desde que 'tenham obtido no ciclo de avaliação do desempenho de 2007-2009 no mínimo a menção qualitativa de Bom' e 'tenham obtido na última avaliação do desempenho efetuada nos termos do Decreto Regulamentar n.º 11/98, de 15 de maio, classificação igual ou superior a Satisfaz'.
Por seu turno, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do mesmo diploma, os professores que fossem detentores da categoria de professor titular, que preenchessem precisamente os mesmos requisitos relativos à avaliação do desempenho, e à data da entrada em vigor da lei estivessem posicionados no índice 245 há mais de 5 anos e menos de 6 anos seriam posicionados no índice 299, mas o seu reposicionamento no índice 299 foi diferido para o momento em que completassem a antiguidade de 6 anos. Parece resultar a contrario desta disposição que, até atingirem os seis anos de serviço no escalão 245, não haveria qualquer alteração da sua posição em termos de escalões remuneratórios e se manteriam no índice 245.
Esta interpretação isolada do artigo 8.º, n.º 1, não é, contudo, sistemicamente aceitável.
Na verdade, temos de ter em conta o artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º n.º 75/2010, de 23 de junho, cujo artigo 8.º, n.º 1, é agora impugnado, que, sob a epígrafe 'garantia durante o período transitório', determina que 'da transição entre a estrutura da carreira regulada pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 270/2009, de 30 de setembro, e a estrutura da carreira definida no presente decreto-lei não podem ocorrer ultrapassagens de posicionamento nos escalões da carreira por docentes que, no momento da entrada em vigor do presente decreto-lei, tivessem menos tempo de serviço nos escalões'.
Este preceito implica, portanto, que dentro do universo de docentes considerados pela lei em situação de igualdade em termos de mérito ou avaliação de desempenho e colocados antes da entrada em vigor da nova lei num mesmo escalão remuneratório, não possa suceder que os docentes mais antigos fiquem, por força da entrada em vigor da nova lei, reposicionados num escalão remuneratório mais baixo do que outros com menor antiguidade.
Ora o artigo 7.º, n.º 2, alínea a), fez transitar para o índice 272 os professores titulares que estivessem posicionados no índice 245 há mais de 4 anos mas há menos de 5 e apresentassem determinadas avaliações de desempenho, logo com a entrada em vigor da lei (24 de julho de 2010). Assim, não é legalmente admitido que os professores titulares posicionados precisamente no mesmo índice 245 e exatamente com as mesmas condições legalmente definidas em termos de avaliação de desempenho, mas sendo mais antigos no escalão remuneratório, passem, com a nova lei, a ficar num escalão remuneratório mais baixo. Deverão ser reposicionados, pelo menos, no mesmo escalão 272.
O atual Estatuto da Carreira de Educadores de Infância e professores do ensino Básico e Secundário visa introduzir critérios de progressão na carreira que valorizem mais o mérito na atividade docente do que a mera antiguidade na carreira. Mas isso não poderá nunca implicar que, por absurdo, fiquem prejudicados, em termos de remuneração, determinados docentes pelo simples e único facto de terem maior antiguidade, tendo exatamente as mesmas condições legais em termos de avaliação de desempenho. É precisamente esse absurdo que o artigo 10.º, n.º 1, da lei visa evitar.
Da conjugação do artigo 10.º, n.º 1, com os artigos 7.º, n.º 2, alínea b) e 8.º, n.º 1, resulta pois que os professores titulares com mais de cinco anos e menos de seis anos de tempo de serviço no escalão 245 (a que se refere o artigo 8.º, n.º 1), deverão pois ficar abrangidos no índice 272, logo com a entrada em vigor da lei, tal como sucede com os de menor antiguidade.
É, aliás, esta a interpretação da lei que faz o próprio Primeiro-Ministro, em representação do Governo enquanto órgão autor da norma, na sua resposta.
(…)
O Provedor de Justiça afirma, contudo, que uma tal interpretação não é seguida pela administração que não procedeu, e continua a não proceder, à atualização de escalões remuneratórios dos professores titulares em causa. Contudo, se assim sucede efetivamente, então a administração não estará a aplicar a lei de acordo com a sua devida interpretação sistemática à luz do artigo 10.º, n.º 1. A questão será então de legalidade e já não de constitucionalidade. A inconstitucionalidade da norma do artigo 8.°, n.º 1, só se verificaria se a norma do artigo 10.°, n.º 1, não existisse. Assim, não há qualquer problema de contrariedade com a Constituição.»
(…)
Com efeito só assim se teria [terá] por perfeitamente garantido o respeito pelo referido “direito à igualdade na remuneração laboral”, que a jurisprudência consolidada deste Tribunal tem sempre afirmado e reiterado. Fê-lo, sucessivamente, sempre que apreciou a constitucionalidade de normas jurídicas (ou interpretações normativas) que, fixando uma progressão remuneratória de apenas algumas categorias de funcionários, implicassem um prejuízo de funcionários com maior antiguidade na mesma categoria. Assim, cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 584/98, 254/2000, 356/2001, 426/2001, 405/2003, 646/2004, 323/2005, 105/2006, 167/2008, 195/2008, 196/2008, 197/2008, 378/2012 e 215/2013.
Conforme já registado no Acórdão n.º 239/2013, a eventual aplicação episódica, por parte de alguns órgãos ou serviços administrativos, de uma interpretação distinta daquela já apontada, apenas conduziria a um problema de “ilegalidade” na tomada de decisões individuais e concretas, mas não já a uma verdadeira questão de “inconstitucionalidade normativa”. Esta última conclusão afigura-se decisiva para a boa solução da questão em apreciação nos presentes autos. Ela resume-se a saber se a vedação legal – por via dos n.ºs 1 e 9 do artigo 24º da Lei n.º 55-A/2010 (que aprovou o Orçamento de Estado para 2011) – se afigura inconstitucional, por atentar contra o “direito à igualdade na remuneração laboral” [cfr. artigos 13º e 59º, n.º 1, alínea a), da CRP].
Em bom rigor, desde que se interprete os artigos 8º, n.º 1, e 10º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 75/2010, de modo conforme à Constituição – ou seja, de modo a que os professores com mais de 5 anos e menos de 6 anos no índice 245 vejam reconhecida a sua progressão ao índice 272, à data de 24 de junho de 2010 –, nada obstaria, à luz do “princípio da igualdade”, a que o legislador orçamental pudesse determinar a impossibilidade de progressão remuneratória, até ao índice 299, a partir de 01 de junho de 2011. Evidentemente, na medida em que a progressão ao nível intermédio – ou seja, ao índice 272 – se encontre garantida, por via de uma adequada interpretação daqueles preceitos legais, a norma extraída dos n.ºs 1 e 9 do artigo 24º da Lei n.º 55-A/2010 (que aprovou o Orçamento de Estado para 2011) não gera qualquer tratamento discriminatório entre os professores colocados no índice 245, à data de 23 de junho de 2010, em função do tempo de permanência naquela categoria.
Se todos os professores virem reconhecida a sua progressão até ao índice 272, com efeitos a 24 de junho de 2010, não se pode concluir que exista uma violação do “direito à igualdade na remuneração laboral” [cfr. artigos 13º e 59º, n.º 1, alínea a), da CRP], por se permitir que professores com menor tempo de antiguidade ascendessem ao índice 272, enquanto os de maior antiguidade permanecessem no índice 245.
6. Por outro lado, desde que garantida essa progressão até ao índice 272, a vedação legal de progressão remuneratório até ao índice 299, a partir de 01 de janeiro de 2011 – operada pelos n.ºs 1 e 9 do artigo 24º da Lei n.º 55-A/2010 (que aprovou o Orçamento de Estado para 2011) –, não se afigura inconstitucional. Isto porque, na linha do já decidido pelos Acórdãos n.º 396/2011 e n.º 613/2011 (cfr. in www.tribunalconstitucional.pt/acordaos/), a eventual proteção da confiança dos professores – decorrente do “princípio do Estado de Direito” (artigo 2º da CRP) –, apesar de abalada pela subsequente vedação de progressão remuneratória que havia sido negociada entre Governo e sindicatos, não se afigura comprometida, de modo desproporcionado, em função do “interesse público” na garantia da redução de um défice orçamental que implicou evidentes dificuldades de financiamento e, principalmente, atenta a natureza intrinsecamente transitória das soluções normativas adotadas – recorde-se, a esse propósito, que a Lei do Orçamento é de natureza intrinsecamente anual.
Apesar de o Acórdão n.º 355/99 já ter admitido que o “direito à progressão na carreira” decorre do “direito de acesso à função pública” (cfr. artigo 47º, n.º 2, da CRP), o Tribunal Constitucional também frisou que cabe ao legislador uma ampla margem de liberdade decisória para proceder à reorganização administrativa dos serviços públicos, incluindo a reordenação ou reconstrução das carreiras dos seus funcionários e agentes, desde que salvaguardado o respeito pelas situações jurídicas já constituídas e plenamente consolidadas.
Aliás, recentemente, também já se disse, através do Acórdão n.º 12/2012, que:
«(…) a proteção constitucional de progressão na carreira não implica a imposição de a lei ordinária prever uma evolução na carreira do funcionário caracterizada pela sistemática melhoria do seu estatuto remuneratório. O que decorre dessa garantia constitucional é que a progressão na carreira ocorra com direito às promoções profissionais que a lei determinar no momento em que se verificam os requisitos pessoais para tal necessários.
Cabe, por isso, na margem de liberdade do legislador prever – ou não prever – um sistema de progressão na carreira “automático”, que opere por mero decurso do tempo, pois é bem certo que a Constituição não impõe que o direito de acesso à função pública, do qual decorre o direito a progredir na carreira, tenha de ser assegurado através de um mecanismo de melhoria – automática, por antiguidade – da respetiva remuneração».
Por fim, quanto à decidida violação do “princípio da igualdade” (artigo 13º da CRP), reitera-se o que já se disse supra (cfr. § 5) sobre a necessidade de uma interpretação conforme à Constituição dos artigos 8º, n.º 1, e 10º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 75/2010. Evidentemente, desde que garantida a sua progressão até ao índice 272, reportada a 24 de junho de 2010, não pode concluir-se que a norma extraída dos n.ºs 1 e 9 do artigo 24º da Lei n.º 55-A/2010 (que aprovou o Orçamento de Estado para 2011) configure uma violação do “princípio da igualdade”, na medida em que nenhum professor com maior antiguidade se verá colocado em índice inferior aos de professores de menor antiguidade».
3. É este entendimento que agora se reitera, pelo que há que não julgar inconstitucional o artigo 24.º, n.ºs 1 e 9 da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, na interpretação segundo a qual a sua proibição de atos que consubstanciem valorizações remuneratórias e a sua determinação de não contagem do tempo de serviço prestado em 2011 abrangem os atos e o tempo decorrentes da aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de junho. É assim, além do mais, porque, repete-se, o artigo 10.º implica «que dentro do universo de docentes considerados pela lei em situação de igualdade em termos de mérito ou avaliação de desempenho e colocados antes da entrada em vigor da nova lei num mesmo escalão remuneratório, não possa suceder que os docentes mais antigos fiquem, por força da entrada em vigor da nova lei, reposicionados num escalão remuneratório mais baixo do que outros com menor antiguidade» (Acórdão n.º 239/2013).
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto à questão de constitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 20 de novembro de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros (votei a decisão sem prejuízo da declaração junta ao Ac. 239/2013) – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro..