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Processo n.º 682/2013
2.ª Secção
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação do Porto, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 570/2013:
«I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), foi interposto recurso, em 11 de junho de 2013 (fls. 173 a 175), de acórdão proferido, em conferência, pela 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, em 22 de maio de 2013 (fls. 148 a 169), para que seja apreciada a constitucionalidade “da interpretação empreendida no Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto quanto ao disposto no art. 3.º, n.º 1 e 2 do DL 2/98, de 3 de janeiro” (fls. 173).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 19 de junho de 2013 (fls. 176), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator verifique que não foram preenchidos algum ou alguns deles, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. A título prévio, deve registar-se que o recorrente nem sequer identificou qual a específica e concreta interpretação (alegadamente) extraída do artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, teria sido aplicada pela decisão recorrida. Com efeito, o requerimento de interposição de recurso limita-se a fazer referência à “interpretação empreendida no Douto Acórdão” (sic), sem explicar que interpretação normativa teria sido essa.
Caso não subsistissem outras razões, insuscetíveis de sanação, que obstam ao conhecimento do objeto do presente recurso, a Relatora teria procedido a convite ao aperfeiçoamento daquele requerimento, ao abrigo do n.º 6 do artigo 75º-A da LTC, para que o recorrente pudesse vir aos autos esclarecer qual o preciso objeto do presente recurso. Sucede, porém, que, mesmo que o recorrente pudesse esclarecê-lo, sempre subsistiria outro fundamento para não conhecimento do objeto do presente recurso: a falta de suscitação processualmente adequada de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Falta essa que jamais poderia ser colmatada mediante aperfeiçoamento, visto que careceria de ter ocorrido perante o tribunal recorrido e não, agora, perante o Tribunal Constitucional.
Por conseguinte, um eventual convite ao aperfeiçoamento corresponderia a um ato processualmente inútil, pelo que, por essa razão, não se procedeu a tal convite.
4. Conforme já se deixou antecipado, o recorrente não suscitou, de modo processualmente, adequado qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, perante o tribunal recorrido, de modo a que ele dela pudesse conhecer. Na verdade, na resposta ao Parecer do Ministério Público, o recorrente limitou-se a invocar o seguinte:
«A interpretação empreendida pela sentença em crise do art. 3.º, n.º 1 e 2 do DL 2/98, de 3 de janeiro é inconstitucional; dado que viola o princípio da presunção de inocência – art. 32.º, n.º 2, da CRP - , correlato processual do princípio in dúbio pro reo» (fls. 144).
Como é bom de ver que – à semelhança do que fez, agora, em sede de requerimento de interposição de recurso – o recorrente apenas reputou de inconstitucional uma pretensa interpretação extraída do artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, sem que conseguisse individualizar ou explicitar que interpretação normativa seria essa. Assim sendo, o tribunal recorrido ficou impedido de conhecer dessa questão de inconstitucionalidade normativa, pois não poderia substituir-se ao recorrente, definindo qual a interpretação normativa que ele teria entendido ser inconstitucional. Tanto assim é que, ao longo da sua fundamentação, a decisão recorrida nunca pondera a inconstitucionalidade daquela norma ou sequer a refere.
Sucede que, por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC, o recorrente estava onerado a suscitar, perante o tribunal recorrido, a questão de inconstitucionalidade normativa que pretende ver agora apreciada, pelo Tribunal Constitucional, visto que interpôs um recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. É evidente que o modo como redigiu a sua resposta ao Parecer do Ministério Público não configura uma suscitação processualmente adequada, visto que impossibilita o tribunal recorrido de identificar qual o sentido interpretativo que é reputado de inconstitucional.
Ora, em sede de fiscalização sucessiva concreta, o Tribunal Constitucional apenas pode rever, em sede de recurso, as decisões que os tribunais recorridos tenham tomado, a propósito de específicas questões de inconstitucionalidade normativa.
Assim sendo, conclui-se pela impossibilidade de conhecimento do objeto do presente recurso, em função do não cumprimento do ónus processual previsto no n.º 2 do artigo 72º da LTC.
III – Decisão
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Inconformado com a decisão proferida, o recorrente veio deduzir a seguinte reclamação:
«1- O Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão da Relação do Porto.
2- Este recurso para o Tribunal Constitucional foi interposto ao abrigo do art. 70.º, n.º 1, al. b) da Lei 28 /82 de 15 de novembro.
3- E tem por objeto a apreciação da interpretação empreendida no Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto relativamente ao disposto no art. 3.º, n.º 1 e 2 do DL de 28/98 , de 3 de janeiro.
4- A questão da constitucionalidade foi suscitada na Peça Processual Resposta do Arguido, que configura uma suscitação processualmente adequada.
5- E, por isso, foi admitido pelo Tribunal da Relação do Porto o recurso para o Tribunal Constitucional.
6- A questão suscitada na Resposta cai no âmbito do art. 70.º n.º 1 , al. b) da Lei 28/82 , de 15 de novembro,
7 - E, por conseguinte, deve a decisão sumária ser revogada e ordenada (pela Conferência) o prosseguimento do recurso do recorrente, notificando-se o mesmo, para apresentação das Alegações.» (fls. 187 e 188)
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público respondeu nos seguintes termos:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 570/2013, não se conheceu do objeto do recurso interposto por A. para o Tribunal Constitucional.
2º
Como nos parece evidente e se demonstra na douta Decisão Sumária, o recorrente nem “durante no processo”, nem no requerimento de interposição do recurso, identificou a interpretação normativa - que ancoraria no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro - cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada quer pela Relação do Porto, quer pelo Tribunal Constitucional.
3º
Na reclamação, o recorrente nada de concreto diz sobre essa ausência de identificação, desconhecendo-se, aliás, mesmo agora, que interpretação estaria em causa.
4º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Diga-se, desde já, que a presente reclamação não consegue explicitar – o que seria exigível para se poder alterar a decisão sumária – qual a concreta interpretação normativa que entende ter sido aplicada pela decisão recorrida e que considera inconstitucional, limitando-se a indicar, de modo vago, a “interpretação empreendida no Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto relativamente ao disposto no art. 3.º, n.º 1 e 2 do DL de 28/98, de 3 de janeiro” (cfr. § 3).
Ora, se outras razões não houvesse, esta persistência demonstra que o reclamante persiste em não aceitar que os processos de fiscalização da constitucionalidade pressupõem que as partes interessadas explicitem e especifiquem qual a concreta interpretação normativa que reputam de inconstitucional.
O reclamante não aduz, portanto, nenhum argumento adicional, limitando-se a repetir que teria suscitado uma específica questão de inconstitucionalidade normativa, sem demonstrar, contudo que a tenha explicitado, de modo preciso e adequado, pelo que se mantém a decisão reclamada.
III - DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 6 de novembro de 2013.- Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.