Imprimir acórdão
Proc. nº 521/2001
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figura como recorrente T... e como recorrido o Ministério Público, a Relatora proferiu Decisão Sumária no sentido de: a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso no que respeita à norma do artigo 123º, n.º 1, do C.P.P., quando interpretada no sentido de, em processo crime, a irregularidade decorrente da validação de apreensão fora do prazo legal ter de ser suscitada no momento da validação judicial da detenção ou nos três dias seguintes, por não se verificar o pressuposto processual do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa; b) Não tomar conhecimento do objecto do recurso no que respeita às normas dos artigos 141º, n.º 1, 178º, n.ºs 3 e 5, e 254º, alínea a), do C.P.P., quando interpretadas no sentido de, na sequência do primeiro interrogatório judicial de arguido, o despacho proferido a declarar válida a detenção implicar também a validação, ainda que implícita, das apreensões que foram efectuadas, por não se verificar o pressuposto do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na aplicação pela decisão recorrida da dimensão normativa impugnada; c) Julgar manifestamente infundada a questão relativa às normas dos artigos
174º, n.º 4, alínea b), e 177º, n.º 2, do C.P.P., quando interpretadas no sentido de ser válida a busca domiciliária sem autorização judicial realizada em casa habitada, quando o consentimento para essa busca seja dado pelo visado por essa diligência habitante dessa casa, sem intervenção da arrendatária que também habita o local; d) Não tomar conhecimento do objecto do recurso relativamente à norma do artigo
120º, n.º 1, do C.P.P., quando interpretada no sentido de estar vedado ao recorrente a invocação da nulidade da busca domiciliária à casa de seus pais, por se considerar que, sendo o pai do arguido visado pela diligência, o arguido não tem legitimidade para invocar ilegalidades em nome de seu pai, por não se verificarem os pressupostos processuais do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistentes na aplicação, como ratio decidendi, pela decisão recorrida da dimensão normativa impugnada e na suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade; e) Não tomar conhecimento do objecto do recurso relativamente à norma dos artigos 174º, n.º 4, alínea b), e 177º, n.º 2, do C.P.P., quando interpretada no sentido de a busca domiciliária realizada em casa habitada, sem autorização judicial, ser válida quando o consentimento é prestado por quem não sendo visado pela diligência tiver a disponibilidade da casa, sem consentimento do visado e de outros co-domiciliados, por não se verificar o pressuposto do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na aplicação pela decisão recorrida da dimensão normativa impugnada; f) Não tomar conhecimento do objecto do recurso relativamente às normas dos artigos 174º, n.ºs 4, alíneas a) e c), e 5, do C.P.P., quando interpretadas no sentido de ser válida a busca realizada em veículo automóvel bem como as apreensões aí realizadas, sem que tenha existido autorização para a busca e posterior validação judicial da mesma, por não se verificar o pressuposto do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na aplicação pela decisão recorrida da dimensão normativa impugnada; e g) Não tomar conhecimento do objecto do recurso relativamente às normas dos artigos 51º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, e 174º, n.º 4, alínea a), do C.P.P., quando interpretadas no sentido de, em busca realizada em veículo automóvel a suspeito de tráfico de estupefacientes, a falta de validação posterior da diligência originar uma mera irregularidade, por não se verificar o pressuposto do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na suscitação tempestiva durante o processo da questão de constitucionalidade normativa.
T... reclamou para a Conferência ao abrigo do artigo 78º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, afirmando o seguinte:
1° A presente reclamação é deduzida ao abrigo do disposto no artgº 78-A, nº 3 da lei 28/82 na redacção da lei 13-A/98.
2° A presente reclamação vem limitada à parte da decisão relativa à suscitada irregularidade das apreensões efectuadas ao reclamante, conformando-se o ora reclamante com a decisão quanto aos pontos C)D)E)F e G)
3° E dentro dessa matéria apenas quanto à alínea A do decidido, dado que a considerar-se procedente a presente reclamação, quanto a esse aspecto, nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso quanto à impetrada inconstitucionalidade das normas dos artgsº 141 n° 1, 178 n° 3 e 5 e 254 alínea A do C.P.P. quando interpretadas no sentido de, na sequência do primeiro interrogatório judicial de arguido, o despacho proferido a declarar válida a detenção implique também a validação, ainda que implícita, das apreensões que foram efectuadas, por violação do disposto no artgº 32 n° 1 da Constituição da República Portuguesa, a que se refere a alínea b) da decisão sumária prolatada e ora reclamada.
4° Efectivamente decidiu-se não tomar conhecimento do objecto do recurso a que alude a alínea B da decisão, dado o carácter instrumental dos recursos para o Tribunal Constitucional implicar a inutilidade do conhecimento do recurso quanto a esta questão, por qualquer que fosse a decisão, não produzir o seu conhecimento, qualquer efeito prático na decisão.
5° Assim verifica-se que a alínea A refere; a) não tomar conhecimento do objecto do recurso no que respeita à norma do artgº
123 n° 1 do C.P.P., quando interpretada no sentido de, em processo crime, a irregularidade decorrente da validação da apreensão for a do prazo legal, ter de ser suscitada no momento da validação judicial da detenção ou nos três dias seguintes, por não se verificar o pressuposto processual do recurso da alínea b) do nº 1 do artgº 70 da lei do Tribunal Constitucional, consistente na suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa;
6° Quanto à alínea A supra-referida, o Tribunal Constitucional considerou, em síntese que, o recorrente, ora reclamante apenas suscitou a questão da constitucionalidade normativa reportada ao artgº 123 n° 1 do C.P.P. no requerimento de reforma do acórdão de 10 de Julho de 2001.
6° Mais considerou o Tribunal que a questão relativa à tempestividade da arguição da irregularidade das apreensões, poderia ter sido anteriormente suscitada em moldes do Tribunal Constitucional dela poder conhecer convenientemente, pelo que assim sendo não se verifica o pressuposto processual do recurso da alínea b) do artgº 70 da lei constitucional.
7° O recorrente suscitou inicialmente no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a irregularidade decorrente da validação das apreensões depois do prazo legal do artgº 178 n° 5 do C.P.P.
8° O Tribunal indeferiu tal irregularidade com fundamento no facto de considerar que o despacho judicial subsequente ao primeiro interrogatório do arguido, validou implicitamente tais apreensões.
9° E O Tribunal da Relação de Lisboa considerou que, estando em causa uma irregularidade, a mesma deveria ter sido arguida, no máximo, 3 dias após o despacho judicial subsequente ao 1° interrogatório do arguido - por considerar também que o despacho judicial subsequente ao 1º interrogatório judicial de arguido detido validou implicitamente as apreensões realizadas.
10° Contudo o ora reclamante nunca configurou o seu recurso na perspectiva de estar a arguir qualquer irregularidade decorrente do despacho proferido após o 1 ° interrogatório judicial do arguido.
11° Sendo certo que as apreensões realizadas nos autos só foram validadas expressamente a fls. 68 e 69, num momento em que os autos se encontravam em segredo de justiça e só quando o reclamante teve acesso aos autos, pôde arguir essa irregularidade, dirigida a esse despacho, não podendo prever que o Tribunal da Relação de Lisboa, fosse fundamentar que o prazo para a arguição se contava desde o despacho proferido em sede de 1 ° interrogatório judicial.
12° Com efeito o prazo judicial para a validação das apreensões é diferente do prazo para o 1° interrogatório judicial de arguido detido, ou seja, resulta da própria lei que a validação das apreensões pode ser efectivada posteriormente ao despacho subsequente ao 1° interrogatório judicial de arguido detido, por comparação entre o artigo 141 n° 1 e 254 alínea A do C.P.P. e 178 n° 5 do mesmo diploma.
13° E o despacho de fls. 68,69 foi proferido em momento posterior, cabendo ao reclamante o direito de arguir a sua irregularidade a partir do momento em que tomou dele conhecimento, o que aliás fez.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da presente reclamação.
Cumpre decidir.
2. O reclamante impugna a Decisão Sumária na parte em que decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso no que respeita à norma do artigo
123º, nº 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de, em processo crime, a irregularidade decorrente da validação da apreensão fora do prazo legal ter de ser suscitada no momento da validação judicial da detenção ou nos três dias subsequentes [alínea a) da Decisão Sumária]. Para fundamentar a impugnação, o reclamante sustenta, em síntese, que só pôde arguir a irregularidade das apreensões no momento em que teve acesso aos autos, pelo que essa arguição foi tempestiva.
Ora, tais asserções não colidem com o fundamento da Decisão Sumária reclamada. Na verdade, o reclamante apenas procura fundamentar que a arguição da irregularidade das apreensões foi tempestiva. No entanto, a Decisão Sumária, na parte reclamada, fundamentou-se na não suscitação em tempo da questão de constitucionalidade normativa relativa à norma que fundamentou a decisão no sentido da intempestividade da arguição da irregularidade das apreensões. O que foi apreciado e decidido na Decisão Sumária sob reclamação foi apenas a questão de saber se o reclamante podia ter suscitado, antes da decisão recorrida, a inconstitucionalidade da norma do artigo 123º, nº 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de a irregularidade decorrente da validação da apreensão fora do prazo legal ter de ser suscitada aquando da validação judicial da captura ou prisão ou nos três dias seguintes. A esse respeito, considerou-se o seguinte: Nos presentes autos, o recorrente apenas suscitou a questão de constitucionalidade normativa reportada ao artigo 123º, n.º 1, do Código de Processo Penal no requerimento de reforma do acórdão de 10 de Julho de 2001 (o que de resto é expressamente referido no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade). No entanto, já no requerimento dirigido ao Juiz de Instrução Criminal do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em que requeria a declaração da invalidade das apreensões, e também nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o recorrente abordou expressamente a questão relativa à tempestividade da arguição da irregularidade. Nessa medida, podia, e por isso devia, suscitar então as questões de constitucionalidade de considerasse pertinentes. Não o fez, apenas suscitando a questão em análise no requerimento de reforma da decisão recorrida. Há pois que concluir que, quanto à questão que tem por objecto o artigo 123º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de a irregularidade resultante da validação extemporânea da apreensão ter de ser suscitada no momento da validação judicial da detenção ou nos três dias seguintes, não se verifica o pressuposto processual do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, que se traduz na suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa.
Verifica-se, pois, que os fundamentos da presente reclamação nenhuma relação apresentam com o fundamento da Decisão Sumária impugnada: o reclamante apenas procura demonstrar a tempestividade da arguição de irregularidades durante o processo, nunca se referindo à intempestividade da suscitação da questão de constitucionalidade normativa relativa à norma que fundamentou a decisão no sentido da intempestividade da arguição daquelas irregularidades.
Por outro lado, é claro que, em face dos elementos constantes dos autos, o reclamante teve oportunidade processual para suscitar, antes da decisão recorrida, a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada. Com efeito, o reclamante ponderou expressamente perante o tribunal a quo a tempestividade da arguição de irregularidades, podendo então suscitar as questões de constitucionalidade que considerasse pertinentes. Não tendo cumprido tal ónus, comprometeu decisivamente a possibilidade de o Tribunal Constitucional tomar conhecimento da questão em causa no âmbito de um recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (o que de resto é expressamente referido na Decisão Sumária reclamada).
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando consequentemente a Decisão Sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 3 de Outubro de 2001 Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa