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Processo n.º 77/01
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. Em 20 de Março de 2000. M... interpôs, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça de 3 de Janeiro de 2000 que lhe havia atribuído a classificação de 'Bom' no período de 26 de Março de 1997 a 31 de Outubro de
1999, invocando erro nos pressupostos de facto e violação do artigo 70º do Estatuto dos Funcionários Judiciais. Por decisão de 14 de Dezembro de 2000, foi anulada a deliberação em causa, julgando-se inconstitucionais os artigos 98º e
111º, alínea a), do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, 'quando conferem ao Conselho dos Oficiais de Justiça competência para apreciar o mérito profissional dos funcionários judiciais, por violação do artº. 218º, n.º 3, da Constituição', nos seguintes termos:
' (...) Vem a questão a propósito do acórdão do Tribunal Constitucional que julgou inconstitucional, por violação do art.º 218º, n.º 3, da Constituição
(introduzido pela Lei Constitucional n.º 1/82), as normas dos artigos 95º e
107º, a), do Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro (ac. n.º 2/2000, de 21 de Março de 2000, no D.R., II, n.º 231, de 6 de Outubro do mesmo ano). Tem a ver com a competência do COJ para apreciar o mérito profissional e exercer a função disciplinar sobre os oficiais de justiça. A deliberação recorrida foi proferida no domínio do actual Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto. Mas neste incluem-se iguais disposições: os artigos 98º e 11º, a). Assim, esta questão de constitucionalidade tem que ser colocada. O citado art.º 218º, n.º 3, é, ou não é, uma norma de competência? O art.º 218º, n.º 3, é apenas uma norma relativa à composição do Conselho Superior da Magistratura? O que aquele preceito legal diz, depois de no seu n.º 1 definir a composição obrigatória do CSM, é que a lei poderá prever que desse Conselho façam parte funcionários de justiça com intervenção restrita à discussão e votação das matérias relativas ao mérito profissional e exercer a função disciplinar sobre os oficiais de justiça. Uma primeira conclusão que me parece que se pode retirar é a seguinte: o onde quer que se discutam o mérito profissional e o exercício da função disciplinar sobre os oficiais de justiça, estes hão-de intervir. Em primeira linha o que a Constituição pretende é que os funcionários judiciais entrem na composição do órgão (qualquer que ele seja) que disponha de competência sobre aquelas matérias. E isso mesmo é feito pelo art.º 99º do EOJ. Isto, em primeira linha. A Constituição apenas autorizou ou permitiu que do CSM fizessem parte funcionários de justiça (voto de vencido no citado acórdão). Uma autorização ou uma permissão colocam ao legislador ordinário opções, escolhas, alternativas. E estas podem constar ou não da norma permissiva. No caso do art.º 218º, n.º 3, a Constituição esboçou algumas alternativas. Quais? o atribuir ao CSM a competência a respeito daquelas matérias e definir, em determinados termos, a composição deste; ou atribuir essa competência a outro
órgão cuja composição há-de respeitar aquela directriz? o Integrar, quando se trate de discutir aquelas matérias, na composição do CSM funcionários judiciais; ou não integrar? Do texto da lei parece-me que a alternativa escolhida constitucionalmente é só a segunda. Admitamos o primeiro termo desta alternativa. Não teremos dúvidas em afirmar que o CSM conhecerá das referidas matérias com a intervenção de funcionários de justiça. O segundo termo da alternativa só terá uma consequência: o CSM deliberará sobre aquelas matérias mas sem a intervenção dos funcionários. A questão da competência (melhor, o seu objecto) permanece incólume. Quer dizer, a escolha que a lei pode fazer é decidir positiva ou negativamente a intervenção dos funcionários no CSM não tem cabimento porque ele não vai tratar daquelas matérias - então o que está a fazer o art.º 218, n.º 3, da Constituição? Nada? Repare-se que, em bom rigor, o problema não é só do EFJ; é também da Lei n.º
10/94 que retirou do Estatuto dos Magistrados Judiciais a competência que lhe era atribuída por esse preceito constitucional. E, coerentemente, também retirou desse estatuto a possibilidade de no CSM intervirem os funcionários - as alterações introduzidas por aquela Lei, a respeito deste assunto, ficaram-se pela supressão, pura e simples, do n.º 2 do art.º 136º, do n.º 2 do art.º 137º e da al. b) do art.º 149º. Mas aquela Lei n.º 10/94 está fora do objecto de cogitação da presente sentença; sobre ela não nos pronunciaremos especificamente de forma a evitar o incurso em inconstitucionalidades consequenciais (...). Mas, independentemente desta última observação, o certo é que o art.º 218º, n.º
3, não fica implementado pela legislação ordinária; mais do que isso, o legislador ordinário não respeitou o comando que naquele se contém. Pode-se dizer, com a acutilância própria da caricatura, que aquele preceito constitucional fica a ‘pregar no deserto’. (...)'
2. Desta sentença vem interposto, pelo Ministério Público e pelo Conselho dos Oficiais de Justiça, o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea a) da Lei do Tribunal Constitucional. Nas suas alegações, pronunciou-se o Exm.º Procurador-Geral Adjunto em funções junto deste Tribunal no sentido da não inconstitucionalidade das normas sub judicio e, consequentemente, de ser concedido provimento ao presente recurso. O Conselho dos Oficiais de Justiça argumentou também no sentido da constitucionalidade das referidas normas, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
' (...) 3. O artº 218º, n.º 3 da CRP não atribui qualquer competência exclusiva ao CSM em matéria de jurisdição sobre os funcionários judiciais;
4. Permite apenas, como claramente resulta do seu teor, que o legislador ordinário alargue a composição do CSM, definida no n.º 1 deste preceito constitucional, de forma a que dele façam parte funcionários de justiça eleitos pelos seus pares e com intervenção restrita à discussão das matérias relativas à apreciação do mérito e exercício da função disciplinar, se a lei ordinária lhe atribuir tal competência;
5. Ou seja, esta norma constitucional ao referir que ‘a lei poderá prever’ deixa que a lei ordinária institua a forma e por quem deve ser apreciado o mérito e o exercício do poder disciplinar sobre os funcionários de justiça. (...)
11. As normas do EFJ que atribuem jurisdição ao COJ sobre os oficiais de justiça não são inconstitucionais pois não violam quer o artº 218º, n.º 3 da CRP, quer qualquer outro comando constitucional.' Por parte da recorrida não foram apresentadas quaisquer alegações. Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
Como se salienta na decisão recorrida, o Tribunal Constitucional teve já ocasião de apreciar a questão da constitucionalidade suscitada no presente recurso. Fê-lo, pela primeira vez, através da sua 1ª secção, em relação às normas dos artigos 95º e 107º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro, pronunciando-se (embora com um voto de vencido) no referido Acórdão n.º 145/2000
(publicado no Diário da República, II série, de 6 de Outubro de 2000) no sentido da sua inconstitucionalidade, por violação do artigo 218º, n.º 3, da Constituição da República. Depois desta decisão (e, também, do Acórdão n.º 292/00, que indeferiu pedido de reforma desta, formulado por um dos actuais recorrentes e fundado em 'manifesto lapso na determinação da norma constitucional' aplicável), tal juízo de inconstitucionalidade foi repetido, novamente com um voto de vencido, na 3ª secção deste Tribunal, pelo Acórdão n.º 159/2001 ( Não publicado). E sobre as normas correspondentes do novo Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto – os artigos 98º e 111º, alínea a), ora em questão –, pronunciou-se no Acórdão n.º 178/01 (Diário da República, II série, de 8 de Junho de 2001), proferido em conferência na 2ª secção, reiterando o julgamento de inconstitucionalidade. Como resulta da leitura destes arestos, a questão de constitucionalidade discutida (e na qual se centram, quer as alegações dos recorrentes, quer o voto de vencido do Acórdão n.º 145/2000) prende-se com o sentido a atribuir, à luz da garantia de independência dos tribunais, ao artigo 218º, n.º 3, da Constituição. Este dispõe:
'A lei poderá prever que do Conselho Superior da Magistratura façam parte funcionários de justiça, eleitos pelos seus pares, com intervenção restrita à
26/9/01discussão e votação das matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar dos funcionários de justiça.' Na sequência do decidido por este Tribunal nos citados Acórdãos, entende-se que esta norma deve ser interpretada, não apenas como relativa à composição do Conselho Superior da Magistratura, mas como norma impeditiva da atribuição das competências nela referidas a órgão diverso deste Conselho – conforme é, se não imposto pelo princípio da independência dos tribunais, certamente recomendado pela sua funcionalidade (sendo que nada impõe que este elemento seja desconsiderado na interpretação da norma constitucional). Nestes termos, e remetendo para a fundamentação dos Acórdãos citados, há que negar provimento ao recurso, confirmando o julgamento de inconstitucionalidade das normas em questão.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a. Julgar inconstitucionais, por violação do artigo 218º, n.º 3 da Constituição, as normas dos artigos 98º e 111º, alínea a) do Estatuto dos Funcionários de Justiça aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto; b. Em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita. Lisboa, 26 de Setembro de 2001 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa